Cesar Maia
Sobre as nossas Câmaras Municipais
A Constituição de 88 deu força a vereadores. Mas, com o tempo, eles
deixaram de representar bairros ou ideologias. Hoje em dia, quase todos
são de clientela
O processo constituinte de 1986 (eleições), 1987 e 1988 ocorreu num auge
do movimento municipalista liderado pelo próprio governador de São
Paulo, Orestes Quércia. A começar pelo artigo primeiro da nova
Constituição, que incluiu os municípios como entes federados, igualando
seu status político ao dos Estados. É o único caso no mundo de Federação
com esse status municipal.
A reforma tributária aprovada na Constituinte beneficiou especialmente os municípios, que passaram de 14% da carga tributária nacional distribuída para 20%, um crescimento de mais de 40%.
Nesse quadro, as mais beneficiadas foram as capitais e grandes cidades. Depois da Constituinte, os Estados perderam participação, mas os municípios praticamente não.
As capitais enfrentavam forte crise financeira. O exemplo mais eloquente era a cidade do Rio de Janeiro, que quebrou. Mudanças nos impostos únicos sobre lubrificantes e combustíveis, energia elétrica e telecomunicações foram decisivas.
Antes, os municípios recebiam, quando recebiam, uma pequena porcentagem dos impostos únicos. Com a efetivação da nova Constituição, um ano depois as capitais foram financeiramente recuperadas.
Além disso, os municípios passaram a ter poder concorrente com os Estados em todas as funções de governo, exceto aquelas que a Constituição explicitamente elencava, como segurança pública, Justiça, Ministério Público e Tribunais de Contas. Assim mesmo, as cidades do Rio e São Paulo mantiveram seus tribunais de contas municipais.
As Câmaras Municipais tiveram seus poderes exponenciados. O maior deles foi quanto aos parâmetros e regras urbanísticas.
Até 1988, cabia ao poder executivo (prefeitos), por ato administrativo próprio, definir tudo sobre o uso do solo urbano. A partir de 1988, qualquer mudança de parâmetro urbanístico deve ser feita por lei.
Agregue-se a isso outros poderes dos vereadores: legislar sobre alíquotas dos tributos existentes, definir todas as posturas municipais (uso das ruas e calçadas), estabelecer, por iniciativa própria, normas para transportes, meio ambiente, ocupação sub-regional da cidade... Um exemplo é o plano diretor e a possibilidade permanente de emendá-lo.
No entanto, um ano depois, foi derrubado o muro de Berlim. Em pouco tempo, desintegraram-se a União Soviética e a Guerra Fria.
Com isso, a estrutura das Câmaras Municipais das capitais mudou. Elas contavam com vereadores de bairro, vereadores temáticos, vereadores ideológicos, além dos da tradicional clientela. Com o tempo, os ideológicos foram desaparecendo. Os comunitários -eleitos em sua própria base de bairro-, reduzidos (no caso do Rio, a dois). Com os temáticos aconteceu a mesma coisa (também dois, no caso do Rio).
Hoje, quase todos os vereadores são de clientela, com seus centros sociais e seus favores. Para isso, precisam de apoio. Depois da eleição de prefeito, aderem ao eleito no PG, o Partido do Governo. Em geral, não exercem o poder que têm no processo legislativo, mas buscam usar o voto para conseguir apoio para as suas ações de clientela.
Foram, assim, duas curvas pós-88 dos vereadores. Uma imediatamente ascendente: o poder constitucional adquirido. A segunda, progressivamente descendente. Cruzam-se, até a cristalização de uma enorme maioria galopando políticas de clientela. Entre as duas, uma taxa de troca que se cristaliza nos anos 2000.
O eleitor pragmaticamente termina com seu voto atraído para o que lhe parece prático: um representante de suas demandas de clientela. E, com isso, as necessidades fundamentais do eleitor ficam à margem. Vale lembrar Eva Peron: "Onde há uma necessidade, há um direito".
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