A farra do Fundo Partidário
No Brasil, o uso de recursos oficiais para arrimar os partidos - que, afinal, são entes privados de direito público - se consubstanciou na criação do Fundo Partidário. Anualmente, a Justiça Eleitoral atualiza os valores que o governo deve repassar às siglas, com base na variação do tamanho do eleitorado. Só que o Congresso tem a prerrogativa de elevar os montantes já corrigidos, e estes podem ser tranquilamente utilizados pelos partidos para fechar as contas de suas campanhas. Ou seja, a legislação e os (maus) costumes da política nacional funcionam objetivamente como um incentivo à esbórnia financeira na competição pelo voto popular. Segundo essa lógica perversa, já que as legendas são, por lei, corresponsáveis pelas dívidas de campanha de seus candidatos, acione-se o Fundo Partidário para quitá-las, como se correspondessem a despesas de custeio da organização e não a verdadeiros investimentos para a conquista de poder.
Dá no que dá. Ontem, este jornal revelou que, em 13 de dezembro passado, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional aprovou um arranjo pelo qual o Executivo deverá destinar este ano ao Fundo Partidário R$ 100 milhões a mais do que os R$ 165 milhões originalmente previstos. O assalto ao erário foi aprovado por unanimidade, pela óbvia razão de que o butim será repartido entre as 27 agremiações registradas no País - desde o PT, no topo do edifício, aquinhoado com R$ 42,8 milhões (ou R$ 16,1 milhões extras) até o PCO, o Partido da Causa Operária, no rés do chão, com R$ 510 mil (RS$ 190 mil a mais). Por que R$ 100 milhões de acréscimo? Deve ser porque é um número redondo e robusto o suficiente para contentar a todos. Ou, como diz a senadora petista Serys Slhessarenko, presidente da Comissão, porque todos os partidos nela representados chegaram a um acordo sobre esse valor.
Os R$ 16,1 milhões adicionais a serem repassados ao PT equivalem a 60% da dívida deixada pela campanha da então candidata à Presidência, Dilma Rousseff. Os R$ 11,4 milhões acrescidos ao PSDB cobrem, com folga, os débitos da candidatura José Serra, da ordem de R$ 9,6 milhões. A piada é que tanto petistas quanto tucanos garantem que não se servirão da bolada engordada para acertar as contas com os seus credores. Na realidade, as conversas para se dar um jeitinho de facilitar a vida dos devedores naquela que seria a mais cara campanha da história começaram ainda em outubro, antes mesmo, portanto, do segundo turno. "O aumento do Fundo resultou em melhora para todos os partidos. E, quando todos são beneficiados, ninguém reclama", comentou um líder partidário que - naturalmente - pediu para não ter o nome citado.
E haja benefício. Todo ano o Congresso eleva mais que proporcionalmente ao crescimento do eleitorado as verbas do Fundo. No último decênio, enquanto a população apta a votar aumentou 17%, o repasse acumulado mais do que duplicou. Em nenhum outro ano, porém, os políticos se permitiram expandir em deslavados 65% os recursos a que teriam direito. Sairia mais barato, argumenta o líder tucano na Câmara dos Deputados, João Almeida, se o financiamento público das campanhas fosse adotado de uma vez por todas. Mas os políticos são mais cínicos. Para eles, observa o cientista político Carlos Melo, melhor o esquema atual, que não só os poupa de defender uma iniciativa impopular, como ainda lhes permite tanto receber doações privadas como cevar o Fundo Partidário.
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