quinta-feira, 14 de março de 2013

Arbitrariedade na persecução criminal

Folha de S. Paulo, 14 de março de 2013.

Marcos da Costa 

O habeas corpus e a preservação de direitos

Não foi o uso do habeas corpus que se banalizou, mas, sim, o descumprimento dos direitos garantidos ao cidadão pela Constituição Federal
Poucos instrumentos jurídicos no país desempenharam papel tão relevante para o fortalecimento do Estado democrático de Direito como o habeas corpus. Diante de uma Justiça morosa, a celeridade do chamado "remédio heroico" vem servindo de indispensável lenitivo para os desmandos e arbitrariedades praticados por agentes públicos na persecução penal.
No entanto, apesar da sua importância para a preservação dos direitos e garantias individuais, à guisa de suposta banalização e com o propósito de aliviar os tribunais superiores abarrotados de habeas corpus, o instituto vem sofrendo seguidas tentativas de restrição de seu regular manejo, conforme previsto na Constituição Federal.
Primeiro foi a súmula 691 do Supremo Tribunal Federal (STF), que passou a impedir que fosse impetrado habeas corpus na Suprema Corte para superar negativa de liminar de tribunal inferior. Depois, a comissão que redigiu o anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal pretendeu limitar o uso de habeas corpus, o que foi rejeitado graças ao firme posicionamento contrário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Agora, o habeas corpus está padecendo de novo revés. Recente decisão, relatada pelo ministro Marco Aurélio Mello (STF), impede a impetração de um segundo habeas corpus no STF, quando um primeiro tiver sido rejeitado em tribunal inferior.
Esse entendimento passou a ser adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, de maneira que o cidadão atingido nos seus direitos fundamentais terá de esperar o julgamento de um simples recurso, entre tantos que demoram anos para ser apreciados.
É preciso lembrar que, nos anos da ditadura militar, a OAB, então presidida por Raymundo Faoro, atuou fortemente pela distensão política. O Brasil caminhava sob o jugo do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que, em nome da segurança nacional, mitigava todas as garantias constitucionais e superlotava as dependências do DOI-Codi de antagonistas do regime.
Esses episódios pouco a pouco vão sendo elucidados pelas comissões da verdade, inclusive aquela formada pela OAB São Paulo, que tem por objetivo resgatar a atuação da advocacia paulista naquele período.
Faoro obteve a volta do habeas corpus, vitória que está entre os movimentos mais expressivos da abertura democrática. Possibilitou, pela via judiciária, resguardar a vida e a liberdade de presos políticos submetidos à tortura.
O habeas corpus, ao longo das últimas décadas, transformou-se em instrumento indispensável ao exercício da defesa. Qualquer restrição que a ele se imponha, indubitavelmente, haverá de gerar injustiças e fazer campear a ilegalidade.
Não foi o seu uso que se banalizou, mas o que se tornou constante foi o descumprimento dos direitos garantidos ao cidadão pela Constituição, no que ela serve de modelo para o resto do mundo. Ademais, o grande número de habeas corpus concedidos nas instâncias superiores encorajou os advogados a esgotarem esse meio de salvaguardar os direitos de seus constituintes.
Por tudo isso, a OAB São Paulo está empenhada em preservar o habeas corpus como instrumento fundamental de cidadania, em respeito ao devido processo legal, em obediência à lei e observância ao direito de defesa.
MARCOS DA COSTA, 48, advogado, é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário