O Globo, 11 de
outubro de 2012.
Golpe contra a democracia
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Merval Pereira
A
democracia foi o centro da sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal que
formalizou a condenação do núcleo político do PT por corrupção ativa com
resultados que não deixam dúvidas da decisão do plenário: apenas dois
ministros absolveram o ex-ministro José Dirceu; só um absolveu o
ex-presidente do PT José Genoino, e o ex-tesoureiro Delúbio Soares foi
condenado por unanimidade.
No mesmo
dia em que se conheciam as cartas em que Dirceu e Genoino não poupam elogios
às suas próprias pessoas e se colocam como mártires de uma ação política que
está sendo perseguida por uma elite reacionária, os ministros do STF puseram
os pontos nos ii, demonstrando que o que está sendo condenado é uma tentativa
de golpe contra a democracia brasileira.
Na
definição do presidente do Supremo, Ayres Britto, "(...) sob a
inspiração patrimonialista, um projeto de poder foi feito, não um projeto de
governo, que é exposto em praça pública, mas um projeto de poder que vai além
de um quadriênio quadruplicado. É um projeto que também é golpe no conteúdo
da democracia, o republicanismo, que postula a renovação dos quadros de
dirigentes e equiparação das armas com que se disputa a preferência dos
votos".
Já Celso
de Mello analisou que o ato de infidelidade ao eleitor estimulado por
venalidade governamental, além de constituir "grave desvio
ético-político e ultraje ao exercício legítimo do poder", acaba por
gerar desequilíbrio de forças no Parlamento, tirando poder da oposição. Aqui,
ele tocou em ponto crucial: a migração de políticos, à custa de pagamento com
dinheiro público, da oposição para siglas da base, que cresceram às custas
desses expedientes, enquanto a oposição minguava.
Hoje temos
a menor oposição numérica desde a volta da democracia, apenas três partidos
assumem esse papel: PSDB, DEM e PPS. Os demais estão na base governista ou
aspiram estar nela, como o novíssimo PSD. O que começou com a compra de votos
em dinheiro, denunciado o esquema que hoje está em julgamento, passou a se
dar através da entrega de ministérios e cargos em órgãos públicos, numa
montagem de coalizão tão ampla quanto heterogênea, que só o exercício do
poder une.
O
presidencialismo de coalizão esteve na raiz das análises dos dois últimos
votos pela condenação do núcleo político petista. A compreensão de que é
preciso fazer negociações políticas para organizar base partidária que
permita a governabilidade foi explicitada pelos ministros, mas a
"maneira argentária" com que elas foram comprovadamente feitas no
início do primeiro governo Lula, organizada por Dirceu e Genoino, foi
considerada por Celso de Mello "um atentado ao estado de direito".
Para ele,
essa maneira "subverte o sentido das funções, traduz gesto de
deslealdade, compromete o modelo de representação popular e frauda a vontade
dos eleitores, gerando como efeito perverso a deformação da ética de
governo".
Já para
Ayres Britto, "com esse estilo de fazer política, excomungado pela lei
brasileira, o resultado de cada eleição, naturalmente, seria alterado do
ponto de vista ideológico".
Segundo
Celso de Mello, "há políticos, governantes e legisladores que corrompem
o poder do Estado, exercendo sobre ele ação moralmente deletéria,
juridicamente criminosa e politicamente dissolvente". Ele lembrou a
famosa frase de Lord Ackton, historiador, político e escritor inglês do
século XIX, "O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente",
para ressaltar "a falta de escrúpulos dos agentes perpetradores da falta
criminosa, a ação criminosa por eles exercida, a arrogância por eles
demonstrada e estimulada por um senso de impunidade e o comportamento
desonesto no desempenho de suas atividades".
O decano
concluiu sua análise sobre a compra de apoio político ressaltando "a
perigosa situação a que o país está exposto, dirigido por dirigente capazes
de perpetrar delitos difamantes".
