Os donos do Senado
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19 Fev 2013
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Marco Antonio Villa
A
República brasileira nasceu sob a égide do coronelismo. O federalismo
entregou aos mandões locais parcela considerável do poder que, no
Império, era exercido diretamente da Corte. Isto explica a rápida
consolidação do novo regime justamente onde não havia republicanos. Para
os coronéis pouca importava se o Brasil era uma monarquia ou uma
república. O que interessava era ter as mãos livres para poder controlar
o poder local e exercê-lo de acordo com seus interesses.
Mesmo
durante as ditaduras do Estado Novo e militar, o poder local continuou
forte, intocado. A centralização não chegou a afetar seus privilégios.
Se não eram ouvidos nas decisões, também não foram prejudicados. E
quando os regimes entraram em crise, na "nova ordem" lá estavam os
coronéis. Foram, ao longo do tempo, se modernizando. Se adaptaram aos
novos ventos econômicos e ao Estado criado a partir de 1930.
O
fim do regime militar, paradoxalmente, acabou dando nova vida aos
coronéis. Eles entenderam que o Congresso Nacional seria - como está
sendo nas últimas três décadas - o espaço privilegiado para obter
vantagens, negociando seu apoio a qualquer tipo de governo, em troca da
manutenção do controle local. Mais ainda, a ampliação do Estado e de
seus recursos permitiu, como nunca, se locupletar com os bancos e
empresas estatais, os recursos do orçamento federal e, mais
recentemente, com os programas assistenciais.
A
modernização econômica e as transformações sociais não levaram a
nenhuma alteração dos métodos coronelísticos. A essência ficou
preservada. Se no começo da República queriam nomear o delegado da sua
cidade, hoje almejam uma diretoria da Petrobras. A aparência tosca foi
substituída por ternos bem cortados e por uma tentativa de refinamento -
que, é importante lembrar, não atingiu os cabelos e suas ridículas
tinturas, ora acaju, ora preto graúna.
Não
há nenhuma democracia consolidada que tenha a presença familiar
existente no Brasil. Melhor explicando: em todos os estados,
especialmente nos mais pobres, a política é um assunto de família. É
rotineiro encontrar um mesmo sobrenome em diversas instâncias do
Legislativo, assim como do Executivo e do Judiciário. Entre nós,
Montesquieu foi tropicalizado e assumiu ares macunaímicos, o equilíbrio
entre os poderes foi substituído pelo equilíbrio entre as famílias.
Um,
entre tantos tristes exemplos, é Renan Calheiros. Foi eleito pela
segunda vez para comandar o Senado. Quando exerceu anteriormente o cargo
foi obrigado a renunciar para garantir o mandato de senador - tudo em
meio a uma série de graves denúncias de corrupção. Espertamente se
afastou dos holofotes e esperou a marola baixar.
Como
na popular marchinha, Renan voltou. Os movimentos de protesto, até o
momento, pouco adiantaram. Os ouvidos dos senadores estão moucos. A
maioria - incluindo muitos da "oposição" - simpatiza com os seus
métodos. E querem, da mesma forma, se locupletar. Não estão lá para
defender o interesse público. E ridicularizam as críticas.
Analiticamente,
o mais interessante neste processo é deslocar o foco para o poder local
dos Calheiros. É Murici, uma paupérrima cidade do sertão alagoano. Sem
retroagir excessivamente, os Calheiros dominam a prefeitura há mais de
uma década. O atual prefeito, Remi Calheiros, é seu irmão - importante:
exerce o cargo pela quarta vez. O vice é o seu sobrinho, Olavo Calheiros
Neto. Seu irmão Olavo é deputado estadual, e seu filho, Renan, é
deputado federal (e já foi prefeito). Não faltam acusações envolvendo os
Calheiros. Ao deputado estadual Olavo foi atribuído o desaparecimento
de 5 milhões de reais da Assembleia Legislativa, que seriam destinados a
uma biblioteca e uma escola. A resposta do Mr M da política alagoana
foi agredir um repórter quando perguntado sobre o sumiço do dinheiro. E
teve alguma consequência? Teve algum processo? Perdeu o mandato?
Devolveu o dinheiro que teria desviado? Não, não aconteceu nada.
E
a cidade de Murici? Tem vários recordes. O mais triste é o de
analfabetismo: mais de 40% da população entre os 26 mil habitantes. De
acordo com dados do IBGE, o município está entre aqueles com o maior
índice de incidência de pobreza: 74,5% da população. 41% dos muricienses
recebem per capita mensalmente até ¼ do salário mínimo. Saneamento
básico? Melhor nem falar. Para completar o domínio e exploração da
miséria é essencial contar com o programa Bolsa Família. Segundo o
Ministério de Desenvolvimento Social, na cidade há 6.574 famílias
cadastradas no programa perfazendo um total de 21.902 pessoas, que
corresponde a 84,2% dos habitantes. Quem controla o cadastro? A
secretária municipal de Assistência Social? Quem é? Bingo! É Soraya
Calheiros, esposa do prefeito e, portanto, cunhada de Renan.
O
senador é produto desta miséria. Em 2007, quando da sua absolvição pelo
plenário do Senado (40 votos a favor, 35 contra e 6 abstenções), seus
partidários comemoraram a votação como uma vitória dos muricienses.
Soltaram rojões e distribuíram bebidas aos moradores. E os mais
fervorosos organizaram uma caravana a Juazeiro do Norte para agradecer a
padre Cícero a graça alcançada...
Porém,
o coronel necessita apresentar uma face moderna. Resolveu, por incrível
que pareça, escrever livros. Foram quatro. Um deles tem como título "Do
limão, uma limonada". Pouco antes de ser eleito presidente do Senado, a
Procuradoria-Geral da República o denunciou ao STF por três crimes:
falsidade ideológica, uso de documentos falsos e peculato. Haja
limonada!
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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Os donos do Senado
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