Resposta à radicalização na segurança
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31 Jan 2014
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Visão do CorreioO Distrito Federal registra mais de dois homicídios por dia este ano: foram 63 até 29 de janeiro, 28% mais do que em igual período de 2013. Outro dado assustador é o número de ocorrências violentas contra bares e restaurantes: mais de 100 este mês. Apenas uma rede de fast-food teve 20 lojas invadidas desde dezembro. Na raiz do problema, o descaminho da Polícia Militar, que ignora a hierarquia e a disciplina, bases da instituição, e afronta a sociedade civil e os poderes constituídos com a Operação Tartaruga, que já dura dois meses. Acima do legítimo direito à reivindicação por melhoria salarial e reforço do efetivo, a PMDF, ao invés de cumprir a obrigação de manter a ordem pública e a segurança interna na capital federal, radicaliza a ponto de alguns de seus integrantes usarem a internet para tripudiar em cima das apreensões da população e celebrar a escalada do crime. E os abusos são reproduzidos do topo à base da força. Teve tenente-coronel liberando subordinados de exercer o dever, e sargento desafiando a cúpula da Segurança Pública em vídeo gravado. Sem limites, o movimento perde a razão e a legitimidade para penetrar no campo da anarquia. Pior: extrapola a esfera do interesse corporativo e invade, pelo pantanoso acesso da porta dos fundos, o ambiente eleitoral. É manipulado por interesses marginais, guiado por pretensões políticas de policiais esquecidos das finalidades precípuas da carreira — à qual devem dedicar-se integralmente, por imposição do estatuto que regula seus deveres, direitos e prerrogativas. Nesse contexto, falta à mobilização alguém com autoridade para dialogar com os próprios colegas e com o Governo do Distrito Federal. A ordem de meia-volta, volver demora tanto a chegar quanto o socorro daqueles que clamam por proteção enquanto os policiais militares retardam deliberadamente o atendimento. Representante da Associação de Praças da Polícia Militar declarou com todas as letras, insuflando os ânimos: "A palavra de ordem é radicalizar". Lembre-se de que, em março de 2012, Operação Tartaruga da PM contribuiu para tornar o DF um dos lugares mais violentos do país, com 88 assassinatos em 30 dias, superior ao do próprio Entorno, com 54 ocorrências do gênero no mesmo período. O que está em jogo na capital da República e suas regiões administrativas é a vida do cidadão. O mesmo membro da entidade de classe acusou o GDF de omissão, deixando uma ameaça no ar, ao especular que a violência tende a atingir "níveis de guerra". Falta pouco para tal prognóstico virar realidade. E a proximidade da Copa do Mundo e das eleições de outubro pode ser comparada a uma correnteza de gasolina fluindo rumo ao fogo. Portanto, não há o que esperar. Ou a reação é imediata, ou o radicalismo marcará o verão de 2014 com histórica página de barbárie. |
sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
insegurança pública
Eleições fundamentais?
Folha de S. Paulo, 30 de janeiro de 2014.
Eleições são para a democracia como o oxigênio para a vida. Sem elas,
não se pode dizer que o regime democrático existe, e no Brasil temos
razões de sobra para celebrar a conquista das eleições diretas.
A participação dos brasileiros baseada na crença de que o voto permite influir na definição de políticas públicas cresceu e os cidadãos estão hoje mais mobilizados para exercer a sua cidadania política do que no início da democratização, embora mais críticos e mais severos no julgamento do desempenho de governos e instituições de representação.
Eleições majoritárias e proporcionais nem sempre coincidiram, mas os resultados de duas décadas e meia de ciclos eleitorais regulares, previsíveis e livres, sob controle da Justiça Eleitoral, consolidaram duas características importantes do regime democrático, a participação do "demos" e a contestação política.
No primeiro caso, a expansão do sufrágio em comparação com as últimas eleições do período democrático anterior representou a inclusão quase da totalidade da população adulta na "polity". No segundo, a competição baseada no multipartidarismo vigente, um sistema menos moderado do que suas origens prenunciavam, favoreceu a alternância no poder, embora tal como opera hoje envolva uma dúvida importante.
Nas últimas décadas, o Brasil superou impasses estruturais importantes, redefiniu os rumos de sua economia e adotou políticas sociais inovadoras, mas a sua democracia convive com um paradoxo: a adesão ao regime aumentou, mas os índices de desconfiança de instituições são muito altos, sinalizando a existência de uma cisão na percepção pública da democracia como ideal e como realização prática. A democracia representativa está em questão, em especial, o funcionamento do Parlamento e dos partidos políticos.
A desconfiança afeta menos a saudável crítica de quem governa (titulares de cargos executivos e representantes), importante para monitorar o seu grau de responsividade, e mais a descrença de como ou do modo de funcionar de instituições que devem assegurar a expressão das preferências dos eleitores e a equanimidade da competição eleitoral. O sistema supõe cooperação entre o Executivo e o Legislativo, mas no regime de separação de Poderes eles não têm as mesmas funções, e sem autonomia o Parlamento realiza mal as funções de fiscalização e controle de governos e líderes políticos.
Da mesma forma, não se espera que os partidos funcionem apenas como garantia de governabilidade no presidencialismo de coalizão --sua conexão com a sociedade é fundamental. O sistema supõe que a maioria dos partidos apoie o governo em troca de influência e cargos na administração, limitando a ação da oposição e restringindo em parte a capacidade de fiscalização do Congresso. Só a alternância no poder, se as condições de equanimidade da competição eleitoral estiverem asseguradas, evita que isso afete a qualidade da democracia.
Entre nós, isso depende basicamente do acesso dos candidatos ao horário eleitoral gratuito, o principal meio para os eleitores se informarem sobre as alternativas propostas. Um terço do tempo do horário gratuito é dividido igualmente entre todos os candidatos e dois terços proporcionalmente às bancadas dos partidos no Congresso.
Porém, os incentivos institucionais para que a maioria dos partidos apoie o governo, aumentando o seu tempo, desequilibra a competição e reduz as chances da oposição. Se não for enfrentada, a questão compromete parte das vantagens conquistadas com as eleições diretas.
JOSÉ ÁLVARO MOISÉS, 68, é professor de ciência política da USP e membro do Comitê Executivo do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)
José Álvaro Moisés
Eleições fundamentais
Se não for enfrentada, a questão dos incentivos para que partidos apoiem o governo comprometerá parte das conquistas das diretas
A participação dos brasileiros baseada na crença de que o voto permite influir na definição de políticas públicas cresceu e os cidadãos estão hoje mais mobilizados para exercer a sua cidadania política do que no início da democratização, embora mais críticos e mais severos no julgamento do desempenho de governos e instituições de representação.
Eleições majoritárias e proporcionais nem sempre coincidiram, mas os resultados de duas décadas e meia de ciclos eleitorais regulares, previsíveis e livres, sob controle da Justiça Eleitoral, consolidaram duas características importantes do regime democrático, a participação do "demos" e a contestação política.
No primeiro caso, a expansão do sufrágio em comparação com as últimas eleições do período democrático anterior representou a inclusão quase da totalidade da população adulta na "polity". No segundo, a competição baseada no multipartidarismo vigente, um sistema menos moderado do que suas origens prenunciavam, favoreceu a alternância no poder, embora tal como opera hoje envolva uma dúvida importante.
Nas últimas décadas, o Brasil superou impasses estruturais importantes, redefiniu os rumos de sua economia e adotou políticas sociais inovadoras, mas a sua democracia convive com um paradoxo: a adesão ao regime aumentou, mas os índices de desconfiança de instituições são muito altos, sinalizando a existência de uma cisão na percepção pública da democracia como ideal e como realização prática. A democracia representativa está em questão, em especial, o funcionamento do Parlamento e dos partidos políticos.
A desconfiança afeta menos a saudável crítica de quem governa (titulares de cargos executivos e representantes), importante para monitorar o seu grau de responsividade, e mais a descrença de como ou do modo de funcionar de instituições que devem assegurar a expressão das preferências dos eleitores e a equanimidade da competição eleitoral. O sistema supõe cooperação entre o Executivo e o Legislativo, mas no regime de separação de Poderes eles não têm as mesmas funções, e sem autonomia o Parlamento realiza mal as funções de fiscalização e controle de governos e líderes políticos.
Da mesma forma, não se espera que os partidos funcionem apenas como garantia de governabilidade no presidencialismo de coalizão --sua conexão com a sociedade é fundamental. O sistema supõe que a maioria dos partidos apoie o governo em troca de influência e cargos na administração, limitando a ação da oposição e restringindo em parte a capacidade de fiscalização do Congresso. Só a alternância no poder, se as condições de equanimidade da competição eleitoral estiverem asseguradas, evita que isso afete a qualidade da democracia.
Entre nós, isso depende basicamente do acesso dos candidatos ao horário eleitoral gratuito, o principal meio para os eleitores se informarem sobre as alternativas propostas. Um terço do tempo do horário gratuito é dividido igualmente entre todos os candidatos e dois terços proporcionalmente às bancadas dos partidos no Congresso.
Porém, os incentivos institucionais para que a maioria dos partidos apoie o governo, aumentando o seu tempo, desequilibra a competição e reduz as chances da oposição. Se não for enfrentada, a questão compromete parte das vantagens conquistadas com as eleições diretas.
JOSÉ ÁLVARO MOISÉS, 68, é professor de ciência política da USP e membro do Comitê Executivo do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
"Segurança Nacional"
O Globo, 28 de janeiro de 2014.
Delícias do poder
O Globo - 28/01/2014 |
Varandas privadas oferecem uma panorâmica
com o casario à beira do Tejo, o Castelo de São Jorge, erguido por D.
João I em homenagem ao padroeiro de cavaleiros e cruzadas, e a alameda
relvada do parque Eduardo VII, imaginada na prancha de racionalismo do
arquiteto Francisco Keil do Amaral durante a ditadura salazarista. Mármore e mogno separam ambientes em duas centenas de metros quadrados, até o banheiro privado com hidromassagem. O elegante mobiliário da coleção Espírito Santo, as tapeçarias Portoalegre criadas por Calvet e António, e os cabides de seda acolchoados nos armários, entre outros detalhes, completam a sedução da suíte em que se abrigou Dilma Rousseff por uma noite em Lisboa, sábado passado. Foi uma “escala técnica obrigatória”, justificou a Presidência. Na versão oficial, Dilma optou pelo majestoso Ritz, inaugurado há 54 anos pelo Rei Humberto de Itália e os príncipes de Saboia, porque o prédio do século XVII onde funciona a embaixada brasileira não podia receber a comitiva de três dezenas de assessores. A diária na tabela do hotel é de R$ 26 mil, anotou o repórter Jamil Chade. Equivale a 36 salários mínimos. Talvez esse valor não seja excessivo, se comparado a algumas outras despesas da presidente. Em Paris, em dezembro de 2012, o governo gastou R$ 30 mil (41 salários mínimos) apenas com a instalação de linha telefônica na suíte de Dilma e no quarto do seu ajudante de ordens. Essa conta não inclui o serviço de telefonia. Aparentemente, as escalas (“técnicas e obrigatórias”) mais caras foram as da viagem presidencial à China, em abril de 2011. Na ida, Dilma passou 24 horas em Atenas. Custou R$ 244 mil (344 salários mínimos) — ou seja, mais de R$ 9 mil por hora. Na volta, parou em Praga. Gastou R$ 75 mil (103 salários mínimos). Oito meses depois, em dezembro, ela esteve em Cannes para uma reunião de chefes de Estado do grupo dos 20 países mais desenvolvidos. Ao partir, um diplomata pediu recibo do pagamento de R$ 4.500 (mais de seis salários mínimos) em fotocópias. Em março do ano passado Dilma foi à missa no Vaticano, a primeira celebrada pelo Papa Francisco. Preferiu hotel à estadia na embaixada brasileira, instalada no Palácio Pamphili, de 363 anos. Pagou-se R$ 204 mil (282 salários mínimos) pelo aluguel de 30 veículos da Rome Vip Limousine. O conta total da viagem beirou meio milhão de reais. Em seguida ela foi a Caracas, para o cerimonial fúnebre de Hugo Chávez. A volta a Brasília no jato presidencial teve um bufê Meliá faturado em R$ 7 mil (9,6 salários mínimos). A Presidência mantém um contrato de R$ 1,9 milhão (2.600 salários mínimos) para serviço de bordo dos seus aviões, informa a ONG Contas Abertas. Neste mês recebeu aditivo de R$ 160 mil (220 salários mínimos). O cardápio da RA Catering inclui canapês de camarão e caviar, coelho assado, rã e pato, entre outros itens. Diante dos gastos de R$ 11 milhões (15 mil salários mínimos) em 35 viagens entre 2011 e 2012, o Itamaraty recebeu ordens para resguardar como confidenciais todas as despesas de Dilma e assessores, como registrou o repórter Vitor Sorano. Duas semanas atrás, a Presidência reafirmou a classificação. E, assim, o 29º ano da redemocratização começou com as delícias do poder encobertas pelo manto do sigilo. Como sempre, em nome da “segurança nacional”. |
Tiro na democracia?
