Valor Econômico, 9 de julho de
2012.
A democracia no Mercosul
Renato Janine Ribeiro
Para a
democracia funcionar hoje, ela precisa de dois fatores fundamentais, mas que
vivem em tensão e até se opõem: a mobilização popular e a segurança das
instituições. Sem a primeira, a democracia se torna fria, conservadora, sem
apelo. Sem a segunda, fica instável demais. Nos dois casos, se fragiliza. Uma
democracia muito institucional não acolhe o novo e a juventude. Repete o
passado. Mas uma democracia com permanente mobilização popular acaba se
matando, simplesmente porque o povo não consegue, nem gosta, de viver num
estado ininterrupto de militância. Daí que a arte da democracia atual esteja
num equilíbrio, sempre no limite de se desfazer e de desfazê-la, entre os
mobilização e instituições.
Como fica, nisso, o Mercosul? A Argentina merece particular atenção. Forma, com o Uruguai e o Chile, a trinca de países mais politizados da América do Sul. Contudo, desde Carlos Menem, o presidente "cap i cua" (do nome catalão para as palavras que são lidas da mesma maneira de frente para trás e de trás para frente, as quais teriam um poder particularmente forte, não se sabe se para o bem ou o mal), ela decaiu em mobilização popular e em segurança das instituições. A Argentina costumava pôr as massas na rua contra as canalhices do poder - golpes militares, torturas, desastres econômicos. Mas isso parece ter acabado. Passou a mobilização. Também padeceram as instituições. Menem e Kirschner mexeram fundo na Corte Suprema, que se politizou.
O Brasil parece ser uma história de sucessos, o que é algo paradoxal. Em termos de instituições, mantivemos as da ditadura. O primeiro Congresso do governo civil até respeitou os mandatos de uma das criações mais desprezíveis do regime autoritário, os senadores nomeados ou "biônicos". Mas, com o passar do tempo, completamos uma transição branda para a democracia. Muitos prefeririam que os remanescentes da ditadura tivessem sido excluídos da cena pública. Eles saíram de cena só com o passar do tempo, e ainda nem todos. Fomos brandos nisso como somos brandos na justiça social: com Lula, o Brasil não redistribuiu renda, porque não tirou dos ricos para dar aos pobres; aproveitou a bonança que viveu para dar a estes sem tirar daqueles. Por enquanto, deu certo. As instituições se renovam, embora, como tenho dito do Supremo Tribunal, sem entender bem o que é democracia (o STF é bom em direitos humanos, não nela). Quanto à mobilização, levou o PT à presidência e depois se arrefeceu.
Paraguai é fraco em instituições e mobilizaçãoComo fica, nisso, o Mercosul? A Argentina merece particular atenção. Forma, com o Uruguai e o Chile, a trinca de países mais politizados da América do Sul. Contudo, desde Carlos Menem, o presidente "cap i cua" (do nome catalão para as palavras que são lidas da mesma maneira de frente para trás e de trás para frente, as quais teriam um poder particularmente forte, não se sabe se para o bem ou o mal), ela decaiu em mobilização popular e em segurança das instituições. A Argentina costumava pôr as massas na rua contra as canalhices do poder - golpes militares, torturas, desastres econômicos. Mas isso parece ter acabado. Passou a mobilização. Também padeceram as instituições. Menem e Kirschner mexeram fundo na Corte Suprema, que se politizou.
O Brasil parece ser uma história de sucessos, o que é algo paradoxal. Em termos de instituições, mantivemos as da ditadura. O primeiro Congresso do governo civil até respeitou os mandatos de uma das criações mais desprezíveis do regime autoritário, os senadores nomeados ou "biônicos". Mas, com o passar do tempo, completamos uma transição branda para a democracia. Muitos prefeririam que os remanescentes da ditadura tivessem sido excluídos da cena pública. Eles saíram de cena só com o passar do tempo, e ainda nem todos. Fomos brandos nisso como somos brandos na justiça social: com Lula, o Brasil não redistribuiu renda, porque não tirou dos ricos para dar aos pobres; aproveitou a bonança que viveu para dar a estes sem tirar daqueles. Por enquanto, deu certo. As instituições se renovam, embora, como tenho dito do Supremo Tribunal, sem entender bem o que é democracia (o STF é bom em direitos humanos, não nela). Quanto à mobilização, levou o PT à presidência e depois se arrefeceu.
Mas o que dizer do país agora em foco, o Paraguai? Ele não é bom de mobilização nem de instituições. Criticando a diplomacia do governo atual, Elio Gaspari lembrou que a diplomacia de FHC, com apoio norte-americano, impediu o golpe do general Oviedo contra o presidente Wasmosy. Bem lembrado - mas bem diferente. Naquele caso, Washington foi contra o golpe. Mas, sobretudo, o que o episódio atesta é a frequência de exceções à vida institucional no país irmão. Houve um vice-presidente assassinado, dois presidentes destituídos pelo Congresso, um quase deposto. É muita coisa, em duas décadas. O julgamento sem defesa, que afastou Lugo, até poderia ser constitucional - e com razão Ricardo Noblat lembra que não o é, porque viola o direito de defesa assegurado pela Carta paraguaia. Mas, mesmo que o fosse, mostra uma fragilidade das instituições que assusta. Como, em menos de dois dias, se destitui um presidente da República? Isso não existe.
Para quem leu até aqui, observo o seguinte: toda a argumentação que precede é de origem conservadora. Defender as instituições é característica mais dos conservadores, que dos progressistas. Quem melhor entendeu o papel pedagógico das instituições foi Edmund Burke, na crítica que fez à Revolução Francesa. Muito bem. Já a defesa da mobilização é mais de esquerda. Partidos de centro ou da direita civilizada não mobilizam. Quem mobiliza gente por uma causa política é a esquerda em geral, ou a direita fascista. Estas têm militantes. Partidos liberais têm simpatizantes. Aliás, é por isso que para muitos, inclusive eu, a democracia exige direita e esquerda, desde, claro, que civilizadas (repito). Sem a esquerda, ela não mobiliza. Não consegue se renovar, atrair os jovens, viver. Sem a direita, ela não institucionaliza. Não consegue consolidar, equilibrar.
Pois, de novo, muito bem. O Paraguai é um dos países com mais porcentual da população filiado a um de seus partidos. Quinze ou mais por cento dos 7 milhões de habitantes são membros do Partido Colorado. Este, que governou o país durante toda a ditadura de Stroessner, seguiu no poder depois que o general foi deposto por seu consogro. Só em 2008, com Fernando Lugo, o partido saiu brevemente do poder. Mas os colorados continuam controlando o funcionalismo, o oficialato e - eis o curioso - tendo enorme número de filiados. Mas quer isso dizer que estes se mobilizam, que tomam as ruas por um projeto social? Não. Daí que a constitucionalidade paraguaia tenha problemas sérios, para falar em termos de teoria politica. Não há mobilização intensa para mudar as relações sociais e políticas. Não há instituições aptas a garantir que o jogo político seja limpo, e que quem ganhar levará. Neste quadro, a "cláusula democrática" do Mercosul, que afasta da aliança o país que deixar a democracia, se aplica.
Mas mesmo isso é triste. Nenhum país será democrático só porque um ou mais protetores dizem que não aceita golpes. Democracia vem de dentro. Será preciso que o próprio povo paraguaio rejeite soluções, por engenhosas que pareçam, que ameaçam o regime democrático. Por ora, as previsões não são boas.
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