sábado, 31 de maio de 2014

"Chamar o Exército"



Folha de  S.Paulo, 31 de maio de 2014.
Demétrio Magnoli
A 'imagem do Brasil'

Os cidadãos hoje são reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas provocar o colapso da vida urbana
Fernando Haddad proferira a palavra "guerrilha", referindo-se à greve dos motoristas de ônibus. Na terça, Dilma Rousseff pronunciou a palavra "baderna", referindo-se às manifestações de rua. Minutos depois, liderados por um movimento de sem-teto e por índios armados com arcos e flechas, 2.500 pessoas interromperam o trânsito em Brasília. "É a imagem do Brasil que estará em jogo", explicou a presidente, avisando que "vai chamar o Exército, imediatamente", para reprimir a "baderna" durante a Copa do Mundo. A "imagem" toca num nervo sensível do governo. Em nome dela, por um mês e às custas da ordem democrática, Dilma promete assegurar o direito de ir e vir das pessoas comuns.
A "baderna" é, há tempo, a "imagem do Brasil" --com a diferença, apenas, de que o mundo não estava vendo. Sob o influxo do PT, movimentos minoritários aprenderam que, reunindo algumas centenas de manifestantes, têm a prerrogativa de parar cidades inteiras. A tática, esporádica durante anos, tornou-se rotineira depois das multitudinárias "jornadas de junho". Nas metrópoles, os cidadãos converteram-se em reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas unicamente provocar o colapso da vida urbana. O problema de Dilma é que chegou a hora da Copa: agora, a "baderna" ameaça a sacrossanta "imagem do Brasil", não os desprezíveis direitos das pessoas.
O conflito entre direitos é um traço marcante das democracias. A liberdade de expressão é regulada por leis que protegem a privacidade e a imagem dos indivíduos. O direito de greve é regulado por disposições que asseguram o funcionamento de serviços essenciais. O direito de manifestação pública é limitado por regras que impedem a anulação do direito de circulação das pessoas. No Brasil do lulopetismo, contudo, aboliu-se tacitamente o direito de ir e vir. Acuadas pelo PT, as autoridades renunciaram ao dever de garanti-lo, curvando- se à vontade soberana de dirigentes sindicais e lideranças de movimentos sociais.
Nas democracias, o equilíbrio entre os direitos de manifestação e de circulação no espaço público deriva de uma série de regras. Manifestações são autorizadas mediante aviso prévio às autoridades e acertos sobre lugares de concentração e trajetos de passeatas. No Brasil, nada disso existe pois não interessa ao Partido: a vigência de regras gerais, de aplicação indistinta, restringiria as oportunidades de orquestração de ações de "baderna" moduladas em cenários de disputa eleitoral. O problema de Dilma é que, na hora da Copa, emergiram movimentos que nem sempre se subordinam às conveniências do Partido. A presidente resolveu, então, militarizar provisoriamente o país. No poder, o lulopetismo oscila entre a política da "baderna" e o recurso ao autoritarismo.
"Não vai acontecer na Copa do Mundo o que aconteceu na Copa das Confederações", garantiu Dilma a uma plateia de aflitos empresários. Não mesmo. Os protestos multitudinários provavelmente não se repetirão porque os "black blocs" cumpriram a missão de afastar das ruas as pessoas comuns. Os envelopes urbanos das "arenas da Fifa", perímetros consagrados aos negócios, serão circundados por cordões policiais de magnitude inédita. Já a "baderna" arquitetada para provocar colapsos de circulação em dias de jogos terá que desafiar a hipótese de resposta militar. Na Copa, excepcionalmente, o direito de ir e vir estará assegurado.
Dilma promete "chamar o Exército". A força militar aparece, hoje, como a única mola capaz de conciliar o "padrão Fifa" com o "padrão Brasil" de ordem pública. Um estado de sítio não declarado instaurará um efêmero parêntesis no tormento cristalizado pela política da "baderna" nas principais cidades do país. Nos 30 dias da competição, a "imagem do Brasil" brilhará sobre um pano de fundo verde-oliva. Depois, tudo volta ao "normal".

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Crime organizado em São Paulo

Folha de S. Paulo, 31 de maio de 2014.