Folha de S. Paulo, 28 de janeiro de 2014.
Janio de Freitas
Os governadores e seus prepostos para a "segurança" pública não podem instaurar ambientes de guerra civil, com suas armas inadmissíveis e ferocidade injustificável permitidas, senão estimuladas, como se fossem normais na democracia. Essa prática é uma transgressão ao Estado de Direito e como tal pode ser tratada, por meio de impeachment.
É ainda bem antes da Copa que se decide a maneira como sua chegada será recebida nas ruas. Em junho passado, a violência da PM paulista, contra grupos que degradaram a grande passeata, incentivou protestos que desandaram em arruaça e violência por vários Estados. Caso os responsáveis pela contenção dos despropósitos de qualquer lado não se limitem a métodos suportáveis, a tendência mais provável é de que o crescendo nacional da reação seja maior do que o anterior. Até o pretexto, motivo de quase unanimidade, facilitaria.
Pretexto, sim. Quando estimados os gastos com a Copa, os estádios a serem construídos, a prevista marotagem dos aumentos de custos acertados entre empreiteiras e governos, raríssimos foram críticos dessa irresponsabilidade, de dimensão ainda incalculável. Os interesses políticos e os financeiros se associaram ao Brasil levianamente festivo. Ao se aproximar o que foi tão celebrado, com a ansiedade popular do antimaracanazo, tudo de repente virou motivo de "rebelião"? Não dá para crer. Ao menos, porém, há uma originalidade aí: rebelião popular com data marcada, e anúncio a seus antagonistas com larga antecedência.
Seja qual for a verdade sobre a situação resultante nos tiros da PM contra Fabrício Proteus, a primeira responsabilidade é clara: a autorização de armas de fogo à PM em situação que não as requer, e na qual são a maior ameaça. Sua desnecessidade em tal situação está atestada na prática: a mais eficiente contenção da arruaça violenta, no Rio, foi obtida na última grande "manifestação" --com a PM desprovida de arma fogo.
A democracia não exclui confrontos entre opositores e centuriões do que os governos vejam como ordem pública. Mas exige condições e limitações que nenhum poder está autorizado a transpor. Tida como o regime das liberdades, a democracia, na realidade, não é menos condicionante e limitadora do que os outros regimes. Mas, o lugar-comum enfim se justifica, no bom sentido. Que não inclui o uso indiscriminado de arma de fogo nem em nome da ordem pretendidamente democrática.
Janio de Freitas
Tiro na democracia
Os governadores e seus prepostos para a 'segurança' pública não podem instaurar ambientes de guerra civil
Arma de fogo no policiamento de manifestação pública é uma truculência
que denuncia a admissão, pelos dirigentes civis e pelos comandos
policiais, de violências fatais idênticas às de ditaduras. Balas de
borracha já têm agressividade mais do que suficiente para intimidar e
conter possíveis investidas de arruaceiros contra policiais.
Os governadores e seus prepostos para a "segurança" pública não podem instaurar ambientes de guerra civil, com suas armas inadmissíveis e ferocidade injustificável permitidas, senão estimuladas, como se fossem normais na democracia. Essa prática é uma transgressão ao Estado de Direito e como tal pode ser tratada, por meio de impeachment.
É ainda bem antes da Copa que se decide a maneira como sua chegada será recebida nas ruas. Em junho passado, a violência da PM paulista, contra grupos que degradaram a grande passeata, incentivou protestos que desandaram em arruaça e violência por vários Estados. Caso os responsáveis pela contenção dos despropósitos de qualquer lado não se limitem a métodos suportáveis, a tendência mais provável é de que o crescendo nacional da reação seja maior do que o anterior. Até o pretexto, motivo de quase unanimidade, facilitaria.
Pretexto, sim. Quando estimados os gastos com a Copa, os estádios a serem construídos, a prevista marotagem dos aumentos de custos acertados entre empreiteiras e governos, raríssimos foram críticos dessa irresponsabilidade, de dimensão ainda incalculável. Os interesses políticos e os financeiros se associaram ao Brasil levianamente festivo. Ao se aproximar o que foi tão celebrado, com a ansiedade popular do antimaracanazo, tudo de repente virou motivo de "rebelião"? Não dá para crer. Ao menos, porém, há uma originalidade aí: rebelião popular com data marcada, e anúncio a seus antagonistas com larga antecedência.
Seja qual for a verdade sobre a situação resultante nos tiros da PM contra Fabrício Proteus, a primeira responsabilidade é clara: a autorização de armas de fogo à PM em situação que não as requer, e na qual são a maior ameaça. Sua desnecessidade em tal situação está atestada na prática: a mais eficiente contenção da arruaça violenta, no Rio, foi obtida na última grande "manifestação" --com a PM desprovida de arma fogo.
A democracia não exclui confrontos entre opositores e centuriões do que os governos vejam como ordem pública. Mas exige condições e limitações que nenhum poder está autorizado a transpor. Tida como o regime das liberdades, a democracia, na realidade, não é menos condicionante e limitadora do que os outros regimes. Mas, o lugar-comum enfim se justifica, no bom sentido. Que não inclui o uso indiscriminado de arma de fogo nem em nome da ordem pretendidamente democrática.
sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
FFAA e distúrbios urbanos
http://oglobo.globo.com/pais/forcas-armadas-ganham-autorizacao-para-atuar-em-disturbios-urbanos-11384177
Forças Armadas ganham autorização para atuar em distúrbios urbanos
- Portaria do Ministério da Defesa cita bloqueio de vias públicas, depredação de patrimônio público e invasão de propriedades
O Globo
Publicado:
Atualizado:
BRASÍLIA - Uma portaria publicada no final dezembro pelo ministro da
Defesa, Celso Amorim, dá mais poderes de polícia às Forças Armadas, do
que as previstas na Constituição - como ação nos morros do Rio. A
publicação é chamada de Garantia da Lei e da Ordem e demonstra
preocupações com grandes eventos, como Copa do Mundo, Olimpíadas,
protestos de ruas, além do Pré-Sal.
O texto deixa claro que Exército, Marinha e Aeronáutica serão acionados quando as Polícias Militares não derem conta do serviço. Entre outras determinações, a portaria diz que os militares poderão agir em ações de organizações criminosas contra pessoas ou patrimônio, incluindo os navios de bandeira brasileira e plataformas de petróleo e gás na plataforma continental brasileiras e em bloqueios de vias públicas de circulação.
Segundo a portaria, as Forças Armadas também terão poderes para agir em casos de depredação do patrimônio público e privado; distúrbios urbanos; invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas; paralisação de atividades produtivas, e em paralisações de serviços críticos ou essenciais à população ou a setores produtivos do país.
Entre as determinações que estão relacionadas à Copa do Mundo, está a permissão para as Forças Armadas agirem em casos de sabotagem nos locais de grandes eventos e saques de estabelecimentos comerciais.
O texto deixa claro que Exército, Marinha e Aeronáutica serão acionados quando as Polícias Militares não derem conta do serviço. Entre outras determinações, a portaria diz que os militares poderão agir em ações de organizações criminosas contra pessoas ou patrimônio, incluindo os navios de bandeira brasileira e plataformas de petróleo e gás na plataforma continental brasileiras e em bloqueios de vias públicas de circulação.
Segundo a portaria, as Forças Armadas também terão poderes para agir em casos de depredação do patrimônio público e privado; distúrbios urbanos; invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas; paralisação de atividades produtivas, e em paralisações de serviços críticos ou essenciais à população ou a setores produtivos do país.
Entre as determinações que estão relacionadas à Copa do Mundo, está a permissão para as Forças Armadas agirem em casos de sabotagem nos locais de grandes eventos e saques de estabelecimentos comerciais.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/forcas-armadas-ganham-autorizacao-para-atuar-em-disturbios-urbanos-11384177#ixzz2rKD2bqLA
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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
"Pedrinhas" no Estado de Direito Democrático
“Pedrinhas” no caminho do Estado Democrático de Direito
Há mais de dez anos, diversas autoridades locais denunciam o colapso do sistema penitenciário e alertam sobre a perda do controle da situação no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão. Nas últimas semanas, após uma série de atos de barbárie ganhar repercussão internacional, a crise se tornou uma verdadeira pedra no meio do caminho do governo maranhense e, de um modo geral, do Estado brasileiro.Isto porque, com o registro de inúmeras rebeliões e da morte de 60 apenados apenas no último ano — muitas delas por decapitação, com os vídeos circulando pela internet —, o Conselho Nacional de Justiça promoveu uma inspeção nos estabelecimentos prisionais do Maranhão.
O relatório apresentado, em dezembro, pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ, Douglas de Melo Martins, conclui que “o Estado tem se mostrado incapaz de apurar, com o rigor necessário, todos os desvios por abuso de autoridade, tortura e outras formas de violência e corrupção praticadas por agentes públicos”.
Em nota, o governo reagiu contra o relatório do CNJ, alegando que o documento contém “inverdades” e pretendeu apenas agravar ainda mais a situação. Afirmou também que as medidas necessárias para solucionar os problemas verificados no sistema prisional estão sendo tomadas e os investimentos na área já ultrapassaram os R$ 130 milhões.
Antes disso, em outubro de 2013, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e a Ordem dos Advogados do Brasil recorreram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), que, em dezembro, solicitou ao governo brasileiro, cautelarmente, a adoção de medidas para evitar mortes, a redução da superlotação, a investigação dos fatos relatados e a prestação de informações no prazo de 15 dias sobre as providências tomadas.
Na última semana, a Justiça maranhense determinou que o Estado construa novos presídios, no prazo de 60 dias, especialmente no interior, e reforme completamente o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, sob pena de multa diária fixada em R$ 50 mil. Tal decisão poderá ser objeto de recurso.
Na semana passada, ao conceder entrevista aos veículos de comunicação, a governadora — que é graduada em sociologia pela UnB — desvendou o mistério da violência no Maranhão: “É um estado que está se desenvolvendo, que está crescendo. E um dos problemas que está piorando a segurança do nosso estado é que nosso estado está mais rico, mais populoso também”.
Se antes era trágico, agora também é cômico. Tal declaração me lembrou do pronunciamento do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, há um ano, quando classificou as prisões brasileiras como medievais: “Se fosse para cumprir muitos anos em uma prisão, em algumas prisões nossas, eu preferia morrer”.
