sexta-feira, 31 de outubro de 2014

matança



O Globo, 31 de outubro de 2014
A banalidade do extermínio
É difícil entender como os alemães conviviam com a violência nos anos 30. Mas estamos indo pelo mesmo caminho
por ATILA ROQUE / PEDRO ABRAMOVAY
30/10/2014 0:00


Seis jovens. Dois com 12 anos, um com 14, um com 15 e dois com 18. Foram vítimas de uma chacina em Duque de Caxias. Um dos meninos de 12 sobreviveu. Esta notícia não estampou a capa de nenhum jornal nacional. E também não mereceu a manifestação de nenhuma autoridade pública. É razoável que lidemos com normalidade com a execução de adolescentes? Não se trata de apontar o dedo para a imprensa. Apontemos para nós todos. Convivemos com normalidade com esses fatos.
Convivemos com normalidade com a morte de 1 milhão de brasileiros em pouco mais de duas décadas. É a maior tragédia da nossa história desde a escravidão. Alguns pensam: “O mundo é mesmo um lugar violento.” Não. Violento mesmo é o Brasil. São 56 mil homicídios por ano. Somos responsáveis por mais de 10% dos homicídios do mundo. Desse total, 30 mil eram jovens com idade entre 15 e 29 anos. O homicídio foi também a principal causa da morte de adolescentes entre 12 e 18 anos (45,2%), em cidades com mais de cem mil habitantes. Conhecemos esses dados, mas naturalizamos o horror. Como se essas mortes fossem destino. Não eram. É uma escolha, resultado de escolhas que fizemos ou deixamos de fazer.
Um dos desafios de grandes pensadores do século XX foi tentar entender como tantos alemães lidaram com normalidade com a brutalidade da tragédia que ocorria por lá durante o holocausto. Como as pessoas podiam ir trabalhar, comprar seu pão, pensar em coisas triviais, enquanto corpos se acumulavam?
Uma dessas pensadoras, Hannah Arendt, descreveu esse fenômeno como a banalização do mal. As pessoas perdiam a capacidade de perceber a monstruosidade dos fatos. A ideia contemporânea de direitos humanos surge daí. A sociedade, o Estado, todos devemos nos indignar, nos sensibilizar, nos chocar, quando se violam direitos, quando se produzem tragédias. Achar isso normal não é humano.
É muito difícil, para nós, no século XXI, olhar para a Alemanha dos anos 1930 e compreender como eles conviviam com isso. Olhar para os nossos antepassados e compreender como se convivia com a escravidão. Mas nós estamos indo pelo mesmo caminho. Convivemos com uma tragédia de proporções indescritíveis com uma normalidade que não será perdoada pela História. E por quê? Não nos enganemos. Os que morrem são em sua maioria negros, são pobres, são invisíveis.
Não pensamos que, por trás do número de um milhão de mortos, há um milhão de mães, de familiares, de vidas roubadas, histórias interrompidas. Tornamos tudo isso invisível. Não se resolve o problema dos homicídios com um passe de mágica. Políticas públicas complexas são necessárias. Mas o primeiro passo é perceber que a tragédia não é banal, não é apenas um notícia de jornal, é chamar a atenção de que não queremos passar para a História como outra geração que tolerou a morte em massa de jovens. Não queremos que nossos netos tenham vergonha de nós.

Atila Roque é diretor executivo da Anistia
Internacional Brasil
Pedro Abramovay é diretor para a America Latina da Open Society Foundation



quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Villa: "O PT não gosta de democracia"

Folha de S. Paulo, 23 de outubro de 2014.

Marco Antonio Villa
TENDÊNCIAS/DEBATES

Fora PT!


