http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-diferenca-entre-nossos-juizes-e-os-juizes-suecos/
As recentes notícias da Corte brasileira, data venia, desafiam
soberbamente o limite da indignação do cidadão diante de atos
estrambólicos de auto-ajuda praticados pelos guardiões da Justiça.
A nível federal, o Conselho Nacional de Justiça autorizou o pagamento
de auxílio-moradia a todos os juízes do país – incluindo aqueles que
trabalham em suas cidades de origem, e têm residência própria.
O valor do benefício: até R$ 4.377,73 mensais, mesma quantia à
disposição de ministros do Supremo Tribunal Federal. O impacto nos
cofres do Estado: R$ 840 milhões por ano, segundo cálculos da Advocacia
Geral da União (AGU).
Ato contínuo, o Conselho Nacional do Ministério Público aprovou o mesmo benefício para todos os procuradores do país.
No Rio de Janeiro, em proposta particularmente indecorosa, o Tribunal
de Justiça encaminhou à Assembléia Legislativa um projeto para conceder
bolsa-escola de até R$ 7.250 mensais para financiar a educação dos
filhos de magistrados e servidores – desde os oito anos até os 24 anos
de idade.
Diante dos protestos gerados, o teto do benefício deve ser reduzido
para R$ 3.030 mensais, valor ainda estupidamente mais alto do que – por
exemplo – o salário médio dos professores.
A presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Leila Mariano, argumenta
que os magistrados reivindicam o mesmo auxílio-educação já concedido
pela Assembléia, este ano, aos integrantes do Ministério Público
estadual. Na singela lógica de Leila Mariano, o benefício seria também
uma extensão aparentemente natural do auxílio-creche que há tempos já se
paga, com dinheiro público, aos magistrados (1.010 mensais) e
servidores (850 mensais) do tribunal: assistência do berço à
universidade.
Mais sentido haveria em se conceder um auxílio-figado aos
contribuintes, que, além de pagar a conta dos caudalosos privilégios
políticos, ainda bancam a fatura dos benefícios e mordomias oferecidos
aos representantes do poder que têm a responsabilidade de proteger os
direitos do cidadão.
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Viagens
de avião pagas a ministros do STF, com dinheiro público, mesmo quando
eles estão de férias. Carros oficiais com motorista para juízes,
desembargadores, e também procuradores e promotores. Banheiras de
hidromassagem instaladas em apartamentos funcionais da Corte suprema. À
elite da magistratura, tudo: auxílio-alimentação, auxílio-saúde,
auxílio-transporte, auxílio-pré-escolar, auxílio-moradia, abono de
permanência, gratificação de Natal e mais uma sequência de gratificações
extras, a exemplo do adicional de insalubridade e da indenização de
férias (que aliás, para juízes, são de 60 dias anuais). Extravagâncias
que se reproduzem em efeito cascata pelas diferentes instâncias do
Judiciário e do Ministério Público, à medida em que uma categoria corre
atrás de benefícios que a outra já conquistou a fim de driblar o teto
constitucional e assim esticar os vencimentos.
Mais prudente, no entanto, seria resgatar a fundamental noção da
importância do respeito público de uma sociedade por seu Poder
Judiciário.
Qualquer democracia consequente sabe dos perigos que o descrédito da justiça acarreta – e por isso os evita.
Tome-se, por exemplo, a Suécia.
Em nenhuma instância do Judiciário sueco, magistrados têm direito a
carro oficial e motorista pago com o dinheiro do contribuinte. Sem
auxílio-aluguel e nem apartamento funcional, todos pagam do próprio
bolso por seus custos de moradia.
Para viver em um país que tem um dos mais altos impostos do mundo, e
um dos custos de vida mais elevados do planeta, os juízes suecos têm
salários que variam entre 50 e 100 mil coroas suecas – o equivalente a
cerca de R$ 16,5 mil e R$ 33 mil, respectivamente.
Para ficar no exemplo dos vencimentos máximos de um magistrado sueco:
descontados os impostos, um juiz da Suprema Corte da Suécia, que tem um
salário de 100 mil coroas, recebe em valores líquidos o equivalente a
cerca de R$ 18,2 mil por mês.
No Brasil, um juiz federal recebe salário de 25,2 mil, e os ministros
do STF – que ganham atualmente 29,4 mil – aprovaram proposta para
aumentar os próprios salários para 35,9 mil. Isso sem contabilizar os
diferentes benefícios e gratificações extras disponíveis para as
diferentes categorias do Judiciário: no tribunal do Rio de Janeiro – por
exemplo-, entre proventos e benefícios, há juízes recebendo 150 mil
mensais.
Na Suécia, não se oferece qualquer tipo de benefício extra a
magistrados. Auxílios de todo tipo, abonos, prêmios e verbas de
representação não existem para juízes suecos. Nenhum magistrado tem
direito a plano de saúde privado. E todos sabem que um juiz, por dever
moral, não aceita presentes ou convites para viagens, jantares e
passeios de jatinho.
Também não há Excelências entre os magistrados suecos. Assim me
lembra Göran Lambertz, juiz do Supremo Tribunal da Suécia, quando
pergunto a ele sobre suas impressões acerca dos recentes benefícios
reivindicados pela Corte brasileira.
”Claudia, mais uma vez peço a você que me chame de Göran. Estamos na
Suécia”, ele diz, quando o chamo mais uma vez de ”Sr. Lambertz”. E
prossegue:
”É realmente inacreditável saber que juízes se empenham na busca de
tais privilégios. Nós, juízes, somos pagos com o dinheiro dos impostos
do contribuinte, e temos que ser responsáveis. Juízes devem ser
elementos exemplares em uma sociedade, porque é deles que depende a
ordem em um país. E é particularmente importante que não sejam
gananciosos.”
Na concepção do sueco, buscar benefícios como auxílio-moradia é uma
atitude ”terrível e perigosa”, pois faz com que o cidadão perca o
respeito por seus juízes. Com graves consequências para toda a
sociedade:
”O Judiciário de um país deve ter o respeito inabalável dos
cidadãos”, alerta Lambertz. ”Porque uma das consequências da perda de
respeito do cidadão pelos juízes, é que as pessoas também acabam
perdendo o respeito pela lei.”
Göran Lambertz faz o que diz: todos os dias, pega a bicicleta e
pedala até a estação ferroviária da cidade de Uppsala, a cerca de 70
quilômetros da capital. De lá, toma o trem para o trabalho na Suprema
Corte sueca.
A casa do juiz, que já tive a oportunidade de conhecer, é
confortável, mas surpreendentemente modesta. Na ocasião, enquanto Göran
fazia o café na cozinha, perguntei se ele tinha direito a benefícios
como auxílio-alimentação. A resposta foi cortante:
”Não almoço às custas do dinheiro do contribuinte”.
De lá, seguimos – ele de bicicleta e trem, eu de carro – para seu
pequeno gabinete na Suprema Corte da Suécia. Não há secretária na porta,
nem assistentes particulares. Os 16 integrantes da Corte dividem entre
si uma equipe de cerca de 30 assistentes jurídicos, e 13 auxiliares
administrativos.
”Luxo pago com o dinheiro do contribuinte é imoral e antiético”, me
disse na época o magistrado sueco, em reportagem que foi exibida na TV
Bandeirantes.
Leio agora, na imprensa brasileira, que um magistrado rejeitou o
recebimento do recém-aprovado auxílio-moradia. O juiz Celso Fernando
Karsburg, de Santa Cruz do Sul (RS), abriu mão do benefício por
considerá-lo ”imoral, indecente e antiético”.
Um exemplo bem-vindo da moral de Lambertz.