Longe da verdade
Ricardo Noblat Brasília
"Foi bom, né?" (Comentário de Dilma Rousseff a propósito de seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU)
E a Comissão da Verdade, hein? Imagine a cena: trancados no banheiro do gabinete do presidente da Câmara, o anfitrião Marco Maia (PT-RS), o ministro da Justiça e a ministra dos Direitos Humanos batiam boca por telefone com Dilma Rousseff, instalada em um quarto de hotel em Nova York. Batiam boca? Como é? Perdão! Eliminem o "batiam boca".
Discutiam — assim é melhor. Mas não é melhor o bastante. Ninguém bate boca ou discute com a presidente. Alguns choram diante dela. Digamos então: ponderavam. Os que se espremiam dentro do banheiro para ter uma conversa com Dilma à prova de vazamento ponderavam. Em troca, eram admoestados.
Emenda do DEM ao projeto que cria a Comissão da Verdade estabelece: todos os seus integrantes têm de ser "imparciais". Há mecanismo capaz de aferir a imparcialidade de quem quer que seja? Irrelevante. Dilma implicou com a emenda e pronto. Aceitou-a mais tarde para driblar o risco de o projeto ser votado somente em 2012.
O governo corre atrás do prejuízo. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenou o Brasil por não ter investigado os crimes praticados durante a ditadura militar que se estendeu entre 1964 e 1985. Lula não teve peito. Farda mete-lhe medo. Deixou a tarefa para Dilma, ex-presa política, torturada.
A Câmara dos Deputados aprovou a criação da Comissão da Verdade. Que para funcionar depende ainda da aprovação do Senado. No país dos absurdos, onde a independência foi proclamada por um estrangeiro e a República por um militar monarquista, teremos uma Comissão da Verdade destinada a tangenciar a verdade.
É o que teremos, de fato. A comissão será formada por sete pessoas escolhidas solitariamente pela presidente. Elas receberão salário mensal de quase R$ 12 mil para se dedicar ao trabalho com exclusividade. Não serão estáveis. A qualquer momento e por qualquer motivo, e sem dever explicações, Dilma poderá substituir quem quiser.
Na redação anterior do projeto de lei que criava a comissão, existia referência à "repressão política", um dos alvos a ser investigado. A referência foi suprimida a pedido dos negociadores do Ministério da Defesa. Falava-se também em "apuração" de violações aos direitos humanos. Fala-se, agora, em "exame".
A comissão teria o curto prazo de validade de dois anos para esquadrinhar um período de 21 (1964-1985). O prazo foi mantido. Ampliou-se para 42 anos o período a ser esquadrinhado (1946-1988). Foi a maneira esperta encontrada para se tirar o foco da mais recente ditadura da história do país. A ditadura anterior esgotou-se em 1945.
Quer saber se a comissão desfrutará de autonomia financeira? Ou seja: se disporá de um orçamento próprio para fazer face às suas despesas? Ora, é claro que não. Ela se reportará à ministra Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil da Presidência da República, nesse caso a dona da chave do cofre. Gleisi é gente boa. Pode apostar.
Se a comissão poderá convocar pessoas para depor? Outra vez: ora, é claro que não. Poderá convidar. E ninguém será obrigado a aceitar o convite. Em compensação, poderá requisitar documentos, secretos ou não, de posse de órgãos públicos. De posse, inclusive, do comando das Forças Armadas. Sim! Aleluia, irmão! Dê graças ao Senhor!
Só tem um probleminha: as Forças Armadas informam mais uma vez que os documentos relativos ao combate travado entre os guardiões da pátria e os comunistas financiados pelo ouro de Moscou desapareceram há muito tempo. Desconfia-se que nem mais existam. Sendo assim, lamenta-se, sente-se muito, mas não vai dar...
Comissões da verdade contribuíram em diversos países para que a Justiça fosse feita punindo-se criminosos. Ou para que a luz prevalecesse sobre as trevas. A África do Sul é o melhor exemplo disso. Aqui, a Lei da Anistia lacrou a porta da Justiça. Quanto à verdade: ao que tudo indica um pedaço da nossa História já se perdeu para sempre.
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