terça-feira, 28 de maio de 2013

Transição brasileira: todos com todos (II)

Tema em discussão: A proposta da revisão da Lei da Anistia
27 Mai 2013

Nossa Opinião - Sem sentido


A proposta de alteração da Lei da Anistia não é nova. Com a chegada ao poder de ex-perseguidos pela ditadura militar, no Executivo federal e Legislativo, o tema passou a ser tratado com maior frequência. Até que, no final da gestão Lula, o assunto foi contrabandeado para a terceira versão do Programa de Defesa dos Direitos Humanos. Houve um início de crise no Ministério da Defesa, contornado pelo então ministro Nelson Jobim, com a ajuda de Lula e o providencial recuo do governo.
O assunto retorna, agora, por meio da Comissão da Verdade, criada em 2010 e empossada há um ano pela presidente Dilma Rousseff, para apurar o paradeiro dos desaparecidos e fatos ocorridos nos porões da repressão política na ditadura militar.
Embora não seja incumbência da comissão propor alterações na lei, alguns de seus representantes têm dado declarações favoráveis a mudanças para que agentes públicos envolvidos naquela “guerra suja” possam ser processados, julgados e condenados.
Um avanço de sinal. Os ministros da Defesa, Celso Amorim, e da Justiça, José Eduardo Cardozo, se apressaram, em boa hora, a afastar a possibilidade de o governo encaminhar qualquer proposta ao Congresso neste sentido.
Entre outras consequências negativas, a medida iria contra um veredicto do Supremo Tribunal Federal, de 2010, segundo o qual improcedia o entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de que a lei não poderia beneficiar torturadores. A Ordem foi derrotada por sete votos a dois.
Se tentasse rever a lei, o Executivo cometeria uma ilegalidade, pois foi referendado pela mais alta Corte do país o caráter amplo, geral e recíproco da anistia, enviada ao Congresso pelo último governo de generais, o de João Baptista Figueiredo, e aprovada em 1979.
Mesmo elaborada, encaminhada e aprovada ainda na ditadura, a Lei da Anistia foi fruto de intensa negociação entre os militares e a oposição. Tem, portanto, uma legitimidade não existente em leis semelhantes de países vizinhos, também ex-ditaduras. Nestes, o alcance da anistia foi calibrado a favor dos militares. Houve contestações, mudanças, e agentes públicos puderam ser processados e condenados. Caso diferente do brasileiro.
Quando a proposta da lei foi redigida, o Brasil já se encontrava na última etapa do processo de redemocratização, formulado e executado na sua parte mais difícil, o início, pelo antecessor de Figueiredo, Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, seu chefe da Casa Civil. Os “porões” em que se abrigava a “tigrada” da repressão foram vencidos no governo Geisel, responsável pela escolha de Figueiredo.
Houve, então, espaço de negociação sobre a Lei da Anistia, como parte do processo mais amplo de redemocratização, a base do atual período de 28 anos de regime estável, de liberdades garantidas pela Constituição, a fase mais longa ininterrupta de estado de direito democrático na República. Se juridicamente já é impossível, do ponto de vista político e histórico não faria qualquer sentido reabrir a questão.

Outra opinião - Questão de justiça

Domingos Dutra


A verdade do que ocorreu durante a ditadura militar tem que ser plena e total. O estágio atual da nossa democracia não admite o “jeitinho brasileiro” para “absolver” aqueles que ativa ou passivamente participaram das barbáries executadas durante o regime militar. Ao longo de muitos anos, a história narra e traz, à luz do conhecimento, atos bárbaros e covardes, ilícitos penais que não podem ser anistiados, pois são crimes contra a humanidade e imprescritíveis.
No Brasil a ditadura militar durou 21 anos, vitimando intelectuais, profissionais da imprensa, artistas, empresários, militantes políticos, sindicalistas, quilombolas, camponeses e indígenas. Diferentemente dos nossos vizinhos, o Brasil, por meio de um parlamento dominado pela Arena (partido que sustentou o regime militar), aprovou a Lei da Anistia e colocou no mesmo balaio torturadores e suas vítimas.
Não bastasse isso, com a Constituição cidadã a lentidão da abertura política continuou nos governos tucanos, por meio de conta-gotas como a Lei de Mortos e Desaparecidos, que é importante, mas não o suficiente para incomodar os agentes envolvidos em violações graves dos direitos humanos.
Nos governos petistas manteve-se a mesma lógica de abertura lenta e gradual, mas finalmente avançaram o Plano Nacional de Direitos Humanos e a Comissão da Verdade. Apesar de limitada, a Comissão tem produzido resultados parciais reveladores dos horrores ocorridos durante a ditadura, descobertas suficientes para que se defenda a revisão da Lei da Anistia, ou uma nova interpretação desse dispositivo.
Deve-se ressaltar que a Lei da Anistia não é cláusula pétrea. Sua revisão, ou nova interpretação, não é vingança. É, na verdade, justiça aos atingidos e para as famílias das vítimas. É justiça para se alcançar a reconciliação nacional de fato e de direito. Não é olhar pelo retrovisor, é enxergar pelo para-brisa para que as atuais e futuras gerações não sejam vítimas da barbárie de ditaduras. Nem tenham de cruzar com novos Fleurys, Curiós e Ulstras.
A revisão ou nova interpretação da Lei da Anistia será feita no marco da democracia brasileira e pelas instâncias de deliberação institucional. O Congresso devolveu simbolicamente os mandatos de todos os parlamentares vitimados pela ditadura. Este mesmo Congresso anulou as cassações dos mandatos dos comunistas Marighella, Jorge Amado, Maurício Grabois, João Amazonas e Luiz Carlos Prestes — passos que podem avançar para aprovar o PL 573/2011, da deputada Luiza Erundina (PSB/SP).
A Comissão da Verdade tem o apoio de todos para cumprir a sua histórica missão. Com sua prorrogação até 2014, coincidente com o pleito eleitoral, sonhamos que a cidadania brasileira se expresse, elegendo um congresso capaz de fazer avançar a agenda dos direitos humanos, inclusive quanto à adequação da Lei da Anistia, para que possamos acelerar esta já longa transição política e consolidar a democracia no país.

Domingos Dutra é deputado federal (PT.MA)

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