Correio Braziliense, 15 de fevereiro de 2012 Lições das greves militares | | |
WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCHDesembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, preside o Instituto Brasileiro Giovanni FalconeA Constituição de 1988, salvo artimanhas interpretativas de Procusto, é clara ao proibir aos militares a promoção de greve, filiação político-partidária e organização em sindicatos. Assim, a greve, quando praticada por militares, tem a marca da ilegitimidade e mostra que seus líderes e aderentes às paredes não são educados à legalidade democrática. Sem cerimônia, rasga-se a Constituição a cada greve. Na nossa Constituição republicana a greve, que é instrumento de equilíbrio nas relações trabalhistas, representa, referentemente aos militares, um direito social que sofre limitações, com o prevalecimento da segurança e tranquilidade social sobre os interesses corporativos. Além da proibição, o constituinte criou instrumentos de intervenção federal, voltados a restabelecer a paz social, como a decretação dos estados de Defesa e de Sítio, sem prejuízo de a legislação ordinária tipificar crimes militares. Em diversos estados democráticos de direito existem iguais proibições. Neles, como no Brasil, são admitidas várias formas para protesto e pressão não caracterizadoras de greve, como, por exemplo, o uso de redes sociais de sensibilização pública, internet etc. Apesar do nosso quadro constitucional, as greves tornaram-se frequentes e, muitas vezes, são apoiadas pela população, como se viu recentemente com os bombeiros do estado do Rio de Janeiro. Para a violação constitucional e a decorrente entropia, concorrem a falta de uma política nacional de segurança pública e a baixa remuneração paga aos que atuam na linha de frente para a prevenção e o enfrentamento dos fenômenos da criminalidade e da violência. Também contribui a ética ambígua de partidos políticos, ao apoiar a parede com o objetivo único de desprestigiar o governador de turno. Não se deve esquecer que as associações passaram a ser utilizadas como sindicatos e, para filiação partidária, basta ao policial sair em licença não remunerada. Na nossa história republicana, vários líderes associativos se elegeram para as câmaras e assembleias legislativas. Numa apertada síntese, as proibições constitucionais são contornadas. O envio pela União de tropas do Exército em apoio à unidade federativa evita que se use do Estado de Defesa, às vezes contra governador do mesmo partido ou de coligação. Não bastasse, leis de anistia a grevistas, algumas com efeito cascata decorrente de emendas legislativas, aniquilam a força da proibição constitucional e mostram vivermos no país do “quebra-galho”. No Rio, até hoje se discute não a necessidade, mas a forma quebra-galho adotada para legitimar a presença do Exército no Complexo do Alemão, antes sob controle territorial e social do crime organizado. A primeira brecha à greve veio com o fim do Ministério do Interior, pasta de importância fundamental em países europeus. Só para lembrar, o atual presidente francês foi ministro do Interior, ou seja, responsável pela segurança pública. Esse ministério tem sempre a tarefa de coordenar e estabelecer a sinergia e a emulação salutar entre os diversos órgãos voltados a manter, internamente, a segurança da população. A pasta cuida da política de segurança e, evidentemente, das questões remuneratórias das polícias. Com a extinção do Ministério do Interior, as atribuições foram parar no Ministério da Justiça, que conta com uma Secretaria Nacional de Segurança meramente decorativa. A inadequada remuneração dos policiais, com o projeto de emenda constitucional (PEC 300) voltado a estabelecer um piso salarial nacional e que tramita desde 2008 com uma única votação na Câmara, mostra o despreparo do nosso país no contraste, preventivo e repressivo, ao crime organizado, que é transnacional e conta com forte poder corruptor e de cooptação. Para se ter ideia, na abertura em dezembro de 2000 da Convenção sobre Crime Organizado Transnacional, o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, alertou para o fato de as internacionais criminosas obterem lucro que cresce de 40% a 50% ao ano. E tem mais, o antigo czar antidrogas das Nações Unidas, em dezembro de 2010, informou que o sistema internacional de compensações bancárias não quebrou, durante a crise econômica de 2008, graças à circulação do dinheiro do crime organizado. Num pano rápido, o Brasil precisa com urgência de uma política nacional de segurança pública, que passa por questões fundamentais. A começar pelo fim da prevalência militar, sem se esquecer de remunerar adequadamente policiais e os educar, nas academias e escolas de polícia, para a legalidade democrática. |
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
País do "quebra-galho"
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