31/12/2012
- 06h00
Lei deve proibir
ex-presidentes de disputar eleições, diz Sarney
FERNANDO
RODRIGUES
DE BRASÍLIA
Um dos
mais longevos políticos brasileiros, o presidente do Senado, José Sarney
(PMDB-AP), defende uma mudança na lei para regular o comportamento de
ex-presidentes da República. "Nós devíamos ter, no Brasil, uma legislação
que não permitisse a nenhum ex-presidente da República que voltasse a qualquer
cargo eletivo", sugere o político maranhense de 82 anos.
Sarney
chegou à Câmara como deputado federal pelo Maranhão em 1955. Nunca mais saiu da
política. Passaram-se já 57 anos. Foi presidente da República de 1985 a 1990.
Em seguida, fez o que agora não recomenda aos demais: disputou e venceu, pelo
Amapá, três eleições sucessivas para o Senado. Em 2015, quando termina seu
atual mandato, terá completado 24 anos no Congresso.
Ex-presidente
não pode disputar eleição (3:17)
José
Sarney disse que Estado deveria pagar pensão, escritório, viagens e segurança
para ex-ocupantes do cargo trabalharem pelo país.
Em
entrevista ao "Poder e Política", projeto da Folha
e do UOL, disse que agora não pretende ser mais candidato a nada. Começa seu
rumo à aposentadoria eleitoral no começo de 2013, quando deixa a presidência do
Senado. Um pouco melancólico, acha que as "medidas provisórias destruíram
o Congresso", mas não enxerga solução no curto prazo. Defende uma mudança
no sistema de governo para o parlamentarismo. "Até lá, nós vamos viver
baseados na qualidade do presidente da República de manter o país
estável".
Sobre sua
sucessão no Planalto, em 1989, tem uma avaliação sobre o candidato do PMDB a
presidente naquele ano: "O Ulysses cometeu um grande equívoco. O equívoco
do Ulysses foi achar que rompendo com o governo ele teria o apoio da opinião
pública". A personagem da crítica é Ulysses Guimarães (1916-1992), que
naquela disputa ficou com 4% dos votos, rompido com Sarney.
Político
moderado e ao longo da carreira posicionado do centro para a direita, Sarney
apoiou o governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Enxergou ali uma forma
de ilustrar sua imagem. Lula, conta Sarney, foi três vezes à casa dele para
pedir apoio. "Para mim, era muito bom. Durante todo esse tempo de político
[eu era] tido como conservador. Eu vi essa possibilidade de nós termos um
operário no poder".
Ao deixar
a presidência do Senado, no início de 2013, Sarney pretende ter menos
compromissos partidários. Quer desfrutar mais de sua "paixão" pelo
Maranhão. "É uma saudade que não passa".
A seguir,
trechos da entrevista realizada em 17 de dezembro:
Folha/UOL
- Ao assumir a presidência do Senado o sr. disse que talvez fosse a última
eleição que disputaria. É isso mesmo?
José
Sarney - Uma vez
o Virgílio Távora conversando comigo disse [que há] duas maneiras de a gente
largar a política militante. Ou quando o povo largava a gente, ou quando a
gente larga o povo. Nós temos outra, que é a idade. Eu, na minha idade, não
posso jamais pensar em ser candidato novamente ao Senado.
Em 2015 o
sr. pendura as chuteiras?
A
política só tem uma porta. Disse isso no meu discurso de entrada na Academia
Brasileira de Letras. Não tem porta de saída. Não poderei deixar de fazer
política, de ser político.
Do ponto de vista político eleitoral?
Mandatos
eletivos não vou ter mais. Também não quero ter atividades partidárias.
O sr.
está com 82 anos. Como está a sua saúde?
Muitas
vezes olhamos a nossa fotografia, mas não olhamos as nossas radiografias.
Graças a Deus, eu estou bem. Não posso me queixar.
E a política brasileira?
O Brasil tem um gargalo a ultrapassar. A sua
organização política. Nossas instituições políticas remontam ao século 19. Nós
ainda não conseguimos uma estrutura política como aquelas que servem as
democracias modernas e que dão estabilidade.
Por exemplo?
Hoje nós ainda estamos com as medidas provisórias.
