quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Entrevista com o Prof. José Maria Nóbrega


O Globo, 15 de dezembro de 2011.

 

`Nordeste não está preparado para aumento da criminalidade’

Para pesquisador sobre violência na região, polícia funciona sem planejamento

RIO - Mais riqueza em circulação, maior atratividade para o crime, com governos despreparados para enfrentar isso. Para o cientista político José Maria Nóbrega, professor da Universidade Federal de Campina Grande (PB) que pesquisa criminalidade no Nordeste - e que, em estudo sobre o tema incluído em publicação deste ano da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), já apontava o aumento da violência no Nordeste em relação a outras regiões e a explosão de crimes na Bahia -, a falta de estrutura e de planejamento dos órgãos de segurança na região fez com que ela não estivesse preparada para o aumento do volume de criminalidade, que chegou como efeito colateral da expansão de empregos e consumo. Ao GLOBO, Nóbrega, que lança no início de 2012 o livro “Os homicídios no Nordeste brasileiro”, fala em “fracasso do estado” no combate à violência.
Por que o Nordeste se tornou a região do país com maior crescimento da violência?
JOSÉ MARIA NÓBREGA: O principal motivo é a fragilidade institucional do aparato de segurança dos estados nordestinos. Isso nunca esteve na agenda dos governos estaduais; apenas Pernambuco, nos últimos anos, começou a se preocupar com essa questão. O que é essa fragilidade institucional? É a polícia funcionando sem planejamento, sem pesquisa científica, sem informação sobre as ocorrências criminais. Algumas delegacias têm dados por causa da vontade do delegado. Não há gerências de estatística nas secretarias de Segurança. Então, é o fracasso do estado. Podem dizer que sempre foi assim na região. Então, por que estaria pior agora? O problema é que nos últimos anos o Nordeste passou a atrair mais o crime. Primeiro que no Sudeste passou a haver aumento das políticas de segurança no Rio e em São Paulo. Então, com essa redução dos espaços para o crime no Sudeste, os criminosos migraram para outras regiões. E, ao mesmo tempo, houve aumento da riqueza no Nordeste, o que teve o efeito de atrair a criminalidade para a região. Na área do Porto de Suape (PE), por exemplo, com crescimento da área, também houve aumento do crime contra patrimônio. Além disso, com maior renda no Nordeste, aumentou também o número de potenciais consumidores de drogas, aumento do consumo do crack, e isso também atraiu o tráfico.
O crescimento econômico não deveria ajudar a diminuir a criminalidade, por dar mais perspectiva de emprego?
NÓBREGA: No Nordeste está tendo o efeito inverso. Quando veio esse aumento de volume da criminalidade, atraída pela maior riqueza, a segurança pública nos estados, com suas falhas institucionais antigas, não estava preparada. A Bahia juntou crescimento econômico e falta de estrutura na segurança pública com a proximidade geográfica do Sudeste. O resultado: (a criminalidade lá) explodiu de forma assustadora, passou de cerca de 1,5 mil homicídios em 1996 para mais de 4,5 mil em 2008; em 2010, foi a mais de 5,2 mil homicídios. É claro que tem de haver crescimento econômico e geração de empregos; o problema é que as instituições de segurança pública na região não estavam preparadas para esse efeito colateral trazido pela maior riqueza, que foi o aumento de criminalidade. O Ministério Público não consegue oferecer denúncia sobre os casos de homicídio por causa da má qualidade dos inquéritos policiais. Em Pernambuco, em 2007, o MP só conseguiu oferecer denúncia de 5,4% dos casos registrados de homicídio.
O aumento da violência no Nordeste foi maior nas regiões metropolitanas ou no interior?
NÓBREGA: Nas regiões metropolitanas, porque é onde aumentou mais a circulação de riqueza. De 2000 para 2010, João Pessoa foi da 15 posição para o 2 lugar na lista das capitais mais violentas. Mas as cidades pequenas do interior também se transformaram numa área de lazer maravilhosa para o criminoso ficar. Ele comete o crime na capital e regiões metropolitanas, e vai se esconder no interior. O pessoal descobriu esse filão. No interior, porém, também houve crescimento da criminalidade: em cidades como Boa Vista (PB), passaram a explodir caixa eletrônico, que nessas cidades fica em casa de telha, sem câmera.
Falta de pessoal também é um problema? Seu artigo na publicação da Senasp cita que houve aumento da violência apesar de alguns estados terem tido aumento do seu efetivo policial.
NÓBREGA: Sim, claro que a falta de pessoal prejudica. Mas só aumentar efetivo não adianta se você não sabe o que fazer com esse efetivo. É como ter um time de futebol de 30 jogadores que só chutam para a esquerda.
A melhoria da estrutura de segurança pública passaria também por uma mudança da política na região?
NÓBREGA: Não há ainda, sobretudo no interior, a percepção da população sobre a importância e a influência do político para as políticas do governo. O debate eleitoral em muitos municípios não é sobre políticas para a população, é sobre quais famílias serão favorecidas, o poder patrimonial desse ou daquele político... Num município como Monteiro (PB), um comerciante instalou uma câmera no centro da cidade. Isso era algo que a prefeitura poderia ter feito tranquilamente, para monitoramento, e não fez.



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