Reinaldo Azevedo
O Partido do Crime

Em 2005, Luiz Moura assinou uma declaração de pobreza em juízo; em 2010, declarou patrimônio de R$ 5 milhões 

Não se trata de um evento trivial. Luiz Moura (PT-SP), deputado estadual, foi surpreendido numa reunião na sede da Transcooper, uma cooperativa de vans e micro-ônibus, de que ele é presidente de honra, em companhia de 13 pessoas que, segundo a polícia, são ligadas ao PCC. Um assaltante de banco foragido participava do convescote. Segundo a polícia, o encontro tinha o objetivo de planejar novos incêndios contra ônibus na capital. Os veículos atacados pertencem invariavelmente a empresas privadas, nunca às tais cooperativas.
Moura integra o grupo político de Jilmar Tatto, deputado federal licenciado (PT-SP) e secretário de Transportes da gestão Fernando Haddad. O próprio Tatto é muito influente nisso que já foi chamado "transporte clandestino", tornou-se "alternativo" e acabou sendo oficializado. Hoje, as cooperativas celebram contratos bilionários com a prefeitura.
Não há um só jornalista ou um só político de São Paulo que ignorem o fato de que o PCC se imiscuiu na área de transportes por meio de cooperativas. Em 2006, foi preso um sujeito chamado Luiz Carlos Efigênio Pacheco, então presidente da Cooper-Pam. Conhecido como "Pandora", o homem foi acusado de financiar uma tentativa de resgate de presos de uma cadeia de Santo André. Ele negou ligação com o crime organizado, mas disse que, por ordem de Tatto, então secretário de Transportes da gestão Marta Suplicy, levou para a sua cooperativa integrantes do PCC. O chefão petista repeliu as acusações. Só não pode repelir a sua óbvia proximidade com as ditas cooperativas e o incentivo que deu, ao longo de sua carreira, a essa, vá lá, "modalidade de transporte".
Há muito tempo a PF já deveria ter se interessado por esse assunto --e não só em São Paulo. Seja o deputado Luiz Moura culpado ou não --já volto a seu caso--, o transporte público tem sido uma das portas de entrada do crime organizado no Estado brasileiro. O setor está se transformando numa lavanderia do dinheiro sujo, com tentáculos no Executivo e no Legislativo. Para saltar para o Judiciário, se é que já não ocorreu, é questão de tempo.
Agora volto a Moura. Na quarta-feira, o deputado discursou na Assembleia Legislativa. Ele se disse inocente e afirmou que está sendo perseguido pela imprensa. Entenda-se por "imprensa", leitor amigo, aquela gente que decide noticiar o que é notícia, o que costuma incomodar os companheiros, daí que eles tenham convencido a presidente Dilma a abraçar a tese da "regulação da mídia". Li, na quinta, nesta Folha, a seguinte declaração de Moura: "Hoje, a imprensa, indiscriminadamente, noticia que fui um ladrão, que fui um assaltante, sempre relembrando o passado. E a Constituição é muito clara: diz que todo o cidadão tem o direito de se recuperar".
Bem, em primeiro lugar, ele realmente foi "ladrão e assaltante". E não cumpriu os 12 anos de pena a que foi condenado porque fugiu. No dia 5 de janeiro de 2005, ao obter o perdão judicial --e isso também foi noticiado--, assinou uma declaração de pobreza em juízo, afirmando "ser pobre na acepção legal do termo, não tendo, portanto, condições de prover as custas e demais despesas processuais e o ressarcimento da vítima, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família". Tadinho!
Quatro anos depois, ele já era dono de um posto de gasolina onde funcionava um caça-níqueis. Ao concorrer a deputado federal, em 2010, declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de R$ 5.125.587,92 (mais de R$ 1 milhão por ano, desde aquela sua pobreza fabulosa). Pergunta: agora que é milionário, fez alguma coisa para "ressarcir a vítima"?
No PT, Moura já não é um qualquer. Na sua festança de aniversário, a figura de destaque foi Alexandre Padilha, ex-ministro e pré-candidato do PT ao governo de São Paulo. Discursou com entusiasmo. Se Padilha vencer, Moura poderá ajudá-lo a cuidar da área de transportes, como ajudou Marta Suplicy e Fernando Haddad. Está em sua honrada biografia.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

No controle



O Globo, 29 de maio de 2014.
Exército assume controle

Após falha ocorrida no rio, militares farão a segurança de aeroportos, hotéis e deslocamentos
Jailton de Carvalho

-BRASÍLIA E VITÓRIA - Um dia após a presidente Dilma Rousseff reclamar das falhas na proteção do ônibus usado para transportar jogadores da seleção brasileira, o governo federal decidiu que as tropas do Exército assumirão a responsabilidade pela segurança dos aeroportos, dos hotéis e das ruas por onde deverão circular delegações com as equipes estrangeiras, representantes de governos estrangeiros e dos dois principais dirigentes da Fifa. O apoio extra dos militares no período da Copa do Mundo foi acertado na reunião de anteontem, no Rio, entre o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o coordenador de ações de defesa da Copa, general José Carlos De Nari, e o secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame. O secretário extraordinário de Grandes Eventos, Andrei Passos Rodrigues, também participou do encontro.
A intervenção do Exército foi acertada a partir de uma sugestão da presidente. Pelo que ficou acertado, as tropas militares deverão marcar forte presença nas 12 cidades-sede e nos 15 estados que abrigam centros de treinamentos das seleções estrangeiras. A ideia é evitar brechas que exponham a risco ou a constrangimentos atletas e e representantes das delegações.
- Essa é a contribuição da presidenta aos estados - disse ao GLOBO uma das autoridades que participou das negociações.
A cúpula da segurança na Copa reafirmou também a importância da interação entre as autoridades federais e estaduais em cada um dos estados por onde passarão as delegações estrangeiras. Pelo acerto, generais, secretários de Segurança e superintendentes da Polícia Federal de cada estado deverão estar em permanente contato para facilitar deliberações, especialmente sobre o uso em larga escala de tropas militares. Essas autoridades civis e militares formarão grupos para resolver questões em tempo real e problemas complexos que necessitem do apoio das diversas estruturas de poder.
O governo federal decidiu mudar o desenho da segurança da Copa e atribuir papel mais abrangente aos militares um dia após o cerco do ônibus da seleção brasileira, no Rio, por professores que estão em campanha por reajuste salarial. A presidente não gostou de ver as imagens em que manifestantes se aproximaram com facilidade do ônibus e determinou a Cardozo e a De Nardi que viessem ao Rio para corrigir eventuais falhas.
O aumento das tropas já vinha sendo pensado como uma alternativa desde o ano passado, quando surgiram as primeiras ameaças de greve de agentes, escrivães e papiloscopistas da Polícia Federal.
O Departamento de Comunicação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) informou que, desde a primeira reunião sobre a segurança da Copa do Mundo, foi definido que os batedores usados nos deslocamentos da seleção seriam da Polícia Federal. No entanto, a entidade disse não fazer distinção sobre o uniforme a ser usado e informou que a mudança não afetará a rotina da seleção brasileira.
Segundo a assessoria da CBF, dentro da Granja Comary, em Teresópolis, o controle é feito por 30 seguranças particulares contratados pela entidade. A entidade lembrou ainda que na apresentação da seleção brasileira, na última segunda-feira, a equipe se deslocou do Rio de Janeiro para Teresópolis, num percurso de cerca de 90 quilômetros, escoltada por batedores e um helicóptero da Polícia Federal.

NO ESPÍRITO SANTO, ESQUEMA JÁ EM AÇÃO
No Espírito Santo, o Exército vai atuar na defesa da seleção da Austrália, que chegou ontem à noite e ficará hospedada no estado durante a Copa. Ontem, 120 militares foram distribuídos em pontos estratégicos de Vitória por onde a delegação passou, segundo o secretário estadual de segurança pública André Garcia. O Exército também enviou nove homens exclusivamente para acompanhar o comboio das delegações que ficarão em território capixaba. A equipe conta com um veículo e oito motos.
Outros 24 militares do Exército já fizeram revistas antiterroristas no Aeroporto de Vitória, hotéis, centros de treinamentos e outros locais da Região Metropolitana que serão frequentados pelas delegações de Austrália e Camarões. A delegação da Austrália ficará hospedada no Hotel Ilha do Boi e treinará no Estádio Engenheiro Araripe, em Cariacica. A delegação de Camarões ficará hospedada no Hotel Sheraton, na Praia do Canto, em Vitória, e treinará no Estádio Kleber Andrade, também em Cariacica. Os camaroneses chegarão no próximo dia 7.

Em São Paulo, PM cria grupo especial para o evento
Além dos 27 mil policiais militares lotados em toda a capital paulista e Região Metropolitana, o policiamento para a Copa do Mundo em São Paulo terá o reforço de 4,5 mil PMs das escolas de aperfeiçoamento da corporação. Denominado Comando de Policiamento da Copa (CPCopa), o grupo, que terá entre as principais atribuições trabalhar na segurança no entorno do Estádio do Itaquerão e na proteção de hotéis onde ficarão as delegações, chefes de Estado e a cúpula da Fifa, iniciou as atividades dia 23, reconhecendo a área.
A princípio, disse o comandante do CPCopa, coronel Wagner Tardelli, as tropas não lidarão diretamente com manifestantes - as forças táticas de outros batalhões devem se encarregar do acompanhamento e da segurança inicial dos protestos.
Apesar de garantir que todas as delegações terão tratamento igual, Tardelli admitiu que algumas terão a segurança reforçada devido à "alta demanda" e a "fatores geopolíticos", caso da seleção dos Estados Unidos.
- Daremos tratamento igualitário a todas as seleções. Entretanto, algumas têm uma demanda maior, até da própria imprensa -disse.
Os americanos se hospedarão no hotel Tivoli Mofarrej, na região da Avenida Paulista, e treinarão no CT do São Paulo.



terça-feira, 27 de maio de 2014

Recorde de assassinatos no Brasil

O Globo, 27 de maio de 2014.

Mapa da violência 2014: taxa de homicídios é a maior desde 1980

  • Número de assassinatos cresceu 7,9% no país entre 2011 e 2012
Demetrio Weber e Odilon Rios
Publicado:
BRASÍLIA E ALAGOAS - O Brasil registrou em 2012 o maior número absoluto de assassinatos e a taxa mais alta de homicídios desde 1980. Nada menos do que 56.337 pessoas foram mortas naquele ano, num acréscimo de 7,9% frente a 2011. A taxa de homicídios, que leva em conta o crescimento da população, também aumentou 7%, totalizando 29 vítimas fatais para cada 100 mil habitantes. É o que revela a mais nova versão do Mapa da Violência, que será lançada nas próximas semanas com dados que vão até 2012.
O levantamento é baseado no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que tem como fonte os atestados de óbito emitidos em todo o país. O autor do mapa, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, diz que o sistema do Ministério da Saúde foi criado em 1979 e que produz dados confiáveis desde 1980. As estatísticas referentes a homicídios em 2012, portanto, são recordes dentro da série histórica do SIM.
— Nossas taxas são 50 a 100 vezes maiores do que a de países como o Japão. Isso marca o quanto ainda temos que percorrer para chegar a uma taxa minimamente civilizada — destaca o sociólogo.
Para Waiselfisz, o Brasil vive um “equilíbrio instável”, em que alguns estados obtêm avanços, mas outros tropeçam. Os dados mais recentes mostram que apenas cinco unidades da federação conseguiram reduzir suas taxas de homicídios de 2011 para 2012. Dois deles — Rio de Janeiro e Espírito Santo — se mantiveram praticamente estáveis, com quedas de 0,3% e 0,4%, respectivamente. Os outros três foram Alagoas, com retração de 10,4%; Paraíba, com 6,2%, e Pernambuco, com 5,1%. Ainda assim eles continuam entre os dez estados com maiores taxas de homicídio do país.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/mapa-da-violencia-2014-taxa-de-homicidios-a-maior-desde-1980-12613765#ixzz32wNVSTBq

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Baixa qualidade

Folha de S. Paulo, 22 de maio de 2014.

O Brasil existe?


Na semana passada, os PMs e os bombeiros de Pernambuco entraram em greve, pedindo aumento salarial e benefícios. Será que é certo que a polícia cruze os braços para promover suas reivindicações, por justas que sejam? Não sei, mas o que me interessa hoje é outra questão.
A greve durou apenas três dias e não envolveu a Polícia Civil, que continuou operando de modo normal. Mesmo assim, o "caos" reinou imediatamente. Houve um aumento brutal de assassinatos, roubos, saques e arrastões.
No Recife, as ruas ficaram vazias e as lojas fechadas, enquanto escolas da rede estadual e universidades desistiram dos turnos da noite. No terceiro dia, a Polícia Militar voltou ao trabalho, talvez mais impressionada pela onda de violência do que pela multa imposta às associações da categoria.
Estou convencido de que não há ordem possível sem polícia e sem patrulhamento. Mas sempre pensei assim: se a polícia sumisse das ruas, o caos se instalaria aos poucos.
Imaginava uma progressão lenta: 1) os muros se cobririam de tags, o som de quem acha graça seria cada vez mais alto, aumentaria o número dos que cospem e urinam na calçada, os edifícios vazios se tornariam refúgio para o tráfico de crack, na paisagem urbana se multiplicariam as janelas quebradas e os carros depenados; 2) dessa forma, vingaria em todos nós a sensação de que não há nenhum cuidado com o espaço público: ele se transformou numa terra de ninguém, na qual se trata de medir se os outros nos quais esbarramos são ou não mais fortes do que a gente; 3) no fim, a sociedade se dissolveria, deixando a cada um a tarefa de descobrir se ele consegue matar antes de ser morto.
O tempo necessário para chegar do 1 ao 3 representaria a força e a qualidade de uma sociedade. Não sou especialmente otimista quanto à solidez das sociedades humanas (três semanas para ir de 1 a 3 já me parece de bom tamanho), mas uma sociedade que se dissolvesse em tempo zero, assim que a polícia saísse das ruas, seria uma sociedade de qualidade zero.
Em tese, as regras de convivência não existem só pelo policiamento: a patrulha da PM não é a única razão pela qual não roubo, não assalto, não estupro e não mato. Esses interditos estão também dentro de mim e dentro dos outros cidadãos.
Como é possível que, a polícia abandonando a rua, esses interditos sejam imediatamente silenciados? Será que, no país no qual vivemos, as regras do convívio social são válidas unicamente enquanto dura a presença ostensiva da repressão?
Se assim fosse, o país poderia distribuir passaportes, recolher impostos e até garantir direitos básicos etc., mas, de qualquer forma, sua classe dirigente e sua burocracia administrativa só justificariam sua autoridade por uma violência, implícita ou explícita, ou seja, como se fossem um exército estrangeiro de ocupação. Esse país seria uma zona de conflito onde se enfrentam corporações, grupos e indivíduos, todos sem interesse algum pelo bem comum.
Um país em que a validade das regras de convivência fosse apenas efeito de policiamento ostensivo só existiria como expressão geográfica, porque ele não seria um país no espírito de seus supostos cidadãos. Se esse for o caso do Brasil, seria bom nos resignarmos a tomar as providências que cabem: por exemplo, se a legalidade não é nada sem a força, talvez seja certo aplaudir os que prendem bandidos aos postes e criar grupos de vigilantes.
Enfim, no dia 14 passado, na Folha, o ministro Rebelo encorajou os brasileiros a deixar de protestar contra a Copa, mostrar patriotismo e torcer pela seleção e pelo Brasil. Tudo bem, a seleção, a gente conhece, e podemos torcer por ela —mas o Brasil, será que ele existe?
Se uma sociedade se dissolve em menos de 24 horas porque sua polícia entra em greve, é que essa sociedade mal existia.
O problema da Copa não são as obras atrasadas, nem o que foi eventualmente roubado na sua construção. O fracasso da preparação da Copa não são os estádios, os hotéis e os metrôs inacabados: o fracasso é a sensação de que falta um país pelo qual torcer. É disso que se queixam as massas quando dizem que não querem a Copa.
Nota positiva. Houve famílias em Pernambuco que, na quinta-feira, procuraram devolver o que os filhos tinham roubado nos saques da véspera. Alguns choravam de humilhação. Não deveriam; eles são a razão que nos sobra para ter esperança: eles são nossa seleção.

Brioches

O Globo, 22 de maio de 2014.

Síndrome de Antonieta, por Chico Alencar

Chico Alencar, O Globo

Sondagem nacional do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP, realizada em março, constatou que 76% dos ouvidos não confiam no Congresso, 73% não acreditam no empresariado e 70% não creem no respeito às leis no Brasil. Junte-se a esses dados a pesquisa Datafolha de maio, em que seis em cada dez brasileiros prefeririam não votar nas próximas eleições, e podemos afirmar: a credibilidade das instituições despenca.
O desencanto aparece também na avaliação da eficácia das políticas públicas de educação, saúde, habitação, segurança e mobilidade urbana, questionadas por dois terços dos entrevistados em diversas enquetes. Apesar do crescimento do emprego formal nos últimos anos, a carestia e a defasagem salarial têm estimulado crescentes movimentos reivindicatórios: segundo o Dieese, as greves por melhores condições de trabalho foram 873 em 2012, o mais elevado quantitativo desde 1996, com tendência de maior número em 2014 — muito em função da precarização do trabalho em megaobras do PAC.
E, frequentemente, à revelia das direções sindicais burocratizadas. Ojeriza com a “política” e mal-estar social, em especial nos grandes centros urbanos de cotidiano cada vez mais violento, marca nosso tempo. As massivas manifestações juvenis de um ano atrás, sem lideranças e pautas definidas, tinham esse pano de fundo, no ambiente mundial definido por Manuel Castels como busca de “conectar mentes, criar significados e contestar o poder”.
Qual a reação da maioria dos que têm responsabilidade pública? A de impressionante alheamento. Os escândalos se sucedem, com a revelação de relações espúrias entre doleiros, empresas de fachada, altos funcionários, parlamentares e financiamento milionário de campanhas. Nada menos que 121 congressistas, de 16 partidos políticos, receberam “doações” de R$ 29,7 milhões vindas de 18 grupos empresariais investigados pela Operação Lava-Jato, na esteira do tráfico de influência comandado por Paulo Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. Sendo “legais”, assunto encerrado.
Os gastos abusivos nas obras da Copa, com pífio legado para a população, não parecem incomodar. A certeza da manipulação do voto popular pela propaganda enganosa e nos dutos do clientelismo paternalista não se abala.
Na Revolução Francesa, quando os sofrimentos e a descrença da população eram agudos, atribuiu-se a Maria Antonieta, mulher do rei Luís XVI, a sugestão de que o povo, “sem pão, comesse brioches”. Verdadeira ou não, a gafe aristocrática virou marca da alienação das elites, em todas as épocas históricas.
Essa postura, também comparada erroneamente com a de um avestruz assustado — que corre ou dá patadas quando em perigo, isso sim —, foi punida, naqueles tempos épicos de plebe rebelada, com guilhotina. Resta saber se as urnas de outubro “guilhotinarão” esse descaso.

Chico Alencar é deputado federal (PSOL-RJ).

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Greve da PMPE

Jornal do Commercio 15 de maio de 2014.



grande recife
Após saques e clima de guerra, Abreu e Lima decreta ponto facultativo
Prefeitura tomou decisão para preservar trabalhadores. Vândalos aproveitaram a greve da PM para levar clima de pânico à cidade. Quatro pessoas foram presas.
Publicado em 15/05/2014, às 06h59


Do JC Online
Com informações do repórter Jorge Cavalcanti

Após o clima de guerra e a grande quantidade de saques em lojas de Abreu e Lima, no Grande Recife, a prefeitura da cidade, temendo novos roubos no município, decretou ponto facultativo para todos os trabalhadores. Moradores da cidade estão com medo de roubos também a residências. Na noite de quarta-feira (14), Abreu e Lima viu cenas de vandalismo, com várias lojas sendo arrombadas e saqueadas. Com a Polícia Militar em greve, ficou mais fácil para os vândalos tocarem o terror.
Novos saques foram feitos na manhã desta quinta (15). Sem se intimidar, vândalos invadiram dois supermercados de Caetés III e roubaram vários produtos. Os saques são feitos por homens, mulheres, crianças e idosos. A situação está de um jeito que a população que realiza os saques, ao ver a reportagem do JC, passou a jogar produtos como frutas e verduras na equipe.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) foi acionada, mas com o efetivo pequeno, não teve como conter os roubos. Mesmo assim, quatro pessoas - sendo dois homens e duas mulheres - foram presas e autuadas em flagrante por furto qualificado e tipificação penal de saque, sendo levados para o Centro de Triagem (Cotel), em Abreu e Lima, Colônia Penal Feminina, também de Abreu e Lima.
Otras sete pessoas foram levadas para a Delegacia de plantão de Paulista e vão responder a um termo circunstanciado de ocorrência (TCO) por perturbação do sossego.
O saldo em Abreu e Lima é de cidade arrasada. Todas as lojas do centro comercial estão fechadas. A grande maioria contabiliza os prejuízos causados pelos saques. "Perdemos tudo. Não tínhamos segurança e eles entraram arrombando a porta, para levar tudo. Não tivemos o que fazer", lamenta o gerente de uma loja de calçados.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Matriz autoritária