A socialização dos meios de produção se transformou no maior saque do Estado brasileiro em proveito do partido e de seus asseclas
Estamos vivendo o processo eleitoral mais importante da história da República. Nesta eleição está em jogo um mandato de 12 anos. Caso o PT vença, estarão dadas as condições para a materialização do projeto criminoso de poder --expressão cunhada pelo ministro Celso de Mello no julgamento do mensalão.
Em contrapartida, poderemos pela primeira vez ter uma ruptura democrática --pelo voto-- com a vitória da oposição. Isso não é pouco, especialmente em um país com a tradição autoritária que tem.
O PT não gosta da democracia. Nunca gostou. E os 12 anos no poder reforçaram seu autoritarismo. Hoje, o partido não sobrevive longe das benesses do Estado. Tem de sustentar milhares de militantes profissionais.
O socialismo marxista foi substituído pelo oportunismo, pela despolitização, pelo rebaixamento da política às práticas tradicionais do coronelismo. A socialização dos meios de produção se transformou no maior saque do Estado brasileiro em proveito do partido e de seus asseclas de maior ou menor graus.
Lula representa o que há de mais atrasado na política brasileira. Tem uma personalidade que oscila entre Mussum e Stálin. Ataca as elites --sem defini-las-- e apoia José Sarney, Jader Barbalho e Renan Calheiros. Fala em poder popular e transfere bilhões de reais dos bancos públicos para empresários aventureiros. Fez de tudo para que esta eleição fosse a mais suja da história.
E conseguiu. Por meio do seu departamento de propaganda --especializado em destruir reputações--, triturou Marina Silva com a mais vil campanha de calúnias e mentiras de uma eleição presidencial.
Dilma nada representa. É mera criatura sem vida própria. O que está em jogo é derrotar seu criador, Lula. Ele transformou o Estado em sua imagem e semelhança. Desmoralizou o Itamaraty ao apoiar terroristas e ditadores. Os bancos e as estatais foram transformadas em seções do partido. Nenhuma política pública foi adotada sem que fosse tirado proveito partidário. A estrutura estatal foi ampliada para tê-la sob controle, estando no poder ou não.
A derrota petista é a derrota de Lula. Será muito positiva para o PT, pois o partido poderá renovar sua direção e suas práticas longe daquele que sempre sufocou as discussões políticas, personalizou as divergências e expulsou lideranças emergentes. Mas, principalmente, quem vai ganhar será o Brasil porque o lulismo é um inimigo das liberdades e sonha com a ditadura.
Daí a importância de votar em Aécio Neves. Hoje sua candidatura é muito maior do que aquela que deu início ao processo eleitoral.
Aécio representa aqueles que querem dar um basta às mazelas do PT. Representa o desejo de que a máquina governamental esteja a serviço do interesse público. Representa a disposição do país para voltar a crescer --de forma sustentável-- e, então, enfrentar os graves problemas sociais. Representa a ética e a moralidade públicas que foram pisoteadas pelo petismo durante longos 12 anos.
Cabe aos democratas construir as condições para a vitória de Aécio. Não é tarefa fácil. Afinal, os marginais do poder --outra expressão utilizada no julgamento do mensalão-- tudo farão para se manter no governo. Mas o país clama: fora PT!
MARCO ANTONIO VILLA, 59, historiador, é professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos e autor de "Década Perdida - Dez Anos de PT no Poder" (Record), entre outros

sexta-feira, 17 de outubro de 2014


http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-diferenca-entre-nossos-juizes-e-os-juizes-suecos/

