quarta-feira, 23 de julho de 2014

Resistência autoritária



O Globo, 23 de julho de 2014.
EUA e Argentina colaboram mais que Brasil, diz CNV

Para presidente da comissão, contribuição das forças armadas é 'constrangedora'
Jailton de Carvalho

Depois de receber documentos da Argentina e dos Estados Unidos, o coordenador da Comissão Nacional da Verdade(CNV), Pedro Dallari, criticou a resistência das Forças Armadas brasileiras em colaborar com as investigações relativas aos crimes cometidos durante a ditadura militar brasileira. A Comissão pela Memória da Província de Buenos Aires entregou um relatório à CNV sobre 11 brasileiros desaparecidos na Argentina. O vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ofereceu ao governo brasileiro documentos do Departamento de Estado sobre o período da ditadura no Brasil.
- É paradoxal e até constrangedor para nós que estejamos recebendo mais informações de governos estrangeiros do que aquelas que nos são fornecidas pelas Forças Armadas - disse Dallari.
Em relatório encaminhado à CNV, as Forças Armadas afirmaram que não houve tortura ou morte em prédios militares. Relatório da Comissão pela Memória da Província de Buenos Aires informou, por sua vez, que a Polícia Federal alertou o serviço de inteligência argentino sobre a presença do major brasileiro Joaquim Pires Cerveira na Argentina. Para a CNV esta é mais uma prova da cooperação institucional entre as estruturas de repressão das ditaduras latino americanas contra militantes de esquerda entre os anos 1960 e 1980.
Major do Exército brasileiro, Cerveira se rebelou contra a ditadura e teve que deixar o Brasil. Ele teria desparecido na Argentina. O relatório da Comissão pela Memória foi divulgado no site da CNV ontem. O documento contém informações sobre Cerveira e mais dez militantes de esquerda que desapareceram na Argentina na década de 1970 e sobre seis argentinos desaparecidos no Brasil entre os anos 1970 e 1980.
No relatório constam ainda dados sobre dois uruguaios supostamente assassinados em território argentino e sobre três militantes, dois brasileiros e um argentino, assassinados numa ação conjunta das forças repressivas do Brasil e da Argentina em Foz do Iguaçu. A comissão expôs os documentos para aprofundar a análise destes casos e estimular pesquisas sobre o sumiço desses militantes de esquerda.
O relatório foi elaborado a partir de documentos produzido pelas forças repressivas argentinas. Pelo documento, Cerveira entrou na Argentina em outubro de 1973. Ele estava no Chile e, pouco antes da derrubada do ex-presidente socialista Salvador Allende, foi para a Argentina. Um informe da Marinha, reproduzido no relatório, diz que, pelas informações recebidas da Polícia Federal brasileira, o major estaria na Argentina.
- É uma informação muito relevante. Comprova que esse brasileiro sofreu vigilância na data de seu desaparecimento - afirmou André Saboia, secretário-executivo da Comissão.
Ontem, a CNV interrogou o capitão Roberto Amorim, que atuou no Pará antes da operação militar que devastou os guerrilheiros do PCdoB na região. O capitão negou envolvimento com violação de direitos humanos.


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