FALTA DE TRANSPARÊNCIA - LEI DE ACESSO TEVE SÓ UM RECURSO ATENDIDO
GOVERNO NEGA QUASE TODOS OS RECURSOS FINAIS |
Autor(es): André de Souza |
O Globo - 16/12/2013 |
De 260 pedidos analisados por comissão de ministros, 259 foram recusados
Em 19 meses, única requisição de dados atendida havia sido recusada pela Fazenda
Praticamente
todos os pedidos de dados públicos feitos com base na Lei de Acesso à
Informação e que alcançaram a última instância de recurso administrativo
foram negados pelo governo federal. De acordo com a Controladoria Geral
da União (CGU), 267 recursos questionando decisões de 59 órgãos já
chegaram à comissão formada por dez ministros, sendo que 260 foram
analisados, e só um, atendido. Até 11 de dezembro, foram registrados
cerca de 139 mil pedidos de acesso a informação, dos quais 102 mil foram
concedidos sem que houvesse necessidade de apresentação de recurso.
De 260 processos analisados em última instância, apenas um favoreceu o cidadão
Brasília - Números
da Controladoria-Geral da União (CGU) mostram que praticamente todos os
pedidos mais polêmicos apresentados com base na Lei de Acesso à
Informação (LAI), levados até a última instância de recurso
administrativo, são negados. Até a segunda semana de dezembro, de 267
recursos que chegaram à comissão mista de reavaliação de informações,
composta por representantes de dez ministérios, 260 foram julgados e
apenas um foi atendido.
O
caso, até então exclusivo, é de um advogado que pediu acesso a um
documento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão
vinculado ao Ministério da Fazenda. A pasta não havia liberado um
parecer de 2005 da PGFN, alegando que ele se encontrava protegido por
sigilo profissional. Os dois recursos encaminhados ao próprio ministério
foram negados. O autor recorreu novamente, mas a CGU concordou com a
existência de sigilo sobre o documento e não o liberou.
Em
29 de maio deste ano, quando o pedido chegou à comissão mista, a
Advocacia-Geral da União (AGU) — representada no colegiado pelo ministro
Luís Inácio Adams — entrou no circuito dizendo que não havia problema
algum na liberação do parecer. Com exceção da Fazenda, todos os outros
ministérios concordaram e o autor saiu vencedor.
Até
11 de dezembro de 2013, foram registrados, aproximadamente, 139 mil
pedidos de acesso informação dos quais cerca de 102 mil foram concedidos
sem precisar apresentar recursos. Do total, 1.597 chegaram à CGU, que é
a penúltima instância recursal: depois dela só há a comissão mista.
Entre os 1.088 recursos analisados pela CGU até 11 de dezembro, 360
tiveram solução favorável ao solicitante. Desses, 195 nem precisaram ser
julgados, Uma vez que houve mudança de posição por parte do órgão
recorrido depois de intermediação feita pela CGU. Em 30 casos, o recurso
foi apenas parcialmente provido. Nos 728 restantes, a CGU negou o
recurso.
Em
média, o pedido leva 87 dias do momento em que é feito até a resposta
do recurso que chega à Controladoria-Geral da União. Cabe à CGU
soliçitar informações aos órgãos que negaram o pedido. Em média, eles
levam 18 dias para repassar esses dados.
Apuração de responsabilidade na UFRRJ
Em
agosto de 2013, não houve resposta em 13 casos, todos da Universidade
Federal Rural do Rio de janeiro (UFRRJ). "Por conta do descumprimento
desses prazos e de outras obrigações estabelecidas pela LAI, (a UFRRJ)
já se encontra sob acompanhamento especial com vistas à apuração de
responsabilidades", informou a CGU.
No
portal que concentra os pedidos de acesso à informação relativos ao
governo federal, é possível ter informações mais detalhadas de 250 dos
267 recursos que chegaram à comissão mista. Ao todo, os autores dos
pedidos rejeitados questionaram 59 órgãos do Executivo Federal. Alguns
se destacam pelo volume, como o Ministério da Saúde, com 39 solicitações
negadas. Todas foram feitas pela Associação da Indústria Farmacêutica
de Pesquisa (Interfarma) e dizem respeito à parceria do Ministério da
Saúde com um laboratório público para a produção de medicamentos e
outros produtos. O acesso a esses dados foi negado por se tratarem de
informações classificadas como reservadas. O nome do laboratório não é
revelado nos relatórios da comissão mista.
