Leões sob o trono, sobre o STF
|
23 Dez 2012
| |
Roberto Romano
Recente
entrevista do ministro Luiz Fux ilumina algo pouco analisado: se o
Supremo Tribunal Federal (STF) é a instância maior da Justiça, como são
escolhidos, de fato, os seus integrantes? Cito as palavras de Fux:
"Busquei apoio demais. Viajei para o Nordeste, achava que tinha que ter o
maior apoio político possível. O que é um erro, porque o presidente não
gostava desse tipo de abordagem. Quando nomeia, ele quer que sej a um
ato dele". O Palácio do Planalto tem primazia na escolha do candidato.
Para chegar ao presidente existem os favores. "Alguém me disse: "Olha, o
Delfim é uma pessoa ouvida pelo governo". Aí eu colei no pé dele"." E
surge o socorro da esquerda. "Ele (Stédile) me apoia pelo seguinte:
houve um grave confronto no Pontal do Pa-ranapanema e eu fiz uma mesa de
conciliação no STJ entre o proprietário e os sem-terra. Depois pedi a
ele para mandar um fax me recomendando e tal. Ele mandou." O líder e a
Corte (conservadora ou progressista) decidem longe dos "cidadãos comuns"
("leigos"...), que pagam impostos e quase nada recebem do Estado.
Soberania popular é fábula no Brasil.
O
ministro exibe a distorção republicana: a hegemonia presidencial
absoluta, algo que o (a) chefe do Estado deve ressarcir de mil modos. Os
pagamentos reiteram a ditadura do Executivo, garantida por favores
orçamentários, cargos, benesses. Perto de tal sistema, o conteúdo da
Ação Penal 470 é nonada. O balcão das trocas e o "é dando que se recebe"
definem a vida política. No caso do STF, o "exame" do Senado produz
náusea. E preciso mudar, para bem da autoridade pública, o modo como são
indicados os ministros do Supremo.
Nos
EUA, modelo de nossa prática, tensões e interesses econômicos,
políticos, religiosos, partidários entram na liça pelas cadeiras do
tribunal. Ali a escolha dos juizes tem origem em compromissos. Já o
Plano Ran-dolph, apresentado à Convenção da Filadélfia, adianta que o
Legislativo nacional indicaria os : membros da Corte. Mas os con-:
vencionais optam pela indicação do Executivo. Benjamin Franklin sugere o
corpo dos ad-: vogados, que escolheria os mais ; hábeis dentre eles.
Proposta vencida. Os choques vêm de antagonismos geográficos. Madison
defende a indicação pelo Senado e depois recusa o modelo com receio de
que a escolha favoreça "os Estados do norte".
Embora
os convencionais afirmassem desejar para a Corte pessoas íntegras e
peritas, ficou patente no debate a importância dos interesses que
presidiram a forma de escolha. Mas todo o Legislativo assume
responsabilidade na ordem dos tribunais, segundo o Judiciary Act de
1789.
Cabe
ao Congresso definir o tamanho da Corte Suprema. Várias propostas foram
apresentados aos legisladores para que a nomeação dos magistrados da
Corte resultasse do voto popular. Foram 13 projetos em tal sentido entre
1889 e 1926. Em 11 deles os juizes deveriam ser escolhidos pelos
eleitores e o presidente, eleito pelos seus pares. A proposta visava a
fazer do Supremo uma instância mais responsável em face da vontade do
povo. Das sugestões para mudar a escolha, a mais recente é de 1956. Nela
os indicados deveriam ter pelo menos cinco anos de experiência
judiciária em tribunais superiores do Estado ou federais.
Nos
EUA, a escolha dos postulantes ao Supremo leva, não raro, à recusa de
indicados. O Senado não impõe nomes. O presidente opta segundo alvos
científicos, políticos, econômicos, ideológico. Interesses díspares
exercem pressão sobre o comitê senatorial para o Judiciário (Senate
Judiciary Committee) para que tal ou tal indicado seja escolhido.
Como
analisar os juizes na Corte Suprema? O ideal do governo onde a lei é
soberana define a democracia. Trata-se de um paradigma. John
Schmidhauser (The Supreme Court: Its Politics, Personalities and
Procedures) usa um truísmo: as leis são feitas e interpretadas por seres
humanos. Aexegese legal traz a estampa dos que a fazem. A Corte
norte-americana reuniu, na maior parte, estadistas, e não fantoches dos
interesses civis e dos governos. Além do saber jurídico, a nação deles
recebe o impacto de sua pessoa, o maior ou menor grau de autoridade e
decoro. Eles, pelo menos desde 1937, defendem minorias contra o arbítrio
da maioria. Advertência de Schmidhauser: "É preciso analisar a moderna
tendência judiciária e sua ênfase nos direitos não econômicos" assumida
pelo Supremo estadunidense.
E
no Brasil? A história não é tão edificante. Na era Vargas, o onipotente
perseguiu oposicionistas (Luís Carlos Prestes, João Mangabeira, Julio
de Mesquita e outros), afastando a Justiça comum. Ele expõe à Câmara dos
Deputados o projeto de um tribunal de exceção, vetado pela Carta Magna
("Não haverá foro privilegiado nem Tribunais de exceção"). A frase
seguinte do texto ("Admitem-se,porém, Juízos especiais em razão da
natureza das causas") favorece o poder. O golpe é bem-sucedido e em
24/08/1936 surge o Tribunal de Segurança Nacional. Por unanimidade a
Corte Suprema o declara "em perfeito acordo com a Constituição da
República". Entre os atos do tribunal, um arruina o Direito: com o
empate no julgamento de João Mangabeira, o presidente, desembargador
Barros Barreto, vota... contra o réu (para outros aspectos do pre-tório,
Reynaldo Pompeu de Campos, Repressão Judicial no Estado Novo, 1982).
Disse o padre Laberthonnière: "Nao julgo a vítima, mas apenas os
juízess"...
E
tempo de mudar a forma de indicação para o STF e impedir o absolutismo
do Executivo. Se o desprezo pelos "leigos" afasta o voto dos eleitores,
que ao menos a comunidade jurídica indique os magistrados em escolha
ampia e transparente. Tenham eles prática em tribunais superiores e não
devam o cargo ao Executivo ou ao subserviente Legislativo nacional, nem
aos oligarcas dos partidos. Sejam poupados aos juizes os peditórios e
outros recursos cortesãos. Que se negue a tese de Francis Bacon sobre
eles, o seu triste papel de "leões sob o trono".
FILÓSOFO,
PROFESSOR DE ÉTICA E FILOSOFIA NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
(UNICAMP), É AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE "0 CALDEIRÃO DE MEDEIA"
(PERSPECTIVA)
|
domingo, 23 de dezembro de 2012
Leões sob o trono
O Estado de S. Paulo, 23 de dezembro de 2012,
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário