Síndrome de Antonieta, por Chico Alencar
Chico Alencar, O GloboSondagem nacional do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP, realizada em março, constatou que 76% dos ouvidos não confiam no Congresso, 73% não acreditam no empresariado e 70% não creem no respeito às leis no Brasil. Junte-se a esses dados a pesquisa Datafolha de maio, em que seis em cada dez brasileiros prefeririam não votar nas próximas eleições, e podemos afirmar: a credibilidade das instituições despenca.
O desencanto aparece também na avaliação da eficácia das políticas públicas de educação, saúde, habitação, segurança e mobilidade urbana, questionadas por dois terços dos entrevistados em diversas enquetes. Apesar do crescimento do emprego formal nos últimos anos, a carestia e a defasagem salarial têm estimulado crescentes movimentos reivindicatórios: segundo o Dieese, as greves por melhores condições de trabalho foram 873 em 2012, o mais elevado quantitativo desde 1996, com tendência de maior número em 2014 — muito em função da precarização do trabalho em megaobras do PAC.
E, frequentemente, à revelia das direções sindicais burocratizadas. Ojeriza com a “política” e mal-estar social, em especial nos grandes centros urbanos de cotidiano cada vez mais violento, marca nosso tempo. As massivas manifestações juvenis de um ano atrás, sem lideranças e pautas definidas, tinham esse pano de fundo, no ambiente mundial definido por Manuel Castels como busca de “conectar mentes, criar significados e contestar o poder”.
Qual a reação da maioria dos que têm responsabilidade pública? A de impressionante alheamento. Os escândalos se sucedem, com a revelação de relações espúrias entre doleiros, empresas de fachada, altos funcionários, parlamentares e financiamento milionário de campanhas. Nada menos que 121 congressistas, de 16 partidos políticos, receberam “doações” de R$ 29,7 milhões vindas de 18 grupos empresariais investigados pela Operação Lava-Jato, na esteira do tráfico de influência comandado por Paulo Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. Sendo “legais”, assunto encerrado.
Os gastos abusivos nas obras da Copa, com pífio legado para a população, não parecem incomodar. A certeza da manipulação do voto popular pela propaganda enganosa e nos dutos do clientelismo paternalista não se abala.
Na Revolução Francesa, quando os sofrimentos e a descrença da população eram agudos, atribuiu-se a Maria Antonieta, mulher do rei Luís XVI, a sugestão de que o povo, “sem pão, comesse brioches”. Verdadeira ou não, a gafe aristocrática virou marca da alienação das elites, em todas as épocas históricas.
Essa postura, também comparada erroneamente com a de um avestruz assustado — que corre ou dá patadas quando em perigo, isso sim —, foi punida, naqueles tempos épicos de plebe rebelada, com guilhotina. Resta saber se as urnas de outubro “guilhotinarão” esse descaso.
Chico Alencar é deputado federal (PSOL-RJ).
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