segunda-feira, 21 de julho de 2014

Má qualidade das instituições brasileiras

Folha de S. Paulo, 21 de julho de 2014.

Rubens Ricupero

"Timing" perfeito

Pior que a derrota sem honra seria dar de ombros, virar a página, fingir que nada aconteceu
Não poderia ter sido melhor o momento escolhido para a cúpula dos Brics. Depois da derrota ignominiosa na Copa, era preciso reagir de modo convincente. Foi o que se fez em Fortaleza, num plano político que, embora mais importante, não nos dispensa da dolorosa necessidade de ter vergonha.
Reagir não é fugir à vergonha. Nem desprezar o dano irreparável à autoestima de um povo que, certo ou errado, sempre teve no futebol a razão de seu orgulho, a marca definidora da identidade.
O principal não foi a derrota. Outros perderam e foram recebidos como heróis. O problema é como perder. Quando Francisco 1° caiu prisioneiro de seu inimigo Carlos 5°, escreveu à rainha: "Senhora, tudo está perdido, salvo a honra". Nem os jogadores, nem o treinador e os dirigentes poderiam dizer o mesmo.
É erro minimizar a gravidade do desastre. Algumas tentativas desse tipo me lembram a rendição da França em 1941. Ao saber do colapso, o francófilo Raul Fernandes pediu para ver o embaixador francês e lhe apresentou condolências. Constrangido porque já aderira ao regime colaboracionista, o diplomata desconversou: não era para tanto, a França conhecera em sua história horas piores. O futuro chanceler se formalizou: "Senhor Embaixador, não vim aqui receber lições de história; passe bem!"
França, Alemanha, Rússia, China, todas tiveram catástrofes históricas, com ou sem honra. Comparadas a invasões, ocupações, derrotas com milhões de mortos, nossas calamidades foram benignas: a Copa de 1950, o 7 a 1. Nem por isso nos eximem de buscar as razões para corrigi-las.
Na memória coletiva jamais se apagará a vergonha da "débacle" e de Vichy, mas a França recuperou a honra e a vontade de viver com De Gaulle e a Resistência. Por isso, pior que a derrota sem honra seria dar de ombros, virar a página, fingir que nada aconteceu para não enfrentar o difícil desafio de reformar o futebol e o desporte.
Ceder a essa tentação seria confirmar o juízo de Elizabeth Bishop: o maior defeito brasileiro, segundo ela, era (e é?) o excesso de autocomplacência, a acomodação à nossa moleza, a covardia de nos reformarmos e de combater a corrupção que, da CBF ao Congresso, suga o melhor sangue de nosso povo.
Longe do Brasil, vejo que essa é a tendência. Cansadas de sofrer, as pessoas querem pensar em outra coisa; os candidatos têm medo de mexer em vespeiro. Se isso se confirmar, como fez o mundo com a crise financeira, teremos desperdiçado uma crise sem dela tirar o estímulo para construir sistema melhor.
Países como Alemanha e Japão esmagados na guerra, os EUA ou a Espanha depois da guerra civil, cresceram na catástrofe porque souberam retirar do desastre as lições para reformarem as instituições.
Errar e perder faz parte do humano destino. Os verdadeiros perdedores, os vencidos da vida e da história são os incapazes de reformar as instituições. O problema central do Brasil é a má qualidade das instituições, do futebol ao Congresso, da Justiça ao Executivo. Se a vergonha da Copa servir de ímpeto para reformar as instituições, a derrota não terá sido em vão.

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