A diferença entre nossos juízes e os juízes suecos



Postado em 14 out 2014
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As recentes notícias da Corte brasileira, data venia, desafiam soberbamente o limite da indignação do cidadão diante de atos estrambólicos de auto-ajuda praticados pelos guardiões da Justiça.
A nível federal, o Conselho Nacional de Justiça autorizou o pagamento de auxílio-moradia a todos os juízes do país – incluindo aqueles que trabalham em suas cidades de origem, e têm residência própria.
O valor do benefício: até R$ 4.377,73 mensais, mesma quantia à disposição de ministros do Supremo Tribunal Federal. O impacto nos cofres do Estado: R$ 840 milhões por ano, segundo cálculos da Advocacia Geral da União (AGU).
Ato contínuo, o Conselho Nacional do Ministério Público aprovou o mesmo benefício para todos os procuradores do país.
No Rio de Janeiro, em proposta particularmente indecorosa, o Tribunal de Justiça encaminhou à Assembléia Legislativa um projeto para conceder bolsa-escola de até R$ 7.250 mensais para financiar a educação dos filhos de magistrados e servidores – desde os oito anos até os 24 anos de idade.
Diante dos protestos gerados, o teto do benefício deve ser reduzido para R$ 3.030 mensais, valor ainda estupidamente mais alto do que – por exemplo – o salário médio dos professores.
A presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Leila Mariano, argumenta que os magistrados reivindicam o mesmo auxílio-educação já concedido pela Assembléia, este ano, aos integrantes do Ministério Público estadual. Na singela lógica de Leila Mariano, o benefício seria também uma extensão aparentemente natural do auxílio-creche que há tempos já se paga, com dinheiro público, aos magistrados (1.010 mensais) e servidores (850 mensais) do tribunal: assistência do berço à universidade.
Mais sentido haveria em se conceder um auxílio-figado aos contribuintes, que, além de pagar a conta dos caudalosos privilégios políticos, ainda bancam a fatura dos benefícios e mordomias oferecidos aos representantes do poder que têm a responsabilidade de proteger os direitos do cidadão.
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Viagens de avião pagas a ministros do STF, com dinheiro público, mesmo quando eles estão de férias. Carros oficiais com motorista para juízes, desembargadores, e também procuradores e promotores. Banheiras de hidromassagem instaladas em apartamentos funcionais da Corte suprema. À elite da magistratura, tudo: auxílio-alimentação, auxílio-saúde, auxílio-transporte, auxílio-pré-escolar, auxílio-moradia, abono de permanência, gratificação de Natal e mais uma sequência de gratificações extras, a exemplo do adicional de insalubridade e da indenização de férias (que aliás, para juízes, são de 60 dias anuais). Extravagâncias que se reproduzem em efeito cascata pelas diferentes instâncias do Judiciário e do Ministério Público, à medida em que uma categoria corre atrás de benefícios que a outra já conquistou a fim de driblar o teto constitucional e assim esticar os vencimentos.
Mais prudente, no entanto, seria resgatar a fundamental noção da importância do respeito público de uma sociedade por seu Poder Judiciário.
Qualquer democracia consequente sabe dos perigos que o descrédito da justiça acarreta – e por isso os evita.
Tome-se, por exemplo, a Suécia.
Em nenhuma instância do Judiciário sueco, magistrados têm direito a carro oficial e motorista pago com o dinheiro do contribuinte. Sem auxílio-aluguel e nem apartamento funcional, todos pagam do próprio bolso por seus custos de moradia.
Para viver em um país que tem um dos mais altos impostos do mundo, e um dos custos de vida mais elevados do planeta, os juízes suecos têm salários que variam entre 50 e 100 mil coroas suecas – o equivalente a cerca de R$ 16,5 mil e R$ 33 mil, respectivamente.
Para ficar no exemplo dos vencimentos máximos de um magistrado sueco: descontados os impostos, um juiz da Suprema Corte da Suécia, que tem um salário de 100 mil coroas, recebe em valores líquidos o equivalente a cerca de R$ 18,2 mil por mês.
No Brasil, um juiz federal recebe salário de 25,2 mil, e os ministros do STF – que ganham atualmente 29,4 mil – aprovaram proposta para aumentar os próprios salários para 35,9 mil. Isso sem contabilizar os diferentes benefícios e gratificações extras disponíveis para as diferentes categorias do Judiciário: no tribunal do Rio de Janeiro – por exemplo-, entre proventos e benefícios, há juízes recebendo 150 mil mensais.
Na Suécia, não se oferece qualquer tipo de benefício extra a magistrados. Auxílios de todo tipo, abonos, prêmios e verbas de representação não existem para juízes suecos. Nenhum magistrado tem direito a plano de saúde privado. E todos sabem que um juiz, por dever moral, não aceita presentes ou convites para viagens, jantares e passeios de jatinho.
Também não há Excelências entre os magistrados suecos. Assim me lembra Göran Lambertz, juiz do Supremo Tribunal da Suécia, quando pergunto a ele sobre suas impressões acerca dos recentes benefícios reivindicados pela Corte brasileira.
”Claudia, mais uma vez peço a você que me chame de Göran. Estamos na Suécia”, ele diz, quando o chamo mais uma vez de ”Sr. Lambertz”. E prossegue:
”É realmente inacreditável saber que juízes se empenham na busca de tais privilégios. Nós, juízes, somos pagos com o dinheiro dos impostos do contribuinte, e temos que ser responsáveis. Juízes devem ser elementos exemplares em uma sociedade, porque é deles que depende a ordem em um país. E é particularmente importante que não sejam gananciosos.”
Na concepção do sueco, buscar benefícios como auxílio-moradia é uma atitude ”terrível e perigosa”, pois faz com que o cidadão perca o respeito por seus juízes. Com graves consequências para toda a sociedade:
”O Judiciário de um país deve ter o respeito inabalável dos cidadãos”, alerta Lambertz. ”Porque uma das consequências da perda de respeito do cidadão pelos juízes, é que as pessoas também acabam perdendo o respeito pela lei.”
Göran Lambertz faz o que diz: todos os dias, pega a bicicleta e pedala até a estação ferroviária da cidade de Uppsala, a cerca de 70 quilômetros da capital. De lá, toma o trem para o trabalho na Suprema Corte sueca.
A casa do juiz, que já tive a oportunidade de conhecer, é confortável, mas surpreendentemente modesta. Na ocasião, enquanto Göran fazia o café na cozinha, perguntei se ele tinha direito a benefícios como auxílio-alimentação. A resposta foi cortante:
”Não almoço às custas do dinheiro do contribuinte”.
De lá, seguimos – ele de bicicleta e trem, eu de carro – para seu pequeno gabinete na Suprema Corte da Suécia. Não há secretária na porta, nem assistentes particulares. Os 16 integrantes da Corte dividem entre si uma equipe de cerca de 30 assistentes jurídicos, e 13 auxiliares administrativos.
”Luxo pago com o dinheiro do contribuinte é imoral e antiético”, me disse na época o magistrado sueco, em reportagem que foi exibida na TV Bandeirantes.
Leio agora, na imprensa brasileira, que um magistrado rejeitou o recebimento do recém-aprovado auxílio-moradia. O juiz Celso Fernando Karsburg, de Santa Cruz do Sul (RS), abriu mão do benefício por considerá-lo ”imoral, indecente e antiético”.
Um exemplo bem-vindo da moral de Lambertz.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Degradação institucional

Folha de S. Paulo, 13 de outubro de 2014,

Rubens Ricupero

Destruição sem retorno

É terra arrasada: degradação atinge Petrobras, Correios, Ipea, IBGE, Embrapa... Fora o Itamaraty, que definha
A degradação da Petrobras, da Eletrobras e do BNDES nada tem em comum com a "destruição criativa" de Schumpeter. É pura terra arrasada, demolição sem criação. Custa a crer que um governo com pretensão de herdeiro de Getúlio se encarregue de dilapidar os três mais importantes legados institucionais do segundo governo Vargas.
A sanha exterminadora está longe de se deter nos três. Sofrem do mesmo efeito desagregador instituições como o Ipea, o Tesouro, até o IBGE, fundado no primeiro governo Vargas, afetado por escassez de recursos e divisões internas. Problemas similares comprometem a Embrapa e a vigilância sanitária do Ministério da Agricultura, setores vitais para manter a vantagem comparativa brasileira na exportação.
A lista poderia ser ampliada com os Correios, entre outros, mas esses exemplos bastam para mostrar que o fenômeno é generalizado. As causas é que não são as mesmas. Onde existe muito dinheiro, na Petrobras ou no Ministério do Transporte, a fartura de queijo é que atrai os ratos.
Às vezes, o problema se origina no aparelhamento partidário, na incompetência de indicados políticos e na intromissão excessiva como nas agências reguladoras, que nem chegaram a se consolidar.
O Itamaraty é caso à parte. Sem projetos e obras tentadoras, sem verba para pagar luz e água de embaixadas prematuramente criadas, o velho ministério definha na austera, apagada e vil tristeza da desmoralização programada pelo governo.
Três flagelos o devastaram ao mesmo tempo. O primeiro foi a expansão megalomaníaca de embaixadas sem meios de utilizá-las de modo produtivo. Criamos anos seguidos cem vagas de diplomata como se as vacas gordas fossem durar para sempre. Não surpreende agora que mais de trezentos jovens diplomatas se revoltem frustrados ao descobrir a falta de perspectivas que os aguarda.
O segundo golpe desmoralizador provém de presidente sem apreço pela diplomacia e pelos diplomatas, aos quais não perde ocasião de demonstrar seu desdém. Nem na fase caótica da proclamação da República tivemos chefe de Estado que deixasse mais de 20 embaixadores estrangeiros esperando para apresentar credenciais como se fossem rebanho de gado.
Cerca de 230 acordos internacionais dormem na Casa Civil aguardando a providência burocrática de decreto de promulgação ou mensagem de envio ao Congresso. Foi preciso a grita dos empresários para promulgar os acordos comerciais com o Chile e a Bolívia.
O erro original coube aos diplomatas da cúpula que decidiram pôr de lado o conselho de Rio Branco e promoveram a subordinação ao partido no poder de política externa que deveria estar a serviço da sociedade brasileira como um todo.
O Barão se recusou envolver nas paixões partidárias por saber que "seria discutido, atacado, diminuído [...] e não teria a força [...] que hoje tenho como ministro para dirigir as relações exteriores".
Ao desprezar a lição, os dirigentes do Itamaraty perderam "o concurso das animações de todos meus concidadãos". Perderam mais: a proteção e o respeito da sociedade, que os abandonou à sanha do partido que pretenderam servir.

domingo, 12 de outubro de 2014

O golpe segundo Dilma

Blog Reinaldo Azevedo

11/10/2014
às 6:25

Dilma enlouqueceu e agora chama democracia de “golpe”. Isso era pensamento da terrorista da VAR-Palmares, não de quem se fez presidente pelas urnas