Essas medidas provisórias destruíram o Congresso. Ao mesmo tempo, jogaram nas
costas do Executivo uma função que ele não tem. E jogaram nas costas do
Legislativo também algumas funções que ele não tem.
A Constituição de 88 transferiu ao Poder Executivo,
através das medidas provisórias, a capacidade de legislar.
Então, nem o Congresso funciona na sua plenitude.
E, também, o Executivo fica muito dependente dessas medidas. O resultado é que
se faz uma legislação circunstancial do dia a dia.
Mas todos os presidentes da República dizem que é muito difícil governar sem o instrumento da medida provisória...
É essa a grande armadilha que foi feita. É porque
sem as medidas provisórias, é impossível governar... E com elas, a democracia
jamais se aprofundará e as instituições jamais se consolidarão. Quer dizer, o
Congresso passou a entrar numa crise que vive até hoje.
De pouco poder?
De não legislar. Ele legisla para sancionar aquilo
que o Poder Executivo já legislou, porque já está em vigor. As medidas
provisórias. É isso que eu chamo de o grande gargalo.
A solução...
No Império, quando a Constituição passou a não
funcionar, foi feito um ato adicional. O ato adicional, então, conseguiu
estabelecer como funcionaria o regime parlamentarista, criou o conselho de
Estado. Ao mesmo tempo, transformou o poder moderador para que o país pudesse
realmente funcionar como funcionou.
Em algum momento, nós vamos ter um instrumento
dessa natureza. Ou uma constituinte limitada para colocar a Constituição de 88
em termos de tornar o Brasil com uma governança moderna.
A Constituição é híbrida sobre esse ponto. É ao
mesmo tempo parlamentarista e presidencialista. Nossa Constituição é tão falha
que nós já temos 67 emendas constitucionais. Os artigos que têm nessas emendas
são superiores aos artigos da Constituição. E temos em tramitação no Congresso
1.500 emendas constitucionais. E já passaram pelo Congresso nesses anos 3.500
emendas constitucionais.
No caso
das medidas provisórias, algum presidente será generoso a ponto de entregar
esse poder ao Congresso?
Esse é um
ponto que nós temos. É que ninguém abdica de poder.
E como
fazer?
Não se
faz a reforma política porque todos os que estão em mandatos eletivos pensam
que vão perder as condições que os levaram à conquista do mandato. E não se faz
a reforma das medidas provisórias porque os presidentes acham que vão perder
uma força muito grande.
Quando e
como isso será resolvido?
Como
todas as coisas de Estado se resolvem. Quando a crise se tornar paroxística.
Não é agora, então?
Não é
agora. Confesso que não vejo, numa visão de médio prazo, nenhuma possibilidade
de que isto possa ocorrer. Como também eu estou no Congresso há 54 anos e vejo
se falar em reforma política todo o tempo. E eu, às vezes, me entusiasmo, até
tenho tido várias iniciativas. Digo: "Agora, nós vamos fazer". Mas,
evidentemente, quando o assunto entra em marcha, não vai. Não avança.
Quando
avançará?
Esse
assunto só vai ser resolvido quando nós mudarmos do regime presidencialista
para o regime parlamentarista. Eu acho hoje que nós devemos entrar no regime
parlamentarista. Por quê? Porque nos momentos de crise, cai o governo. E a
estrutura continua estável. Não cria crise. Aqui, no regime presidencial,
qualquer crise atinge o próprio governo. Para sair disso, é muito difícil.
No
Império, nós tivemos o Poder Moderador. Na República, quando começou a
República, começou logo a ter os seus problemas. Primeiro foram as eleições.
Como fazer eleições se o povo quer votar no regime monárquico? Chegou ao ponto
em que o ministro da Justiça, que era o Campos Sales, fez uma reunião e disse:
"Olha, temos que fazer uma legislação para fraudar a eleição".
Foi a
chamada República Velha, com aquela legislação em que o Pinheiro Machado ficava
na porta do Congresso reconhecendo os mandatos. "Esse é nosso. Entra. Esse
é mais ou menos, corta". É isso que aconteceu.
O que
deu? Nas crises, as Forças Armadas queriam e assumiram essa função de poder
moderador. Elas mesmas diziam ter "destinação histórica" e começaram
com as intervenções militares. Essas intervenções militares foram,
periodicamente, se manifestando ao longo das crises que se criavam no Brasil.
