Demissão anunciada
MARIA CELINA D’ARAUJO*
06 de agosto de 2011 | 16h 55
O Estado de São Paulo
http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,demissao-anunciada,755072,0.htm
Analistas avaliam a saída de Nelson Jobim da Defesa como mais um indício de "crise" no governo de Dilma Rousseff. Crise: adoramos essa palavra.
Essa foi uma demissão anunciada desde a posse da presidente. Cada governo precisa imprimir sua marca, formar seu grupo. Jobim não era "gente de Lula", muito menos de Dilma, mas acabou na pasta por injunções que fogem da lógica partidária e parlamentar que tanto prezamos. Não foi trocado no início do ano porque essa pasta não era cobiçada e porque fazia um bom trabalho numa área em que o governo sempre pisou leve.
Ele foi de fato o primeiro ministro da Defesa de Lula. Lá chegou porque tem autoridade e conhecimento jurídico para lidar com a questão militar. Lula queria evitar a repetição das desastrosas experiências dos antecessores, muitas vezes desautorizados pelos subordinados e pelo próprio presidente.
Desde a redemocratização os temas militares permaneceram um cluster. Fernando Henrique quebrou o tabu ao criar o Ministério da Defesa, mas empenho, ou oportunidade, não houve para que a pasta se tornasse efetiva no controle civil democrático sobre as Forças Armadas. Os militares continuaram se autorregulando.
Durante o governo Lula quatro circunstâncias explicitaram isso. A demissão do ministro José Viegas em 2004, devido às reações militares contrárias à abertura dos arquivos da ditadura. À revelia de seu superior, o comandante do Exército lançou manifesto defendendo o golpe de 1964 e a ação repressiva da Forças Armadas. Lula não quis se indispor com os quartéis e não considerou a possibilidade de demitir o comandante. Desautorizado em sua função, Viegas saiu da pasta. Foi substituído pelo vice-presidente José Alencar, uma demonstração do prestígio que o presidente dava à corporação.
O segundo se deu em duas tragédias aéreas: os acidentes com o avião da Gol em setembro de 2006 e com o da TAM em julho de 2007, em meio ao movimento salarial dos controladores de voo. Nessas negociações, o então ministro da Defesa, Valdir Pires, foi o grande ausente. O assunto ficou restrito ao manejo do comandante militar.
O terceiro caso ocorreu em 2008 quando o então ministro da Justiça, Tarso Genro, anunciou ser favorável à revisão da Lei de Anistia. A declaração provocou intensa reação oficias da reserva e da ativa, entre eles o comandante militar do Leste e o chefe do Departamento de Ensino e Pesquisa do Exército. Lula proibiu seus ministros de voltarem a tocar no assunto, e o ministro da Defesa, já então Jobim, garantiu que não haveria sanções para os indisciplinados. Assunto encerrado para efeito do "público externo", reafirmando a capacidade da corporação de continuar atuando como ator com poder de veto nos temas relativos aos crimes da ditadura.
O quarto ocorreu quando o governo anunciou o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, em dezembro de 2009. Os três comandantes militares reagiram contrariamente às cláusulas que propunham rever abusos contra os direitos humanos durante a ditadura e colocaram seus cargos à disposição. O Plano foi revisado em maio de 2010, para incorporar as demandas militares.
Essa situação começa a se reverter em agosto de 2010, quando Nelson Jobim anunciou medidas legais e administrativas denominadas Nova Defesa. Entre elas: a criação do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, a quem caberá determinar o emprego militar das Forças Armadas; a delegação ao ministro da Defesa para tratar do orçamento das Forças; a criação do Livro Branco da Defesa, cuja elaboração começou em inícios de 2011; e a criação da Carreira Civil de Defesa, o que levaria a um porcentual paritário entre civis e militares no ministério.
Outra importante contribuição do ministro Jobim foi a elaboração da Estratégia Nacional de Defesa, documento polêmico, definido por três eixos: reorganização e reorientação das Forças Armadas; indústria de defesa; e Serviço Militar Obrigatório. Da mesma forma, Jobim teve importante papel na criação do Conselho de Defesa Sul-Americano.
O ministro que sai é um quadro do PMDB, com simpatias tucanas - e é bem-humorado. Com momentos às vezes confusos, avançou na institucionalização do Ministério da Defesa e na ampliação do debate sobre o papel, o custo e o tamanho das Forças Armadas. A pasta deve ser cobiçada, por razões não muito nobres. O importante é o País continuar com uma consistente política de debate nos assuntos da defesa, com o reforço acadêmico de projetos como o do Pró-Defesa.
Forças Armadas custam muito caro em todos os países e também entre nós. Representam o terceiro orçamento ministerial, depois da Saúde e da Educação. Apesar disso, estão sucateadas. É preciso discutir mais e melhor como maximizar esses recursos. Que defesa queremos e precisamos para proteger o povo e o Estado brasileiros. Esse assunto nunca mobilizou os partidos, nunca deu votos. O Congresso nunca se interessou por isso. O Ministério não foi disputado no início do governo, podia esperar substituto. Só que ali há balas e canhões que nem sempre foram bem utilizados. E há os que ali querem bomba atômica. Não deve por isso ser um espaço a serviço de ideologias toscas.
* MARIA CELINA D'ARAUJO, CIENTISTA POLÍTICA, É PROFESSORA DA PUC-RIO
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