Blog do Noblat, 11 de dezembro de 2013.
Pior a emenda?
Chico AlencarPode anotar: no tradicional balanço de fim de ano, o presidente da Câmara dos Deputados certamente vai destacar a implantação do ‘Orçamento Impositivo’. A Emenda Constitucional será louvada como grande conquista do Legislativo, que assim estaria valorizando e resgatando suas funções.
A denominação ‘Orçamento Impositivo’ é enganosa. Na verdade, o que se aprovou foi o empenho e a execução obrigatórias das emendas parlamentares individuais à Lei Orçamentária anual. Isso não totaliza 1,5% dos recursos gerais quanto às despesas fixadas a cada ano. Mais esclarecedor seria falar de ‘emendas individuais compulsórias’.
O fato positivo reside no fim das barganhas entre Legislativo e Executivo no plano do Orçamento. Era frequente a ‘greve branca’ de deputados e senadores pela efetivação de suas emendas, para muitos indispensáveis na alimentação de suas ‘bases’ (ou ‘currais’?) eleitorais.
Projetos de grande alcance público ficavam com sua tramitação paralisada até que as emendas fossem liberadas. O Executivo, de sucessivos e diferentes governos, entrava nessa lógica do toma-lá-dá-cá, ‘pagando’ emendas quando via necessidade de ver aprovada alguma matéria que considerava importante ou para ‘afagar’ sua base descontente.
Mas as emendas de execução obrigatória são também um perigo. Elas podem gerar um gasto público descoordenado, dissociado de projetos gerais. Tendem a produzir uma ‘colcha de retalhos’, sem articulação com as prioridades das políticas públicas regionais ou setoriais.
É o ‘cada cabeça uma sentença’ transposto para o Legislativo: cada parlamentar uma emenda, pontual, específica, não necessariamente gerando melhoria das condições de vida da população-alvo, raramente consultada.
Cada deputado e senador dispõe de R$14 milhões/ano para indicar suas emendas. Esse montante será alvo de disputa em suas bases eleitorais, e sempre alguns setores ficarão insatisfeitos. Poderá ocorrer uma ‘corrida às emendas’, tendo o voto em futuras eleições como fator de pressão. Cristalização da pequena política, império nada republicano do clientelismo.
O perigo maior, entretanto, não está aí. A Emenda Constitucional tende a gerar um soneto dissonante, contaminado pelo metal sonante. É simples (e absurdo), como o escândalo pretérito dos ‘Anões do Orçamento’ já demonstrou: o parlamentar influencia na contratação de empresa para fazer a obra ou prestar o serviço indicado por sua emenda. E a empresa, depois, vai agraciá-lo com recursos para sua reeleição. O poder dissolvente do dinheiro impulsiona de vez a dinâmica política.
Para evitar esse tráfico de influência e essa privatização definitiva da ação pública, a bancada do PSOL apresentou o PL 6898/2013. Ele veda a contratação de empresas, para realização de atividade derivada de emenda parlamentar, em cujo quadro societário haja parentes de até 2º grau do autor da iniciativa que permitiu a execução daquela obra ou serviço. E, mais importante ainda, proíbe doações de campanha dessa empresa ao parlamentar que elaborou a emenda da qual foi beneficiária.
Por fim, resolvemos encaminhar à Controladoria Geral da União todas as emendas apresentadas, exortando os demais congressistas a que façam o mesmo. A CGU terá, assim, mecanismos mais objetivos para verificar se, nessa nova prática das ‘emendas individuais compulsórias’, os princípios constitucionais do L.I.M.P.E. – Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência – não serão afrontados. Riscos há, e muitos.
Chico Alencar é professor de História e deputado federal (PSOL/RJ).
Nenhum comentário:
Postar um comentário