segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Democracia ameaçada?

Folha de S. Paulo, 17 de fevereiro de 2014.

Aécio Neves
Democracia
A morte estúpida do cinegrafista Santiago Andrade, vítima de um ato inconsequente em pleno exercício de seu trabalho, deve inspirar uma profunda reflexão em todos nós, especialmente em quem tem responsabilidade com as decisões que definem os rumos do país.
A verdade é que o Brasil mudou. O país de hoje, com mais de 160 milhões de pessoas vivendo nas cidades, é um imenso território de contradições e desafios, onde antigas mazelas permanecem intocadas e insanáveis.
Fruto de políticas sociais implementadas há pelo menos duas décadas, milhões de brasileiros tiveram inegável melhoria em suas condições de vida. No entanto, a ascensão social alcançada ainda mantém inalterada uma estrutura secular de desigualdade.
A cada dia, desde o último ano, fica claro que uma crescente intolerância vem se instalando entre nós. De um lado, a intolerância com o outro --são exemplos disso as inaceitáveis perseguições às minorias sociais e as ações dos grupos de justiçamento. Na outra ponta, a intolerância no discurso virulento contra as instituições democráticas do país, presente com assiduidade espantosa nas redes sociais, muitas vezes em espaços sob o patrocínio direto de verbas públicas federais.
A hostilidade parece insuflada por um sectarismo que identifica inimigos onde deveria enxergar apenas a diferença e mina o equilíbrio democrático, que pressupõe, fundamentalmente, o respeito ao direito e às ideias do outro.
Devemos dizer "não" a este estado de coisas. A legitimidade das manifestações populares deve ser respeitada, mas é fundamental que seja garantida a integridade física das pessoas e do patrimônio público. Assim, precisa ser investigada com rigor a denúncia de que partidos políticos estariam financiando atos de violência que colocam em risco a segurança da população.
Limite não é sinônimo de autoritarismo. Muitas vezes significa compromisso com a sociedade democrática.
Democracia implica instituições sólidas, estáveis; Legislativo e Executivo eleitos de forma direta e no pleno exercício das suas responsabilidades; Judiciário independente; imprensa livre e partidos políticos representativos de ideias e princípios de grupos sociais. Essas são conquistas das quais não podemos abdicar.
Ouso dizer que, nos 30 anos das Diretas-Já e nos quase 50 anos do golpe militar, mais do que nunca, precisamos estar vigilantes e mobilizados em defesa do Estado de direito. Em defesa do respeito às leis e às instituições.
Só os valores democráticos são capazes de apontar o caminho a uma sociedade em crise de confiança, frustrada em seus sonhos e insegura com o seu futuro. E, principalmente, indignada com a realidade que vivencia.

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