quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Supremo equívoco?

Folha de S. Paulo, 12 de novembro de 2014.

Luís Inácio Adams
TENDÊNCIAS/DEBATES

Supremo equívoco

A afirmação do ministro Gilmar Mendes não guarda qualquer proximidade com o efetivo funcionamento das instituições brasileiras
A partir de uma entrevista do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes à Folha, em que ele afirma que "o STF não pode se converter em uma corte bolivariana", suscitou-se um intenso debate nos meios de comunicação.
De uma só vez, o ministro questionou três Poderes da República. O Executivo, pois é a Constituição que determina ao presidente da República a indicação dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). O Legislativo, já que incumbe ao Senado a aprovação da indicação. E o Judiciário, uma vez que o STF é nossa corte suprema. Mas, sobretudo, foram atingidas a democracia brasileira e suas instituições.
Tal declaração assenta-se em grave equívoco. A realidade venezuelana não se compara à do Brasil, sendo que a afirmação do ministro Gilmar Mendes não guarda qualquer proximidade com o efetivo funcionamento das instituições políticas brasileiras, particularmente do Supremo Tribunal Federal.
De fato, a nossa corte suprema tem se notabilizado, nos 26 anos de vigência da Constituição, como uma instituição independente e vocacionada à defesa da dignidade da pessoa humana, da democracia e do Estado brasileiro.
É preciso reafirmar que o governo do presidente Lula e o governo da presidenta Dilma Rousseff foram exemplares no fortalecimento das instituições democráticas. Apoiaram a aprovação e a implementação do Conselho Nacional de Justiça, por meio da Emenda Constitucional 45, assim como a adoção de diversas leis que aperfeiçoaram o funcionamento do Poder Judiciário, a partir de dois Pactos Republicanos assinados pelos três Poderes da República.
Os presidentes Lula e Dilma indicaram nomes para compor o Judiciário e a direção do Ministério Público Federal com base em critérios republicanos e no devido respeito à independência de nossas instituições.
Consoante a essa diretriz republicana, das quatro indicações ao STF feitas pela presidenta Dilma, três recaíram em magistrados de carreira e uma em procurador de Estado. Na atual composição do tribunal, sete ministros foram escolhidos pelos presidentes Lula e Dilma, seguindo determinação constitucional, e todos exercem suas atividades com independência.
Exemplo disso são os relevantes casos conduzidos pelos ministros indicados pelos últimos dois presidentes da República e que têm reflexo nas áreas econômica e social, como as discussões relativas à liberdade de imprensa, à demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, à liberação das pesquisas com células-tronco, ao reconhecimento civil das relações homoafetivas e aos aumentos de alíquotas de contribuições sociais por meio de medida provisória.
Na realidade, a ameaça às instituições democráticas brasileiras vem do nosso passado de intolerância e autoritarismo, que julgávamos enterrado. Não se trata apenas de descabidas propostas de intervenção militar, mas de uma série de iniciativas que agridem a democracia. O pedido de recontagem de votos, elaborado sem nenhum fato que lhe dê sustentação, atinge a Justiça Eleitoral e um sistema de votação elogiado em todo o mundo.
Essa perigosa aposta política na ingovernabilidade nos aproxima da insensatez e do paroxismo político que não condizem com o Brasil democrático que tanto nos custou construir. É um supremo equívoco.
LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS, 49, é ministro-chefe da Advocacia-Geral da União

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