Numa
democracia moderna, amadurecida, essa função de poder moderador é feita nos
países parlamentaristas. Países presidencialistas têm muito pouco no mundo
hoje. A não ser países autoritários, com ditadores.
Os EUA
são uma exceção?
Uma exceção, mas é muito diferente. O sistema
americano funciona, mas o Congresso também funciona fiscalizando o Executivo
permanentemente. É um regime muito diferente. Realmente, a federação existe. No
Brasil, não existe mais a federação.
E como
será até chegar o parlamentarismo?
Até lá,
nós vamos viver baseados na qualidade do presidente da República de manter o
país estável.
Alguma
coisa será aprovada no curto prazo do que se chama reforma política?
Duas
coisas vão ser aprovadas. Primeiro, o financiamento de campanhas. Isso aí, nós
vamos aprovar. Essa é uma parte que vai se fazer.
O que mais?
Proliferação
de partidos. Vai se encontrar uma solução porque todos já estão sentindo que é
impossível. Principalmente agora que a Justiça decidiu que eles têm acesso
imediato ao fundo partidário e à televisão.
Está
acontecendo um fenômeno que está matando os partidos grandes. Porque ninguém
quer mais concorrer em partido grande. O que todo mundo faz: vendem-se pequenas
legendas, fazem esses acordos espúrios em nível baixo. Então, os candidatos que
são eleitos têm votação que às vezes correspondem a um terço da votação, ou
muito menos do que isso, dos candidatos que foram eleitos nos grandes partidos.
Ainda
existe o risco de volta dos militares?
Isso
afastamos definitivamente. O Brasil superou essa fase.
E quais
valores emergiram no lugar?
Primeiro,
estamos atravessando o maior período em que o país já teve de estabilidade
constitucional sem nenhum problema, nenhuma ruptura. Funcionou de tal maneira
que tivemos até um impeachment de um presidente. E o país caminhou.
A
Constituição de 88, se por um lado deu problemas, por outro deu uma
estabilidade muito grande que o país necessitava, que foi a sua visão social.
Nós entramos com uma visão social e não somente com a visão econômica que
tínhamos. Isso fez com que tivéssemos uma paz social. O povo participou mais da
riqueza nacional. Nós tivemos essa grande melhoria de vida do povo e alguns
valores emergiram. O valor da liberdade. O valor da igualdade. A busca da
transparência.
É quase a
revolução francesa...
Liberdade,
igualdade, também, e fraternidade. Fraternidade o povo brasileiro já tem no
fundo. Nós já temos uma massa capaz de manobrar a fraternidade porque,
realmente, nós temos uma formação de um povo pacífico.
Mas o
patrimonialismo persiste.
Esse é um
fenômeno histórico que vem da colônia. Os portugueses vieram para cá não para
criar uma nova pátria, mas para enriquecer. Naquele tempo, à custa de quê? A
custa do Estado. E voltar para a metrópole.
Ao longo
do tempo, essa mentalidade foi a do Estado protetor. O Estado que faz tudo. De
onde saem todas as dádivas. Tudo acontece por causa do Estado. Até mesmo hoje
isso remanesce. Todo mundo quer uma lei.
É que nós
vemos no Congresso. Ninguém sabe quantas leis temos no Brasil. Trezentas mil?
Ninguém conhece. Todas buscando proteger, de alguma maneira, alguma coisa. As
carreiras. Todo mundo quer estender o seu poder, os seus benefícios. Participar
do Estado protetor.
Agora em
2012 o Senado aprovou a regulamentação da profissão de historiador...
Para você
ver a que ponto nós estamos chegando. Até profissão de historiador. Quer dizer,
agora eu até não sei se estou me excedendo quando escrevo sobre história, não
é? [risos].
Além do
patrimonialismo na relação com o Estado, há o personalismo na política...
É porque
os partidos políticos no Brasil praticamente não existem. Nós não temos uma
tradição de partido nacional.
Partido
nacional no Brasil foi tratado na Lei Agamenon Magalhães de 1946. Outros países
da América Latina tinham partidos centenários. E nós [não]. Por quê? Porque nós
tínhamos partidos estaduais. Essa tradição de partido estadual remanesce até
hoje.
