domingo, 26 de junho de 2011

Brasil: na contramão latina


Correio Braziliense, 26 de junho de 2011.

Na contramão latina, Brasil guarda segredos

País debate lentamente o acesso a documentos sigilosos, enquanto os vizinhos abrem arquivos dos regimes que marcaram o continente
Marcelo da Fonseca
Os crimes contra os direitos humanos cometidos por agentes dos regimes militares e as leis de anistia fizeram parte das ditaduras que se estabeleceram na América Latina nas décadas de 1960, 1970 e 1980. A forma como os países lidam com as questões obscuras desses períodos após os processos de reabertura política, entretanto, é bem diferente. Enquanto alguns conseguiram avanços significativos no acesso aos documentos sigilosos, o Brasil, na contramão de vizinhos sul-americanos, mantém um ritmo mais lento nas discussões sobre o tema.
"Em alguns países que foram condenados pelas cortes de direitos humanos, como o Peru, os representantes acabaram reconhecendo a primazia do direito internacional e as regras internas foram discutidas e reformuladas. No Brasil, percebo uma resistência em reconhecer alguns tratados e decisões que vêm de fora, considerados inconstitucionais e inválidos nacionalmente", aponta Jorge Lasmar, professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas. A proposta em discussão no Senado defende novas regras para o acesso a documentos públicos e estabelece que certos registros possam ser mantidos em segredo por 25 anos, prorrogáveis por igual período. Hoje, os documentos classificados como ultrassecretos têm um prazo de sigilo de 30 anos, mas podem ser renovados.
Na Argentina, o acesso é liberado para qualquer cidadão. No início de 2010, a presidente Cristina Kirchner e os ministros da Defesa e da Justiça assinaram um decreto determinando a liberação de todas as informações sobre a atuação das Forças Armadas no período do regime militar, com exceção dos documentos relacionados à Guerra das Malvinas (1982). Até então, era preciso protocolar pedidos formais para chegar aos documentos.
No Paraguai, o presidente Fernando Lugo também demostrou publicamente sua posição sobre o tema e autorizou a abertura dos arquivos militares, facilitando a investigação de crimes e denúncias contra a violação dos direitos humanos no período da ditadura (1954-1989). Entre os documentos abertos estão os arquivos da Operação Condor, aliança dos regimes autoritários contra opositores políticos que contou com a participação de outras ditaduras latinas e o apoio dos Estados Unidos.
Também no ano passado, o presidente boliviano Evo Morales determinou aos juízes que as documentações fossem liberadas aos procuradores do Ministério Público para investigações sobre os ex-dirigentes da esquerda desaparecidos entre 1964 e 1982. Segundo a determinação, os documentos referentes ao governo do general Luis Garcia Meza, no início da década de 1980, tinham que ser enviados ao Poder Judiciário.
No Uruguai, as mudanças geram polêmicas. A Lei da Anistia chegou ao parlamento dividindo senadores e deputados. Em abril, a proposta para anular a Lei de Caducidade — promulgada em 1986 e que impede a investigação das violações dos direitos humanos cometidas durante a ditadura (1973-1985) — foi aprovada no Senado. Mas, apesar da pressão dos familiares das vítimas, na Câmara dos Deputados, a votação terminou em empate. A Suprema Corte de Justiça do país já havia indicado que a lei colocada à prova no parlamento era inconstitucional.

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