quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Hélio Luz e a (in)segurança pública no Rio de Janerio

Hélio Luz, radicado em Porto Alegre, sua cidade natal e onde residem
familiares, o ex-chefe da Polícia do Rio de Janeiro (de 1995 a 1997,
durante o governo de Marcello Alencar) acompanha com interesse a
situação lá. Delegado aposentado, Luz dirigia a Polícia Civil do Rio
quando agentes prenderam o traficante Marcio Nepomucemo, o Marcinho
VP, apontado como um dos líderes do tráfico no Complexo do Alemão –
para onde fugiram bandidos armados expulsos da Vila Cruzeiro, na
última quinta-feira.

A entrevista para o Zero Hora é de Carlos Etchichury; foi publicada em
28 de novembro de 2010.

A imagem de jovens esfarrapados, armados com fuzis, escopetas,
metralhadoras e pistolas, não surpreende Hélio Luz.

– O Estado nunca teve uma política de segurança de médio ou longo
prazo. O Estado sempre atuou com uma política de segurança imediata –
diz.

Eis a entrevista.

Zero Hora — Como funciona o comando do tráfico no Complexo do Alemão?

Hélio Luz – Ele é diferente das demais favelas. É preciso voltar no
tempo. Um dos fundadores do Comando Vermelho (CV), Rogério Lemgruber,
o Bagulhão, foi preso na Ilha Grande, na época da ditadura, e conviveu
com presos políticos.

Zero Hora — Qual a influência da convivência com os presos políticos?

Hélio Luz — Quando ele saiu da Ilha Grande, começou a se organizar e
se juntou com outros líderes. Um deles era o Orlando Jogador, que era
do Complexo do Alemão. O Comando Vermelho começou a tomar o espaço de
outras favelas, mudando a relação com a comunidade. O pessoal que
assumia não tinha respeito com a população, porque era de outra área.
O Orlando Jogador cresceu naquela área até ser morto, em 1994. Em seu
lugar, assumiu o Marcinho Nepomucemo, o Marcinho VP (Vila da Penha),
que era o braço direito do Orlando. Ele era da comunidade, e isso fez
toda diferença (mesmo preso, Marcinho VP continua dominando o Complexo
do Alemão).

Zero Hora — As imagens da Rede Globo o surpreendem?

Hélio Luz – É uma situação antiga. Esta formação não foi feita em dois
anos, cinco anos. Ela foi feita ao longo de 30 anos. Eles conseguem se
sustentar no Complexo do Alemão, diferentemente de outras áreas,
porque são de lá. Eles conhecem bem o terreno e a comunidade. Mas eles
não constituem exército, milícia, coisa nenhuma. É um bando de garotos
que não têm nada na cabeça. O fato de eles fugirem juntos supõe algum
nível de organização de enfrentamento. Mas não têm.

Zero Hora — Qual foi o momento em que o Estado perdeu o controle da situação?

Hélio Luz – O Estado nunca teve uma política de segurança de longo
prazo. Nem de médio prazo. O Estado sempre operou com política de
segurança de resultados. Há duas causas para o que nós estamos vendo.
Uma, mais remota, e mais grave, que é a questão social. Outra, mais
próxima, é restrita à área de segurança.

Zero Hora — A impressão é de que se trata de um grupo organizado.

Hélio Luz -- Quando ocorre esta ação espetacular, você pensa que o
Estado venceu e que nós estamos derrotando um inimigo. Mas eles não
são inimigos do Estado, eles são integrantes do Estado, mas foram
marginalizados. O Estado criou estes caras. É produto direto do que
nós fizemos. Num nível mais direto da segurança é resultado da
corrupção das polícias do Rio.

Zero Hora — A polícia do Rio é corrupta, como mostrou os filmes Tropa
de Elite e Tropa de Elite II?

Hélio Luz -- É muito mais. Se fosse como o filme, seria ótimo. O
grande problema é quantas vezes estes garotos foram presos e soltos?
Foram para delegacia e liberados? Nem fichados são. Por quê? Porque
tem acerto. Eles existem pela permissividade da polícia. Além disso,
há questões de fundo. Eles prendem estes 200 que nós vimos fugindo,
mas vão colocar aonde? E os outros, sei lá, 20 mil que têm no complexo
com a idade deles? Tem política para eles? Vai ser proporcionada uma
vida decente para eles? Como será feita a manutenção da área ocupada?

Zero Hora — Qual a opinião do senhor sobre as UPPs?

Hélio Luz — É interessante. Eu não entendo por que colocam recrutas
para montar UPPs. Eles dizem que, na média, são uns 200 recrutas com
um oficial. Nas 14 UPPs, dá algo em torno de 2,8 mil recrutas, 3 mil
recrutas. Então, 3 mil recrutas estão resolvendo a situação da
criminalidade no Rio? Tem um contingente de 40 mil policiais, mais 10
mil na Polícia Civil, que não resolveram o problema da criminalidade.
É isso que estão dizendo? Se é isso, estão confirmando que o problema
é corrupção.

Zero Hora — Qual a solução para o Rio?

Hélio Luz – É desconcentração de renda. Quem tem de dar palpite sobre
a segurança no Rio é aquele professor de Pernambuco, o Mozart Neves
(ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco, integrante do
movimento Educação para Todos). O negócio é educação. Não tem saída.

Zero Hora — O senhor já participou de grandes operações no Complexo do Alemão?

Hélio Luz -- Já participei de operações, mas não de grandes operações.
Não precisa. Claro que agora, com essa situação, são necessárias
mobilizações. Mas os principais vagabundos do Rio foram presos sem dar
um tiro. Tu prende o cara no asfalto.

Zero Hora Esta é a situação mais crítica do Rio?

Hélio Luz -- Em 1994, havia 140 pessoas sequestradas no Rio. O
problema era muito sério. Os empresários, na época, queriam sair do
Rio. Eles faziam seguro com empresas americanas para ter segurança na
cidade. Foi um período de caos. Acabou o sequestro no Rio. Por que
acabou? Porque a polícia antissequestro parou de sequestrar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário