Enviado por Ricardo Noblat -
2.8.2014
| 7h59m
política
Censura à vista
Ruy Fabiano
Em 1985, primeiro ano da
redemocratização, o então ministro da Justiça do governo Sarney,
Fernando Lyra, anunciava, em tom triunfal, a cerca de 700 artistas e
intelectuais, reunidos no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, o fim
da censura.
Ela vigorara oficialmente ao longo do regime militar,
exercida de forma prévia, por meio de censores nas redações, e a
posteriori, pelo recolhimento de publicações que escapavam à sagacidade
(sempre escassa) daqueles.
A censura prévia fora derrubada ainda
no governo Geisel, mas a censura a posteriori prosseguiu até o fim do
regime. Sua abolição total se deu apenas com o anúncio de Fernando Lyra,
na sequência da proibição e posterior liberação de um filme medíocre de
Jean-Luc Godard, “Je Vos Salue Marie”, a que os censores deram
visibilidade e cujo imbróglio marcou o fim oficial da censura.
A
Constituição de 1988 foi enfática em condená-la, em nada menos que seis
incisos ao artigo 5º (do nono ao décimo-quarto). Mesmo assim, seu
fantasma jamais deixou de pairar sobre a vida jornalística e intelectual
brasileira. Adquiriu outras formas, sofisticadas, sub-reptícias, tão ou
mais eficazes, dando origem ao termo, ainda vigente, de “patrulhas
ideológicas”.
Já não era necessária a presença de censores
oficiais nas redações e universidades. O ambiente intelectual se
incumbia de cercear o livre debate de ideias, lançando ao limbo as que
não se afinassem com o discurso de esquerda. Autores múltiplos deixaram
de ter suas obras disponíveis, censurados pelo silêncio.
O quadro
persiste e somente há pouco tempo algumas vozes dissonantes, na
imprensa e na universidade, se levantaram para estabelecer o
contraponto. São vozes que entre si guardam pouca ou mesmo nenhuma
afinidade, senão a de se contrapor ao ideário hegemônico. Sua
discordância não provoca o debate, mas uma reação ofensiva, uníssona,
que busca impor-lhe um rótulo comum de “direita”, igualando desiguais,
na tentativa de difamá-los.
Direita, nesses termos, é tudo o que
se contrapõe ao ideário esquerdista, o que automaticamente remete o
infrator à companhia de personagens como Hitler, Mussolini ou Pinochet.
Ser de esquerda, no entanto, não estabelece vínculos com açougueiros bem
mais eficazes, como Stalin, Lênin ou Fidel Castro. Ao contrário, os
companheiros citados são bem mais charmosos: Chico Buarque, Pablo
Neruda, José Saramago – e por aí vai.
Nada disso é gratuito. O
que se quer é inibir o debate de ideias e rumos para o país, fora da
agenda socialista. Mas não parece suficiente. Tanto assim que o PT
persiste na ideia de “regulamentar” a mídia e tê-la sob “controle
social”.
Incluiu-a no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos e
teve que recuar diante das reações. Na campanha de 2010, Dilma
comprometeu-se a não levá-la adiante, assegurando que, em seu governo,
só admitiria o controle remoto. Boa tirada, a ser comprovada.
Mês
passado, o vice-presidente nacional do PT, Alberto Cantalice, publicou,
no site do partido, uma lista negra de seis jornalistas (“entre outros
menos votados”) que, segundo ele, deveriam ser simplesmente banidos da
mídia. O partido não o contradisse, nem deu bola para as reações de
protesto. Portanto, até prova em contrário, a lista está em vigor.
Semana
passada, uma analista do Banco Santander foi demitida, por exigência de
Lula, governo e PT, por ter, em carta aos clientes, constatado o óbvio:
que a hipótese de reeleição de Dilma afeta negativamente as cotações no
mercado. Recomendou aos investidores que, por essa razão, procurassem o
banco para orientar suas aplicações. Entrou também para o índex.
A
censura, nesse caso, saiu do terreno da informalidade e ganhou
contornos oficiais. Interferiu na comunicação de um banco com seus
clientes, o que nem o governo militar ousou.
Parece ser uma
prévia do que aguarda o país, se Dilma vencer. É pelo menos o que
promete o deputado José Guimarães (PT-CE), irmão de José Genoíno, que
diz que a regulamentação da mídia virá de qualquer jeito, “quer queiram,
quer não queiram”.
Numa democracia, como é óbvio, tal expressão só faz sentido se dita pela contramão.
Ruy Fabiano é jornalista