A pergunta que nenhum jornalista formulou, na ocasião, foi a seguinte: “O senhor se elegeu deputado federal em 2002 e se reelegeu em 2006. Desde 2010, ocupa a o cargo de ministro da Justiça. Explique, por favor, o que o senhor e seu ministério fizeram durante todos estes anos para mudar esta realidade?”
Nos últimos dias, ele esteve reunido com Roseana Sarney e a cúpula do governo do Maranhão para tratar diretamente das medidas a serem tomadas para resolver o problema e, assim, evitar um pedido de intervenção no estado, que dispõe de uma estrutura com 2.219 vagas, ocupadas por 5.417 presos.
Noticia-se que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está com o pedido de intervenção federal pronto para protocolar no Supremo Tribunal Federal. Penso, particularmente, que esta é a resposta constitucionalmente adequada. Ocorre que já vi este mesmo filme outras vezes...
A primeira delas, em 2008, quando o PGR pediu ao STF a intervenção federal no estado de Rondônia em face da situação de calamidade em que se encontrava o presídio Urso Branco, em Porto Velho. Não deu em nada. O processo (IF 5.129) tramita há mais de cinco anos no tribunal.
Depois disso, em 2009, no Rio Grande do Sul, quando trabalhei longamente com Lenio Streck, que oficiou ao PGR no sentido de que representasse pela intervenção federal — nos termos do artigo 34, inciso VII, da Constituição —, em razão da inoperância das autoridades locais diante da crise no sistema penitenciário gaúcho, cujo déficit de vagas superava o número de 10 mil. Desta vez, nenhuma providência foi tomada pela PGR, exceto um pedido de esclarecimento dirigido à governadora Yeda Crusius.
Voltando ao caso do Maranhão, que certamente não é exclusivo do Maranhão — poderíamos dizer que o Maranhão é do tamanho do Brasil —, parece inacreditável como a barbárie ainda impere no interior daquilo que chamamos Estado Democrático de Direito.
Tudo indica que, de há muito, instalou-se na administração dos sistemas penitenciários, de um modo geral, um autêntico "estado de exceção", no sentido retrabalhado por Agamben. A situação pode ser resumida do seguinte modo: desde 1984 — e, portanto, desde antes da Constituição —, há uma Lei de Execução Penal segundo a qual o preso tem direito à alimentação, vestuário, saúde e educação, entre outros igualmente imprescindíveis à dignidade humana. Ocorre que, no mundo da vida, há um sistema caótico e perverso, em que o preso é tratado como homo sacer, pronto para o abate.
Agora as autoridades descobriram que a crise penitenciária resultante da superlotação dos presídios tem saída, mas depende da construção de novas unidades, da ampliação das vagas, da contratação de servidores, da capacitação de agentes, etc. Para isto, entretanto, é preciso planejamento e, sobretudo, investimentos. O problema é que, antes disso ocorrer, lamentavelmente, nos esqueceremos da crise das “cadeias do Maranhão”, assim como fizemos com tantos outras. E alguém dirá: eram apenas umas pedrinhas no meio do nosso caminho.
André Karam
Trindade é doutor em Teoria e Filosofia do Direito (Roma Tre/Itália),
mestre em Direito Público (Unisinos) e professor universitário.
Revista Consultor Jurídico, 18 de janeiro
de 2014
sábado, 18 de janeiro de 2014
Longa e dolorosa guerra distributiva no país?
Folha de S. Paulo, 18 de janeiro de 2014.
André Singer
A hora da política
O problema é que não há solução fácil no horizonte. Não basta disposição para o diálogo quando interesses materiais e simbólicos começam a se opor de maneira radical. Os jovens que estão deixando os centros de compra em pânico podem não saber, mas explicitam um confronto crescente entre ricos e pobres no Brasil.
Soa contraintuitivo que tal enfrentamento se intensifique justo quando os de baixo estão melhorando de vida e a desigualdade cai. Ocorre que, tendo saído da condição em que mal era possível enxergar a perspectiva do dia seguinte, as camadas pobres adquiriram uma energia extra.
Movimentos de ascensão sempre impulsionam novas expectativas. Os metalúrgicos, que lideraram as grandes greves de 1978 a 1988, tinham sido beneficiados pelo forte crescimento dos anos do "milagre econômico". Acresce que, desta feita, a melhora nas condições de consumo deu aos jovens brasileiros acesso a aparelhos informatizados. Assim, passaram a fazer parte da variada onda mundial de manifestações facilitadas pela existência de redes instantâneas.
Do outro lado, segmentos de classe média têm reagido com verdadeiro ódio às tímidas mudanças do último decênio. Uma atitude segregacionista, que estava encoberta pela relativa passividade dos dominados, veio à tona quando os estratos antes excluídos começaram a ocupar aeroportos, frequentar clínicas dentárias e a encher as ruas de carros.
Visto em retrospecto, é óbvio que chegariam aos shoppings. Note-se que, por razões quase territoriais, o primeiro embate se dá entre zonas sociais contíguas. Não por acaso, os locais até aqui escolhidos para os "rolezinhos" estão longe do centro. Essa vizinhança produz reações às vezes violentas por parte dos frequentadores, uma vez que envolve também um desejo de diferenciação. Mas não se subestime a intensidade do contragolpe caso a confusão se espalhe para as chamadas áreas nobres.
Dada a situação de disputa que está posta, a única solução positiva, isto é, em que todos ganhem, passa pelo aumento da riqueza geral, com maior distribuição de renda e forte investimento público onde é mais justo. Porém, como no plano da economia a pressão vai no sentido de diminuir o ritmo e apertar o gasto governamental, caberá à política resolver a quadratura do círculo.
Se não o fizer, haverá uma longa e dolorosa guerra distributiva no país.
Estaria o Brasil se tornando uma Argentina?
As duas Américas Latinas
17 de janeiro de 2014 | 2h 08, O Estado de S. Paulo, editorial
O Estado de S.Paulo
Conforme notou The Wall Street Journal, essas diferenças permitem acompanhar, no mesmo continente e sob condições relativamente semelhantes, uma espécie de certame sobre qual modelo de desenvolvimento é o mais adequado, algo como um "experimento econômico controlado".
Ao longo da última década, parecia que o grupo dos brasileiros, argentinos e venezuelanos levaria a melhor, sob o impulso da alta dos preços das commodities e das boas condições macroeconômicas para conceder estímulos fiscais. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a sugerir, em 2009, no auge da crise internacional, que "os países avançados deveriam caminhar para o novo modelo colocado pelos países emergentes". Em 2010, a economia brasileira não só conseguiu evitar a contaminação pela crise, como cresceu 7,5%, enquanto o mundo desenvolvido patinava.
Em pouco tempo, a fantasia desse triunfo se esfumou. Confiou-se excessivamente no crescimento chinês como motor da expansão das economias latino-americanas exportadoras de petróleo, minérios e soja, sem levar em conta a possibilidade de desaceleração da China e a consequente queda nos preços dessas commodities. O "modelo de sucesso" emergente inebriou incautos e adiou reformas necessárias que tornariam a economia menos dependente dos humores chineses.
Enquanto isso, países latino-americanos menos afeitos ao populismo optaram pelo livre mercado, aproximando-se dos Estados Unidos depois que a ideia da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca) foi torpedeada, em 2005, pela aliança entre o petismo e o kirchnerismo - que queria fazer da hostilidade aos americanos o eixo da política comercial da região. Nos anos seguintes, a Aliança do Pacífico usufruiu da vantagem de ter acesso preferencial ao mercado americano. Já o Brasil enfrentou - e ainda enfrenta, sem se queixar - o inflexível protecionismo argentino, que distorce as relações comerciais no Mercosul.
Assim, enquanto Brasil, Argentina e Venezuela se atavam a compromissos ideológicos, o bloco do Pacífico se preparava para os novos tempos. O Chile, cuja dependência do comércio de cobre é conhecida, está se esforçando para diversificar as exportações. No caso do México, as vendas externas de manufaturados hoje representam 25% do total, enquanto no Brasil essa fatia ainda é de 4%.
É a comparação com a Argentina e a Venezuela, contudo, que torna as diferenças mais claras. Os venezuelanos, donos de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, enfrentam escassez crônica e inflação na casa dos 50% ao ano, como resultado dos delírios do "socialismo do século 21".
A Argentina, por sua vez, viu sua moeda perder 32% do valor em relação ao dólar no mercado oficial em 2013. A inflação, maquiada pelo governo, ronda os 30% anuais, mesmo com o controle de preços praticamente generalizado. O país convive com apagões diários, graças à falta de investimentos das empresas de energia, prejudicadas pelo represamento das tarifas.
Para o Journal, a atual conjuntura sugere que o Brasil está se tornando uma Argentina, a Argentina está virando uma Venezuela, e a Venezuela já é quase um Zimbábue. Pode ser um exagero, mas a comparação com a Aliança do Pacífico é, de fato, constrangedora. Como disse o ex-ministro da Fazenda peruano Pedro Pablo Kuczynski, "no fim das contas, os resultados dos dois diferentes blocos vão resolver o debate" sobre qual é o melhor modelo, "mas as más ideias levam muito tempo para morrer".
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Golpe branco?
Folha de S. Paulo, 13 de janeiro de 2014.
O Brasil já teve momentos de golpe branco --a adoção do parlamentarismo em 1961, por exemplo. A intenção era esvaziar "constitucionalmente" João Goulart, enfiando um primeiro-ministro goela abaixo do povo. O plano ruiu temporariamente com o plebiscito de 1962, pró-presidencialismo. A partir de 1964, os escrúpulos foram mandados às favas muito antes do AI-5. Os militares trocaram a caneta pelos fuzis e o resto da história é (quase) sabido.
Hoje a situação não é igual, ainda bem. Mas é inegável que a democracia brasileira vem sendo fustigada pela hipertrofia do papel do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal. Há quem chame isto de judicialização da política. Ou quem sabe ensaio de golpe branco em vários níveis da administração.
Tome-se o ocorrido em São Paulo. A Câmara Municipal, que mal ou bem foi eleita, decidiu aumentar o IPTU. Sem entrar no mérito, o fato é que a proposta contou com os votos inclusive do PMDB --partido ao qual pertence o presidente da Fiesp, garoto propaganda da campanha contra o reajuste. O que fizeram os derrotados? Mobilizaram os eleitores?
Nem pensar. Recorreram a um punhado de desembargadores para derrubar a medida. Até o Tribunal de Contas do Município, que de Judiciário não tem nada, surfou na onda para barrar... corredores de ônibus! Tivesse o TCM a mesma agilidade para eliminar seus próprios descalabros e sinecuras, quando não a si mesmo, a população ganharia muito mais.
A decantada independência de poderes virou, de fato, sinônimo de interferência do Poder Judiciário. Tudo soa mais grave quando a expressão máxima deste, o Supremo Tribunal Federal, comporta-se como biruta de aeroporto. Muda de ideia ao sabor de ventos (mais de alguns do que de outros), e não do Direito. Ao mesmo tempo, deixa em plano secundário assuntos eminentemente da competência judiciária --como o quadro de calamidade nos presídios brasileiros.
Os casos do mensalão e assemelhados retratam os desequilíbrios. O mais recente: enquanto o processo dos petistas foi direto ao Supremo, o do cartel tucano, ao que tudo indica, será dividido entre instâncias diferentes. Outro exemplo, entre outros tantos, é a descarada assimetria de tratamento em relação a José Genoino e Roberto Jefferson.
