Eduardo Maneira
A
expansão do Poder Judiciário na vida institucional brasileira é fato
incontestável. O Supremo Tribunal Federal (STF), em especial, tem
decidido questões de larga repercussão social e política. A
judicialização no Brasil, assim entendido como o protagonismo
institucional e político do Poder Judiciário, tomou vulto com a
redemocratização do país, tendo como marco a Constituição Federal de 88,
que incorporou temas antes tratados no plano da legislação ordinária,
ampliando o papel político do STF. O Poder Judiciário exerce cada vez
com mais desenvoltura o ativismo judicial, criando uma forte linha de
tensão no desejado equilíbrio entre os poderes. O embate ocorre pelo
fato de que, diante de tantas normas inconstitucionais, o Judiciário é
constantemente convocado a afastá-las do ordenamento. Isso gera nos
jurisdicionados a sensação de instabilidade das regras jurídicas. Além
disso, as decisões judiciais têm produzido eficácia muito além das
partes envolvidas no processo, em razão dos efeitos vinculantes de seus
julgados, tanto no controle difuso quanto no concentrado. Com isso, as
decisões dos tribunais superiores passam a ter aplicação generalizada,
que até pouco tempo era atributo exclusivo da norma emanada do poder
legislativo. Mais grave é que as decisões judiciais com efeitos
amplíssimos não têm se mantido estáveis. Os tribunais superiores têm
revisto sua própria jurisprudência com uma frequência incomum. O
Poder Executivo, de sua vez, se serve abusivamente das medidas
provisórias, decretos e outros instrumentos normativos invadindo a
competência do Legislativo. Exerce, ainda, ilegitimamente, funções
típicas do Judiciário ao decidir, por meio de ato normativo baixado por
autoridade fazendária, que legislações de outros Estados da federação
são inconstitucionais, anulando seus efeitos dentro do seu território,
em um ambiente de guerra fiscal. O Legislativo, cada vez mais
atrofiado no seu papel de criar o direito positivo, apenas dá
legitimidade às normas emanadas do Executivo, tomando poucas vezes a
iniciativa de um projeto de sua autoria. Em suma, o Judiciário e o Executivo legislam cada vez mais, enquanto o Legislativo é cada vez menos poder. Decisões judiciais com efeitos amplíssimos não têm se mantido estáveis Em
matéria tributária não deveria haver espaço para o ativismo judicial. A
Constituição outorga poderes à União, Estados, Distrito Federal e
municípios para instituírem tributo por lei. Este exercício jamais
poderá ser feito pelo Judiciário. De sua vez, os princípios
constitucionais tributários são normas de aplicação direta que dispensam
regulamentação infraconstitucional, sem abrir espaço para o ativismo
judicial. De qualquer modo, não se pode negar que nos tempos atuais o
Judiciário invalida, com frequência, as ações de outros poderes, bem
como exerce o papel de legislador positivo, o que exige a ampliação do
raio de ação dos princípios que visam garantir segurança jurídica à
coletividade. A positivação da segurança jurídica em matéria
tributária está materializada na Constituição Federal, de 1988, nos
princípios da legalidade, anterioridade e irretroatividade, que, em
conjunto, representam o que denominamos de "princípio da não surpresa do
contribuinte". O princípio da não surpresa deve ser aplicado não
somente à lei mas às decisões do Judiciário de amplo alcance, ou seja,
àquelas cujos efeitos extrapolam os autos dos processos em que são
proferidas, bem como àquelas em que o Judiciário atua como legislador
positivo. Por exemplo, quando se atribui ao STF o poder de modular os
efeitos temporais de suas decisões, o princípio da não surpresa deve
conduzir tal modulação em matéria tributária. Se a modulação decorrer de
mudança na jurisprudência até então favorável ao contribuinte, a não
surpresa passa a ser aplicada à nova orientação jurisprudencial, para
que o contribuinte que seguia a orientação antiga e consolidada não seja
surpreendido. Dito de outro modo, deve ser conferido efeito "ex
nunc", em obediência ao princípio da não surpresa, a eventual
modificação de jurisprudência em detrimento dos contribuintes. A
orientação é outra quando a decisão é desfavorável às Fazendas Públicas,
que devem necessariamente ter efeito "ex tunc" ou retroativos. Não se
pode alegar que o Estado possa ser surpreendido, com eventual declaração
de inconstitucionalidade de lei tributária. Todos os princípios
tributários são limitações ao poder de tributar e não podem ser
invocados por quem é titular desse poder. Deve-se ainda aplicar a não
surpresa em decisões proferidas em desfavor do contribuinte em sede de
ação rescisória, bem como nas que cassam liminares e outras formas de
tutela de urgência que dispensavam o contribuinte do pagamento do
tributo. Isto porque, são casos em que a obrigação de pagar tributo
volta a existir em decorrência de uma decisão judicial. Desta forma, a
partir do momento em que a lei oriunda do Legislativo deixa de ser a
única fonte de obrigação tributária, a segurança jurídica fica abalada a
não ser que os princípios e regras constitucionais passem a atuar em
face das decisões judiciais e dos atos do Executivo. Assim, a
não-surpresa que ora se propõe, amplia o raio de ação desses princípios e
regras para que eles sejam aplicados em face de "atos normativos"
emanados do Judiciário e do Executivo (nos casos de guerra fiscal, por
exemplo), do mesmo modo em que são aplicados em relação à lei nova que
cria ou aumenta tributo. Em sentido amplo, o princípio da
não-surpresa deve também atuar como instrumento constitucional de
limitação ao poder judicial de tributar, fenômeno do século XXI. Eduardo
Maneira é advogado, presidente da Associação Brasileira de Direito
Tributário (ABRADT) e sócio do escritório Sacha Calmon - Misabel Derzi
Consultores e Advogados |
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