quinta-feira, 20 de novembro de 2014

baixa intensidade



http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2014/11/democracia-de-baixa-intensidade.html

Democracia de baixa intensidade – Carlos Tautz

Criminoso. Antidemocrático. Inadmissível. Qualquer adjetivo desse quilate se aplica à situação verificada pelo Ministério Público Federal no Hospital Central do Exército, no subúrbio do Rio de Janeiro. Em diligência para encontrar documentos que o comandante da unidade afirmara em outubro serem inexistentes, o MP descobriu não apenas os documentos surrupiados da legalidade pelo tal militar. Descobriu dossiês produzidos por espiões lotados naquela unidade com o monitoramento dos membros da Comissão Estadual da Verdade do Rio. Exatamente como faziam os ditadores que há 50 anos golpearam o presidente João Goulart e as reformas de base.
A situação não surpreende quem acompanha a ofensiva de agressões à ordem constitucional que o Estado brasileiro – e, em especial, as forças armadas – comete contra quem contesta a ordem ou a história oficiais. De impedimento de acesso às instalações onde se cometeu tortura, a negações mentirosas de agressão aos direitos humanos ocorridas nessas unidades, de tudo faz o comando do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Independentemente do seu suposto superior, o Ministro da Defesa Celso Amorim. Poucas vezes isso ganha destaque nas manchetes.
A lógica de arbitrariedade do episódio no HCE encaixa-se no tipo de democracia de baixa intensidade que ainda resiste no Brasil do século 21. A opressão do Estado contra a cidadania é diária e chega à intimidação aberta. Assim o demonstram o dossiê dos arapongas do general de subúrbio e, também, a repressão feroz da Polícia Militar aos protestos populares de 2013. Os dois episódios provam o quanto estamos distantes até das democracias capitalistas avançadas.
Este cenário de agressão aos direitos constitucionais continua sendo a praxe autoritária. No Rio, Estado e a União aliam-se numa militarização ampla, geral e irrestrita. Afirmam combater o tráfico, mas o que fazem é sufocar bairros pobres, caros, poluídos e engarrafados, onde a qualquer momento um protesto pode confrontar o poder político mancomunado com grupos empresariais que produzem esse caos para gerar lucro.
Temeroso de ver sua legitimidade firmemente confrontada, o governo fluminense tenta se proteger da sociedade. Seu orçamento da segurança só perde para o do pagamento da dívida e supera os da educação e da saúde. Em breve agregará à corrupta e agressiva PM mais 11 mil praças, que vão compor um exército estadual de quase 70 mil soldados, caveirões e tecnologia de espionagem. Parafernália que enche os bolsos da indústria bélica internacional, mas rouba salários dos profissionais da educação e remédios dos hospitais.
O crime que o general cometeu, de negar um passado em que os golpes pelo menos eram dados de forma aberta, tem a mesma essência do atual controle armado da população disfarçado de combate ao crime. Em ambas situações, o Estado brasileiro manda às favas a democracia real.

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