A coisa chegou ao ponto de pura esculhambação. O presidente do STF, Joaquim Barbosa, vetou recursos do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha. Com a empáfia habitual, decretou a prisão imediata do réu, mas não assinou a papelada. E daí? Lá se foi Barbosa de férias, exibindo desprezo absoluto por trâmites pelos quais ele deveria ser o primeiro a zelar. Resultado: o condenado, com prisão decretada, está solto. Mas se era para ficar solto, por que decretar a prisão do modo que foi feito? Já ações como a AP 477, que pede cadeia para o deputado Paulo Maluf, dormitam desde 2011 nos escaninhos do tribunal.
A destemperança seria apenas folclore não implicasse riscos institucionais presentes e futuros. Reconheça-se que muitas vezes vale tampar o nariz diante deste Congresso, mas entre ele e nenhum parlamento a segunda alternativa é infinitamente pior. Na vida cotidiana, as pessoas costumam se referir a chefes e autoridades como aqueles que "mandam prender e mandam soltar". No Brasil, se quiser prender alguém, o presidente da República precisa antes providenciar um mandado judicial --sorte nossa! Barbosa dispensa esta etapa: como ele "se acha" a Justiça, manda prender, soltar, demitir, chafurdar, cassar, legislar --sabe-se lá onde isto vai parar, se é que vai parar.
Ricardo Melo
O ensaio de golpe branco do STF
A democracia brasileira vem sendo fustigada pela hipertrofia do Judiciário, em especial do Supremo
Sem ser nova na política, a expressão golpe branco tem sido atualizada
constantemente. Designa artifícios que, com aura de legalidade, usurpam o
poder de quem de fato deveria exercê-lo. Para ficar apenas em
acontecimentos recentes: a deposição do presidente Zelaya, em Honduras
(2009), e o impeachment do presidente Lugo, no Paraguai (2011). Nos dois
casos, invocaram-se "preceitos constitucionais" para fulminar
adversários.
O Brasil já teve momentos de golpe branco --a adoção do parlamentarismo em 1961, por exemplo. A intenção era esvaziar "constitucionalmente" João Goulart, enfiando um primeiro-ministro goela abaixo do povo. O plano ruiu temporariamente com o plebiscito de 1962, pró-presidencialismo. A partir de 1964, os escrúpulos foram mandados às favas muito antes do AI-5. Os militares trocaram a caneta pelos fuzis e o resto da história é (quase) sabido.
Hoje a situação não é igual, ainda bem. Mas é inegável que a democracia brasileira vem sendo fustigada pela hipertrofia do papel do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal. Há quem chame isto de judicialização da política. Ou quem sabe ensaio de golpe branco em vários níveis da administração.
Tome-se o ocorrido em São Paulo. A Câmara Municipal, que mal ou bem foi eleita, decidiu aumentar o IPTU. Sem entrar no mérito, o fato é que a proposta contou com os votos inclusive do PMDB --partido ao qual pertence o presidente da Fiesp, garoto propaganda da campanha contra o reajuste. O que fizeram os derrotados? Mobilizaram os eleitores?
Nem pensar. Recorreram a um punhado de desembargadores para derrubar a medida. Até o Tribunal de Contas do Município, que de Judiciário não tem nada, surfou na onda para barrar... corredores de ônibus! Tivesse o TCM a mesma agilidade para eliminar seus próprios descalabros e sinecuras, quando não a si mesmo, a população ganharia muito mais.
A decantada independência de poderes virou, de fato, sinônimo de interferência do Poder Judiciário. Tudo soa mais grave quando a expressão máxima deste, o Supremo Tribunal Federal, comporta-se como biruta de aeroporto. Muda de ideia ao sabor de ventos (mais de alguns do que de outros), e não do Direito. Ao mesmo tempo, deixa em plano secundário assuntos eminentemente da competência judiciária --como o quadro de calamidade nos presídios brasileiros.
Os casos do mensalão e assemelhados retratam os desequilíbrios. O mais recente: enquanto o processo dos petistas foi direto ao Supremo, o do cartel tucano, ao que tudo indica, será dividido entre instâncias diferentes. Outro exemplo, entre outros tantos, é a descarada assimetria de tratamento em relação a José Genoino e Roberto Jefferson.
A coisa chegou ao ponto de pura esculhambação. O presidente do STF, Joaquim Barbosa, vetou recursos do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha. Com a empáfia habitual, decretou a prisão imediata do réu, mas não assinou a papelada. E daí? Lá se foi Barbosa de férias, exibindo desprezo absoluto por trâmites pelos quais ele deveria ser o primeiro a zelar. Resultado: o condenado, com prisão decretada, está solto. Mas se era para ficar solto, por que decretar a prisão do modo que foi feito? Já ações como a AP 477, que pede cadeia para o deputado Paulo Maluf, dormitam desde 2011 nos escaninhos do tribunal.
A destemperança seria apenas folclore não implicasse riscos institucionais presentes e futuros. Reconheça-se que muitas vezes vale tampar o nariz diante deste Congresso, mas entre ele e nenhum parlamento a segunda alternativa é infinitamente pior. Na vida cotidiana, as pessoas costumam se referir a chefes e autoridades como aqueles que "mandam prender e mandam soltar". No Brasil, se quiser prender alguém, o presidente da República precisa antes providenciar um mandado judicial --sorte nossa! Barbosa dispensa esta etapa: como ele "se acha" a Justiça, manda prender, soltar, demitir, chafurdar, cassar, legislar --sabe-se lá onde isto vai parar, se é que vai parar.
domingo, 12 de janeiro de 2014
Presos provisórios
O Globo 12 de janeiro de 2014.
No Amazonas, maioria dos
presos não foi julgada
- Presídios têm superlotação e alto número de rebeliões
Publicado:
11/01/14 - 19h00
Atualizado:
11/01/14 - 19h45
RIO —
Além da superlotação e do alto número de rebeliões nos presídios — só em 2013,
foram quatro, com a fuga de 176 presos —, o problema mais flagrante no Amazonas
é a ausência de juízes e defensores públicos no interior. Essa carência
contribui para o índice considerado mais alarmante pelo Mutirão Carcerário
realizado pelo CNJ no ano passado: os processos de presos provisórios (ainda
não julgados) correspondem a 78%, um dos maiores índices do país. Dentro da
massa carcerária do estado, de 8.870 detentos (para 3.811 vagas disponíveis), o
número de presos provisórios chega a 5.418.
O
relatório alerta ainda para a infraestrutura precária da Vara de Execução Penal
de Manaus, onde tramitam 9.434 processos, mas há só seis funcionários para
movimentá-los.
Presidente
da Comissão de Direitos Humanos da OAB-AM, Epitácio Almeida diz que a falta de
triagem, que separa presos por tipo de crime e pena, agrava a situação:
— Um cara
que furtou um celular está ao lado do homicida, isso gera violência. Vivemos as
agruras de um sistema falido, que não reeduca. É um barril de pólvora, Manaus é
a sexta capital mais violenta do país, ultrapassamos Rio e São Paulo.
Vice-coordenadora
nacional da Pastoral Carcerária, Petra Pfaller diz que o que viu no interior do
estado é o retrato do que acontece em todo o Brasil:
—
Especialmente no interior, a maioria das cidades só tem delegacias superlotadas
que estão virando presídios, sem condições mínimas de higiene.
terça-feira, 7 de janeiro de 2014
E o Estado?
Afronta ao Estado
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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
Teatro democrático
É só aparência, por Paulo Delgado
Paulo Delgado, O Globo, 6 de janeiro de 2014.Se não for para medir o tempo um relógio no palco desvia a atenção do telespectador. Adereços e interpretação são poderosos veículos do cinema e do teatro. Na política incomodam e não dão conta de desafios.
Um Deus desatento observa a cena brasileira e continua tolerante com originalidades. Compreender menos é mais a moda do que compreender tudo. Caprichos e bastidores expulsam a moderação e a rotina do espetáculo. Glória da propaganda, a deusa da ignorância, que impôs ao país o tom da impetuosidade. Quando as questões públicas são tratadas em permanente estado de eloquência não queira entender o que está de fato ocorrendo.
Como toda pessoa desleixada o país adora improvisação, intuição e experiências parciais. Como essa agora da multa pelo lixo na rua, muito boa iniciativa se o conceito de lixo se estendesse também para as calçadas irregulares definidas pelo interesse da garagem e não do pedestre. Ou para impedir a fratura exposta da cidade com sua farra de pedras soltas brotando de todos os lugares, bueiros armadilhas, misturados a esse asfalto deprimente que vira farofa de buraco por todo lado.
Sem paciência para a prevenção o policiamento ostensivo é só aparência. Parou na virtude da intenção e, intimidador, avisa que é dono do pedaço e da linha que traçou para cruzar. A calamidade dá-lhes prazer. É a infelicidade que patrulham em desrespeitosas abordagens; transmitem sensação de insegurança seus pelotões e comboios em passeata, carros sobre as calçadas, prontos para o exagero e a negligência, em hierarquias superpostas, luzes acessas, uniformes diversos, municipais, estaduais, federais, tornando um serviço relevante uma casta armada incompreensível.
A expansão urbana é sem limites, os adensamentos, desleixados, a autoridade intimidada por construtores que por razões desconhecidas de juízes nem se dão conta de que apodrecer a vida dos outros é tão fora da lei como se deixar apodrecer.
A regularização das favelas, se abertas à especulação imobiliária, melhor deixar como está; para não ver o Estado subjugado reconhecer escritura de invasão ilegal e perigosa de outrora ao bambambã invasor legal de agora, construtor de pensões para esses Lévi-Strauss démodés e fãs da frouxidão legal dos trópicos.
A regularização em áreas de risco não pode ser reocupação, mas sim forma de dar legitimidade à indenização e desapropriação por interesse público, concedendo paz social à remoção, sem o teatrinho da circulação de classes nos morros.
É notória a melhora das coisas, mas se a pacificação chegou à cidade pobre é uma contradição ver a grade invadir calçadas para proteger prédios da cidade rica já tão protegida.
O Brasil precisa abandonar o jogo do teatro democrático, pensar a sério com o que se preocupar e botar um fim nesse progresso doloroso a que se acostumou.
Paulo Delgado é sociólogo.
Em democracias, civis não são julgados por Tribunal Militar
[Em democracias sólidas, civil não é julgado por Tribunal Militar. O nosso Código Penal Militar foi escrito em 1969, e continua em vigor. Sem esquecer que os policiais militares que exercem função de polícia civil são julgados pelas justiças militares estaduais]
http://www.conjur.com.br/2014-jan-05/entrevista-maria-elizabeth-rocha-ministra-superior-tribunal-militar
http://www.conjur.com.br/2014-jan-05/entrevista-maria-elizabeth-rocha-ministra-superior-tribunal-militar
'Importância da Justiça Militar não se apura em números'
Quando
criou uma comissão para avaliar a relevância da Justiça Militar dos
estados, em abril do ano passado, o presidente do Conselho Nacional de
Justiça, ministro Joaquim Barbosa, sugeriu um debate ainda mais
abrangente: com tão poucos processos julgados e por julgar, o Judiciário
castrense como um todo é realmente necessário? A pergunta envolveu o
próprio Superior Tribunal Militar, corte mais antiga do país, com 205
anos, e foi feita em comparação com a produção dos demais tribunais
superiores e do Supremo Tribunal Federal. Em 2011, com um custo de
manutenção anual de R$ 300 milhões, o STM apreciou apenas 54 casos,
segundo o autor da proposta de extinguir esse ramo da Justiça,
conselheiro Bruno Dantas.