“Os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir.” Em latim: “Quos volunt di perdere dementant prius”. A citação no singular é mais conhecida: “Quem vult deus perdere dementat prius” — “Deus primeiro enlouquece aquele a quem quer destruir”. Prefiro a citação com “deuses”. O problema de “deus”, no singular, é que a frase parece remeter ao Deus único, este nosso (ou meu, hehe), não àqueles vários do paganismo, que viviam atazanando os homens. É o que me ocorre ao tomar conhecimento do que Dilma afirmou nesta sexta. Ela pode estar perdendo o juízo. Leiam o que afirmou:
Numa caminhada na periferia de Porto Alegre, discursando sobre uma caminhonete, ela se saiu com a seguinte estupidez:
“Eles [oposição] jamais investigaram, jamais puniram, jamais procuraram acabar com esse crime terrível que é o crime da corrupção. Agora, na véspera eleitoral, sempre querem dar um golpe. E estão dando um golpe. Esse golpe nós não podemos concordar”.
Golpe? Que golpe? O golpe das urnas, presidente? Haver quem não vote no PT, então, agora é golpe? Uma eleição só é legítima quando vencida pelo PT? Se o seu partido perder, dona Dilma, será porque a maioria terá votado no seu adversário. Será, então, sinal, governanta, de que a maioria do eleitorado terá se transformado em golpista?
A fala é de uma estupefaciente irresponsabilidade. Até porque Dilma, que continua presidente da República, está afirmando, na prática, que, se ela perder a eleição, então o resultado não é legítimo. Se não é, então o PT poderá sair por aí botando fogo no circo. Golpista é a fala da petista!
Eles já recorreram a esse expediente em 2006. Essa tese tem “copyright”, tem autoria: Marilena Chaui, a militante do PT disfarçada de filósofa. Foi ela quem procurou dar alcance até acadêmico a essa vigarice naquele ano. Segundo essa senhora, denunciar o mensalão correspondia, imaginem vocês, a dar um golpe. Agora, para mostrar que somos legalistas, deveríamos todos nos calar diante do “petrolão”???
Sabem o que é isso? Sinal de desespero. Em dois dias, é o segundo golpe baixo — o primeiro é tentar fazer de FHC um inimigo dos nordestinos. Imaginem o que vem por aí. Dilma está se esquecendo de que ainda é presidente da República e que tal cargo lhe impõe uma especial responsabilidade.
Democracia como golpe, presidente? Esse pensamento ficava bem na terrorista da VAR-Palmares, não na pessoa que se elegeu por meio das urnas, as mesmas que, no momento, dão a vitória a seu adversário. Até que Dilma não comece a sentir vergonha do que disse, sentirei um pouquinho por ela, a tal vergonha alheia.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Retrocesso na CGU

Folha de S.Paulo, 8 de outubro de 2014.

Editoriais

CGU em apuros

Em dissintonia com a promessa casuística de ampliar o combate à corrupção caso seja reeleita, a presidente Dilma Rousseff (PT) tem diminuído, de forma progressiva, o orçamento do principal órgão de controle do governo federal, com sérios prejuízos em suas ações de fiscalização.
Reportagem da Folha publicada na segunda-feira (6) mostra que a CGU (Controladoria-Geral da União) teve, neste ano, uma redução de repasses de 8,2% na comparação com 2013. Suas verbas caíram de R$ 84,8 milhões para R$ 77,8 milhões. Trata-se do menor valor desde 2011, quando começou o mandato de Dilma.
Além da escassez de recursos, a CGU sofre com a equipe reduzida. Desde 2008, o órgão perdeu 727 servidores por motivos diversos, como aposentadoria. Em abril deste ano, cobrou do Ministério do Planejamento, em vão, o preenchimento de 303 cargos de analista.
Resulta daí o encolhimento operacional da CGU: de 2011 a 2013, o número de investigações reduziu-se quase pela metade. A desaceleração fica ainda mais patente quando se confrontam as 5.173 ações de 2009 (no governo Lula) com as mil diligências de 2013.
O sucateamento é lamentável. Criada em 2003, no primeiro ano da gestão Lula, a CGU centralizou iniciativas dispersas de combate à corrupção no governo federal.
O novo órgão instituiu um sistema de fiscalização de municípios definidos por sorteio, resultando na detecção de inúmeros casos de desvio de dinheiro público. Por esse método, encontraram-se problemas na aplicação de R$ 4 bilhões repassados pelo governo federal --mas, com menos recursos, cidades afastadas dos grandes centros vêm sendo deixadas de lado.
Foi também a controladoria que, em 2006, materializou um significativo aumento na transparência das contas da União ao colocar no ar um site de acesso público aos dados do Siafi, o sistema de acompanhamento de gastos federais.
As dificuldades crescentes da CGU no governo Dilma, contudo, mostram que o órgão é vulnerável a discricionariedades. Parte disso se deve ao fato de estar vinculado à Presidência da República, o que reduz sua autonomia.
As crescentes dificuldades enfrentadas pela Controladoria-Geral da União reforçam a importância de haver mecanismos capazes de protegê-la de variações orçamentárias e humores políticos.
Antes de vender novas medidas contra a corrupção, os candidatos a presidente deveriam se comprometer com algo mais básico: a manutenção dos avanços.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Sistema político desmoralizado.

