segunda-feira, 30 de abril de 2012

Promotor do TPI pede que Brasil priorize fim da impunidade

Folha de S. Paulo, 30 de abril de 2012.

Acabou a era de dar a ditadores exílio dourado em lindas praias
Promotor do TPI pede que Brasil priorize fim da impunidade em sua agenda LUCAS FERRAZ
DE BRASÍLIA
Promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), o argentino Luis Moreno-Ocampo, 59, diz que o Brasil deveria priorizar em sua agenda a defesa do fim da impunidade.
"Quando se discutiu o problema de Darfur [oeste do Sudão e palco da ação de rebeldes] em 2005, o país teve uma posição muito dura de que havia que se evitar a impunidade de seus crimes. Esse tipo de coisa faz falta ao legado do país. Seria muito importante que na política brasileira se incluísse esse tema como uma coisa prioritária."
Há nove anos como promotor-chefe do TPI, cargo que vai deixar em junho, Ocampo diz que há uma "massa crítica" em formação na África contra as atrocidades que assolaram o continente nos últimos anos.
Ele ressalta que o "conceito de impunidade está acabando", referindo-se à histórica condenação na semana passada de Charles Taylor, ex-presidente da Libéria, pela matança na guerra civil de Serra Leoa. "Acabou a ideia de dar aos líderes [que cometeram crimes políticos] um exílio dourado nas lindas praias da costa sul francesa."
A seguir, a entrevista que concedeu à Folha, por telefone, da sede do TPI, em Haia, na Holanda.
Folha - O TPI completa dez anos em 2012. O tribunal até agora só condenou um líder político, [o ex-rebelde] Thomas Lubanga, do Congo, em março. Não é pouco?
Luis Moreno-Ocampo - A questão não é o número de condenados. A corte seria perfeita se não tivesse nenhum julgamento, se não houvesse mais genocídios. A responsabilidade primária é das cortes nacionais. Se elas atuam, a corte internacional não deve atuar. Seria perfeito se a corte internacional não precisasse intervir. O número de condenações e julgamentos não é relevante para analisar a corte, o relevante é como o mundo avança, como previne crimes e os castiga.
Mas Nuremberg [corte que julgou nazistas] ocorreu há quase 70 anos. Desde então, o mundo viu vários genocídios.
É algo novo. Nuremberg foi a primeira vez na historia que o juízo penal não foi feito por um país, mas por uma corte internacional. Lá se formou um conceito de crimes que afetam toda a comunidade internacional, e essa ideia se desenvolveu nos anos 1990, após a Guerra Fria, com os crimes na Iugoslávia, em Ruanda, Serra Leoa e Camboja.
Agora exige-se justiça na Síria, antes isso não acontecia. Mas na Síria não há acordo para se fazer justiça, e isso mostra como o cenário da Justiça internacional ainda é complicado.
A União Africana disse que há uma perseguição do TPI contra os líderes da região. Mas parece óbvio, pelos conflitos que estouraram na África, que lá seja o lugar onde mais se necessita da atuação de uma corte internacional, não?
Na América Latina e na Europa há uma espécie de massa crítica que não aceita crimes massivos, inclusive nos governos.
Quando houve o conflito entre Colômbia e Equador, todos os países da região entraram em cena para evitar algo pior. Essa massa crítica está aparecendo também na África. Trinta e quatro países do continente são membros da corte.