A comissão ainda não terminou seu trabalho, mas o relatório Justiça em Números divulgado pelo CNJ em novembro trouxe dados concretos, pelo menos em relação aos tribunais estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul: em 2012, as cortes militares custaram R$ 107,5 milhões, diante dos R$ 52 bilhões gastos por todo o Judiciário brasileiro. A carga de trabalho por juiz militar foi de 345 casos, enquanto cada um dos juízes das demais esferas teve em média 5.618 para julgar. Ao todo, os três estados somaram 13 mil processos na Justiça Militar, mais da metade sobre questões disciplinares.
Esses números, no entanto, não respondem à pergunta feita em abril, na opinião de uma das mais incisivas defensoras da Justiça Militar no país, a ministra do STM Maria Elizabeth Rocha. Primeira e única mulher a ter assento na corte em toda a história do tribunal, Maria Elizabeth foi nomeada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2007 para vaga destinada à advocacia pelo quinto constitucional. Desde então tem representado o STM em palestras em todo o mundo sobre o funcionamento e a importância da Justiça Militar brasileira.
Segundo ela, justificar a existência desse Judiciário com estatísticas é distorcer a função para a qual ele foi criado e que nenhuma outra vertente da Justiça poderia dar conta: manter a disciplina nos quartéis e a ordem no Estado.
O raciocínio é simples: se houvesse processos militares em número proporcional aos gastos com a estrutura das cortes militares, estaria havendo uma crise no Estado, já que os casos analisados tratam de crimes cometidos contra agentes e contra as Forças Armadas e de punições por indisciplina. Por outro lado, se essa Justiça fosse extinta, atentados contra o Estado e desafios à hierarquia seriam entregues à Justiça comum e demorariam para ser julgados. A inefetividade judicial resultaria em caos no setor que mais depende de disciplina.
Em entrevista exclusiva concedida ao Anuário da Justiça Brasil 2014, que a ConJur adianta aos leitores do site, a constitucionalista sopesa valores para mostrar por que manter as forças de defesa do país sob controle, função principal do Judiciário castrense, é crítico para a democracia. “A defesa da pátria e dos Poderes da República é valor mais elevado do que o da própria vida, já que, sob determinadas circunstâncias, impõe-se aos militares o dever de matar ou morrer”. Em outras palavras, a Constituição permite até mesmo o homicídio, crime capital, em situações específicas como as de guerra, mas não autoriza ameça ao Estado em nenhuma hipótese.
Casada com um general da reserva, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha fez carreira na Advocacia-Geral da União antes de entrar no STM. Como procuradora federal, foi assessora do Ministério da Cultura, do Tribunal Superior Eleitoral e da Casa Civil. Formou-se em Direito pela PUC-MG e tem mestrado, doutorado e pós-doutorado em Direito Constitucional, respectivamente pela Universidade Católica Portuguesa, pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Universidade Clássica de Lisboa. Dá aulas de Direito Constitucional no UniCeub, em Brasília, desde 2006.
Leia a entrevista:
ConJur — Devido ao baixo número de processos, os tribunais militares devem ser extintos?
Maria Elizabeth — A proposta é temerária, para dizer o mínimo. A importância da jurisdição não se mede com base em estatísticas. Aliás, causa estranheza esse posicionamento, já que tanto o constituinte derivado quanto o próprio Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado, têm buscado mecanismos para restringir o número de processos e tornar a Justiça mais célere, eficiente e enxuta. O instituto da repercussão geral, a súmula vinculante e a inserção da razoável duração do processo como direito fundamental do indivíduo são exemplos veementes do esforço legislativo e judicial.
ConJur — A relação entre o custo e a produtividade da Justiça Militar não devem preocupar?
Maria Elizabeth — É importante esclarecer que os dados apresentados pelo o autor da proposta estão incorretos. No ano de 2012, o Superior Tribunal Militar julgou 1.081 casos, e a primeira instância, 1.217 processos. Em 2013, o STM apreciou 1.115 ações, e a primeira instância, 1.090. Isso está longe dos 54 mencionados e, a despeito de ser um quantitativo infinitamente menor do que o dos demais tribunais superiores, relembro que a Justiça Militar da União é um foro exclusivamente criminal; que os processos penais não podem ser julgados em lista, mas discutidos e votados caso a caso; que a corte só funciona em Pleno, o que demanda tempo em cada votação; que a presteza e a eficiência da jurisdição é fundamental para a preservação dos bens constitucional tutelados, e que o militares são homens e mulheres valorosos, dedicados a servir à pátria, e não meliantes contumazes. Aqueles que julgamos são a exceção à regra.
ConJur — E a Justiça Militar é célere?
Maria Elizabeth — A celeridade é imperiosa para a preservação do comando hierárquico. Em se tratando do Direito Penal Castrense, a demora processual pode ser fatal para a integridade das Forças Armadas. Conforme afirmei, não se pode valorar a importância das instituições numericamente. Se assim o fosse, a América do Norte deveria extinguir a Suprema Corte, que julga uma média de 60 processos por ano.
ConJur — No Brasil, todas as Justiças têm um elevado número de processos...
Maria Elizabeth — A Justiça Militar da União, que tem competência para processar e julgar os crimes militares definidos em lei, cometidos contra as Forças Armadas e a administração castrense, não poderia ter o mesmo número de processos dos demais tribunais superiores por ser uma jurisdição unicamente criminal, que não julga questões cíveis, trabalhistas, previdenciárias, do consumidor ou de outras áreas extremamente judicializadas.
ConJur — O que aconteceria se houvesse maior número de casos?
Maria Elizabeth — A clientela da Justiça Militar é, na grande maioria, de réus militares. Se a Justiça Militar da União tivesse distribuição semelhante à do STF, do STJ ou do TST, haveria sérios problemas no regime político. Afinal, os militares, ao contrário dos civis, detêm as Armas da Nação. Seu contingente é de aproximadamente 310 mil jurisdicionados, sendo 220 mil no Exército, 55 mil na Aeronáutica e 55 mil na Marinha. A democracia se desestabilizaria se paradigmas rígidos de conduta para a atuação desses agentes não fossem observados, já que, quando as Forças Armadas se desorganizam, tornam-se impotentes para cumprir sua missão constitucional de defender a pátria, pondo em risco o Estado e a nação. Elas são as únicas que têm por finalidade a defesa da pátria e dos Poderes da República, valor mais elevado do que a própria vida, já que, sob determinadas circunstâncias, impõe-se aos militares o dever de matar ou morrer. Por isso, a tal valor especialíssimo correspondem regras especialíssimas de conduta, que devem ser rigorosamente observadas, sob pena de comprometimento do próprio Estado Democrático de Direito.
ConJur — A Justiça Militar é branda com os militares?
Maria Elizabeth — Por lidarmos com valores singulares, tutelados pelo constituinte maior e pelo legislador como bens jurídicos a serem resguardados pela ordem normativa e social, é grande o rigor dos julgamentos e há grande número de condenações, ao contrário do que pensam os incautos. Além disso, a Justiça Militar é a única a ter a característica da mobilidade, impensável para a Justiça comum, de poder se deslocar para teatros de operações de guerra, onde o poder disciplinar é mais premente. Afinal, crimes cometidos em situação tão dramática determinam uma pronta, ativa e ágil estrutura judiciária, que permita apurar os delitos e punir os culpados com a maior brevidade possível.
ConJur — Os juízes militares têm sido ouvidos no debate quanto à necessidade dessa Justiça?
Maria Elizabeth — O que desequilibra a discussão não é o confronto de ideias divergentes, importante e saudável para repensar as instituições públicas, mas o fato de a Justiça Militar da União, por não deter assento no CNJ, não participar do debate. Ou seja, discute-se sobre os novos rumos dessa jurisdição sem a nossa participação. O Superior Tribunal Militar é a mais antiga Justiça do país, contando com mais de dois séculos de existência. Mesmo assim, é profundo o desconhecimento, por parte da sociedade e dos operadores do Direito, sobre sua competência e composição. Atribuo a esse lamentável desconhecimento o fato de a Emenda Constitucional 45/2004 não ter dado a essa Justiça assento no CNJ, omissão que a PEC 358/2005 busca reparar. As consequências desse esquecimento têm nos afetado sensivelmente.
ConJur — Por quê?
Maria Elizabeth — Estivesse a sociedade civil e jurídica ciente da atuação da Justiça Militar, saberia que ela preenche todos os princípios projetados pelas Nações Unidas para as jurisdições militares no mundo. Ela foi instituída pela Constituição Federal e regulamentada por lei, integrando a estrutura do Poder Judiciário desde a Carta de 1934. Ora, a Justiça Militar da União não foi criada após o regime militar de 1964 e não guarda qualquer correlação com ele. Ela foi instituída em 1808 por Alvará do então Príncipe Regente D. João VI. Seus julgamentos observam rigorosamente o devido processo legal, imposição máxima do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição. Em períodos de paz ou durante os conflitos armados, as normas e os Tratados Internacionais, em especial os de Direito Humanitário e a Convenção de Genebra sobre o tratamento dos prisioneiros de guerra, são aplicados. Menores de 18 anos não são processados e julgados nessa Justiça em acatamento à Convenção Internacional dos Direitos Humanos e às regras de Pequim para a administração da Justiça da Infância, bem como por vedação expressa do Estatuto da Criança e do Adolescente. O Código Penal Militar não exclui de responsabilização os crimes sobre os quais se invoca o dever de obediência legal quando resultem em violação aos Direitos Humanos, à prática de genocídio ou crimes contra a humanidade. É bom lembrar que o Brasil é signatário do Tratado de Roma e prevê a Constituição, no parágrafo 4º do seu artigo 5º, que o Estado se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Habeas Corpus e Mandados de Segurança podem ser impetrados na Jurisdição Militar e se, denegados, cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal. Suas decisões são igualmente recorríveis ao Supremo quando versam sobre matéria constitucional ou tenham repercussão geral. As audiências e os processos são públicos e as decisões judiciais, fundamentadas. Os magistrados e promotores são servidores públicos que entram na carreira por meio de concurso de provas e títulos. Os ministros do STM são indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado Federal. Quaisquer vítimas podem denunciar os crimes contra elas cometidos tanto ao comandante da Força quanto ao Ministério Público castrense, e são representadas pelos promotores e subprocuradores da instituição. Para encerrar, a pena de morte só é admitida em caso de guerra declarada, como previsto no artigo 5º, inciso XLVII, alínea “a”, da Constituição — dispositivo, aliás, que a Comissão de Reforma do Código Militar, instituída pelo Superior Tribunal Militar, está tentando abolir junto ao Congresso Nacional.
ConJur — A Procuradoria-Geral da República ajuizou uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental no STF pedindo que se reconheça a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tempo de paz, e que eles sejam julgados pela Justiça comum. Civis devem ser retirados da jurisdição do STM?
Maria Elizabeth — Não. E digo isso por não existir impeditivo constitucional para o julgamento de civis pela jurisdição penal especial. A Justiça Militar da União, tal qual as demais Justiças, integra o Poder Judiciário desde 1934, e os processos submetidos ao seu crivo obedecem todos os mandamentos magnos, tais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Acontece que, para os leigos, essa Justiça seria constituída por militares para julgar somente militares. É o momento de pôr fim a essa incompreensão. Para começar, os juízes-auditores são cidadãos civis, que ingressaram na magistratura por concurso público de provas e títulos, como todos os magistrados. Além disso, a Justiça castrense não tem por objetivo julgar os integrantes das Forças Armadas. Sua competência não é definida em razão da pessoa. A finalidade é proteger as instituições militares e, por consequência, a soberania estatal e o Estado nacional. Por isso, o poder constituinte originário, atento às peculiaridades de bens especialíssimos que são a hierarquia e a disciplina, entendeu não restringir a competência da Justiça Militar apenas aos agentes militares, abarcando igualmente os civis. O artigo 124 da Constituição disse competir à Justiça Militar da União processar e julgar os crimes militares definidos em lei, sem impor distinções ao agente. Além disso, a Justiça Militar da União julga civis assim como a Justiça Eleitoral processa e julga não somente os políticos ou candidatos a mandato eletivo, mas todo e qualquer cidadão.
ConJur — O que a Justiça Eleitoral tem em comum com a Militar?
Maria Elizabeth — O Código Eleitoral, da mesma forma que o Código Penal Militar, define os crimes ali elencados em razão de sua especialidade, e não em face da pessoa que esteja cometendo o ilícito. A título ilustrativo, cito o artigo 339 do Código Eleitoral, que pune aquele que destrua, suprima ou oculte urna contendo votos ou documentos relativos à eleição, independentemente do status do agente. Ora, a Justiça penal castrense é uma Justiça especializada e não uma corte marcial ou administrativa. Qual seria o impeditivo para o julgamento de civis por uma Justiça especializada se a Constituição não obsta?
ConJur — Réus civis são julgados com o mesmo rigor que os militares?
Maria Elizabeth — O rigor no julgamento dependerá do crime. É sempre bom lembrar que os civis que julgamos não são apenas pequenos estelionatários, como crê a maioria. Julgamos indivíduos de alta periculosidade para o Estado e para a sociedade. São narcotraficantes das Farc que invadem nossa fronteira e atacam o Exército brasileiro; civis que aliciam soldados conscritos e invadem os quartéis para roubar munição e armas, como fuzis e granadas; marginais que metralham comboios de soldados. E tais julgamentos não podem ser postergados infinitamente em razão da sobrecarga judicial. A resposta estatal deve ser rápida e rigorosa de forma a salvaguardar a legitimidade do Estado de Direito. Não obstante isso, a Justiça Militar da União sempre deu exemplos de independência, coragem, imparcialidade e isenção, em decisões memoráveis, como a prolatada em 1936, quando o então Supremo Tribunal Militar reformou as sentenças condenatórias proferidas pelo Tribunal de Salvação Nacional instituído pelo Estado Novo, concedendo ordem de Habeas Corpus a Luís Carlos Prestes e João Mangabeira, ou quando deferiu medida liminar no mesmo caso, assinada pelo brilhante jurista Arnoldo Wald. Essa decisão serviu de precedente ao próprio Supremo Tribunal Federal. Há ainda outros julgamentos, como o caso dos presos proibidos de manter contato com seus advogados sob a égide da Lei de Segurança Nacional. A histórica decisão da Representação 985 foi a solução, ao observar os princípios do direito de defesa. Do mesmo modo decidiu o STM ao entender, na década de 1970, que a greve, mesmo quando declarada ilegal pelo Poder Executivo, se perseguisse melhoria salarial, não era, segundo o Recurso Criminal 5.385-6, um crime contra a segurança nacional. No Recurso Criminal 38.628, a corte disse ainda que a mera ofensa às autoridades constituídas, embora feita em linguagem censurável, não configurava crime contra a segurança do Estado, resguardando a liberdade de imprensa e de expressão. Todas essas decisões, dentre outras, mostram uma jurisprudência dignificante que, ao sobrepor-se a pressões políticas, deixou significativo legado. Lembro ainda que os defensores públicos, quando atuaram pela primeira vez no Judiciário brasileiro, o fizeram no Superior Tribunal Militar.
ConJur — E o que os advogados dizem sobre isso?
Maria Elizabeth — Vale lembrar o discurso do ilustre advogado Técio Lins e Silva, em 15 de fevereiro de 1973, quando da instalação do Superior Tribunal Militar em Brasília, acerca do julgamento de civis. Disse ele: “Após ver a Justiça Militar ampliada em sua competência jurisdicional, quando passou a processar e julgar civis acusados da prática de delitos atentatórios à Segurança Nacional, foi como ter recebido um oneroso encargo que desafiava a eficiência, a celeridade e a capacidade de trabalho da tradicional e pacata Justiça castrense. Entretanto, os anos se passaram e esta corte não só se afirmou no setor judiciário, como se impôs perante toda a nação como um tribunal de invejável sensibilidade, atento, seguro, digno e sobretudo independente. Os processos trazidos a esta corte, tantas vezes envolvendo questão política — nos casos de Segurança Nacional — não abalaram, não afastaram o sentimento de Justiça e equilíbrio que fez com que este tribunal merecesse de todo o povo a admiração e o respeito”. São palavras de um dos maiores defensores de presos políticos e da liberdade no Brasil, absolutamente isentas e imparciais.
ConJur — A PGR também ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando a lei que dá às Forças Armadas competência para garantir a ordem pública. Qual a sua opinião?
Maria Elizabeth — A ADI que analisa a constitucionalidade da lei complementar que versa sobre a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem merece a improcedência. A própria Constituição estatui, em seu artigo 142, destinarem-se as Forças Armadas à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Portanto, a Lei Complementar 97/1999, ao prever que o exercício dessa função configura atividade militar para os fins do artigo 124 da Constituição, não afronta o texto. Ao contrário, reafirma-o. Os militares empregados na garantia da lei e da ordem, quando legitimamente convocados para isso, exercem função tipicamente castrense, em observância à própria destinação conferida às Forças Armadas, prevista pelo artigo 142 da Constituição. Além disso, o texto constitucional, adotando o critério ratione legis, deferiu ao legislador ordinário a atribuição de definir os delitos castrenses. O artigo 9º, inciso III, alínea “d”, do Código Penal Militar, muito antes da vigência da citada lei complementar, já previa serem militares as infrações cometidas contra militar no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, quando legalmente requisitado para esse fim, ainda que fora do lugar sujeito à administração castrense. Desse modo, não há que se falar em inconstitucionalidade da lei complementar.
ConJur — Outra ADPF, também da PGR, quer a descriminalização do sexo dentro de quartel, se envolver militar que não esteja no exercício da função. O argumento é que não se pode restringir a sexualidade humana. A ministra concorda?
Maria Elizabeth — A ADPF que questiona o artigo 235 do Código Penal Militar trata da prática de relações sexuais dentro da caserna, nos alojamentos, quando o militar não estiver no exercício da função, o que me parece absurdo. O tipo legal impugnado pune a prática sexual em lugar sujeito à administração castrense, e não na residência do militar, mesmo que ela se encontre dentro da vila ou do quartel, pois como se sabe, a casa é o asilo inviolável do indivíduo, independentemente de onde se localize. Por acaso a lei autoriza o servidor público civil ou empregado celetista a praticar ato libidinoso na repartição ou na empresa onde trabalham? É evidente que não! Isso seria causa de exoneração ou demissão. É óbvio dizer que o local de trabalho não é o apropriado para o sexo e que permiti-lo causaria grandes constrangimentos aos colegas de trabalho ou à chefia. E isso está longe de afrontar a sexualidade humana. Trata-se de regra social de convivência. Ainda mais em se tratando de lugar sujeito à administração do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, onde as condutas dos militares são pautadas por um rigor maior, diante da necessidade de manutenção da hierarquia e da disciplina. Mesmo não estando no exercício da função, eles devem estar sempre prontos a atender o chamamento de seus superiores, para garantir a segurança e o bom desenvolvimento da instituição em casos de emergência ou de necessidade. Por isso, a restrição à sexualidade me parece insuficiente para a descriminalização. Amor no quartel, só à pátria.
ConJur — A ministra foi a primeira a cogitar, no STM, que para que uma ação penal por deserção possa tramitar, é necessário que o desertor ainda esteja na ativa, o que obriga conscritos que terminaram o serviço militar obrigatório a serem reintegrados à Força. A corte não concordou. Ainda mantém essa opinião?
Maria Elizabeth — Fui a primeira na corte a levantar essa questão, na Apelação 25-46.2012.7.01.0301, julgada em 11 de dezembro de 2012, na qual fiquei vencida. Entendi na ocasião, e permaneço com a mesma compreensão, que é condição de procedibilidade nos delitos de deserção a reinclusão do desertor, para fins de oferecimento da denúncia. Esse requisito, a despeito de ter como resultado a concessão ao desertor do status de militar, com ele não se confunde e é a única exigência feita pela norma, não havendo necessidade de o réu mantê-la para o processo continuar, por não configurar pressuposto de prosseguibilidade. A reinclusão justifica-se diante da necessidade de a administração castrense tomar conhecimento do motivo que levou o desertor a se ausentar, haja vista a possibilidade de estar ele acobertado por alguma causa de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade, ou encontrar-se acometido de doença grave ou mesmo ter morrido. Trata-se, na realidade, de medida de política criminal adotada pelo legislador que não se imiscui com o tipo penal e nele não interfere. Desse modo, perpetrado o agravo por quem é detentor da condição de militar, não se cogita ilegitimatio ad partem por perda desta qualidade, porquanto a superveniência da condição de civil do denunciado não afeta o crime consumado.
ConJur — Tendo entrado no STM pelo quinto constitucional — porta criticada publicamente pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Joaquim Barbosa —, qual sua resposta a quem diz que o instituto é uma forma de driblar o concurso público?
Maria Elizabeth — O quinto é uma previsão constitucional legítima que visa arejar o Poder Judiciário, porque propicia uma visão multifacetada e dialética da Justiça e do Direito. Com isso, ganha não apenas o jurisdicionado, mas o sistema jurisdicional como um todo, na medida em que visões de mundo diferenciadas democratizam e aprimoram as instituições estatais. Além disso, não é correto afirmar que todos os advogados que integram o quinto constitucional não prestaram concurso público. Eu ocupo, no Superior Tribunal Militar, a cadeira destinada aos advogados, mas sou egressa da Advocacia-Geral da União, onde prestei concurso público de provas e títulos e fui aprovada em primeiro lugar. Da mesma forma, os demais ministros do STM que ocupam a vaga destinada à advocacia eram, anteriormente à nomeação, procuradores federais concursados. E isso também ocorre em outros tribunais superiores.
ConJur — Ter vindo da advocacia ajuda na relação com os advogados?
Maria Elizabeth — Trato os advogados com respeito e cordialidade, como sempre fui tratada quando exercia a advocacia. Não tenho dias específicos para recebê-los. Faço conforme a demanda. Acato fielmente o Estatuto dos Advogados, que enumera entre os direitos do profissional dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada. Além disso, a lei assegura a inexistência de hierarquia entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, colocando-os em idêntico patamar para administração e indispensabilidade da Justiça. Sigo à risca esses postulados, por exigência legal e convicção pessoal, pois como filha e neta de advogados, e eu mesma tendo sido advogada no início da minha carreira profissional, tenho plena consciência do quão fundamental e importante é a atuação desses valorosos operadores do Direito.
ConJur — Quais são suas referências no Direito?
Maria Elizabeth — São muitos os nomes a serem destacados no universo de juristas brilhantes e respeitáveis que admiro. Então, para não ser injusta ao fazer escolhas, destacarei os professores que influenciaram minha vida e a quem eu devo muito. Inicio com o decano dos constitucionalistas brasileiros, o eminente professor doutor Paulo Bonavides, que tanto me incentivou e auxiliou no início da minha trajetória acadêmica. Menciono também dois magníficos juristas que foram meus orientadores do mestrado e doutorado, respectivamente: os professores doutores Jorge Miranda e José Alfredo de Oliveira Baracho, com os quais tanto aprendi e a quem sou eternamente grata. Cito, ainda, o ilustre professor doutor Friedrich Müller, grande pensador da atualidade, filósofo e amigo, que tem influenciado, com a profundidade de seu pensamento, o meu olhar sobre as Ciências Jurídicas.