Folha de S. Paulo, 6 de outubro de 2014.

Simon Schwartzman

A armadilha da mediocridade

Não será mais possível crescer como se fez até aqui, é preciso redirecionar a política econômica e social
Os economistas falam da "armadilha da renda média", de países que, como o Brasil, conseguiram chegar aos US$ 10 mil ou US$ 12 mil por habitante por ano, mas não conseguem chegar perto dos US$ 30 mil a US$ 50 mil, como os países desenvolvidos. Um outro nome seria a armadilha da mediocridade.
O Brasil chegou aonde está graças às exportações de minérios e produtos agrícolas e ao crescimento da indústria e dos serviços que acompanharam a expansão das cidades. Fez parte desta história a ampliação da Previdência Social, dos serviços de saúde e da escolaridade. Para os governos, bastava cobrar impostos e distribuir para quem solicitasse conforme a força de cada um, dos políticos amigos às indústrias protegidas, passando pelos funcionários públicos e sindicatos, e chegando aos pobres com o Bolsa Família.
Esse tipo de crescimento já não tem como continuar. Acabou a migração do campo para as cidades, mas a violência urbana parece fora de controle e o transporte público é péssimo. A desigualdade vinha caindo, mas já não cai mais. A miséria se reduziu, mas a pobreza continua. Já quase não se morre de diarreia, mas o SUS mal consegue atender os enfermos de câncer e do coração. Já não há crianças fora da escola, mas elas mal aprendem. O acesso ao ensino superior cresceu com mais dinheiro para as universidades públicas, cotas, bolsas e crédito educativo, mas a qualidade da maioria dos cursos é ruim e as vantagens de ter um diploma são cada vez menores.
Os economistas sabem muito do que precisa ser feito para sair dessa armadilha: equilibrar as contas públicas, fortalecer a capacidade regulatória do Estado, abrir as empresas à competição internacional, criar regras claras para o uso de incentivos públicos e garantir ao setor privado a segurança jurídica necessária para seus investimentos. Mas isso não basta, porque o "custo Brasil" não vem somente do protecionismo, dos entraves burocráticos e da má qualidade da infraestrutura física, mas, sobretudo, da ausência de uma população bem-educada e capacitada, da condição de vida precária das cidades e da incerteza gerada por um sistema político desmoralizado.
Não será mais possível continuar crescendo e se desenvolvendo como se fez até aqui. Para sair da armadilha da mediocridade, é preciso redirecionar a política econômica e social, mas também olhar em volta, para os países que conseguiram superar essa barreira, e ver o que têm a nos ensinar sobre educação, saúde, proteção à velhice, gestão dos espaços urbanos, política ambiental, política energética, modernização do Estado e reforma do sistema político.
Nestas eleições, a grande pergunta é quais candidatos continuam olhando para trás, fazendo e prometendo mais do mesmo, satisfeitos com o que temos, e quais têm as condições de abrir espaço para um país capaz de avançar nestes novos caminhos. Para todos será uma longa aprendizagem, sujeita a erros e acertos. Mas não há dúvida de que está na hora de renovar.

domingo, 5 de outubro de 2014

Responsabilidade nossa

Folha de S.Paulo, 5 de outubro de 2014.

Ferreira Gullar

Somos todos responsáveis

Somos responsáveis por essa situação, já que os que governam e os que fazem leis foram eleitos por nós
A frequência com que critico o quadro político brasileiro --e especialmente a atuação de certos partidos e dirigentes-- pode fazer parecer que considero todos os políticos corruptos ou ineptos, mas não é assim.
Há muitos políticos honestos e, bem ou mal, o país caminha, muitas coisas melhoraram, apesar de que falta muito por fazer, falta muito para que se alcance o nível dos países avançados. Isso não se fará em apenas um governo, mas que pelo menos os problemas mais graves como saúde, educação, saneamento, sejam enfrentados com a necessária seriedade e não com intenções meramente eleitoreiras.
Por sua vez, o eleitor deve entender que se as questões básicas não são resolvidas, os problemas de todos tendem a se agravar.
Na verdade, não escrevo para que apenas os políticos leiam, pois certamente têm mais o que fazer. Escrevo, sobretudo, para que você, cidadão, me leia e reflita sobre o que digo e os erros que aponto. Não para que você simplesmente concorde comigo, mas, sim, para que, mesmo não concordando, reflita sobre essas questões e procure entendê-las.
Não alimento ilusões quanto à solução imediata dos graves problemas que dificultam o crescimento do país e menos ainda quanto ao atendimento das necessidades da população, particularmente das camadas mais pobres.
Não obstante, acho que muito pode ser feito e esse é o motivo que me leva a criticar os responsáveis, não apenas os membros do Executivo, mas igualmente dos dois outros poderes, o Legislativo e o Judiciário.
Alguns mais diretamente responsáveis pelo mau funcionamento da máquina do Estado, muito embora todos, de um modo ou de outro, tenham culpa nisso, seja por agir mal, seja por omitir-se diante dos abusos e dos erros.
Aliás, a rigor, todos nós somos responsáveis por essa situação lamentável, uma vez que tanto os que nos governam como os que fazem as leis foram eleitos por nós.
Um aspecto a observar, no Brasil, é o alto custo dos poderes da República. Esse pode ser um dos motivos de sua omissão quanto à destinação dos recursos públicos, uma vez que esses três poderes têm, aqui, um custo relativamente mais alto do que na maioria das nações, incluindo as mais ricas como os Estados Unidos, a Alemanha ou a Inglaterra.
Se o Senado brasileiro emprega cerca de 10 mil funcionários e cada deputado federal tem à sua disposição dezenas de funcionários --que nem em pé caberiam em seu gabinete--, se cada ministro do Supremo tem, para servi-lo, mais de 200 funcionários, é compreensível que de nenhum deles poderiam partir iniciativas para corrigir uma tão injusta destinação dos recursos públicos.
A conclusão inevitável é que os integrantes daqueles poderes constituem uma casta que se apropriou do Estado brasileiro e o usa conforme seus exclusivos interesses.
Pouco se lhes dá, portanto, se não há recursos suficientes para atender à população em suas necessidades básicas. Os hospitais públicos vivem abarrotados de pacientes, pelos corredores, à espera do atendimento médico que nem sempre chega a tempo.
No setor judiciário, conforme relatório recente, nada menos de 30 milhões de processos esperam julgamento, sendo que uma parte deles dizem respeito a interesses de cidadãos cuja vida, muitas vezes, depende dessas decisões.
Os gastos com educação estão muito abaixo do que seria necessário para atender à parte jovem da população que precisa estudar. Os políticos parecem não perceber que a educação é a base do desenvolvimento do país.
O que fazer então? Deixar tudo como está ou iniciar a luta pela mudança radical desse quadro? Se a opção for o conformismo --ou mudanças aparentes que caracterizam o populismo-- tão cedo não alcançaremos a condição de uma sociedade efetivamente moderna --no sentido correto da palavra-- e menos injusta.
Se a opção for o inconformismo, deve-se distinguir entre a ação política consciente, que define seus objetivos e compreende as dificuldades de alcançá-los, e o vandalismo que, em última instância, termina por impedir a mudança real.
Lembre-se disso, hoje, ao escolher em quem vai votar.

Regressão

Folha de S. Paulo, 5 de outubro de 2014,

Eduardo Giannetti

Regressão

Depois de amanhã o Brasil vai às urnas. Seremos cerca de 142 milhões de eleitores escolhendo entre 25.549 candidatos (exclusive vices e suplentes) disputando 1.709 cargos públicos. É a sétima eleição geral sob a égide da Carta de 1988. Teria tudo para ser uma grande e bela festa democrática, não fosse a animosidade sórdida e sectária que tomou conta da campanha.
Dois problemas institucionais prejudicam o processo eleitoral. A simultaneidade das eleições para o Executivo e o Legislativo condena a escolha de nossos parlamentares ao absoluto descaso. As campanhas a deputado ficam ofuscadas pelas disputas majoritárias que sugam todas as atenções. Escolha displicente, amnésia instantânea. Não é à toa que a qualidade dos legislativos é o que é.
Some-se a isso a babel entrópica do horário gratuito. Fora a distribuição altamente desigual de tempo, a arquitetura do programa eleitoral é desnecessariamente grotesca.
Em vez de se conceder a cada partido um segmento bem demarcado, preferencialmente em dias distintos, para que possam se dirigir ao eleitorado e apresentar, um por vez, suas propostas, o que se fez foi colocá-los espremidos, lado a lado, apelando por migalhas da nossa atenção.
O resultado é um mosaico dantesco de mensagens disparatadas: uma mistura bizarra de leilão de promessas com flashes de uma rinha eletrônica de rompantes e acusações cruzadas. E tudo temperado, é claro, por doses cavalares de emoção sincera para ficarem todos bem ligados. Se alguém tramasse desmoralizar a nossa democracia, seria difícil imaginar fórmula mais eficaz.
Mas nada disso permitiria prever a regressão da campanha em curso. Premida pela súbita ascensão de Marina e pelas revelações do Petrolão, a candidata-biônica à reeleição inventada por Lula e teleguiada por João Santana apelou de forma vil. Serviu-se do seu largo tempo de propaganda --fruto de alianças espúrias-- e da feroz máquina governista para deflagrar uma despudorada ofensiva.
O marketing selvagem de Dilma x Marina, calcado na exploração da credulidade, na mentira calculada e na excitação do medo, repete a fórmula empregada com sucesso por Collor x Lula. Se é verdade, como observa Marx, que certos fatos históricos tendem a ocorrer duas vezes, primeiro como tragédia e depois como farsa, a única dificuldade aqui é saber se neste caso a ordem não deveria ser invertida.
Economia, educação, meio ambiente: o governo Dilma entrega um país pior do que recebeu. É a primeira vez que isso acontece desde o fim da ditadura. A animosidade sectária e a rendição ao marketing infame são a continuação do atual governo por outros meios. Indícios do que seria um segundo mandato.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Há algo no ar