Mas ao mesmo tempo há dirigentes e líderes políticos que têm medo de serem processados. Isso gera uma resistência permanente, uma tensão entre países que querem mudar e outros que acham que podem governar exterminando pessoas.
Alguns países africanos usaram fóruns internacionais para atingir a corte, como Gaddafi. Ele fazia isso porque governava por meio do terror, a corte era um inimigo potencial.
Alguns países não reconhecem a jurisdição da corte, como China e Índia.
China, Índia e EUA...
Esses países tentam enfraquecer a atuação do tribunal?
Não, os países têm direito a não se filiar, não dá para tomar isso como um ataque. No caso de Gaddafi, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma investigação com apoio da Rússia, China, EUA e Índia. Todos esses países não são membros da corte, mas estão de acordo com seu trabalho. Isso está evoluindo.
Por que o tribunal não promove ações no Brasil pelos crimes cometidos na ditadura?
A corte começa em julho de 2002, os crimes cometidos antes dessa data não podem ser julgados. Na maioria dos países da América Latina, os crimes ocorreram nos anos 1970 e princípio dos 1980, por isso não temos jurisdição.
O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA por não julgar os crimes da ditadura, e ainda não cumpriu a sentença. Uma Lei da Anistia proíbe julgar quem cometeu delitos. Em que medida uma corte internacional pode influenciar a Justiça nacional?
Há um consenso hoje de que é necessário investigar os delitos.
Mas há países como Uruguai e Brasil que decidiram não fazê-lo. É um debate importante, e está claro que qualquer crime cometido no futuro será investigado. Há um fenômeno novo, acabou a ideia de dar aos líderes [que cometeram crimes políticos] um exílio dourado nas lindas praias da costa sul francesa. As coisas mudaram muito em 20 anos, o conceito de impunidade está acabando.
Mas no Uruguai, onde também há uma Lei da Anistia em vigor, a Suprema Corte autorizou que alguns militares fossem processados. No Brasil essa tentativa não prospera.
Cada país tem um modelo e seu próprio processo. Mais do que olhar para o passado do Brasil, é importante ter foco no presente do país, uma potência mundial. O Brasil pode dar uma força distinta, o país teve um esforço muito grande na questão do Irã, com um papel importante.
Apurar os crimes do passado tem relação na consolidação dessa boa imagem internacional do país?
Países que promoveram ações para julgar seu passado de violência política têm menos tortura em casos normais. Há estudos sérios que mostram isso. Argentina e Chile, que julgaram os crimes de suas ditaduras, têm menos problemas com a tortura que os países que não fizeram. Esse não é um tema do passado, é um tema do presente, do futuro.
Me lembro quando se discutiu o problema de Darfur em 2005, no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil teve uma posição muito dura de que havia que se evitar a impunidade desses crimes.
Esse tipo de coisa faz falta ao legado do país. Seria muito importante que na política brasileira se incluísse esse tema como uma coisa prioritária.
A Comissão da Verdade deve começar nos próximos meses. Mesmo sem poder punir judicialmente quem cometeu crimes, uma comissão nesse modelo é eficaz?
Se eu tivesse um filho desaparecido, iria querer saber o que aconteceu com ele. Para todas as famílias é muito importante o conhecimento da verdade. Tudo tem um papel importante.

