sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

10,6%

Impunidade contra a vida
21 Fev 2014

Dados do CNJ mostram que só 10,6% dos processos de homicídio recebidos até 2009 foram julgados. Vítimas criticam a demora. Entidades reclamam da falta de juízes

JULIA CHAIB


No país onde a taxa de assassinatos é superior à média preconizada internacionalmente, a impunidade é rotina. No Brasil, ocorrem 27,1 homicídios por 100 mil habitantes, de acordo com o Mapa da Violência 2013, sendo que o índice aceito pela Organização das Nações Unidas (ONU) é de 10 mortes pelo mesmo grupo de pessoas. Para piorar a situação, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) obtidos pelo Correio mostram que os tribunais estaduais só conseguiram julgar 10,6% do total de ações de homicídios dolosos (com a intenção de matar) de denúncias recebidas até 2009. Ainda falta desfecho para 58,5 mil processos. O acúmulo de casos representa um desafio para as cortes, que terão de se esforçar, e muito, para cumprir a meta estabelecida pela Estratégia Nacional de Segurança Pública (Enasp): julgar 80% dessas ações até outubro.
O objetivo foi estabelecido pela Enasp em julho do ano passado e, dos 27 tribunais do país, apenas três conseguiram passar da metade da meta. A Corte que tem o melhor índice é a do Acre, com 60% das ações julgadas no estado. Até em regiões mais desenvolvidas, como é o caso do Distrito Federal, o desempenho é pífio: apenas 11,9% dos processos com desfecho. Em março, haverá um mutirão para agilizar esses processos no tribunal do júri, onde crimes dolosos contra a vida são julgados. A lentidão nas análises se repete a cada ano. Por causa da demora, casos como a da aluna de direito Suênia Farias, 24 anos, assassinada em 2011 pelo advogado e professor do curso Rendrik Vieira, 35, seguem sem ponto final. A jovem foi morta com um tiro na cabeça dentro do carro do acusado.
A irmã de Suênia, Cilene Farias, conta que, até hoje, foi realizada apenas uma audiência do caso, em 2012. "A gente fica com o sentimento de impunidade, porque ele é advogado. Parece que está sendo encoberto, talvez. Esquecer-se dela a gente não esquece em momento nenhum, mas sofremos mais em saber que a nossa Justiça é muito falha, porque, se ela funcionasse, talvez não houvesse tanto crimes quanto os que temos."
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), José Ricardo Costa, afirma que há hoje cerca de 20 mil juízes no Brasil. A quantidade, no entanto, não é proporcional às ações. "Teríamos de triplicar a quantidade de magistrados para regular com a demanda", admite Cunha. O conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, Guilherme Calmon, reconhece que o acúmulo e a demora estão presentes em todo o território nacional, e ressalta que, no interior, a situação é ainda pior. "No interior, há um número pequeno de magistrados e é difícil que cada vara tenha o próprio juiz, defensor ou promotor", afirma o conselheiro, que também é representante do CNJ no conselho gestor da Enasp. Depois de um tempo de experiência, esses profissionais migram para as capitais.
Calmon comenta que esse é só um dos vários fatores que levam ao acúmulo e à demora no julgamento das ações. Para o conselheiro, há muita lentidão nas etapas que antecedem a apreciação, como a dificuldade de se encontrar testemunhas. Há pessoas que desaparecem ou têm medo de depor. Outro motivo apontado pelo conselheiro é a má gestão dos processos. "É necessário ter profissionais atuantes", diz. O Código de Processo Penal estabelece prazos para a fase preliminar do julgamento, como a realização da audiência e o chamamento de testemunhas, assim que a Justiça acate a denúncia. O tempo máximo de conclusão do processo seria de 90 dias. Na prática, no entanto, esses períodos não são levados em conta. Para o juiz, não há nenhuma consequência caso ele descumpra o prazo. Já o promotor, pode ser alvo de uma representação ético-disciplinar.
Na avaliação do conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público, Walter Agra, os casos de júri nunca foram vistos como prioritários, mas isso vem ocorrendo há cerca de dois anos a partir do momento em que se começou a estabelecer metas na área. "Fizemos esforços, e boa parte das ações de crimes dolosos contra a vida já estão em ponto para o julgamento. Acredito que as metas serão cumpridas e que o mutirão que será feito no próximo mês ajudará nisso", diz. (JC)

Processômetro

A Enasp é formada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e pelo Ministério da Justiça. O grupo é responsável por se comunicar com os órgãos de segurança pública e traçar metas do combate à violência. A que prevê a erradicação de ações de crimes dolosos contra a vida é a 4ª delas e é atualizada a cada ano. Além de retomar e julgar ações que tramitam na Justiça, os tribunais devem dar desfecho para processos de homicídio que foram suspensos no meio do caminho. Os dados dos tribunais são repassados ao CNJ e compilados em uma ferramenta chamada Processomêtro.

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