sábado, 6 de julho de 2013

Quem fiscaliza o TCU?

De fiscalização para alimentação

Autor(es): Vinicius Sassine
O Globo - 06/07/2013
 
TCU tira verba de seu programa de controle de gastos para pagar auxílio retroativo de ministros A presidência do Tribunal de Contas da União (TCU) retirou R$ 1,02 milhão do programa de fiscalização da aplicação dos recursos públicos federais - a principal atividade do tribunal, responsável pelo controle dos gastos da União - para depositar R$ 636,5 mil nas contas pessoais dos próprios ministros do órgão. O dinheiro depositado nas contas de 12 ministros da ativa e de seis já aposentados refere-se ao pagamento do auxílio-alimentação retroativo, regalia autorizada pelos próprios integrantes do TCU. A primeira parcela do benefício foi paga no mesmo dia - 6 de dezembro de 2012 - em que o então presidente do TCU, Benjamin Zymler, assinou a portaria que remanejou mais de R$ 1 milhão do programa de fiscalização para despesas com servidores. Em 26 de dezembro de 2012, os ministros receberam a segunda e última parcela da regalia. A portaria da presidência do TCU criou um crédito suplementar no Orçamento da União para pagar auxílio-alimentação a "servidores e empregados", como consta no documento, e também para capacitação de recursos humanos e assistência pré-escolar aos dependentes dos servidores. Os valores destinados a cada atividade foram de R$ 700 mil, R$ 250 mil e R$ 70 mil, respectivamente. Em contrapartida, ficou cancelada a destinação de R$ 1,02 milhão à atividade de fiscalização da aplicação do dinheiro público. A portaria esconde, portanto, a real destinação da principal fatia do dinheiro retirado do programa de fiscalização. tabela repassada via lei de acesso No dia 13 de junho, O GLOBO pediu que o TCU informasse se o crédito criado serviu para o pagamento do auxílio retroativo aos ministros. O tribunal demorou 14 dias para responder. "Sim, essa foi a fonte para os pagamentos de auxílio-alimentação devido aos ministros do TCU", respondeu a assessoria de imprensa no último dia 27. O tribunal também se negava a informar quanto cada ministro recebeu individualmente, e qual o valor total da regalia. Mas o atual presidente do TCU, Augusto Nardes, autorizou o repasse das informações no último dia 25. As maiores quantias foram pagas aos ministros substitutos Marcos Bemquerer (R$ 57,2 mil) e Augusto Sherman (R$ 56,2 mil). O ministro José Múcio Monteiro Filho, relator do primeiro processo que permitiu pagamentos retroativos a 2011, recebeu R$ 14,9 mil. Já Valmir Campelo, relator da decisão de retroagir os depósitos a 2004, recebeu R$ 55,8 mil. Na conta do ex-presidente Benjamin Zymler foram depositados R$ 52,2 mil e, na do atual, Augusto Nardes, R$ 44,7 mil. Ana Arraes, que ingressou no órgão no fim de 2011, foi a única a não ser contemplada com o benefício. A tabela repassada via Lei de Acesso à Informação mostra ainda que o TCU pagou R$ 159,8 mil a seis ministros aposentados. O maior repasse foi para Ubiratan Aguiar, que recebeu R$ 55,8 mil. Ele deixou o órgão em 2011. Na lista de beneficiários está um deputado federal, Humberto Souto (PPS-MG). Como ele deixou o tribunal em 2004, o pagamento foi de apenas R$ 322. Ao todo, o pagamento do auxílio-alimentação retroativo custou R$ 636,5 mil aos cofres públicos, valor próximo dos R$ 700 mil retirados do programa de fiscalização de recursos públicos para "auxílio-alimentação a servidores e empregados". "Os valores foram apurados após o fechamento da folha de pagamento, sendo, por esse motivo, pagos por meio de ordens bancárias. Referem-se a parcelas de caráter indenizatório, razão pela qual não constaram dos contracheques disponibilizados no Portal TCU", cita o secretário-geral de Administração do tribunal, Eduardo Monteiro, no despacho referente ao fornecimento de dados via Lei de Acesso. Segundo o secretário, as ordens bancárias estão registradas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal, que registra os pagamentos feitos pela União. decisão secreta em 2012 Numa decisão secreta, em agosto de 2012, os ministros do TCU permitiram o pagamento de auxílio retroativo aos integrantes de tribunais superiores. Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Superior Tribunal Militar (STM) receberam, ao todo, R$ 1,3 milhão, R$ 1,93 milhão e R$ 403,9 mil, respectivamente. Em setembro, o TCU permitiu os pagamentos a seus próprios ministros, com retroatividade a 2011, por entender que eles se equiparam aos ministros do STJ. Uma nova decisão, em 28 de novembro, estendeu os pagamentos de refeições desde 2004. A portaria que retirou o dinheiro do programa de fiscalização foi assinada oito dias depois. Em maio deste ano, por fim, o TCU liberou os pagamentos para os 4,9 mil juízes federais e do Trabalho, o que representará um gasto de R$ 312 milhões. Todas as decisões levaram em conta uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2011 que permitiu aos juízes receberem auxílio-alimentação, como já ocorre com os promotores de Justiça. A resolução, no entanto, não faz qualquer menção à retroatividade. Também não há decisões definitivas sobre o assunto por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu não fazer os pagamentos a seus ministros. O presidente do CNJ e do STF, Joaquim Barbosa, já declarou que vai propor a derrubada da resolução no próximo semestre. Numa votação sobre pagamento do auxílio na Justiça estadual, Barbosa criticou a decisão do TCU de beneficiar seus próprios ministros. - Normalmente, esse tipo de argumento é utilizado fazendo-se uso do Tribunal de Contas da União: "Ah, paguei porque o tribunal disse que é legal." Só que o TCU, nós sabemos, incorre, com muita frequência, em ilegalidades e inconstitucionalidades. Depende da conveniência - disse Barbosa no dia 11 de junho. O Orçamento da União já prevê repasses anuais para pagamento de auxílio-alimentação aos servidores do TCU. Em 2011, os gastos chegaram a 23,1 milhões e, em 2012, a R$ 24 milhões. O crédito suplementar, com dinheiro remanejado do programa de fiscalização de recursos públicos, foi necessário em razão da autorização dos pagamentos retroativos aos ministros.

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