A comissão ainda não terminou seu trabalho, mas o relatório Justiça em Números divulgado pelo CNJ em novembro trouxe dados concretos, pelo menos em relação aos tribunais estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul: em 2012, as cortes militares custaram R$ 107,5 milhões, diante dos R$ 52 bilhões gastos por todo o Judiciário brasileiro. A carga de trabalho por juiz militar foi de 345 casos, enquanto cada um dos juízes das demais esferas teve em média 5.618 para julgar. Ao todo, os três estados somaram 13 mil processos na Justiça Militar, mais da metade sobre questões disciplinares.
Esses números, no entanto, não respondem à pergunta feita em abril, na opinião de uma das mais incisivas defensoras da Justiça Militar no país, a ministra do STM Maria Elizabeth Rocha. Primeira e única mulher a ter assento na corte em toda a história do tribunal, Maria Elizabeth foi nomeada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2007 para vaga destinada à advocacia pelo quinto constitucional. Desde então tem representado o STM em palestras em todo o mundo sobre o funcionamento e a importância da Justiça Militar brasileira.
Segundo ela, justificar a existência desse Judiciário com estatísticas é distorcer a função para a qual ele foi criado e que nenhuma outra vertente da Justiça poderia dar conta: manter a disciplina nos quartéis e a ordem no Estado.
O raciocínio é simples: se houvesse processos militares em número proporcional aos gastos com a estrutura das cortes militares, estaria havendo uma crise no Estado, já que os casos analisados tratam de crimes cometidos contra agentes e contra as Forças Armadas e de punições por indisciplina. Por outro lado, se essa Justiça fosse extinta, atentados contra o Estado e desafios à hierarquia seriam entregues à Justiça comum e demorariam para ser julgados. A inefetividade judicial resultaria em caos no setor que mais depende de disciplina.
Em entrevista exclusiva concedida ao Anuário da Justiça Brasil 2014, que a ConJur adianta aos leitores do site, a constitucionalista sopesa valores para mostrar por que manter as forças de defesa do país sob controle, função principal do Judiciário castrense, é crítico para a democracia. “A defesa da pátria e dos Poderes da República é valor mais elevado do que o da própria vida, já que, sob determinadas circunstâncias, impõe-se aos militares o dever de matar ou morrer”. Em outras palavras, a Constituição permite até mesmo o homicídio, crime capital, em situações específicas como as de guerra, mas não autoriza ameça ao Estado em nenhuma hipótese.
Casada com um general da reserva, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha fez carreira na Advocacia-Geral da União antes de entrar no STM. Como procuradora federal, foi assessora do Ministério da Cultura, do Tribunal Superior Eleitoral e da Casa Civil. Formou-se em Direito pela PUC-MG e tem mestrado, doutorado e pós-doutorado em Direito Constitucional, respectivamente pela Universidade Católica Portuguesa, pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Universidade Clássica de Lisboa. Dá aulas de Direito Constitucional no UniCeub, em Brasília, desde 2006.
Leia a entrevista:
ConJur — Devido ao baixo número de processos, os tribunais militares devem ser extintos?
Maria Elizabeth — A proposta é temerária, para dizer o mínimo. A importância da jurisdição não se mede com base em estatísticas. Aliás, causa estranheza esse posicionamento, já que tanto o constituinte derivado quanto o próprio Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado, têm buscado mecanismos para restringir o número de processos e tornar a Justiça mais célere, eficiente e enxuta. O instituto da repercussão geral, a súmula vinculante e a inserção da razoável duração do processo como direito fundamental do indivíduo são exemplos veementes do esforço legislativo e judicial.
ConJur — A relação entre o custo e a produtividade da Justiça Militar não devem preocupar?
Maria Elizabeth — É importante esclarecer que os dados apresentados pelo o autor da proposta estão incorretos. No ano de 2012, o Superior Tribunal Militar julgou 1.081 casos, e a primeira instância, 1.217 processos. Em 2013, o STM apreciou 1.115 ações, e a primeira instância, 1.090. Isso está longe dos 54 mencionados e, a despeito de ser um quantitativo infinitamente menor do que o dos demais tribunais superiores, relembro que a Justiça Militar da União é um foro exclusivamente criminal; que os processos penais não podem ser julgados em lista, mas discutidos e votados caso a caso; que a corte só funciona em Pleno, o que demanda tempo em cada votação; que a presteza e a eficiência da jurisdição é fundamental para a preservação dos bens constitucional tutelados, e que o militares são homens e mulheres valorosos, dedicados a servir à pátria, e não meliantes contumazes. Aqueles que julgamos são a exceção à regra.
ConJur — E a Justiça Militar é célere?
Maria Elizabeth — A celeridade é imperiosa para a preservação do comando hierárquico. Em se tratando do Direito Penal Castrense, a demora processual pode ser fatal para a integridade das Forças Armadas. Conforme afirmei, não se pode valorar a importância das instituições numericamente. Se assim o fosse, a América do Norte deveria extinguir a Suprema Corte, que julga uma média de 60 processos por ano.
ConJur — No Brasil, todas as Justiças têm um elevado número de processos...
Maria Elizabeth — A Justiça Militar da União, que tem competência para processar e julgar os crimes militares definidos em lei, cometidos contra as Forças Armadas e a administração castrense, não poderia ter o mesmo número de processos dos demais tribunais superiores por ser uma jurisdição unicamente criminal, que não julga questões cíveis, trabalhistas, previdenciárias, do consumidor ou de outras áreas extremamente judicializadas.
ConJur — O que aconteceria se houvesse maior número de casos?
Maria Elizabeth — A clientela da Justiça Militar é, na grande maioria, de réus militares. Se a Justiça Militar da União tivesse distribuição semelhante à do STF, do STJ ou do TST, haveria sérios problemas no regime político. Afinal, os militares, ao contrário dos civis, detêm as Armas da Nação. Seu contingente é de aproximadamente 310 mil jurisdicionados, sendo 220 mil no Exército, 55 mil na Aeronáutica e 55 mil na Marinha. A democracia se desestabilizaria se paradigmas rígidos de conduta para a atuação desses agentes não fossem observados, já que, quando as Forças Armadas se desorganizam, tornam-se impotentes para cumprir sua missão constitucional de defender a pátria, pondo em risco o Estado e a nação. Elas são as únicas que têm por finalidade a defesa da pátria e dos Poderes da República, valor mais elevado do que a própria vida, já que, sob determinadas circunstâncias, impõe-se aos militares o dever de matar ou morrer. Por isso, a tal valor especialíssimo correspondem regras especialíssimas de conduta, que devem ser rigorosamente observadas, sob pena de comprometimento do próprio Estado Democrático de Direito.
ConJur — A Justiça Militar é branda com os militares?
Maria Elizabeth — Por lidarmos com valores singulares, tutelados pelo constituinte maior e pelo legislador como bens jurídicos a serem resguardados pela ordem normativa e social, é grande o rigor dos julgamentos e há grande número de condenações, ao contrário do que pensam os incautos. Além disso, a Justiça Militar é a única a ter a característica da mobilidade, impensável para a Justiça comum, de poder se deslocar para teatros de operações de guerra, onde o poder disciplinar é mais premente. Afinal, crimes cometidos em situação tão dramática determinam uma pronta, ativa e ágil estrutura judiciária, que permita apurar os delitos e punir os culpados com a maior brevidade possível.
ConJur — Os juízes militares têm sido ouvidos no debate quanto à necessidade dessa Justiça?
Maria Elizabeth — O que desequilibra a discussão não é o confronto de ideias divergentes, importante e saudável para repensar as instituições públicas, mas o fato de a Justiça Militar da União, por não deter assento no CNJ, não participar do debate. Ou seja, discute-se sobre os novos rumos dessa jurisdição sem a nossa participação. O Superior Tribunal Militar é a mais antiga Justiça do país, contando com mais de dois séculos de existência. Mesmo assim, é profundo o desconhecimento, por parte da sociedade e dos operadores do Direito, sobre sua competência e composição. Atribuo a esse lamentável desconhecimento o fato de a Emenda Constitucional 45/2004 não ter dado a essa Justiça assento no CNJ, omissão que a PEC 358/2005 busca reparar. As consequências desse esquecimento têm nos afetado sensivelmente.
ConJur — Por quê?
Maria Elizabeth — Estivesse a sociedade civil e jurídica ciente da atuação da Justiça Militar, saberia que ela preenche todos os princípios projetados pelas Nações Unidas para as jurisdições militares no mundo. Ela foi instituída pela Constituição Federal e regulamentada por lei, integrando a estrutura do Poder Judiciário desde a Carta de 1934. Ora, a Justiça Militar da União não foi criada após o regime militar de 1964 e não guarda qualquer correlação com ele. Ela foi instituída em 1808 por Alvará do então Príncipe Regente D. João VI. Seus julgamentos observam rigorosamente o devido processo legal, imposição máxima do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição. Em períodos de paz ou durante os conflitos armados, as normas e os Tratados Internacionais, em especial os de Direito Humanitário e a Convenção de Genebra sobre o tratamento dos prisioneiros de guerra, são aplicados. Menores de 18 anos não são processados e julgados nessa Justiça em acatamento à Convenção Internacional dos Direitos Humanos e às regras de Pequim para a administração da Justiça da Infância, bem como por vedação expressa do Estatuto da Criança e do Adolescente. O Código Penal Militar não exclui de responsabilização os crimes sobre os quais se invoca o dever de obediência legal quando resultem em violação aos Direitos Humanos, à prática de genocídio ou crimes contra a humanidade. É bom lembrar que o Brasil é signatário do Tratado de Roma e prevê a Constituição, no parágrafo 4º do seu artigo 5º, que o Estado se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Habeas Corpus e Mandados de Segurança podem ser impetrados na Jurisdição Militar e se, denegados, cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal. Suas decisões são igualmente recorríveis ao Supremo quando versam sobre matéria constitucional ou tenham repercussão geral. As audiências e os processos são públicos e as decisões judiciais, fundamentadas. Os magistrados e promotores são servidores públicos que entram na carreira por meio de concurso de provas e títulos. Os ministros do STM são indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado Federal. Quaisquer vítimas podem denunciar os crimes contra elas cometidos tanto ao comandante da Força quanto ao Ministério Público castrense, e são representadas pelos promotores e subprocuradores da instituição. Para encerrar, a pena de morte só é admitida em caso de guerra declarada, como previsto no artigo 5º, inciso XLVII, alínea “a”, da Constituição — dispositivo, aliás, que a Comissão de Reforma do Código Militar, instituída pelo Superior Tribunal Militar, está tentando abolir junto ao Congresso Nacional.
ConJur — A Procuradoria-Geral da República ajuizou uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental no STF pedindo que se reconheça a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tempo de paz, e que eles sejam julgados pela Justiça comum. Civis devem ser retirados da jurisdição do STM?
Maria Elizabeth — Não. E digo isso por não existir impeditivo constitucional para o julgamento de civis pela jurisdição penal especial. A Justiça Militar da União, tal qual as demais Justiças, integra o Poder Judiciário desde 1934, e os processos submetidos ao seu crivo obedecem todos os mandamentos magnos, tais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Acontece que, para os leigos, essa Justiça seria constituída por militares para julgar somente militares. É o momento de pôr fim a essa incompreensão. Para começar, os juízes-auditores são cidadãos civis, que ingressaram na magistratura por concurso público de provas e títulos, como todos os magistrados. Além disso, a Justiça castrense não tem por objetivo julgar os integrantes das Forças Armadas. Sua competência não é definida em razão da pessoa. A finalidade é proteger as instituições militares e, por consequência, a soberania estatal e o Estado nacional. Por isso, o poder constituinte originário, atento às peculiaridades de bens especialíssimos que são a hierarquia e a disciplina, entendeu não restringir a competência da Justiça Militar apenas aos agentes militares, abarcando igualmente os civis. O artigo 124 da Constituição disse competir à Justiça Militar da União processar e julgar os crimes militares definidos em lei, sem impor distinções ao agente. Além disso, a Justiça Militar da União julga civis assim como a Justiça Eleitoral processa e julga não somente os políticos ou candidatos a mandato eletivo, mas todo e qualquer cidadão.