Depois
do Ministério da Saúde, vem o Comando da Aeronáutica (Comaer), com 25
recursos contra suas decisões. Em seguida, vêm a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), o Banco do Brasil e o Ministério da Fazenda,
com 17 cada. Uma das solicitações negadas pela Fazenda foi justamente a
única até hoje a ter o recurso aceito na comissão mista.
Entre
os pedidos mais inusitados levados à comissão mista está o que teve
origem na Caixa Econômica Federal. Nesse caso, não foi o cidadão que
recorreu contra a Caixa, mas o próprio banco, que tentou reverter uma
decisão da CGU de liberar a tabela com os valores praticados na
avaliação de joias penhoradas. A liberação da tabela havia sido negada
pela Caixa e pelas duas primeiras instâncias recursais. Entre os
argumentos usados pelo banco estava o de que a informação era para uso
interno e se encontrava sob sigilos bancário e de mercado.
Ufólogo é um dos campeões de recursos
Quando
o recurso chegou à CGU, a decisão foi favorável ao autor do pedido. A
Controladoria-Geral da União entendeu que a Caixa, por exercer a
atividade de penhor em regime de monopólio, não teria sua
competitividade ameaçada. O banco resolveu recorrer, mas seus argumentos
sequer foram considerados. A comissão mista entendeu que os recursos
são apenas para os cidadãos que pedem a informação. O poder público não
pode recorrer quando derrotado. A solução da comissão de ministros foi
entregar o caso à AGU para que ela faça a mediação entre a Caixa e a
CGU.
Na
lista dos campeões de recursos aparece o ufólogo Edison Boaventura
Júnior. Ele teve 33 recursos levados à comissão mista, contestando 23
negativas do Comando da Aeronáutica (Comaer), sete do Comando do
Exército (CEX), duas do Comando da Marinha (CMAR) e uma do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República. Em um dos
pedidos feitos ao Comaer, Boaventura pediu a "cópia integral dos
documentos, relatórios e/ou outros anexos sobre o caso de avistamento de
OVNI, ocorrido em junho de 1969, quando uma Kombi foi levada por um
OVNI com quatro ocupantes, em Laguna (SC)"
Ele
também pediu informações sobre supostas aparições de objetos voadores
não identificados nos estados do Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul,
Paraná, Ceará, Maranhão e Minas Gerais. As solicitações feitas ao Comaer
sempre foram rejeitadas sob o argumento de que possíveis documentos
sobre essas aparições foram encaminhados ao Arquivo Nacional. A CGU e a
comissão mista negaram os recursos de Boaventura, dando razão ao Comaer.
O
GSI negou um dos pedidos do ufólogo dizendo que a Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) não dispunha de informações sobre aparição de OVNIs
em Itatira, no Ceará. O ufólogo se diz frustrado com a lei. Segundo
ele, dos 69 pedidos feitos, apenas dois foram atendidos. Em um deles,
feito à Base Aérea de Santos, um documento de 1994 foi liberado, mas com
várias tarjas cobrindo partes do texto.
—
Isso aí (a Lei de Acesso) não funciona. Em relação a objetos voadores
não identificados, em relação aos militares, eles não fornecem nada —
lamentou Boaventura.
Em
26 de fevereiro deste ano, foram analisados 20 pedidos, todos negados
pela comissão. Um deles foi feito por Romeu Tuma Junior, que, entre 2007
e 2010, ocupou o cargo de secretário nacional de Justiça. O pedido foi
extenso: ele solicitou acesso aos registros e documentos produzidos
desde 2002 pela Polícia Federal (PF) em que seu nome seja citado direta
ou indiretamente. A PF e o Ministério da Justiça negaram o pedido, por
entenderem que foi genérico e desproporcional, além de parte das
informações estar sob sigilo. Tuma Júnior apresentou recurso à
Controladoria-Geral da União, que foi negado novamente. Novo recurso,
outra vez rejeitado, chegou à comissão mista, que "considerou as razões
da CGU suficientes e adequadas."
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