Se
olharmos bem, vamos verificar que os partidos são ainda regionais. Quando os
militares assumiram o poder em 1964, acabaram com os partidos. Mas foram
obrigados, por essa tradição brasileira e pelas realidades locais, a criar as
sublegendas. Que, na realidade, ao invés de ter dois partidos que eles criaram
[Arena e MDB], naquele tempo com 23 estados, eles dobraram. As sublegendas se
disseminaram e ficaram como partidos.
Quando se
fundou o Partido Libertador, foi do Rio Grande do Sul. O Partido Republicano
era um partido mineiro. Hoje, os grandes partidos são todos de São Paulo. A
partir de São Paulo, nos Estados eles funcionam quase como registradores de
candidatos nas eleições. Do PMDB de São Paulo, nasceu o PSDB. O PT é um partido
também que nasceu em São Paulo. Se nós estudarmos cada um deles, vamos
verificar que a origem é estadual.
Algum
partido é mais nacional?
Nenhum.
Nem o PT?
Não. O PT
não foi fundado como um partido, mas como uma federação de tendências num mundo
ainda profundamente marcado pela ideologia que desapareceu. É difícil o PT ter
unidade.
Mas o PT
tem um amálgama que é o ex-presidente Lula.
Ele [o
PT] tem uma coisa que, no Brasil, os partidos nunca tiveram. Como um partido de
massa, ele se transformou num partido da classe operária.
O modelo
do PT é de um partido de massa. Baseado muito nos partidos europeus que têm
também o seu braço sindical. O PT tem as suas centrais [sindicais] e capacidade
de mobilização.
Como foi
sua reconciliação com o ex-presidente Fernando Collor?
Nós não
tivemos um momento de reconciliação porque, no meu temperamento, eu não gosto
de declarar guerra a ninguém. Podem declarar a mim. Mas eu não aceito
adversário voluntário. Eu me coloco como se fosse uma terceira pessoa nesses
fatos. No caso, nunca tive problema de natureza pessoal com o presidente
Collor. No governo, ele me atacou muito. Na campanha ele me atacou muito. Todos
eles. Não tive um candidato que me defendesse. Era difícil sobreviver.
Por que
Ulysses Guimarães, candidato a presidente pelo PMDB, também partido do sr., não
o defendeu em 1989?
O Ulysses
cometeu um grande equívoco: achar que rompendo com o governo, ele teria o apoio
da opinião pública. Na realidade, nenhum governo em qualquer situação deixa de
ter, no mínimo, 20% de apoio na opinião pública.
O Ulysses
resolveu que até na convenção proibissem que os candidatos do PMDB subissem com
os nossos ministros que eram do PMDB no palanque. Isso foi uma decisão tomada
pelo então [candidato à] vice-presidente, Waldir Pires.
Diante
disso, o PMDB não podia ter legitimidade popular para atrair os que eram contra
o governo. O PMDB tinha sido instituidor do governo. Tinha participado do
governo. Participava do governo.
Então,
abriu esse espaço. Entrou o PT e entrou o Collor -que não sendo atraído pela
parte ideológica, tinha entre todos os outros partidos a opinião nacional,
classe média, classe conservadora.
Com essa
fragilidade, nas eleições de 89, Lula foi para o segundo turno com 16% do
eleitorado. O Ulysses teve 4%. Se ele tivesse tido o nosso apoio, se ele
tivesse se integrado às nossas forças, porque eu dei liberdade a todos os meus
amigos, os nossos ministros, ele teria no mínimo 20%, 25% e iria para o segundo
turno. Inevitavelmente, seria eleito. Ele foi vítima dos seus próprios
companheiros.
Ulysses
ajudou a cristalizar a fragmentação já existente no PMDB?
O PMDB se
fragmentou todo quando ele perdeu a perspectiva de poder. Sabiam todos que o
Ulysses não seria eleito, que essa estratégia tinha falido. Então, o PMDB se
fragilizou.
Em 1989,
Lula e o PT o criticaram. Agora, são seus aliados. O que se passou?
Eu acho
que durante a campanha de 89 ele não me atacou tanto pessoalmente. O Collor era
muito mais pessoal.
Lula
atacava mais o governo. Não tivemos esse embate de pessoa a pessoa.
Não tive
nenhuma ligação com o Lula. Mas quando eu escrevia na "Folha de
S.Paulo", quiseram fazer uma campanha contra o Lula. Eu era absolutamente
adversário do Lula, tinha uns 15 anos depois que eu já tinha deixado o governo.
