Extra, 4 de novembro de
2014.
Agente condenada por dizer
que ‘juiz não é Deus’ não se arrepende: ‘Faria tudo de novo’
Luciana
trabalhou na Lei Seca por três anos, antes de pedir licença Foto: Arquivo
Pessoal
Ana
Carolina Pinto e Breno Boechat
A decisão
do desembargador José Carlos Paes, da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro, provocou um sentimento de impotência a Luciana
Silva Tamburini. A agente licenciada do Detran-RJ, condenada em segunda instância a
indenizar em R$ 5 mil o juiz João Carlos de Souza Correa, diz não se
arrepender de ter dito ao magistrado — abordado durante uma blitz da Operação
Lei Seca, no Leblon, Zona Sul do Rio — que “juiz não é Deus”.
O caso
aconteceu em 2011, quando João Carlos de Souza Correa foi parado pela fiscal
por dirigir um veículo sem placas e estar sem a Carteira Nacional de
Habilitação. O magistrado chegou a dar voz de prisão a Luciana por desacato.
Segundo a agente, a decisão que a condena por “ironizar uma autoridade pública”
é uma ameaça ao trabalho de fiscais de trânsito e quaisquer outros agentes de
segurança pública.
Luciana
diz não se arrepender de declaração durante a blitz Foto: Arquivo Pessoal
— A
sensação que fica é o medo de trabalhar, porque se a gente faz o errado, está
errado; se a gente faz o certo, também está errado. Quem trabalha com segurança
pública ou com o público em geral não pode ter medo. É desmotivante. No
primeiro tópico do acórdão, eles falam que eu abusei de autoridade, mesmo que o
magistrado estivesse irregular, por ele ter uma posição na sociedade. Você
tenta fazer um trabalho direito e está errado por causa disso — lamenta
Luciana.
A agente
diz que decisão da Justiça dá medo aos fiscais Foto: Arquivo Pessoal
O
processo, originalmente, foi movido pela agente contra o magistrado. Ela exigia
indenização do juiz, alegando que ele tentou receber tratamento diferenciado
por causa da função do cargo. Em primeira instância, no entanto, a Justiça
entendeu que a policial perdeu a razão ao ironizar uma autoridade pública e
reverteu a ação, condenando a agente a pagar a indenização. Luciana informa
recorrer da manutenção da decisão, em segunda instância. O caso deve ir para o
Superior Tribunal de Justiça.
— Eu vou
até o final. Pode ter certeza que vou recorrer, porque sei que agi
corretamente. Não me arrependo de nada, se tiver que fazer hoje de novo, farei
a mesma coisa — afirma a agente.
Luciana,
que está de licença do Detran-RJ para se preparar para um outro concurso, conta
que atos de “carteirada” são recorrentes em operações desse tipo. Segundo ela,
que trabalhou na Operação Lei Seca durante três anos, problemas com juízes e
outras autoridades, no entanto, são incomuns.
—
‘Carteirada’ tem de todo tipo de gente, toda hora. É normal. Mas levar voz de
prisão, ir à delegacia foi só dessa vez. Mas uma vez eu já apanhei. As pessoas
acham que a gente está feliz de remover o carro dos outros. Eu estou ali pra
cumprir a lei. Ele não foi o primeiro e nem o único juiz a ser parado.
Normalmente, os juízes nem se identificam como juízes. A gente descobre pelo
documento de identificação — relata a fiscal.
Com o
salário de cerca de R$ 3,5 mil, Luciana considera a indenização muito alta. Na
internet, a advogada Flávia Penido, de São Paulo, criou, nesta terça-feira, uma
conta virtual de arrecadação para pagar a indenização de R$ 5 mil reais ao
juiz. As doações já ultrapassaram o valor de R$, 3,4 mil. Todo o dinheiro
arrecadado vai ser repassado a Luciana e à advogada dela, Sandra Tamburini.
— Achei a
ideia bacana. É um incentivo, mas espero não precisar desse dinheiro e
conseguir ganhar essa ação — comenta Luciana.
'Vaquinha'
na internet ajuda agente a conseguir quantia para indenização Foto: Reprodução
/ Vakinha.com.br
Juiz se
recusa a comentar o caso
O EXTRA
procurou contato com o juiz João Carlos de Souza Correa, que, por meio de
assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, informou
que “não vai se manifestar”. O desembargador José Carlos Paes, que manteve a
decisão em segunda instância, também informou que não vai comentar o caso.
Foto:
Márcio Alves / Agência O Globo
Reincidente
João
Carlos de Souza Correa já havia se envolvido em uma confusão, com um policial
rodoviário, em 2009, quando foi parado em Rio Bonito. Além do excesso de
velocidade, chamou a atenção dos agentes um giroflex azul (luz de emergência
giratória, usada por carros da polícia, por exemplo) no teto. Assim como no
caso da agente da Lei Seca, ele também deu voz de prisão ao policial que fez a
abordagem.
Segundo o
policial rodoviário Anderson Caldeira, que comentou o caso em 2011, logo que
desceu do veículo, o magistrado, aos berros, disse que era juiz de direito:
— Ele
relutou muito em se identificar e em nenhum momento parou de gritar e me
ameaçar, dizendo que me colocaria na rua, que a minha carreira no serviço
publico estava acabada etc.
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