domingo, 29 de abril de 2012

Golpes de Estado


O Estado de S. Paulo, 29 de abril de 2012.

Golpes de Estado
29 de abril de 2012 | 3h 07

ROBERTO ROMANO, filósofo, professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); é autor, entre outros livros, de "O Caldeirão de Medeia"(Perspectiva) - O Estado de S.Paulo
A palavra "golpe" hoje circula no Brasil em todos os ambientes. O tema tem alcance histórico. O moderno poder político é movido por golpes canhestros ou eficazes. Basta consultar a crônica da Europa para verificar que todos os modos legítimos de mando foram violentados por golpistas de várias tendências.
Assim se afirmou o poder de Luís XI e de Henrique IV, o mesmo ocorrendo com Robespierre e, depois, com a família de Napoleão. Pétain e Laval encerram a fieira do golpismo. Na Inglaterra, a ditadura de Cromwell afastou monarquistas e liberais (Levellers) da Revolução. Em Portugal, o golpe determinou a luta de Pedro IV, o nosso Pedro I, contra o seu irmão Miguel. O século 20 português conheceu golpes continuados. O fascismo italiano foi uma série de golpes, o mesmo na Espanha. Na Alemanha e na Rússia do século 20, regimes virulentos dominaram o Estado à força de golpes.
No Brasil, temos os golpes do imperador, dos regentes, dos oficiais que derrubam a monarquia, de Getúlio, que instalou uma ditadura feroz, dos civis e militares erguidos contra a ordem estabelecida em 1961 e 1964. Depois, o golpe dentro do golpe no Ato Institucional n.º 5 (AI-5), o golpe do chamado Pacote de Abril, etc. Setores das esquerdas falam hoje da imprensa golpista, no mesmo passo em que as direitas bradam contra o revanchismo.
É preciso não banalizar a noção de golpe, cujo fim é impedir a força de adversários no Estado e nas sociedades. Eles são propositivos se buscam impor formas de pensamento e suspendem os mecanismos jurídicos das anteriores formas de poder. Por não terem origem nas urnas, os seus atores se legitimam invocando a urgência (o Estado estar-se-ia corrompendo) ou a necessidade. Foi assim no AI-1: "A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma". O golpe aposenta o voto, cassa mandatos, fecha partidos.
Importante estudo vem de Gabriel Naudé nas Considerações Políticas sobre os Golpes de Estado (1640). O texto pode ser lido online na Biblioteca Gallica. Naudé situa o golpe no campo da prudência. Ele critica a divisão tríplice daquela virtude feita por Justo Lipsio: a leve - dissimulação e desconfiança na ordem política; a sórdida, que consiste "em adquirir amizades e serviços de uns enganando outros por falsas promessas e mentiras, presentes e outros meios"; e a virulenta, "que se afasta totalmente da virtude e das leis". Segundo Naudé, tal fracionamento é inútil, pois todas as prudências dependem de uma só, ilustrada por Luís XI, o "Rei Aranha", cuja máxima era: "Quem não sabe dissimular não sabe governar". A regra dos governos reside na desconfiança universal e na dissimulação, que consiste ou em omitir - pretender que nada foi visto pelos poderosos - ou "na ação e na comissão, o ganho de alguma vantagem para atingir alvos por meios encobertos". Omissões e comissões nutrem os poderosos e fornecem "os diversos meios, razões e conselhos usados pelos príncipes para manter sua autoridade e a situação do público" sem "parecer transgredir o direito comum e causar suspeita de fraude e injustiça".
Um golpista indicado por Naudé é Dionísio, tirano de Siracusa. Querendo impedir as reuniões dos opositores, agendadas para a noite, ele afrouxava sem alarde as penas dos assaltantes... Golpes incluem o segredo das ações "extraordinárias que os príncipes são levados a executar nos assuntos difíceis e desesperados, contra o direito comum, sem mesmo guardar alguma ordem ou forma de justiça, prejudicando o interesse do particular em benefício público". Rapidez, quebra de costumes e de jurisprudência integram os golpes. Neles "vemos cair a tempestade sem ter ouvido os trovões (...), as Matinas são entoadas antes de o sino tocar, a execução precede a sentença. Fulano recebe o golpe que pensava aplicar, sicrano morre, imaginando estar seguro". Truque jurídico golpista: "O processo é instruído após a execução". A nova ordem livra-se das "pequenas formalidades exigidas pela Justiça".
Naudé profetiza os regimes sangrentos do século 20. O golpe (similar ao cometa e ao terremoto), afirma ele, deve ser tido como exceção. (Carl Schmitt tem muito a dizer sobre esse assunto.) Nele o político precisa ser visto "como o pai que cauteriza um membro do filho para salvar a sua vida". O golpe justifica-se ao abolir "privilégios, direitos, franquias, usufruídos por alguns governados em prejuízo da autoridade principesca".
Os golpes devem ser radicais como os "cirurgiões competentes que, ao abrir uma veia, tiram o sangue para limpar os corpos de seus humores nocivos". Segundo Naudé, eles precisam ser fulminantes e despercebidos. Não existe ação eficaz se os planos golpistas são publicados. Jamais ocorreu golpe sem a purga dos "membros apodrecidos": o golpe é intolerante e ignora "as pequenas formalidades da Justiça". O que produz a defesa dos golpes em maquiavélicos como Naudé? As guerras dinásticas e de religião na Europa. Mas o golpe, longe de sanar as guerras civis, as perpetua, levando-as ao plano internacional. Quem deseja o convívio político segue as "pequenas formalidades" jurídicas. Sem elas ninguém está seguro, nem mesmo os golpistas, pois os regimes não são eternos e o golpista de hoje é a vítima do golpe, amanhã.
A democracia exige simultaneidade irredutível das diferenças ideológicas, nela não existem inimigos, como propõe Carl Schmitt, somente adversários que merecem respeito e jamais ataques fratricidas. Qual o terreno fértil dos golpes? A desconfiança, a dissimulação, os ódios espalhados pelos golpistas que empesteiam e sufocam a vida política. Tais são os primeiros e últimos obstáculos a serem vencidos.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Amartya Sen elogia o Brasil

Folha de S. Paulo, 25 de abril de 2012.

Para Nobel de Economia, Brasil é um exemplo para China e Índia

Amartya Sen considera país modelo de crescimento com justiça
ISABEL FLECK
DE SÃO PAULO


O Brasil é um bom exemplo de conciliação entre rápido crescimento econômico e desenvolvimento social. A afirmação é do indiano Amartya Sen, 78, Nobel de Economia em 1998, que participou anteontem, em São Paulo, do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento.
Para Sen, uma das razões que levaram o Brasil a mudar de posição no cenário global foi o "reconhecimento da complementaridade entre crescimento rápido e políticas de justiça social".
"O Brasil encontrou uma maneira de fazer com que o crescimento fosse compartilhado amplamente pela população", disse, destacando que o país pode ser um modelo para China e Índia.
Segundo Sen, idealizador do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a frequente comparação entre os vizinhos asiáticos mostra números de desenvolvimento social -como educação e saúde- mais altos na China.
No entanto, ele lembrou que outros valores, como liberdade de expressão e democracia, devem ser levados em conta na comparação.
"A China executa [pessoas] em uma semana mais do que a Índia executou desde a sua independência, em 1947", comparou.
Para Sen, é fundamental que a discussão sobre os impactos do crescimento econômico faça parte dos debates da Rio+20. "Antes de falarmos nos benefícios do crescimento econômico, temos que nos concentrar no crescimento sustentável", disse.
O Nobel ainda criticou a forma como os governos europeus têm reagido à crise. "Cortes repentinos e severos podem ter um efeito depressivo", afirmou, destacando que é preciso "esperança e não desespero para ter coragem de buscar a mudança social".

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Baixeza na Corte


O Estatado de S. Paulo, 22 de abril de 2012.
Baixeza na Corte
22 de abril de 2012 | 3h 01
DORA KRAMER -
Nunca foi tão apropriado um chamamento quanto o feito pelo ministro Carlos Ayres Britto em seu discurso de posse na presidência do Supremo Tribunal Federal: "Mais que impor respeito, o Judiciário tem que se impor o respeito".
Os desaforos distribuídos pelo antecessor Cezar Peluso em suas entrevistas de despedida do posto, bem como o revide de um de seus alvos, o ministro Joaquim Barbosa, acusando-o de manipular resultados de julgamentos, evidenciam a carência do atributo invocado pelo novo presidente da Corte.
As brigas ao molde de ambientes desatinados não são novidade no Supremo. Vira e mexe um ministro se indispõe publicamente com o outro. Não quer dizer que sejam condutas aceitáveis. A repetição as torna mais condenáveis.
Mas agora a ausência de cerimônia chegou ao ápice, levando a credibilidade da Corte ao rumo do declínio.
O ministro Peluso disse o que quis sobre a presidente Dilma Rousseff, sobre um senador da República, sobre a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, sobre a independência jurisdicional do Supremo.
Acabou ouvindo o que não deve ter gostado de ouvir de um de seus pares a quem chamou temperamental, complexado e permeável a pressões da opinião pública por insegurança.
Em entrevista ao jornal O Globo, Joaquim Barbosa deu o troco com juros e, como se dizia antigamente, correção monetária.
Nos trechos amenos chamou Peluso de "ridículo", "brega", "caipira", qualificou sua passagem pela presidência do STF como "desastrosa" e o acusou de ter "incendiado o Judiciário inteiro com sua obsessão corporativista".
Alguns adjetivos nem precisavam ser ditos por outrem, pois o próprio Cezar Peluso tratou, recente e anteriormente, de expô-los ao escrutínio público em posições assumidas nos votos ou declarações.
Joaquim Barbosa, contudo, foi muito além: acusou Peluso de manipular resultados de votações, usar das prerrogativas do cargo para fazer valer sua vontade, criar "falsas questões processuais" e na imputação mais grave de todas referiu-se a roubo e prevaricação.
Ou há outra interpretação possível para o trecho em que o ministro diz que o então presidente aproveitou a ausência dele do STF para lhe "surrupiar" processo em que era relator a fim de "ceder facilmente" a pressões?
Se os ministros do Supremo não estivessem fora da jurisdição do Conselho Nacional de Justiça seria um caso de se proceder a averiguações.

sábado, 21 de abril de 2012

“O Brasil precisa deixar claro que respeita o Estado de Direito”, diz ONG internacional

O Estado de S. Paulo, 20 de abril de 2012.

A Human Rights Watch, uma das principais organizações de defesa dos direitos humanos do mundo, está prestes a instalar seu escritório no Brasil. Será a 16.ª base física da ONG, que tem mais de 100 pesquisadores trabalhando em 90 países. Os trabalhos no Brasil serão orientados por José Miguel Vivanco, responsável pela Divisão das Américas.
Vivanco ficou mundialmente conhecido em 2008 pelo episódio de sua expulsão da Venezuela – logo após a divulgação de um relatório sobre as violações de direitos humanos no governo do presidente Hugo Chávez. A polêmica faz parte do dia a dia desse advogado de origem chilena, que já atuou como assessor da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
 Na entrevista abaixo, ele contesta recente declaração da presidente Dilma Rousseff, que considera perigoso dar palpites em questões de direitos humanos em outros países. Também afirma que o Brasil deverá, obrigatoriamente, cumprir a decisão da OEA quanto aos mortos e desaparecidos na ditadura militar e defende os procuradores que acusam agentes de Estado de crimes continuados. Nenhum período da história e nenhuma instituição, civil ou militar, pode ficar à margem de investigações, segundo o especialista.
 O que explica o interesse de sua organização pelo Brasil?
 A rationale por trás da nossa vinda apoia-se em dois teoremas principais. Primeiro, o nosso trabalho terá uma vertente interna, começando com o quesito segurança pública. Trata-se de demonstrar que segurança pública não é incompatível com o respeito aos direitos humanos. Na realidade brasileira, nem sempre tem sido possível dar efetiva segurança ao público sem atropelar os direitos humanos. Segundo, pretendemos colaborar no debate em torno da centralidade dos direitos humanos na diplomacia brasileira. O Brasil – e também Índia e África do Sul, outros países em que estamos instalados – é uma democracia, com imprensa livre e judiciário independente, que ganha crescente peso no cenário internacional. Nós gostaríamos que o Brasil exercesse um papel de liderança mais efetivo ao nível global na promoção e proteção aos direitos humanos.
 O que achou da declaração da presidente Dilma, nos Estados Unidos, sobre o risco de dar opiniões sobre direitos humanos em outros países?
 Ficamos surpresos quando ela disse, na Universidade de Harvard que não faria recomendações a outros países, pois considerava isso “perigoso”, e que não gostaria que fizessem comentários sobre o Brasil. A ideia de que violações de direitos humanos são assuntos internos de cada país não reflete o consenso internacional legal. Hoje se reconhece o princípio da universalidade dos direitos humanos e todos países são sujeitos ao escrutínio internacional quando se trata do respeito aos direitos fundamentais.
 O senhor tem acompanhado os debates sobre a Comissão da Verdade no Brasil?
 São inegáveis os méritos da Comissão Nacional da Verdade para o esclarecimento de graves violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura e a consolidação da democracia no Brasil. Porém, o país foi condenado no fim do ano passado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a promover justiça penal com relação aos desaparecimentos e execuções de militantes na Guerrilha do Araguaia, bem como em todos os demais casos de violação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
 Ainda há um debate interno sobre o cumprimento dessa sentença.
 O cumprimento é obrigatório. Não se trata somente dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, mas também de deixar claro que o país respeita plenamente o Estado de Direito. Nenhum cidadão, governo ou instituição civil ou militar está acima da lei, assim como nenhum período da história brasileira pode ficar à margem de investigações.
 Acha que parentes ou representantes de pessoas que foram vítimas da ditadura militar devem fazer parte da Comissão da Verdade? Ela deveria acolher representantes dos militares?
 Pela lei que cria a Comissão Nacional da Verdade, os seus membros devem ser brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e institucionalidade constitucional, bem como o respeito aos direitos humanos. Outro requisito importante é a neutralidade do indicado para o exercício de suas funções, ou seja, que a Comissão não seja integrada por pessoas envolvidas nos eventos de repressão ou de resistência a serem investigados. O essencial é a sólida credibilidade de cada membro da comissão, independente de seu pensamento ou afiliação política. A confiabilidade do relatório final dependerá não somente do rigor metodológico dos trabalhos mas também da autoridade moral dos signatários.


 Procuradores federais vem tentando responsabilizar agentes de Estado envolvidos em casos de desaparecidos políticos, acusando-os pelos crimes de sequestro e ocultação de cadáver. Mas a primeira denúncia, contra um coronel da reserva, foi rejeitada. Como vê a iniciativa?
 A decisão da Justiça Federal do Estado do Pará de rejeitar a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra o coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, pelo crime de sequestro qualificado, foi uma oportunidade perdida para garantir justiça em casos de violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura.
 Por quê?
 O juiz não levou em conta que, segundo a jurisprudência internacional, leis de anistia não podem ser aplicadas a casos de desaparecimento forçado. Enquanto o cadáver de uma vítima de sequestro por agentes do Estado não for recuperado, é impossível determinar quando o crime prescreveu, então a anistia não se aplica. A suprema corte chilena, por exemplo, admitiu e sustentou esse princípio. Na prática, essa norma é importantíssima pois obriga os agentes do Estado que cometeram sequestros a esclarecerem o destino das vitimas.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Barbosa ataca Peluso


20/04/2012 - 8:14

Peluso “manipulou” julgamentos, diz Joaquim Barbosa


Fernando Rodrigues

Vice-presidente do STF acusa presidente anterior de agir de forma “inconstitucional” e “ilegal”
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa atacou duramente o ex-presidente da Corte Cezar Peluso.
Joaquim Barbosa chamou Peluso de “ridículo”, “brega”, “caipira”, “corporativo”, “desleal”, “tirano” e “pequeno” em entrevista à jornalista Carolina Brígido, disponível para assinantes do jornal “O Globo”.
Mas para além dos ataques mais pessoais, o mais relevante foi uma acusação feita por Joaquim Barbosa: “Peluso inúmeras vezes manipulou ou tentou manipular resultados de julgamentos, criando falsas questões processuais simplesmente para tumultuar e não proclamar o resultado que era contrário ao seu pensamento”.
Trata-se de acusação gravíssima. Se o ex-presidente do STF de fato cometeu tal manipulação, é necessário investigar. Abre-se uma crise institucional.
O “Globo” explica que Joaquim dá como exemplo do que seria a manipulação de Peluso julgamentos de políticos por causa da Lei da Ficha Limpa.
Eis o que diz o ministro Joaquim Barbosa: “Lembre-se do impasse nos primeiros julgamentos da Ficha Limpa, que levou o tribunal a horas de discussões inúteis; [Peluso] não hesitou em votar duas vezes num mesmo caso, o que é absolutamente inconstitucional, ilegal, inaceitável”.
Esse caso seria o do julgamento de 14.dez.2011 no qual o STF livrou Jader Barbalho da Lei da Ficha Limpa e assim deu ao político do Pará o direito de voltar ao Senado.
Esse julgamento estava empatado em 5 a 5 (o tribunal tem 11 integrantes). À época, o STF divulgou uma nota a respeito: “Diante do impasse, a defesa de Jader ingressou com o requerimento [para que fosse usado o voto de qualidade], que foi apresentado ao Plenário pelo presidente Cezar Peluso. ‘Consulto o plenário se está de acordo com a proposta?’, questionou o presidente. A decisão pela aplicação do dispositivo foi unânime. O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, não participou da decisão porque está de licença médica”.
Joaquim considerou a atitude de Peluso errada: “[Peluso] cometeu a barbaridade e a deslealdade de, numa curta viagem que fiz aos Estados Unidos para consulta médica, ‘invadir’ a minha seara (eu era relator do caso), surrupiar-me o processo para poder ceder facilmente a pressões…”.
Joaquim Barbosa dá a entender que se considera vítima de preconceito de cor dentro do STF, ele que é o primeiro ministro negro da Corte. “Alguns brasileiros não negros se acham no direito de tomar certas liberdades com negros”, declarou na entrevista.
E mais: “Ao chegar ao STF, eu tinha uma escolaridade jurídica que pouquíssimos na história do tribunal tiveram o privilégio de ter. As pessoas racistas, em geral, fazem questão de esquecer esse detalhezinho do meu currículo. Insistem a todo momento na cor da minha pele. Peluso não seria uma exceção, não é mesmo?”.
As declarações de Joaquim Barbosa foram dadas, em parte, como resposta a uma entrevista concedida por Cezar Peluso ao site “Consultor Jurídico” em 18.abr.2012. Peluso nessa entrevista chama Barbosa de “inseguro”.
Ao ser indagado o que achava de ter sido chamado de “inseguro”, Barbosa respondeu: “Permita-me relatar um episódio recente, que é bem ilustrativo da pequenez do Peluso: uma universidade francesa me convidou a participar de uma banca de doutorado em que se defenderia uma excelente tese sobre o Supremo Tribunal Federal e o seu papel na democracia brasileira. Peluso vetou que me fossem pagas diárias durante os três dias de afastamento, ao passo que me parecia evidente o interesse da Corte em se projetar internacionalmente, pois, afinal, era a sua obra que estava em discussão. Inseguro, eu?”.
post scriptum 1: ao falar sobre sua suposta insegurança, Joaquim Barbosa disse também: “Peluso se esqueceu de notar algo muito importante. Pertencemos a mundos diferentes. O que às vezes ele pensa ser insegurança minha, na verdade é simplesmente ausência ou inapetência para conversar, por falta de assunto. Basta comparar nossos currículos, percursos de vida pessoal e profissional. Eu aposto o seguinte: Peluso nunca curtiu nem ouviu falar de The Ink Spots! Isso aí já diz tudo do mundo que existe a nos separar…”
post scriptum 2: The Ink Spots foi um grupo de vocalistas muito popular nos EUA nas décadas de 1930 e 1940. O Ink Spots ajudou a definir gêneros musicais como “rhythm and blues” e o próprio “rock and roll”. Um grande sucesso do grupo foi  “If I dind’t care“, de 1939. Em portuguës, “se eu não me importasse”… muito apropriado para o momento pelo qual passa o STF.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Impunidade em relação a assassinatos de jornalistas


O Estado de S. Paulo, 18 de abril de 2012.
Brasil é o 11º país mais impune em relação a assassinatos de jornalistas
Cinco crimes contra profissionais brasileiros ainda não foram solucionados, segundo relatório global
17 de abril de 2012 | 15h 16
Bruno Lupion, do estadão.com.br

SÃO PAULO - O Brasil é o 11º país do mundo com o pior índice de impunidade em crimes contra jornalistas, segundo o relatório 'Impunity Index', divulgado nesta terça-feira, 17, pela organização americana Committee to Protect Journalists (CPJ).
O relatório se baseia em um índice calculado a partir do número de assassinatos não esclarecidos de jornalistas em relação à população total do país. Segundo a organização, o Brasil acumula cinco casos de homicídios não solucionados de jornalistas para uma população de 194,9 milhões - índice de 0.026.
O país que apresenta o pior cenário de impunidade é o Iraque, com 93 assassinatos não esclarecidos para uma população de 32 milhões (índice de 2.906), seguido pela Somália (1.183) e pelas Filipinas (0.589). Entre os países latino-americanos, além do Brasil figuram na lista o México (0.132) em oitavo lugar e a Colômbia (0.173) em quinto.
O relatório da CPJ também traz detalhes dos assassinatos de jornalistas em cada país. No Brasil, foram 20 crimes desse tipo desde 1992, todos contra profissionais do sexo masculino. Entre eles, 11 têm como principais suspeitos agentes oficiais, ao passo que sete teriam sido mortos por grupos criminosos, um por moradores e um de forma desconhecida. Metade dos jornalistas trabalhava na mídia impressa, sete atuavam em emissoras de rádio, quatro em televisão e dois na internet - a soma é maior que o total pois alguns profissionais atuavam em mais de um meio.
No tocante aos assuntos cobertos pelos jornalistas brasileiros mortos, 14 investigavam casos de corrupção, oito repercutiam crimes, sete atuavam na área de política, quatro se dedicavam à cobertura de assuntos relacionados aos direitos humanos e um cobria economia e negócios.
Veja abaixo o ranking completo da CPJ com o índice de cada país
1º  - Iraque - 2.906
2º  - Somália - 1.183
3º  - Filipinas - 0.589
4º  - Sri Lanka - 0.431
5º  - Colômbia - 0.173
6º  - Nepal - 0.167
7º  - Afeganistão - 0.145
8º  - México - 0.132
9º  - Rússia - 0.113
10º - Paquistão - 0.109
11º - Brasil - 0.026
12º - Índia - 0.005
Em seguida, a lista dos 20 jornalistas brasileiros mortos desde 1992, o veículo para o qual trabalhava e a data do crime
09/02/2012 - Mario Randolfo Marques Lopes - Vassouras na Net
15/06/2011 - Edinaldo Filgueira - Jornal O Serrano
09/04/2011 - Luciano Leitão Pedrosa - TV Vitória e Radio Metropolitana FM
18/10/2010 - Francisco Gomes de Medeiros - Radio Caicó
05/05/2007 - Luiz Carlos Barbon Filho - Jornal do Porto, JC Regional e Rádio Porto FM
24/04/2004 - José Carlos Araújo - Rádio Timbaúba FM
20/04/2004 - Samuel Romã - Radio Conquista FM
23/07/2003 - Luiz Antônio da Costa - Época
30/06/2003 - Nicanor Linhares Batista - Rádio Vale do Jaguaribe
30/09/2002 - Domingos Sávio Brandão Lima Júnior - Folha do Estado
03/06/2002 - Tim Lopes - TV Globo
13/03/2000 - Zezinho Cazuza - Rádio Xingó FM
10/03/1998 - José Carlos Mesquita - TV Ouro Verde
14/01/1998 - Manoel Leal de Oliveira - A Região
29/10/1997 - Edgar Lopes de Faria - FM Capital
29/08/1995 - Reinaldo Coutinho da Silva - Cachoeiras Jornal
12/05/1995 - Aristeu Guida da Silva - A Gazeta de São Fidélis
01/05/1995 - Marcos Borges Ribeiro - Independente
21/03/1995 - Zaqueu de Oliveira - Gazeta de Barroso
19/02/1994 - João Alberto Ferreira Souto - Jornal do Estado