domingo, 27 de abril de 2014

Políticos e Tribunais de Conta



O Estado de S. Paulo, 27/4/2013
Políticos são 62% em tribunais de contas
Estudo da Transparência Brasil mostra que maioria dos conselheiros chega às cortes após exercer mandatos ou cargos em governos
27 de abril de 2014 | 2h 03
Daniel Bramatti, José Roberto de Toledo - O Estado de S. Paulo

Estudo da Transparência Brasil, entidade cuja principal bandeira é o combate à corrupção, revela que 62% dos 238 conselheiros de tribunais de contas conquistaram os cargos depois de exercer mandatos políticos ou posições em governos. Segundo o relatório, os tribunais são caros, altamente politizados e "desenhados para não funcionar".
Além dos 62% de ex-políticos, cerca de 15% dos integrantes dos tribunais são parentes de algum político local - o que coloca em questão sua independência para atuar como fiscais da administração pública. Esse cenário vale tanto para as cortes estaduais quanto para o Tribunal de Contas da União (TCU), como mostrou recentemente o episódio Gim Argello (mais informações nesta página).
Nos tribunais de contas pelo País, dois terços dos integrantes são nomeados pelo Legislativo e um terço pelo Executivo. "Eles costumam ser indicados justamente para neutralizar o papel fiscalizador desses órgãos - e, de quebra, para agradar a correligionários, parentes e aliados", diz o relatório elaborado por Natália Paiva e Juliana Sakai.
O estudo detectou que dois em cada cinco conselheiros sofrem processos ou foram condenados na Justiça ou nos próprios tribunais de contas - até por improbidade administrativa e peculato. Em Goiás, cinco dos sete conselheiros do TCE têm pendências na Justiça.
Segundo o relatório, as exigências previstas na Constituição são frouxas. As exigências se restringem a aspectos formais - ter entre 35 e 70 anos de idade e uma década de experiência profissional correlata - e a questões subjetivas, como "idoneidade moral", "reputação ilibada" e "notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública".
Na prática, os critérios técnicos ficam em segundo plano. "A indicação política é a regra na escolha de conselheiros, o que faz com que as votações nas Assembleias, nas Câmaras e no Congresso sejam jogos de cartas marcadas", diz o estudo.
Os cargos são cobiçados por políticos em fim de carreira, entre outros pontos, por garantir uma aposentadoria confortável. "Em geral, o salário é de R$ 26.500, além de gratificações, verbas de gabinete uniformemente obscuras, prerrogativa de nomear funcionários comissionados e vitaliciedade no cargo (com aposentadoria compulsória aos 70 anos)."
Contas caras. Os tribunais, que são órgãos auxiliares do Poder Legislativo, têm uma estrutura tão cara que, em muitos casos, acabam custando aos cofres públicos quase tanto quanto as Assembleias Legislativas.
No Rio, o orçamento da Assembleia é de R$ 682 milhões, enquanto o do TCE chega a R$ 593 milhões. Em outras cinco unidades da Federação (Amazonas, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Pernambuco), os gastos dos tribunais de contas equivalem a 70% ou mais do total consumido pelas Assembleias.
Mesmo quando as cortes exercem poder fiscalizador, raramente as punições se concretizam. "Como os TCs não fazem parte do Poder Judiciário, o julgamento das contas segue o formato de um tribunal administrativo, o que provoca impacto sobre a validade de suas decisões."
No caso do TCU, "a relação entre multas aplicadas e pagas é baixíssima: 4,6% entre 2005 e 2009 e 8,3% entre 2008 e 2010, segundo dados do próprio tribunal". "Pode-se inferir que nos TCEs e TCMs a efetividade tende a ser ainda mais baixa. O que leva ao questionamento natural sobre se o dinheiro público investido na manutenção dessas cortes fortemente politizadas tem o retorno esperado."

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Legados autoritários no Brasil




http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/PONTO-DE-VISTA/464818-CIENTISTA-POLITICO-JORGE-ZAVERUCHA-CONVERSA-SOBRE-AS-RELACOES-ENTRE-CIVIS-E-MILITARES.html

terça-feira, 1 de abril de 2014

A ditadura venceu?



Folha de S. Paulo, 1 de abril de 2014.
Vladimir Safatle
A ditadura venceu

Hoje é o dia que marca, afinal, os 50 anos do golpe militar ocorrido em 1º de abril de 1964. Durante as últimas semanas, a sociedade brasileira foi obrigada a ler afirmações de personagens como o senhor Leônidas Pires Gonçalves, primeiro ministro do Exército pós-ditadura, insultando o país ao dizer que: "a revolução (sic) não matou ninguém" e que ela teria sido uma necessidade histórica.
Antes, correntistas do banco Itaú, uma instituição tão organicamente ligada à ditadura que teve um de seus donos, o senhor Olavo Setúbal, nomeado prefeito biônico da cidade de São Paulo, receberam uma singela agenda onde se lia que o dia de hoje seria o aniversário da dita "revolução". Ninguém, nem nas Forças Armadas nem no setor empresarial que tramou e alimentou o golpe teve a dignidade de pedir à sociedade perdão por um regime que destruiu o país.
É claro que ainda hoje há os que procuram minimizar a ditadura afirmando que ela foi responsável por conquistas econômicas relevantes. Raciocínio semelhante foi, por um tempo, utilizado no Chile.
Tanto em um caso quanto no outro esse raciocínio é falso. A inflação brasileira em 1963 era de 78%. Vinte anos depois, em 1983, era de 239%. O endividamento chegou, ao final da ditadura, a US$ 100 bilhões, legando um país de economia completamente cartelizada, que se transformara na terceira nação mais desigual do mundo e cujas decisões eram tomadas não pelo ministro da economia, mas pelos tecnocratas do Fundo Monetário Internacional chefiados pela senhora Ana Maria Jul. A concentração e a desigualdade se acentuaram, o êxodo rural destruiu nossas cidades, a educação pública foi destroçada, a começar por nossas universidades.
Mas o maior exemplo desse revisionismo histórico encontra-se na crença, de 68% da população brasileira, de que aquele era um período de menos corrupção. Alguém deveria enviar para cada uma dessas pessoas os dossiês de casos como: Coroa-Brastel, Capemi, Projeto Jari, Luftalla, Banco Econômico, Transamazônica e Paulipetro.
Tudo isso apenas demonstra o fracasso que foi, até agora, o dever de memória sobre a ditadura.
Mas o que poderíamos esperar de governos, como o de Fernando Henrique Cardoso, cujos fiadores eram Antônio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen, e de Luiz Inácio Lula da Silva/Dilma Rousseff, que tem em José Sarney um de seus pilares e em Antonio Delfim Netto um de seus principais conselheiros?
Como esperar uma verdadeira política contra a ditadura de governos que dependem de figuras vindas diretamente da ditadura?
Foi assim, de maneira silenciosa, que a ditadura venceu.
VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.