Blog do Noblat, 1 de novembro de 2014
Emancipação da política
Cristovam Buarque
O Brasil chega a 200 anos de sua emancipação
política sem conseguir fazer a emancipação de sua política.
O Brasil
chega a 200 anos de sua emancipação política sem conseguir fazer a emancipação
de sua política.
Nossa
política está prisioneira do elevadíssimo custo de campanha, que amarra a
eleição à disponibilidade de recursos financeiros. Conforme o TSE, em 2014
foram gastos cerca de R$ 74 bilhões por 25 mil candidatos. Para 1.689 eleitos,
o custo foi de cerca de R$ 3 milhões por candidato, R$ 43,8 milhões por eleito,
mais de R$ 500 por eleitor.
Por causa
deste elevado custo, a política está prisioneira do sistema de financiamento. O
candidato precisa ter acesso a fontes que amarram os eleitos, comprometendo-os
com os interesses dos financiadores.
A
terceira amarra são os institutos de pesquisas e os marqueteiros. Os primeiros
dizem o que o candidato deve falar; os outros como falar, qual a mídia a ser
utilizada, a mentira a ser construída. Os institutos também amarram os
eleitores ao apresentar resultados que indicam vencedores antes da data.
Esta
eleição mostrou que estamos prisioneiros da mitologia de que alguns são de
esquerda e outros de direita, quando na realidade as coligações e os partidos
são todos igualmente desideologizados.
Uma
quinta prisão são os programas assistenciais que amarram os votos de seus
beneficiários aos candidatos que conseguem se apropriar da paternidade do
programa e dá garantia de que ele será mantido. O assistencialismo amarra os
opositores ao risco de que, se eleitos, paralisarão o programa, e aos
situacionistas porque se transformam em partidos que dependem da continuação da
miséria para conseguirem os votos que precisam. A emancipação dos pobres
emanciparia a política, desmoralizando os donos dos programas
assistencialistas.
Sexta
prisão é o silêncio dos intelectuais, paralisados na reverência ao poder,
incapazes de oferecer alternativas que sirvam de base a propostas de reformas
sociais que, ao emancipar o povo, emanciparia a política.
Sétima
amarra é a cooptação, por compra de agentes políticos, como no caso do
mensalão, ou por financiamento e beneficiamento a ONGs, sindicatos e
associações.
A oitava
prisão é o aparelhamento do Estado pelo partido no poder. Pela tradição de
tratar o Estado como propriedade das elites no poder, cada vez que muda o
governo costuma-se nomear dezenas de milhares de pessoas para empregos
públicos, aprisionando a política à necessidade de sobrevivência dos servidores
empregados, dependentes da continuidade.
Se
quisermos emancipar a política, antes do segundo centenário da emancipação
política, serão necessárias duas ações. A primeira é uma revolução educacional
que permita emancipar o povo de dependência de auxílios, para que o eleitor
possa votar sem dever favor ao partido no poder.
A segunda
é uma reforma radical na maneira como a política é feita, derrubando cada uma
das amarras. A primeira depende de tempo, a segunda da vontade dos
eleitos amarrados. Por isso, dificilmente haverá tempo para emancipar a
política, antes do bicentenário da emancipação política.
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