Folha de S. Paulo, 1 de outubro de 2014.

Elio Gaspari

Há algo no ar além dos aviões de carreira

O presidente da seccional de Brasília da OAB quer proibir o ex-ministro Joaquim Barbosa de advogar
De acordo com o parágrafo 1º ao artigo 5 do Ato Institucional nº 5, o presidente da República podia "fixar restrições ou proibições (...) ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados".
Com base nisso, o marechal Arthur da Costa e Silva proibiu que os jornalistas Antonio Callado e Léo Guanabara exercessem a profissão.
Mesmo para tempos de treva, a medida foi vista como uma exorbitância, e o presidente revogou-a pouco depois.
Agora, em pleno regime democrático, o advogado Ibaneis Rocha Barros Junior, presidente da seccional de Brasília da Ordem dos Advogados do Brasil, pediu a impugnação do pedido de inscrição de Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. Sem registro na OAB um bacharel em direito não pode advogar.
O doutor justificou seu pedido mencionando episódios em que, segundo ele, Barbosa ofendeu e prejudicou a classe dos advogados. Em todos os casos o ministro agiu no exercício de função pública e em nenhum deles teve sua conduta condenada pelos poderes competentes. Felizmente, os tempos atuais são diferentes da treva que baixou sobre o país em 1968. O pedido de impugnação é uma iniciativa legítima e precisará ser ratificada por uma instância superior.
Do ponto de vista curricular, o doutor Ibaneis chegou à presidência da seccional da OAB de Brasília com menos títulos que o professor Luís Antônio da Gama e Silva, ministro da Justiça e redator do AI-5. "Gaminha" havia sido reitor da Universidade de São Paulo e diretor da Faculdade de Direito do largo São Francisco. Era um liberticida a serviço de uma causa. Achava que, proibindo Callado e Leo Guanabara de exercer a profissão de jornalista, contribuía para assegurar uma "autêntica ordem democrática". Afinal, foi isso que escreveu no preâmbulo do Ato Institucional. Essa "ordem democrática" expulsou do Supremo Tribunal os ministros Evandro Lins e Vitor Nunes Leal, mas não os impediu de advogar.
O doutor Ibaneis certamente acredita que a ordem jurídica brasileira e a própria advocacia terão a ganhar negando a um ex-presidente do Supremo Tribunal o direito de advogar. Há pessoas que aplaudem Barbosa na rua e há aqueles que o detestam. Em todos os casos, a opinião que se faz dele relaciona-se, acima de tudo, com a conduta que teve no STF ao relatar e presidir o julgamento dos réus do mensalão.
O pedido do presidente da seccional da OAB de Brasília é uma iniciativa individual, mas pode ser perigosamente associada a uma maneira de pensar do comissariado petista. Nenhum cidadão que aplaudiu a formação da bancada da Papuda acredita que Barbosa deve ser proibido de qualquer coisa, muito menos de advogar.
Em qualquer época, em qualquer governo, sempre haverá nos arrabaldes do governo um militar querendo fazer a bomba atômica e um operador político querendo limitar os direitos de seus adversários. Parecem figuras folclóricas, como "Gaminha" parecia sê-lo quando o marechal Costa e Silva colocou-o no Ministério da Justiça. O tempo passa, as coisas se complicam e os personagens folclóricos ganham aliados e tornam-se sábios clarividentes. Quando a festa acaba, atribui-se à ruína ao radicalismo de um "maluco". Gaminha não era maluco, era apenas liberticida. Doidos foram os outros.