Blog de Noblat --12 de maio de 2014

Democracia de Lula

Carlos Alberto Di Franco
Documento elaborado pelo presidente do PT, Rui Falcão, sobre a campanha eleitoral deste ano classifica a imprensa como “mídia monopolizada, que funciona como verdadeiro partido de oposição”.
Segundo o texto, “a disputa eleitoral” vem sendo marcada “por um pesado ataque ao nosso projeto, ao governo e ao PT da parte dos conservadores, de setores da elite e da mídia monopolizada”. O ex-presidente Lula, único maestro da orquestra ideológica petista, já tinha dado o tom ao afirmar que a imprensa é o maior “partido de oposição” do país. É a música de sempre: eles e nós.
Choca, e muito, o autoritarismo e o cinismo que transparecem nas declarações que acabo de citar. O próprio Lula é o resultado direto de uma sociedade livre e democrática. Sua saga pessoal, extraordinária, passou por uma imprensa que abriu amplos espaços para um jovem sindicalista que, então, transmitia uma mensagem renovadora.
Luiz Inácio Lula da Silva, sobretudo no seu primeiro mandato, teve méritos indiscutíveis. Basta pensar nas políticas sociais adotadas por seu governo. O Bolsa Família, pilotado com competência e seriedade pelo ex-ministro Patrus Ananias, foi uma importante ferramenta de inclusão.
A última fase do governo Lula, marcada por constantes e crescentes episódios de corrupção, fez com que a imprensa apenas cumprisse o seu dever: informar, apurar, denunciar.
Irrita-se Lula porque a imprensa não se cala diante do seu exibicionismo de contradições e desfaçatez. Em recente entrevista à TV portuguesa, chegou ao ponto de interromper a entrevistadora que queria saber o grau de suas relações com José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. “Não se trata de gente de minha confiança.” Fantástico!
As denúncias da imprensa sobre os desmandos na Petrobras, consistentes e sólidas como uma rocha, não provocam no ex-presidente a autocrítica que se espera de um estadista. Ao contrário. Sua ordem é “ir para cima” de quem represente um risco para o projeto de perpetuação do PT no poder.
Incomoda-se Lula porque os jornais desnudam suas aparentes contradições que, no fundo, são o resultado lógico da práxis marxista: o fim justifica os meios. O compromisso com a verdade é absolutamente desimportante. O que importa é o poder.
Em agosto de 2006, quando o escândalo do mensalão estourou, Lula falava: “Quero dizer, com franqueza, que me sinto traído. Não tenho vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas.”
Agora, na alucinante entrevista à TV portuguesa, Lula afirma rigorosamente o contrário: “O mensalão teve praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica.” É um ex-presidente da República, responsável pela nomeação de oito dos 11 integrantes do Supremo Tribunal Federal, acusando a Corte de cumplicidade na “maior armação já feita contra o governo”.
Assiste-se, de fato, a um processo articulado de matriz autoritária. E o ex-presidente da República é um dos líderes, talvez o mais expressivo, dessa progressiva estratégia de estrangulamento das liberdades públicas.

Carlos Alberto Di Franco diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais – IICS e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia. E-mail: difranco@iics.org.br

Fundo profundo



Fundo Partidário pagou escritórios que defendem condenados do PT e do PR
Diretórios nacionais das legendas contrataram em 2012 e em 2013 bancas que representam, na esfera privada, sentenciados no julgamento do mensalão e réus por corrupção
12 de maio de 2014 | 6h 00
O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Os diretórios nacionais do PT e do PR contrataram com recursos públicos, provenientes do Fundo Partidário, os mesmos advogados que representam, na esfera privada, condenados no julgamento do mensalão e réus acusados de corrupção após as investigações das operações Porto Seguro e Sanguessuga, da Polícia Federal.

Documentos das prestações de contas dos dois partidos em 2012 e 2013, apresentados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostram repasses de até R$ 40 mil mensais para os escritórios, que atuam para clientes como ex-presidente do PT José Genoino e a ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha.
A Lei dos Partidos Políticos, que disciplina a aplicação dos recursos, não prevê a cobertura de gastos de natureza privada.
Os três escritórios remunerados pelo PT com recursos de origem pública no período analisado afirmam que receberam pagamentos por serviços prestados exclusivamente ao partido. Sobre os serviços privados, dois disseram trabalhar de graça e um "a preços módicos" para os envolvidos nos processos.
No processo do PR, referente ao exercício de 2013, o Estado localizou três notas fiscais de R$ 42 mil cada, do escritório do criminalista Marcelo Luiz Ávila de Bessa - que defendeu o ex-presidente nacional da sigla Valdemar Costa Neto e o ex-deputado Carlos Alberto Rodrigues, o Bispo Rodrigues, no julgamento do mensalão.