Eu fiz um artigo "A Lula o que é de Lula". Dizendo que ele, sendo um
líder operário, não podia ser atacado da maneira como ele estava.
Teve
algum momento em que conversaram pessoalmente naquele período?
Nunca
conversei pessoalmente com o Lula naquele período.
E no
governo Lula?
Olha,
dizem assim: "O Sarney está apoiando o governo". Eu nunca saí da
minha casa para ir à casa de ninguém e dizer assim: "Eu vim aqui para lhe
apoiar". O Lula foi à minha casa três vezes. Na campanha dele. Buscaram o
meu apoio em companhia do José Alencar.
A
conversa era no sentido de apoiar-lhe. Eu achei que era do meu dever. Para mim,
era muito bom. Durante todo esse tempo de político [eu era] tido como um
político conservador. Eu vi essa possibilidade de nós termos um operário no
poder. De concluir o ciclo republicano com 100 anos da República. Nós saímos
dos baixareis que fizeram a República: Prudente de Moraes, Campos Sales. Já entramos
no Rodrigues Alves, que era um dos barões do café e era monárquico. Percorremos
os militares que ocuparam [o poder]. E chegarmos a esse período com um operário
no poder.
Nenhuma
classe brasileira pode dizer que esteve fora das decisões nacionais. Isso me
deu a responsabilidade de dizer que eu, apoiando o Lula naquele momento,
afastava um pouco o medo que se tinha, nacionalmente, de que o Lula ia fazer
uma revolução socialista.
Como
seria institucionalmente correto o Brasil cuidar de seus ex-presidentes da
República?
Eu acho
que nós devíamos ter, no Brasil, uma legislação que não permitisse a nenhum
ex-presidente da República, deixando o governo, que ele voltasse a qualquer
cargo eletivo.
Devia ser
proibido?
Devia ser
proibido.
Contrariando,
inclusive, a sua carreira, a de Itamar Franco e de vários?
Devia ser
proibido. Devia-se dar ao ex-presidente da República as condições para ele
exercer as funções do ex-presidente da República.
Quais são
elas?
Tendo
sido um presidente da República, é detentor de informações muito preciosas. Ele
é detentor de uma visão do Brasil, do seu país, em nível internacional, da sua
inserção a nível mundial. Pode ser um braço não governamental das negociações
em que o governo não pode entrar diretamente, para ser um homem apaziguador.
Essa é a função do ex-presidente, como ele exerce nos Estados Unidos. Mas ele
tem que ter condições.
Quais
condições?
O Estado
devia dar-lhe uma pensão de sobrevivência [ao ex-presidente], assegurar um
escritório, viagens, segurança permanente. Porque um ex-presidente deixa no
governo inimigos, deixa pessoas no mundo dessa natureza.
Hoje um
ex-presidente tem direito à segurança e a uma pensão...
Não,
pensão não tem. Tem direito à segurança, isso a legislação brasileira assegura.
São seis pessoas que formam seu staff. A segurança e mais três assessores.
O Estado
paga os salários desse staff?
Desse
staff.
O que
mais deveria ter?
Exatamente
o que tem nos Estados Unidos, não mudaria nada.
Descreva.
Ele [o
ex-presidente] tem direito a um escritório. Forma o seu escritório numa
repartição pública qualquer. O governo dá a ele, ou ele estabelece o
escritório. Dá uma verba anual de representação, paga esses funcionários lá da
representação, as pessoas que trabalham lá com ele. Dá condições de mobilidade,
dá segurança e dá apoio ao ex-presidente.
Com isso,
o [Jimmy] Cárter [ex-presidente dos EUA] viaja o mundo inteiro. O [Bill]
Clinton tem feito a mesma coisa. Todos os ex-presidente americanos fazem isso.
Mas por
que então o sr. como ex-presidente voltou para a vida eleitoral?
Naquela
época em que eu tinha deixado a Presidência, eu não pensava em voltar à
política. Mas houve o problema do Collor. Todas as forças políticas que tinham
ficado contra mim foram me pedir que eu voltasse. Porque com esse temperamento
moderador, do diálogo, de sempre procurar harmonizar conflitos, eles achavam
que era importante a minha presença dentro do Congresso Nacional. Eu aceitei
voltar para prestar um serviço ao país naquele momento.
