sábado, 8 de fevereiro de 2014

Relação entre direito e democracia

Folha de S. Paulo, 8 de fevereiro de 2014.

Oscar Vilhena Vieira
Incivilidade
Há fios desencapados, que podem gerar mais curtos-circuitos sociais e eventuais apagões normativos
 
Para aqueles que se preocupam com o direito e a justiça, foi uma semana pra lá de bicuda. Em Brasília, uma explosão de criminalidade no vácuo deixado pela greve das forças de segurança pública. Em São Paulo, a depredação do metrô, após mais uma pane no sistema. No CT do Corinthians, o ataque de um punhado de torcedores a jogadores do time. Na Câmara, o punho fechado do vice-presidente da casa, em direta afronta ao presidente do STF. Também em Brasília, juiz da mesma corte abandona a cerimônia exigida pela toga e faz ilações públicas sobre eventuais ilegalidades praticadas por seus jurisdicionados. Na cidade do Rio de Janeiro, por fim, a bárbara imagem de um jovem de 15 anos atado pelo pescoço a um poste, depois de espancado por um grupo de justiceiros, em triste homenagem ao padroeiro da cidade. Cabe lembrar que isso tudo ocorre à sombra da barbárie do presídio de Pedrinhas, no Maranhão, e do arbítrio da polícia em São Paulo.
Essas incivilidades, além de apontar para certo esgarçamento da sociabilidade brasileira, nos alertam para o fato de que há muitos fios desencapados, que podem, a qualquer momento, gerar mais curtos-circuitos sociais e eventuais apagões normativos. Ao mesmo tempo, nos obrigam a pensar sobre por que a relação dos brasileiros com o direito continua tão ambígua, mesmo depois de 25 anos de democracia?
O direito nada mais é do que um sistema de estabilização de expectativas. Por intermédio da criação de normas razoavelmente gerais e prospectivas e de instituições voltadas a sua imposição coercitiva (para aqueles que as desobedecem), o direito e suas instituições favorecem o convívio e a cooperação entre os diversos membros de uma sociedade.
O Estado democrático de Direito, portanto, é um ambiente onde as pessoas tomam o direito, por elas próprias produzido, como a razão prevalente para a determinação de suas condutas, na expectativa de que demais pessoas também o façam, sob o risco de serem repreendidas pelas instituições de aplicação da lei.
Penso que a fragilidade de nosso Estado de Direito esteja associada a dois problemas essenciais.
O primeiro de natureza social. A longa e abissal desigualdade, que molda nossas identidades e estrutura as relações sociais, distorce a percepção de que todos somos igualmente sujeitos dos mesmos direitos e obrigações. O resultado é a invisibilidade dos excluídos, a demonização dos que nos ameaçam e a irresponsabilidade dos privilegiados.
O segundo problema é de natureza mais institucional. Formados num contexto de forte corporativismo e cultura patrimonialista, nossos agentes de aplicação da lei parecem estar mais preocupados com o avanço de seus interesses e prerrogativas de grupo, do que com a realização da missão das instituições nas quais estão inseridos.
A persistente ação de interesses corporativistas sobre a tarefa institucional das agencias de aplicação da lei vai paulatinamente reduzindo sua eficácia e consequentemente erodindo a autoridade do direito.
Se o direito não é sistemática e corretamente aplicado, ele deixa de ser um parâmetro para a determinação da conduta dos cidadãos, criando um forte incentivo para a ação de justiceiros, criminosos e oportunistas de todos os tipos. Pizzolato que o diga.

Nenhum comentário:

Postar um comentário