Para Ayres
Britto, "esse catastrófico modo interpartidário de fazer política",
que ele definiu como a formação "pecuniarizada de alianças argentárias,
um tipo de coalizão excomungado pela Constituição", leva a que o perfil
ideológico que sai das urnas fique adulterado, ferindo a democracia.
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http://www.cartacapital.com.br/politica/a-direita-que-ri/
Julgamento do 'mensalão'
10.10.2012 11:53
A direita que ri
José Dirceu, como os demais condenados, foi tragado por uma circunstância criada exclusivamente pelo PT, a partir da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, data de reinauguração do Brasil como nação e república, propriamente dita. Uma das primeiras decisões de Lula foi a de dar caráter republicano à Polícia Federal, depois de anos nos quais a corporação, sobretudo durante o governo Fernando Henrique Cardoso, esteve reduzida ao papel de milícia de governo. Foi esta Polícia Federal, prestigiada e profissionalizada, que investigou o dito mensalão do PT.
Responsável pela denúncia na Procuradoria Geral da República, o ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza jamais teria chegado ao cargo no governo FHC. Foi Lula, do PT, que decidiu respeitar a vontade da maioria dos integrantes do Ministério Público Federal – cada vez mais uma tropa da elite branca e conservadora do País – e nomear o primeiro da lista montada pelos pares, em eleições internas. Na vez dos tucanos, por oito anos, FHC manteve na PGR o procurador Geraldo Brindeiro, de triste memória, eternizado pela alcunha de “engavetador-geral” por ter se submetido à missão humilhante e subalterna de arquivar toda e qualquer investigação que tocasse nas franjas do Executivo, a seu tempo. Aí incluída a compra de votos no Congresso Nacional, em 1998, para a reeleição de Fernando Henrique. Se hoje o procurador-geral Roberto Gurgel passeia em pesada desenvoltura pela mídia, a esbanjar trejeitos e opiniões temerárias, o faz por causa da mesma circunstância de Antonio Fernando. Gurgel, assim como seu antecessor, foi tutelado por uma política republicana do PT.
Dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, seis foram indicados por Lula, dois por Dilma Rousseff. A condenação de José Dirceu e demais acusados emanou da maioria destes ministros. Lula poderia, mas não quis, ter feito do STF um aparelho petista de alto nível, imensamente manipulável e pronto para absolver qualquer um ligado à máquina do partido. Podia, como FHC, ter deixado ao País uma triste herança como a da nomeação de Gilmar Mendes. Mas não fez. Indicou, por um misto de retidão e ingenuidade, os algozes de seus companheiros. Joaquim Barbosa, o irascível relator do mensalão, o “menino pobre que mudou o Brasil”, não teria chegado a lugar nenhum, muito menos, alegremente, à capa de um panfleto de subjornalismo de extrema-direita, se não fosse Lula, o único e verdadeiro menino pobre que mudou a realidade brasileira.
O fato é que José Dirceu foi condenado sem provas. Por isso, ao invés de ficar cacarejando ódio e ressentimento nas redes sociais, a direita nacional deveria projetar minimamente para o futuro as consequências dessas jurisprudências de ocasião. Jurisprudências nascidas neste Supremo visivelmente refém da opinião publicada por uma mídia tão velha quanto ultrapassada. Toda essa ladainha sobre a teoria do domínio do fato e de sentenças baseadas em impressões pessoais tende a se voltar, inexoravelmente, contra o Estado de Direito e as garantias individuais de todos os brasileiros. É esperar para ver.
As comemorações pela desgraça de Dirceu podem elevar umas tantas alminhas caricatas ao paraíso provisório da mesquinharia política. Mas vem aí o mensalão mineiro, do PSDB, origem de todo o mal, embora, assim como o mensalão do PT, não tenha sido mensalão algum, mas um esquema bandido de financiamento de campanha e distribuição de sobras.
Eu quero só ver se esse clima de festim diabólico vai ser mantido quando for a vez do inefável Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas Gerais e ex-presidente do PSDB, subir a esse patíbulo de novas jurisprudências montado apenas para agradar a audiência.
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