Clóvis Rossi
Uma democracia capenga
Brasileiro participa pouco em política; talvez por isso, é recordista em sentir-se desatendido pelo governo
O brasileiro é recordista mundial em sentir-se ignorado pelo governo.
É o que indica a pesquisa sobre atitudes globais de 2014 feita pelo Pew Research Center, um centro de pesquisas norte-americano que é dos mais respeitados do mundo na matéria.
Recordista mundial é um pouco de exagero, mas não muito. A pesquisa foi feita nos 33 países emergentes mais relevantes de todos os continentes.
Quando a pergunta era sobre se o governo se importava com a opinião do pesquisado, 90% dos brasileiros responderam "não".
É a maior porcentagem encontrada, superior até à já elevada média latino-americana (77%).
O brasileiro pode ser recordista em sentir-se desatendido pelo governo, mas essa sensação é generalizada no mundo todo ou, ao menos, nos países pesquisados.
"Maiorias em 31 dos 33 países pesquisados disseram que a maioria dos funcionários do governo não se importa com o que pessoas como eles [os pesquisados] pensam."
A pesquisa serve como explicação a posteriori para as grandes manifestações de junho de 2013, em que a grande reivindicação era por serviços públicos melhores.
Ou seja, a rua ferveu porque nenhum governo "ouviu" essa reivindicação ou, se ouviu, não se preocupou efetivamente em atendê-la.
Mas a pesquisa mostra também que o brasileiro limita sua participação política ao ato de votar --o mínimo que se espera de um cidadão em democracias.
Aliás, o brasileiro é também quase recordista, entre os 33 países envolvidos na pesquisa, em participação eleitoral: 94% dizem votar nas eleições, atrás apenas dos tailandeses (96%).
Entre as possibilidades de participação oferecidas pela pesquisa, em só duas delas a porcentagem de brasileiros que participaram passou de um dígito: 34% foram a eventos de campanha política e 13% assinaram petição de cunho político.
Nos outros itens, o resultado é desanimador: participação em protesto (9%), membro de organização política (4%), fez contato com algum funcionário (5%), participação em greves (7%), telefonou para programa de rádio/TV para dar opinião política (5%).
Mesmo nas redes sociais, que, ao menos na campanha presidencial, pareciam inundadas de mensagem políticas, a participação é mínima. Só 9% postaram mensagens políticas e menos ainda (7%) publicaram links para informações políticas.
Em todos esses itens, a participação dos brasileiros é inferior ou, na melhor das hipóteses, igual à média latino-americana, que é igualmente muito baixa.
A pesquisa apurou também que as elites (e os homens, a maioria entre elas) atuam mais.
"Aqueles com educação secundária ou mais alta, aqueles que acreditam que funcionários públicos se importam com suas opiniões e os homens participam mais em atividades políticas", diz o texto.
Tudo somado, tem-se uma democracia capenga: votar, todos votam, mas participar é coisa para poucos, assim como os benefícios se concentram em poucas mãos.
Mesmo assim, Feliz Natal.
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