. Basta de fingir
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Artigo de Cristovam Buarque publicado em O Globo de 31/5. Raros são capazes de ler e falar outro idioma
O Brasil comemora sua posição de sétimo maior PIB do mundo, mas o PIB
per capita rebaixa o país para a 54ª posição no cenário mundial; no IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) ficamos em 85º lugar. Fingimos ser
ricos, apesar da pobreza.
Nos últimos 20 anos, passamos de 1,66 milhão para 7,04 milhões de
matrículas nos cursos superiores, mas quase 40% de nossos universitários
sabem ler e escrever mediocremente, poucos sabem a matemática
necessária para um bom curso nas áreas de ciências ou engenharia, raros
são capazes de ler e falar outro idioma além do português. Fingimos ser
possível dar um salto à universidade sem passar pela educação de base.
Comemoramos ter passado de 36 milhões, em 1994, para 50 milhões de
matriculados na educação básica, em 2014, sem dar atenção ao fato de
termos 13 milhões de adultos prisioneiros do analfabetismo; 54,5 milhões
de brasileiros com mais de 25 anos não terminaram o Ensino Fundamental e
70 milhões não terminaram o Ensino Médio. Fingimos que os matriculados
estão estudando, quando sabemos que passam meses sem aulas por causa de
paralisações ou falta de professores.
A partir de 1995, no Distrito Federal e em Campinas, iniciamos um
programa que serve de exemplo ao mundo inteiro, atualmente chamado de
Bolsa Família e que transfere por mês, em média, R$ 167 por pessoa
pobre, o que lhe assegura R$ 5,67 por dia, valor insuficiente para
aliviar suas necessidades mais essenciais. E fingimos que, com esta
transferência, estamos erradicando a pobreza que é caracterizada
efetivamente pela falta de acesso aos bens e serviços essenciais que não
estamos oferecendo. Fingimos ter 94,9 milhões na classe média, sabendo
que a renda média mensal per capita dessas pessoas está entre R$ 291 e
R$ 1.019, quantia insuficiente para uma vida cômoda, especialmente em um
país que não oferece educação e saúde públicas de qualidade.
Comemoramos o aumento da frota de automóveis de, aproximadamente, 18
milhões, em 1994, para 64,8 milhões, em 2014, fingindo que isto é
progresso, mesmo que signifique engarrafamentos monumentais.
Comemoramos, corretamente, termos desfeito uma ditadura, esquecendo
que a democracia está sem partidos e a política se transformou em
sinônimo de corrupção. Fingimos ter uma democracia com liberdade de
imprensa escrita em um país onde poucos são capazes de ler um texto de
jornal. Assistimos a 56 mil mortos pela violência ao ano, e fingimos ser
um país pacífico, sem uma guerra civil em marcha.
Fingimos ser um país com ambição de grandeza, mas nos contentamos com
tão pouco que os governantes se recusam a ouvir críticas sobre a
ineficiência dos serviços públicos. Preferem um otimismo ufanista,
comparando com o passado que já foi pior, e denunciam como antipatriotas
aqueles que ambicionam mais e criticam as prioridades definidas e a
incompetência como elas são executadas. Antipatriota é achar que o
Brasil não tem como ir além, é acreditar nos fingimentos.
Cristovam Buarque é senador
http://oglobo.globo.com/opiniao/basta-de-fingir-12671144#ixzz33USpkF1V
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