Mas não
era novidade porque o Rodrigues Alves também voltou. O Itamar Franco, o Getúlio
[Vargas], o Juscelino [Kubitschek].
O sr. não
aconselharia o seu agora aliado Lula a disputar um cargo em 2014?
Em
teoria, eu estou lhe dizendo o que acho que deveria ser a Presidência da
República. Mas essas são decisões pessoais, que cada um tem que tomar.
O sr. vê
ânimo no Congresso para aprovar algo como o sr. defende?
Não. A
primeira coisa que dizem é que não se pode dar privilégio, que considera-se
isso privilégio. Mas, na realidade, não é privilégio. O país está investindo
nos seus homens públicos, que se deve preservar.
Hoje, 17
de dezembro de 2012, quando estamos gravando esta entrevista, o jornal "O
Estado de S. Paulo" publica que está sob censura há 1.235 dias, por
decisão judicial, impedido de divulgar dados de uma operação da Polícia Federal
que investigou seu filho, Fernando Sarney. Por que esse caso dura tanto tempo?
Os
advogados entraram com essa ação. No dia que deu entrada, eu publiquei uma nota
dizendo que não concordava. Por quê? Sempre tive a tradição de defender a
liberdade de imprensa e todos os seus setores no Brasil.
Mas por
que imediatamente não retirou [a ação] então?
Retirou.
Mas demorou
para retirar...
Não
demorou...
...Alguns
meses.
Demorou
alguns meses para retirar, mas ele retirou...
O governo
anterior do ex-presidente Lula e setores do PT, até hoje, falam sobre a
necessidade de haver um "controle social da mídia". O que o sr. acha
disso?
Eu sou
contra qualquer controle de mídia. Nunca a imprensa foi tão dura com um
presidente da República quanto como foi comigo no meu tempo. Mas alguns
excessos de liberdade de imprensa são corrigidos pelo tempo.
Cabe ao
Senado sabatinar os indicados para o Supremo Tribunal Federal. Essas sessões de
sabatina são quase uma homenagem. Como melhorar isso?
É ter uma
consciência de quem é indicado para ministro do Supremo Tribunal, como para os
outros cargos públicos, deve se submeter ao Senado não como se já fosse
ministro, mas como um pleiteante que suas qualidades devem ser julgadas e
avaliadas.
Os
senadores que fazem parte da comissão, que vão inquirir, devem aprofundar, ter
a noção de que ali não está a pessoa que já é detentora do cargo, mas que está
sendo sujeita ao seu exame. Eu concordo perfeitamente com você.
Deve se
repetir a chapa PT-PMDB com Dilma para presidente e Michel Temer de vice?
Acredito
que sim. Eu acho que não há nada que possa dizer que não deva ser. A aliança
com o PT e com o PMDB, ela hoje não tem nenhum problema.
O senador
Renan Calheiros deseja ser seu sucessor como presidente do Senado. Está
trabalhando para conseguir os apoios. Quais são as chances de Renan Calheiros?
Dentro do
Senado, nós temos o regimento que manda que a Comissão Diretora da Casa seja
constituída com a proporcionalidade dos partidos. Assim, o partido majoritário
indica o presidente. E os outros indicam proporcionalmente para os outros
cargos. Então é dentro das bancadas que se vai fazer a escolha. Nós devemos
respeitar a decisão da bancada. Agora, ele [Renan] é um nome de grande
expressão dentro da bancada.
Outros
poderiam ocupar a mesma posição?
Não vejo
ninguém pleiteando, exceto Renan.
Ao deixar
de ser presidente do Senado, como será a sua rotina a partir de 2013?
Você sabe
que os homens que viajam no espaço, quando eles entram na atmosfera da Terra,
eles vão se adaptando à atmosfera, a essa situação que se cria. De maneira que
eu já estou nessa fase, preparando-me para deixar a vida parlamentar, que é
muito difícil.
Mas quais
são seus planos?
Assim que
eu deixar o Senado, que não tiver compromissos partidários, eu acho que é muito
difícil eu resistir à paixão de voltar ao Maranhão. É uma saudade que não passa
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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
Gargalos institucionais
Folha de S. Paulo, 31 de dezembro de 2012.
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