O Estado de S. Paulo, 21 de julho de 2012-- editorial
A erosão do sistema
partidário
Se havia
necessidade de mais alguma prova da desmoralização do sistema
político-partidário brasileiro, a criação do Partido Ecológico Nacional (PEN)
resolveu o problema.
A nova
agremiação política, que obteve seu registro há um mês no Tribunal Superior
Eleitoral, buscava adesões entre parlamentares que desejavam mudar de partido -
o prazo final para essa transição era o dia 19 passado, e o PEN havia tido
pouco sucesso, com a filiação de um deputado federal e cerca de 30 estaduais.
É, em resumo, mais um partido nanico a tomar dinheiro do contribuinte e a obter
meios de barganha com tempo de TV.
A lei que
dispõe sobre a criação de partidos diz que todas as legendas têm direito a um
pedaço do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos,
conhecido como Fundo Partidário. Ou seja: não há necessidade nem de ser bem
votado para garantir o financiamento. Um partido nanico como o PRTB do notório
Levy Fidelix, por exemplo, fez jus a mais de R$ 1,5 milhão no ano passado.
Ademais,
se obtiver a votação mínima exigida para continuar a ter existência na Câmara
dos Deputados, o partido ganha o direito de veicular, uma vez por semestre, em
cadeia nacional de rádio e TV, um programa de 20 minutos. Também tem direito a
um programa por semestre em cadeia estadual. A lei dá ainda aos partidos
inserções de até 1 minuto em redes nacional e estadual, somando 40 minutos por
semestre. É um patrimônio nada desprezível, considerando-se que a exposição na
TV se tornou mais importante do que considerações programáticas - como provou o
histórico aperto de mão entre o ex-presidente Lula e o ex-prefeito Paulo Maluf.
O PEN,
portanto, fez um negócio de ocasião, recompensando o esforço pessoal de seu
criador, o ex-deputado estadual paulista Adilson Barroso Oliveira. Ele chegou a
incluir quatro irmãos, sua mulher e um filho no diretório nacional do partido,
para "fazer número" e viabilizar a criação da legenda. Regularizado,
o PEN, que terá o número 51 nas urnas a partir da eleição de 2014, agora começa
a encerar o balcão onde pretende receber seus fregueses.
Em seu
site, o partido diz que vai "preencher um espaço vazio no cenário político
brasileiro" e que seus projetos "afastam-se do campo político para
aproximarem-se do campo ecológico". O PEN também diz que ainda não decidiu
se fará ou não oposição ao governo federal, mas parece claro que será mais um
abrigo para insatisfeitos de partidos da oposição que planejam aderir à base de
apoio de Dilma Rousseff.
É um
discurso que emula o "idealismo" do prefeito de São Paulo, Gilberto
Kassab, ao criar seu Partido Social Democrático (PSD), aquele que "não
será nem de direita, nem de esquerda, nem de centro". Mas as semelhanças
acabam aí. Enquanto Kassab e congêneres almejam participar do Grande Jogo, os
nanicos desejam apenas explorar as brechas do sistema para auferir ganhos de
outra espécie. Nada que chegue perto do lucro do PP de Maluf, que desde seu
embarque na candidatura de Fernando Haddad (PT) tornou-se o segundo partido com
mais verbas destinadas pelo Executivo a projetos previstos no Orçamento. O PEN,
certamente, será mais modesto.
Tudo isso
seria quase nada se não refletisse a erosão do sistema político, que há anos
clama por reformas. A lei de criação de partidos diz que eles devem destinar-se
a "assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do
sistema representativo". Com seu matagal de siglas e sua leniência
jurídica, esse modelo parece ter se tornado refém de oportunistas, que exploram
suas falhas e fazem pouco de suas leis - como mostram as autuações por
propaganda eleitoral irregular, cujo valor é tão insignificante que os
candidatos infringem sistematicamente as normas e pagam as multas como se
fossem despesas correntes de campanha.
O PEN e
seus assemelhados não são apenas galhofas inocentes. Eles são um dos sintomas
da deliberada desestruturação institucional da democracia brasileira, com vista
a manter um arremedo de representatividade que mal esconde projetos de perpetuação
no poder de uns e a ganância de outros.
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