Consultado, o partido admitiu que o dinheiro do Fundo Partidário foi usado para bancar as defesas de Valdemar e Bispo Rodrigues. Os dois estão presos em Brasília após serem condenados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O julgamento do mensalão teve início em 2 de agosto de 2012 e foi encerrado em dezembro do mesmo ano no Supremo Tribunal Federal. Por causa dos recursos (embargos) apresentados pelas defesas, as sentenças finais só foram declaradas em março deste ano.
O PR afirma que contratou a banca para cuidar dos processos criminais de seus parlamentares e dos integrantes da Executiva Nacional. O pacote também inclui as defesas de filiados acusados de envolvimento com a Máfia dos Sanguessugas - esquema descoberto em 2006, que desviava recursos federais para a compra de ambulâncias.
Repasses para pagar honorários foram feitos por meio de cheques da presidência do partido, descontados da conta usada para movimentar a verba do Fundo Partidário.
Para o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, há no caso uma "impropriedade manifesta", pois recursos de origem pública não podem bancar despesas com honorários de processos criminais, de cunho "pessoal" (mais informações nesta página).
‘Cortesia’. O PT pagou em 2012 e 2013 ao menos R$ 485 mil ao escritório Fregni - Lopes da Cruz por honorários de ações cíveis, conforme 15 notas fiscais apresentadas ao TSE. Em Brasília, a equipe de advogados defende o ex-presidente do partido José Genoino em processos no quais ele é acusado de improbidade administrativa. As ações movidas pelo Ministério Público são um desdobramento na esfera cível do caso do mensalão.
Na esfera criminal, Genoino foi condenado por corrupção ativa no julgamento no Supremo. Ali, foi representado por outra banca. No dia 30 passado, ele foi levado para a prisão, em Brasília, por ordem do presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa.
A advogada Gabriela Fregni nega que repasses do partido cubram a defesa de Genoino. Ela afirma que o escritório tem uma relação antiga com o petista, que anos atrás pagou "honorários módicos" por trabalhos da equipe. Hoje, explica, não há contrato regulamentando outros pagamentos, tampouco débitos pendentes. "Quando essas ações (de improbidade) iniciaram, a gente passou a cuidar disso por uma cortesia que a gente tinha com ele", afirmou.
Em 2013, o diretório nacional petista pagou ainda R$ 75 mil ao escritório de Márcio Luiz Silva, advogado de Brasília que atuou nas defesas dos ex-deputados Professor Luizinho e Paulo Rocha, absolvidos pelo STF das acusações de lavagem de dinheiro no julgamento do mensalão.
O advogado disse que trabalhou para os dois políticos de graça. "Fiz isso em caráter de amizade, não teve cobrança", sustenta. Embora mantenha procuração nos autos do processo, Silva afirma que, na prática, atuou apenas até as alegações iniciais do julgamento, passando o bastão para criminalistas depois.
Em junho de 2013, ele firmou com o PT contrato de R$ 180 mil, valor a ser pago em 12 parcelas de R$ 15 mil. O documento prevê serviços de assessoria e consultoria nas áreas de "direito eleitoral, constitucional e político-institucional". "Faço representação institucional do partido no TSE", afirmou.
Luiz Bueno de Aguiar, advogado próximo de petistas influentes, atuou para a ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo Rosemary Noronha logo após a Polícia Federal deflagrar, no fim de 2012, a Operação Porto Seguro. Aguiar recebeu ao menos R$ 809 mil da legenda nos últimos dois anos de recursos originários do Fundo Partidário. Ele afirma que tem contrato antigo para cuidar de causas cíveis do PT.
O inquérito da Porto Seguro apontou participação da ex-funcionária num esquema de venda de "facilidades" na administração pública. Rose foi denunciada pelo Ministério Público Federal e responde a ação penal por formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção passiva. Conforme o TSE, ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo é filiada ao PT desde 1989.
Questionado, Aguiar disse que atuou para Rose num primeiro momento, acompanhando-a em audiências na PF, também a custo zero. "Há emergências que você atende, a clientes antigos, que não cobra."