segunda-feira, 8 de julho de 2013

Lições de Tocqueville

O Globo, 8 de julho de 2013.

Brasília faminta

Paulo Guedes, O Globo

A percepção popular de que sobram privilégios e falta responsabilidade à classe política ressoa na voz das ruas. No exato momento em que o povo reclama do desconforto diário e do alto custo para chegar ao trabalho e voltar para casa, gastando muito tempo e dinheiro com transportes públicos, os presidentes do Senado e da Câmara e o ministro da Previdência Social usam jatinhos da FAB para programações sociais com amigos e familiares.
É cada vez mais perturbadora a insensibilidade dos políticos aos desafios de uma democracia representativa diante de inovações tecnológicas como as redes sociais. Nesta nova era de transparência e responsabilização na condução de atividades públicas, há fotos e testemunhos de seus abusos da coisa pública em tempo real.
“A escalada dos impostos tornava os privilégios dos aristocratas mais evidentes e ofensivos ao restante da população. A centralização burocrática do poder político e dos recursos financeiros enfraqueceu também a legitimidade dos poderes locais. A manutenção dos privilégios e a ausência de responsabilidades destruíram a legitimidade da aristocracia”, diagnosticava Alexis de Tocqueville, em seu clássico “O Antigo Regime e a revolução” (1856).
“À medida que a opinião pública se inflama, o Parlamento avança sobre assuntos políticos, mas o governo central e seus agentes, com requintes aperfeiçoados pela experiência de ocupação da máquina pública, usurpam ainda mais poderes administrativos.”
Em seu capítulo VII, intitulado “Como a capital da França adquiriu preponderância sobre as províncias e usurpou ainda mais poderes para controlar a nação”, Tocqueville refere-se a uma carta escrita a um amigo por Montesquieu em 1740: “A França não é mais do que Paris e as poucas distantes províncias que Paris ainda não teve tempo de engolir.” Há uma crise de representatividade no ar. A social-democracia hegemônica não ousou enfrentar o Estado do Antigo Regime. Ante o desafio das reformas, preferiu aliar-se aos conservadores. Mesmo em sucessivas tentativas de estabilização, esteve sempre ausente a dimensão fiscal.
As alianças PSDB-PFL e PT-PMDB são o testemunho de uma transição incompleta do Antigo Regime para a Grande Sociedade Aberta. O abraço de Lula, Maluf e Sarney explica tudo.

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