ConJur — O que a Justiça Eleitoral tem em comum com a Militar?
Maria Elizabeth — O Código Eleitoral, da mesma forma que o Código Penal Militar, define os crimes ali elencados em razão de sua especialidade, e não em face da pessoa que esteja cometendo o ilícito. A título ilustrativo, cito o artigo 339 do Código Eleitoral, que pune aquele que destrua, suprima ou oculte urna contendo votos ou documentos relativos à eleição, independentemente do status do agente. Ora, a Justiça penal castrense é uma Justiça especializada e não uma corte marcial ou administrativa. Qual seria o impeditivo para o julgamento de civis por uma Justiça especializada se a Constituição não obsta?
ConJur — Réus civis são julgados com o mesmo rigor que os militares?
Maria Elizabeth — O rigor no julgamento dependerá do crime. É sempre bom lembrar que os civis que julgamos não são apenas pequenos estelionatários, como crê a maioria. Julgamos indivíduos de alta periculosidade para o Estado e para a sociedade. São narcotraficantes das Farc que invadem nossa fronteira e atacam o Exército brasileiro; civis que aliciam soldados conscritos e invadem os quartéis para roubar munição e armas, como fuzis e granadas; marginais que metralham comboios de soldados. E tais julgamentos não podem ser postergados infinitamente em razão da sobrecarga judicial. A resposta estatal deve ser rápida e rigorosa de forma a salvaguardar a legitimidade do Estado de Direito. Não obstante isso, a Justiça Militar da União sempre deu exemplos de independência, coragem, imparcialidade e isenção, em decisões memoráveis, como a prolatada em 1936, quando o então Supremo Tribunal Militar reformou as sentenças condenatórias proferidas pelo Tribunal de Salvação Nacional instituído pelo Estado Novo, concedendo ordem de Habeas Corpus a Luís Carlos Prestes e João Mangabeira, ou quando deferiu medida liminar no mesmo caso, assinada pelo brilhante jurista Arnoldo Wald. Essa decisão serviu de precedente ao próprio Supremo Tribunal Federal. Há ainda outros julgamentos, como o caso dos presos proibidos de manter contato com seus advogados sob a égide da Lei de Segurança Nacional. A histórica decisão da Representação 985 foi a solução, ao observar os princípios do direito de defesa. Do mesmo modo decidiu o STM ao entender, na década de 1970, que a greve, mesmo quando declarada ilegal pelo Poder Executivo, se perseguisse melhoria salarial, não era, segundo o Recurso Criminal 5.385-6, um crime contra a segurança nacional. No Recurso Criminal 38.628, a corte disse ainda que a mera ofensa às autoridades constituídas, embora feita em linguagem censurável, não configurava crime contra a segurança do Estado, resguardando a liberdade de imprensa e de expressão. Todas essas decisões, dentre outras, mostram uma jurisprudência dignificante que, ao sobrepor-se a pressões políticas, deixou significativo legado. Lembro ainda que os defensores públicos, quando atuaram pela primeira vez no Judiciário brasileiro, o fizeram no Superior Tribunal Militar.
ConJur — E o que os advogados dizem sobre isso?
Maria Elizabeth — Vale lembrar o discurso do ilustre advogado Técio Lins e Silva, em 15 de fevereiro de 1973, quando da instalação do Superior Tribunal Militar em Brasília, acerca do julgamento de civis. Disse ele: “Após ver a Justiça Militar ampliada em sua competência jurisdicional, quando passou a processar e julgar civis acusados da prática de delitos atentatórios à Segurança Nacional, foi como ter recebido um oneroso encargo que desafiava a eficiência, a celeridade e a capacidade de trabalho da tradicional e pacata Justiça castrense. Entretanto, os anos se passaram e esta corte não só se afirmou no setor judiciário, como se impôs perante toda a nação como um tribunal de invejável sensibilidade, atento, seguro, digno e sobretudo independente. Os processos trazidos a esta corte, tantas vezes envolvendo questão política — nos casos de Segurança Nacional — não abalaram, não afastaram o sentimento de Justiça e equilíbrio que fez com que este tribunal merecesse de todo o povo a admiração e o respeito”. São palavras de um dos maiores defensores de presos políticos e da liberdade no Brasil, absolutamente isentas e imparciais.
ConJur — A PGR também ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando a lei que dá às Forças Armadas competência para garantir a ordem pública. Qual a sua opinião?
Maria Elizabeth — A ADI que analisa a constitucionalidade da lei complementar que versa sobre a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem merece a improcedência. A própria Constituição estatui, em seu artigo 142, destinarem-se as Forças Armadas à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Portanto, a Lei Complementar 97/1999, ao prever que o exercício dessa função configura atividade militar para os fins do artigo 124 da Constituição, não afronta o texto. Ao contrário, reafirma-o. Os militares empregados na garantia da lei e da ordem, quando legitimamente convocados para isso, exercem função tipicamente castrense, em observância à própria destinação conferida às Forças Armadas, prevista pelo artigo 142 da Constituição. Além disso, o texto constitucional, adotando o critério ratione legis, deferiu ao legislador ordinário a atribuição de definir os delitos castrenses. O artigo 9º, inciso III, alínea “d”, do Código Penal Militar, muito antes da vigência da citada lei complementar, já previa serem militares as infrações cometidas contra militar no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, quando legalmente requisitado para esse fim, ainda que fora do lugar sujeito à administração castrense. Desse modo, não há que se falar em inconstitucionalidade da lei complementar.
ConJur — Outra ADPF, também da PGR, quer a descriminalização do sexo dentro de quartel, se envolver militar que não esteja no exercício da função. O argumento é que não se pode restringir a sexualidade humana. A ministra concorda?
Maria Elizabeth — A ADPF que questiona o artigo 235 do Código Penal Militar trata da prática de relações sexuais dentro da caserna, nos alojamentos, quando o militar não estiver no exercício da função, o que me parece absurdo. O tipo legal impugnado pune a prática sexual em lugar sujeito à administração castrense, e não na residência do militar, mesmo que ela se encontre dentro da vila ou do quartel, pois como se sabe, a casa é o asilo inviolável do indivíduo, independentemente de onde se localize. Por acaso a lei autoriza o servidor público civil ou empregado celetista a praticar ato libidinoso na repartição ou na empresa onde trabalham? É evidente que não! Isso seria causa de exoneração ou demissão. É óbvio dizer que o local de trabalho não é o apropriado para o sexo e que permiti-lo causaria grandes constrangimentos aos colegas de trabalho ou à chefia. E isso está longe de afrontar a sexualidade humana. Trata-se de regra social de convivência. Ainda mais em se tratando de lugar sujeito à administração do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, onde as condutas dos militares são pautadas por um rigor maior, diante da necessidade de manutenção da hierarquia e da disciplina. Mesmo não estando no exercício da função, eles devem estar sempre prontos a atender o chamamento de seus superiores, para garantir a segurança e o bom desenvolvimento da instituição em casos de emergência ou de necessidade. Por isso, a restrição à sexualidade me parece insuficiente para a descriminalização. Amor no quartel, só à pátria.
ConJur — A ministra foi a primeira a cogitar, no STM, que para que uma ação penal por deserção possa tramitar, é necessário que o desertor ainda esteja na ativa, o que obriga conscritos que terminaram o serviço militar obrigatório a serem reintegrados à Força. A corte não concordou. Ainda mantém essa opinião?
Maria Elizabeth — Fui a primeira na corte a levantar essa questão, na Apelação 25-46.2012.7.01.0301, julgada em 11 de dezembro de 2012, na qual fiquei vencida. Entendi na ocasião, e permaneço com a mesma compreensão, que é condição de procedibilidade nos delitos de deserção a reinclusão do desertor, para fins de oferecimento da denúncia. Esse requisito, a despeito de ter como resultado a concessão ao desertor do status de militar, com ele não se confunde e é a única exigência feita pela norma, não havendo necessidade de o réu mantê-la para o processo continuar, por não configurar pressuposto de prosseguibilidade. A reinclusão justifica-se diante da necessidade de a administração castrense tomar conhecimento do motivo que levou o desertor a se ausentar, haja vista a possibilidade de estar ele acobertado por alguma causa de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade, ou encontrar-se acometido de doença grave ou mesmo ter morrido. Trata-se, na realidade, de medida de política criminal adotada pelo legislador que não se imiscui com o tipo penal e nele não interfere. Desse modo, perpetrado o agravo por quem é detentor da condição de militar, não se cogita ilegitimatio ad partem por perda desta qualidade, porquanto a superveniência da condição de civil do denunciado não afeta o crime consumado.
ConJur — Tendo entrado no STM pelo quinto constitucional — porta criticada publicamente pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Joaquim Barbosa —, qual sua resposta a quem diz que o instituto é uma forma de driblar o concurso público?
Maria Elizabeth — O quinto é uma previsão constitucional legítima que visa arejar o Poder Judiciário, porque propicia uma visão multifacetada e dialética da Justiça e do Direito. Com isso, ganha não apenas o jurisdicionado, mas o sistema jurisdicional como um todo, na medida em que visões de mundo diferenciadas democratizam e aprimoram as instituições estatais. Além disso, não é correto afirmar que todos os advogados que integram o quinto constitucional não prestaram concurso público. Eu ocupo, no Superior Tribunal Militar, a cadeira destinada aos advogados, mas sou egressa da Advocacia-Geral da União, onde prestei concurso público de provas e títulos e fui aprovada em primeiro lugar. Da mesma forma, os demais ministros do STM que ocupam a vaga destinada à advocacia eram, anteriormente à nomeação, procuradores federais concursados. E isso também ocorre em outros tribunais superiores.
ConJur — Ter vindo da advocacia ajuda na relação com os advogados?
Maria Elizabeth — Trato os advogados com respeito e cordialidade, como sempre fui tratada quando exercia a advocacia. Não tenho dias específicos para recebê-los. Faço conforme a demanda. Acato fielmente o Estatuto dos Advogados, que enumera entre os direitos do profissional dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada. Além disso, a lei assegura a inexistência de hierarquia entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, colocando-os em idêntico patamar para administração e indispensabilidade da Justiça. Sigo à risca esses postulados, por exigência legal e convicção pessoal, pois como filha e neta de advogados, e eu mesma tendo sido advogada no início da minha carreira profissional, tenho plena consciência do quão fundamental e importante é a atuação desses valorosos operadores do Direito.
ConJur — Quais são suas referências no Direito?
Maria Elizabeth — São muitos os nomes a serem destacados no universo de juristas brilhantes e respeitáveis que admiro. Então, para não ser injusta ao fazer escolhas, destacarei os professores que influenciaram minha vida e a quem eu devo muito. Inicio com o decano dos constitucionalistas brasileiros, o eminente professor doutor Paulo Bonavides, que tanto me incentivou e auxiliou no início da minha trajetória acadêmica. Menciono também dois magníficos juristas que foram meus orientadores do mestrado e doutorado, respectivamente: os professores doutores Jorge Miranda e José Alfredo de Oliveira Baracho, com os quais tanto aprendi e a quem sou eternamente grata. Cito, ainda, o ilustre professor doutor Friedrich Müller, grande pensador da atualidade, filósofo e amigo, que tem influenciado, com a profundidade de seu pensamento, o meu olhar sobre as Ciências Jurídicas.
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