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Fausto Macedo, repórter
Decapitações nas prisões,
um recado ignorado
Redação
26
setembro 2014 | 05:00
Por
Alexandre Pereira da Rocha*
Militantes
jihadistas, numa defesa de um Estado Islâmico do Iraque, têm promovido cenas de
terror. Recentemente foram divulgados vídeos mostrando a decapitação de
jornalistas norte-americanos. Tal fato gerou sentimentos de revoltas pelo mundo
afora. Enquanto isso outra rebelião estoura num presídio brasileiro e mais um
presidiário é decapitado. Pouco disso é divulgado.
Vale aqui
evocar a canção de Caetano Veloso, “O Haiti é aqui”, na qual o poeta nos
convida para subir no adro e refletir sobre os contrassensos da sociedade
brasileira. Ao mesmo tempo em que nos comovemos com a desgraça alheia, por
exemplo, a do povo haitiano, ignoramos as mazelas no quintal de casa. Por isso,
ele canta: “O Haiti é aqui, o Haiti não é aqui”. Podemos dizer, então: o Iraque
é aqui, o Iraque não é aqui.
Como as
belas canções que embalam nossas vidas jamais envelhecem, as contradições que
povoam o Brasil tardam em ser eliminadas. Por motivos diferentes elas resistem.
Assim é chocante ver uma pessoa sendo decapitada por terroristas jihadistas,
mas é aceitável ver cabeças de presidiários sendo amontoadas a cada rebelião
nas cadeias brasileiras. É como se esses marginais não possuíssem nenhum
espírito ou direito. Portanto já versou o sambista Jorge Aragão: “O Iraque é
aqui”.
Não é
novidade. Outra rebelião. Outro preso decapitado. Desta vez o fato aconteceu no
presídio de Parintins, no Amazonas. Motivação: superlotação, condições
subumanas, disputas entre facções. As razões divulgadas na mídia são as mesmas
de outras rebeliões. O que pouco se denuncia é que as prisões formam um quadro
abreviado das discriminações do país, porquanto lá atrás das grades está a
grande parte dos fracassados e desajustados de uma sociedade desigual em
desenvolvimento.
Nessa
linha, há poucos meses o presídio de Pedrinhas, no Maranhão, ganhou destaque
nacional e internacional pela barbaridade com que presidiários foram mortos e
decapitados por seus pares. A cena de horror foi filmada de um aparelho celular
pelos próprios algozes. Em agosto deste ano, na penitenciária de Cascavel, no
Paraná, quatro presos foram mortos, sendo que dois decapitados. Nem é preciso
relembrar os 111 mortos de Carandiru para rezar que o Iraque é aqui.
Numa
sociedade que defende que “bandido bom é bandido morto”, a quantidade de
cabeças de presidiários rolando é irrelevante. Mas um estudo recente do
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) indica que as cifras são
preocupantes. Ora, entre fevereiro de 2012 e março de 2013, foram registradas
121 rebeliões e 769 mortes em 1.598 estabelecimentos penais. No espaço de pouco
mais de um ano, na média, ao menos um presidiário foi morto dentro de prisões
brasileiras por dia.
Outra contradição. Num país que não possui a pena
de morte como procedimento penal, no período analisado pelo CNMP, foram mortos
mais pessoas sob a custódia do Estado brasileiro do que o conjunto de países
que adotam a pena capital, em 2011. Segundo dados da Anistia Internacional, 676
pessoas foram executadas naquele ano pela pena de morte. Nas prisões
brasileiras, pelo que se sabe, 769 pessoas.
Nada
disso importa, pois como encanta Caetano: “presos são quase todos pretos, ou
quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres e pobres são como
podres e todos sabem como se tratam os pretos (…)”. Nada disso tem relevância,
lembra Aragão: “aqui tudo é bom, aqui tudo é bom”. Assim, no Iraque brasileiro,
ter a cabeça arrancada, ainda mais quando se é um presidiário, é só coisa de
cadeia. Pior: é a justa vingança da sociedade brasileira descrente na própria
Justiça. Isso não é canção. É a realidade de prisões pelo Brasil afora.
Jihadistas
arrancam cabeças de cidadãos norte-americanos numa mensagem direta à Casa
Branca. Da mesma forma que, à época de terror da Revolução Francesa, a
guilhotina não se cansou de decapitar opositores. Ora, cabeças humanas têm
rolado durante a história da humanidade como recurso simbólico de poder. Isso
não é só violência. É política. E no Brasil de hoje? Qual recado as
decapitações de presidiários quer passar?
Embora as
motivações entre as decapitações de jornalistas norte-americanos por
terroristas e de presidiários por outros presidiários no Brasil sejam distintas,
a força da mensagem é semelhante. Aqui as decapitações são marcas de sistemas
penitenciáriosestaduais em crise, senão falidos. O recado está sendo dada com
muito sangue. Porém, quantas cabeças mais vão rolar nas prisões brasileiras
para que o poder público encare com seriedade esse problema?
*Alexandre
Pereira da Rocha é cientista político. Doutor em Ciências Sociais – UNB.
Pesquisador na área de segurança pública e violência.
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