Lojas de armas não são questionadas sobre material que parou no crime | | |
Segundo relatório, 68% do arsenal achado com bandidos foi comprado legalmente Carla Rocha Responsável pela venda de boa parte do armamento encontrado em poder de bandidos, o comércio de armas no Rio nunca foi investigado a fundo. Das 10.549 armas apreendidas e rastreadas entre 1998 e 2003, 68% foram vendidas por oito lojas da Região Metropolitana, revela um relatório que será apresentado hoje na CPI das Armas da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Os principais compradores foram pessoas físicas ou empresas de segurança. Apesar disso, todas as lojas continuam funcionando normalmente, a maioria oferecendo como comodidade despachantes que ajudam os clientes a atender às exigências legais para a compra de armas. Entre estas exigências, estão certidões negativas de antecedentes criminais, curso de tiro e atestado de sanidade. Fabricantes ajudaram no rastreamento O levantamento vai ser apresentado hoje na CPI das Armas, que começa na Alerj, pelo sociólogo Antônio Rangel Bandeira, coordenador do Projeto de Controle de Armas da ONG Viva Rio. Ele participou de todo o trabalho de rastreamento feito para atender a outra CPI sobre o mesmo tema, na Câmara de Deputados em Brasília. Rangel disse que o sentimento é que se desperdiçou uma grande oportunidade de se concluir o trabalho minucioso, desenvolvido em 2006, com a ajuda dos fabricantes das armas apreendidas. A partir das informações das empresas Forjas Taurus S/A, Amadeo Rossi, CBC e Imbel, foi possível levantar os nomes das lojas que receberam as armas antes de elas chegarem às mãos dos criminosos. Por lei, o Exército tem a atribuição de fiscalizar a venda, e a Polícia Federal, de combater o tráfico de armas. - O levantamento foi feito quando prestamos assessoria técnica ao Congresso Nacional. Na época, nós já havíamos estudado a questão no Rio de Janeiro. O pior é que nada foi feito de lá pra cá. Foram levantadas as oito lojas, com nomes e porcentagem de armas que tinham sido desviadas. Todo o rastreamento mais difícil, a mecânica toda foi descrita, estava lá - diz Rangel. Agora, o sociólogo pretende abastecer de dados a comissão estadual. - Precisamos cobrar providências. É atribuição da Polícia Federal averiguar como as armas que chegaram às lojas acabaram nas mãos da bandidagem. Tinha que ir atrás das pessoas físicas que compraram e ver se era para uso próprio ou se, por acaso, não se tratava de um grande comprador, um "broker" como chamamos, uma espécie de corretor que pode ter revendido as peças para os bandidos. Bastava concluir o rastreamento iniciado. Em Pernambuco, por exemplo, a loja "Rei das Armas" abastecia a criminalidade em todo o Nordeste. Cinco das oito lojas ficam na Baixada Fluminense Entre os revendedores informados pelos fabricantes estão as lojas Max Shopping, de Nova Iguaçu, com 23% do armamento apreendido; a Palomar, de Niterói, com 14%; a Casa Santo Antônio, de Duque de Caxias, com 7%; a 32 Caça e Pesca, de Nova Iguaçu, com 6%; a Dumar Caça e Pesca, de Niterói, com 3%; a Stand de Tiro e Segurança, de Nova Iguaçu, com 3%; a Cirne Carvalho Alvim, de Nilópolis, com 3%; e a ATM Manutenção de Armas, do Centro do Rio, com 2%. Outros comerciantes compraram 39% do total de armas apreendidas. Como os dados disponíveis não foram averiguados, não é possível afirmar que as lojas tiveram alguma responsabilidade no desvio. Além do mercado interno, as vendas feitas ao poder público também aparecem no rastreamento com um expressivo percentual: 18%. Desse total, 59% foram armas que tinham sido vendidas pelas fábricas para a Polícia Militar do Rio e acabaram desviadas. - A Polícia Militar foi a campeã de desvio de armas. Constatou-se que uma das grandes fontes para o braço da criminalidade eram setores corrompidos da própria polícia. Descobrir os caminhos dos desvios de armas e munições é estratégico porque revela grande parte de esquema de corrupção da polícia. A arma está ligada à droga e a outros crimes. As apreensões do Complexo do Alemão, por exemplo, são significativas porque expuseram a gravidade do problema - observa Bandeira, que, às 15h de hoje, fará a sua palestra na CPI das Armas. O desempenho da Polícia Federal no combate ao tráfico de armas virou alvo de um inquérito civil aberto no Ministério Público Federal do Rio. O procurador federal Fábio Seghese, que pretende compartilhar as informações com a CPI do Rio, explicou que o procedimento foi aberto com base numa presunção de omissão do órgão. - Nos últimos anos, apenas sete inquéritos foram abertos pela Delegacia de Repressão ao Tráfico de Armas da Polícia Federal do Rio, responsável por este tipo de investigação. Um quantitativo irrisório - afirma ele, que briga na Justiça para ter acesso aos relatórios de inteligência da PF fluminense. O MPF também já está de posse da listagem de todas as apreensões de armas feitas pela Secretaria de Segurança do estado em 2009 e 2010. A relação deve ser usada num novo rastreamento. O deputado Marcelo Freixo (PSOL), que preside a CPI das Armas, espera que os trabalhos, além dos resultados da investigação em si, tragam também benefícios concretos. Ele torce pela liberação de recursos para tirar do papel um projeto do estado de controle digitalizado dos paióis das polícias do Rio saia do papel. Há algum tempo, o pedido está parado na Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). - Já sabemos que a grande maioria do armamento que circula ilegalmente não vem de fora, mas é comprado legalmente aqui no país. Com o controle biométrico (em que as armas são liberadas mediante o reconhecimento das digitais do policial), seria muito mais fácil administrar o armamento do estado. São coisas simples que podem ter um efeito muito grande em estatísticas tão assustadoras - diz Freixo. Pistolas e revólveres são as armas de fogo mais comuns Do total das armas apreendidas que foram rastreadas, 94% eram revólveres e pistolas, que são as que mais ameaçam os cidadãos, apesar da grande visibilidade que o noticiário dá ao armamento de grosso calibre usado em confrontos de traficantes com a polícia. As armas pequenas são fáceis de esconder e mais baratas. As pistolas representavam 42% das apreensões e os revólveres, 52%. Porém, uma pesquisa do mesmo Viva Rio com armas apreendidas entre 2003 e 2005 mostrou que 50 fuzis da Polícia Militar, de fabricação nacional, também acabaram em poder do crime organizado. |
segunda-feira, 21 de março de 2011
Polícia desvia armas para a ilegalidade...
O Globo 21 março 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário