Falta transparência na
administração pública
José
Matias Pereira
|
O Globo
- 10/02/2014
|
É relevante alertar que o Brasil — diante da
gravidade da informação de que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) não repassa dados necessários para permitir que o Tribunal
de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério
Público Federal (MPF) possam aferir suas operações mais volumosas — está
caminhando para inquietante e iminente cenário de conflitos políticos e
institucionais.
Conforme se depreende das informações veiculadas
pela mídia, o BNDES — que recebeu, desde o início da crise econômica mundial,
volume superior a R$ 400 bilhões do Tesouro Nacional — vem dificultando de
forma sistemática, desde junho de 2013, o acesso a informações detalhadas que
permitam ao TCU realizar auditoria para verificar a regularidade do uso de
recursos do banco na construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu,
bem como em outras duas obras de concessionárias de serviços públicos: uma
linha de transmissão para distribuir energia no Centro-Oeste e um terminal
portuário em Salvador.
No caso específico da hidrelétrica de Belo Monte,
conforme assinala o presidente do TCU, não foram disponibilizadas informações
básicas, como relatórios de análise, fontes de publicações e sites
especializados que serviram de base para o orçamento e a análise da
capacidade de pagamento do consórcio. O total do empréstimo concedido pelo
BNDES para o consórcio Norte Energia S.A. para a construção da usina é de R$
22,5 bilhões.
É sabido que onde existe fumaça há fogo. A
resistência do BNDES em facilitar o acesso aos dados solicitados pelo MPF e
pela auditoria do TCU sinaliza a possibilidade da existência de indícios que
podem revelar desvios e irregularidades na concessão de grandes empréstimos
subsidiados.
Frente a esse contexto obscuro, torna-se
recomendável fazer duas perguntas. A primeira é se a recusa do BNDES em dar
informações detalhadas para permitir uma avaliação da consistência dos
megaempréstimos concedidos a diversas empresas atenta contra os dispositivos
constitucionais que tratam do controle e da transparência na administração
pública. A segunda, se essa postura da intituição é indício de que, por trás
das operações, teria havido eventual colaboração, parceria ou conivência de
dirigentes, políticos e empresários para viabilizar as transações.
A notícia de que a Procuradoria da República
enviou ofício ao BNDES para saber, entre outros dados, quais os 10 maiores
valores de projetos de financiamento aprovados revela, em princípio, que as
instituições brasileiras, notadamente as da área de controle, estão
empenhadas em cumprir suas funções constitucionais.
Registre-se que a recusa do BNDES, considerando a
pouca relevância que um dirigente de uma instituição financeira tem na
estrutura hierárquica do governo, evidencia indícios de que a ordem para
dificultar o acesso às informações vem de autoridades que estão no topo da
estrutura governamental.
Assim, em que pese a retórica dos discursos
oficiais — favoráveis ao acesso às informações das ações e atividades do
Estado, sem restrições, facilitando o controle social —, a recusa do BNDES em
responder de forma detalhada e tempestiva os questionamentos do MPF, alegando
que os atos referentes à sua gestão bancária, exceto em casos previstos em
lei, devem ser mantidos privados, indica que, na prática, prevalece um
preocupante desprezo dos dirigentes pelas instituições, em especial, pelos
órgãos de controle.
Deve-se recordar que os esquemas montados pelo
governo para viabilizar grandes projetos com recursos públicos, tendo como
principal financiador o BNDES, começou a desmoronar com o pedido de falência,
em 2013, das empresas X. A recusa do banco em fornecer os dados revela fortes
indícios de que existe uma preocupação por parte dos dirigentes em resguardar
o governo, os políticos e os empresários beneficiados por esses volumosos — e
até o momento obscuros — empréstimos.
É relevante alertar: caso os governantes e os
políticos continuem nessa escalada insana — recusando-se a se submeterem à
Constituição e aos órgãos de controle e negando-se a dar maior transparência
às ações e atividades da administração pública —, vislumbra-se, em horizonte
não muito distante, uma crise de governabilidade que pode levar o país a
vivenciar indesejada situação de impasse na gestão pública.
Economista e advogado, doutor em ciência política
e pós-doutor em administração, é professor de administração pública e
pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da
Universidade de Brasília (UnB)
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário