Retrocesso à vista | 29 Jan 2012 | |
Antonio José Campos Moreira O Ministério Público pode e deve, ainda que em caráter supletivo, realizar diretamente atos de investigação criminal, buscando a elucidação do crime e de sua autoria, de modo a viabilizar a ação penal perante o Poder Judiciário. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça vêm, reiteradamente, em suas decisões, reconhecendo ser lícito ao Ministério Público instaurar, sob sua presidência, procedimento investigatório de natureza criminal, observado o disposto na Súmula Vinculante nº 14, que garante aos advogados dos investigados acesso aos autos da investigação. O Conselho Nacional do Ministério Público, por sua vez, seguindo a jurisprudência de nossas Cortes, regulamentou o procedimento investigatório do Ministério Público através da Resolução 13/2006. Tal quadro vem permitindo ao Ministério Público a apuração direta de fatos criminosos, notadamente quando neles envolvidos policiais ou detentores do poder, político ou econômico. Nestes casos, não raro, a ação policial se revela, por motivos que não cabe aqui discutir, insuficiente ou mesmo inexistente. É o que sucede, muitas vezes, em crimes supostamente praticados por agentes públicos, em que vítimas e testemunhas, receosas, recusam-se a depor em sede policial, somente aceitando fazê-lo no Ministério Público. Com isso, ganha a sociedade, perdem os criminosos. Ocorre que, na contramão do interesse público, tramita no Congresso Nacional proposta de emenda à Constituição que atribui às polícias Civil e Federal o monopólio da apuração das infrações penais. Na prática, se vingar tal proposta, o Ministério Público ficará impedido de realizar, ainda que subsidiariamente, atos de investigação criminal, passando a depender da polícia para promover validamente a ação penal perante o Judiciário. Querem, pois, manietar o Ministério Público, alijando-o da tarefa de elucidar infrações penais. Cuida-se, a toda evidência, de uma monstruosidade jurídica, de inconstitucionalidade manifesta por subordinar a ação, tanto do Ministério Público como do Poder Judiciário, à polícia, algo, aliás, sem paralelo no chamado mundo civilizado. A polícia torna-se, de fato e de direito, dona do Direito Penal, num verdadeiro feudalismo tupiniquim. O ideal a ser alcançado - longe de disputas corporativistas - é que polícia e Ministério Público atuem integrados no combate ao crime. Essa desejável parceria entre os órgãos estatais incumbidos da persecução penal vem, nos últimos anos, produzindo, aqui no Rio de Janeiro - mercê de uma política de segurança pública responsável -, resultados visíveis no que concerne, sobretudo, ao desmantelamento de inúmeras quadrilhas de traficantes, milicianos e outros criminosos de igual periculosidade. Desta forma, espera-se que os nossos congressistas, atentos ao que o grande constitucionalista português Canotilho chama de "princípio da proibição do retrocesso", repudiem tal proposta de emenda constitucional, a fim de que não sejam solapados os superiores interesses da sociedade. ANTONIO JOSÉ CAMPOS MOREIRA é subprocurador-geral de Justiça do MP-RJ. |
domingo, 29 de janeiro de 2012
Retrocesso à vista
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
Superlotação
Folha de S. Paulo, 26 de janeiro de 2012.
Delegado de Anápolis afirma ter sido obrigado 'com constrangimento' a adotar a medida
Ministra de Direitos Humanos vê tortura e diz que dificuldades com falta de vagas não justifica essa prática RENATO MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A ANÁPOLIS (GO)
Superlotado e sem a possibilidade de transferir os seus detentos, o 1º Distrito Policial de Anápolis (GO) tem algemado presos a argolas fixadas nas paredes de um corredor.
A Folha esteve ontem na unidade, que tem uma cela com capacidade para cinco pessoas. A carceragem deveria receber apenas os presos em flagrante, que ficariam ali um dia antes de serem levados para centros de detenção.
Na tarde de ontem, porém, havia 24 detentos. Três estavam no corredor: dois deitados num colchão no chão e algemados um no outro; e o terceiro, deitado em um banco de cimento, com a mão algemada numa argola de ferro.
"Estou amarrado aqui tem dois dias, nessa situação humilhante. Tenho um diploma universitário", disse o preso que se identificou apenas como Pedro e afirmou ser formado em pedagogia.
A situação era pior na noite de anteontem, quando outros cinco também estavam no corredor. Foram transferidos para outra unidade -com uma cela para três pessoas- quando o caso começou a ser divulgado. Na noite de anteontem, o "Jornal da Globo" mostrou a situação no DP.
ARAME
Ontem, outros quatro presos estavam isolados numa sala, fechada só com arame.
A única cela do DP está lotada. São 17 pessoas, que se revezam para dormir, até no chão do banheiro, onde o vaso é tampado com papelão.
O delegado titular do 1º DP, Thiago Torres, afirma que a situação pode se agravar nos próximos dias, pois a criminalidade costuma subir nos fins de semana.
O delegado regional, Luiz Teixeira, assume a responsabilidade pelo uso das argolas, fixadas há quatros meses, mas afirma não querer "ferir a dignidade de ninguém".
"Tomei essa decisão com constrangimento, não é sadismo nenhum. Mas a situação nos obrigou e eu prefiro essa medida a deixá-los soltos para cometerem agressão à sociedade. Seria prevaricar."
A situação prisional na região começou a se agravar em julho. A Justiça vetou o deslocamento de presos para o Centro de Internação Social de Anápolis, superlotado.
Havia mais de 400 presos e a justiça determinou uma redução desse número e a proibição de novos detentos no local. Hoje, há cerca de 200.
TORTURA
A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse considerar o acorrentamento de presos "tortura" e designou uma equipe da ouvidoria da pasta para conversar com o governo de Goiás.
"Essa é uma prática de tortura. A secretaria reconhece a dificuldade com o número de vagas nos presídios, mas essas soluções que envolvem presos ficarem em delegacias, o que é ilegal, ou algemados nas paredes, equivalem à prática de tortura."
Superlotada, delegacia de Goiás algema presos a argolas na parede
Ministra de Direitos Humanos vê tortura e diz que dificuldades com falta de vagas não justifica essa prática RENATO MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A ANÁPOLIS (GO)
Superlotado e sem a possibilidade de transferir os seus detentos, o 1º Distrito Policial de Anápolis (GO) tem algemado presos a argolas fixadas nas paredes de um corredor.
A Folha esteve ontem na unidade, que tem uma cela com capacidade para cinco pessoas. A carceragem deveria receber apenas os presos em flagrante, que ficariam ali um dia antes de serem levados para centros de detenção.
Na tarde de ontem, porém, havia 24 detentos. Três estavam no corredor: dois deitados num colchão no chão e algemados um no outro; e o terceiro, deitado em um banco de cimento, com a mão algemada numa argola de ferro.
"Estou amarrado aqui tem dois dias, nessa situação humilhante. Tenho um diploma universitário", disse o preso que se identificou apenas como Pedro e afirmou ser formado em pedagogia.
A situação era pior na noite de anteontem, quando outros cinco também estavam no corredor. Foram transferidos para outra unidade -com uma cela para três pessoas- quando o caso começou a ser divulgado. Na noite de anteontem, o "Jornal da Globo" mostrou a situação no DP.
ARAME
Ontem, outros quatro presos estavam isolados numa sala, fechada só com arame.
A única cela do DP está lotada. São 17 pessoas, que se revezam para dormir, até no chão do banheiro, onde o vaso é tampado com papelão.
O delegado titular do 1º DP, Thiago Torres, afirma que a situação pode se agravar nos próximos dias, pois a criminalidade costuma subir nos fins de semana.
O delegado regional, Luiz Teixeira, assume a responsabilidade pelo uso das argolas, fixadas há quatros meses, mas afirma não querer "ferir a dignidade de ninguém".
"Tomei essa decisão com constrangimento, não é sadismo nenhum. Mas a situação nos obrigou e eu prefiro essa medida a deixá-los soltos para cometerem agressão à sociedade. Seria prevaricar."
A situação prisional na região começou a se agravar em julho. A Justiça vetou o deslocamento de presos para o Centro de Internação Social de Anápolis, superlotado.
Havia mais de 400 presos e a justiça determinou uma redução desse número e a proibição de novos detentos no local. Hoje, há cerca de 200.
TORTURA
A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse considerar o acorrentamento de presos "tortura" e designou uma equipe da ouvidoria da pasta para conversar com o governo de Goiás.
"Essa é uma prática de tortura. A secretaria reconhece a dificuldade com o número de vagas nos presídios, mas essas soluções que envolvem presos ficarem em delegacias, o que é ilegal, ou algemados nas paredes, equivalem à prática de tortura."
O que houve em Pinheirinho?
Folha de S. Paulo, 26 de janeiro de 2012.
Se o nome técnico de reintegração de posse é insuficiente para designar a ação realizada em Pinheirinho, o que houve lá, com a utilização abusiva de um mandado judicial, ato tecnicamente legítimo de um magistrado?
O ataque foi às seis da manhã. Para surpreender, como se deu, os ocupantes da ex-propriedade de Naji Nahas ainda dormindo ou nos seus primeiros afazeres pessoais.
O governo Alckmin e o prefeito de São José dos Campos, ainda que há muito sabedores de que a reclamada reintegração exigiria a instalação das 2.000 famílias desalojadas, não incomodaram nesse sentido o seu humanitarismo de peessedebistas.
Sair para onde? -Eis o impulso da resistência dos mais inconformados ou menos subjugados pelos séculos de história social que lhes cabe representar.
Não posso dizer o que acho que devessem fazer já à primeira brutalidade covarde da polícia. Seja, porém, o que for que tenham feito, o direito de defesa está na Constituição como integrante legítimo da cidadania. E se foi utilizado, duas razões o explicam.
Uma, a ação policial de maneiras e formas não autorizadas pelo mandado de reintegração de posse, por inconciliáveis com os limites legais da ação policial.
Segunda razão, a absoluta inexistência das alternativas de moradia que o governo Alckmin e o prefeito Eduardo Cury tinham a obrigação funcional e legal de entregar aos removidos, para não expulsar, dos seus forjados tetos para o danem-se, crianças, idosos, doentes, as famílias inteiras que viviam em Pinheirinho há oito anos.
Atendidas essas duas condições, só os que perdessem o juízo prefeririam ficar na área ocupada, e alguns até resistirem à saída. Logo, ficam ali caracterizadas as responsabilidades de quem faltou com seus deveres e, por ter faltado, recorreu à arbitrariedade plena: tiros e vítimas de ferimentos, surras com cassetetes e partes de armamentos (mesmo em pessoas de mãos elevadas, indefesas e passivas, como documentado); destruição não só das moradas, mas dos bens -perdão, bem nenhum- das posses mínimas que podem ter as pessoas ainda carentes de invasões para pensar que moram em algum lugar.
O que houve em Pinheirinho, São José dos Campos, SP, não foi reintegração de posse.
Essa expressão do direito não se destina a acobertar nem disfarçar crimes. Entre eles, o de abuso de poder contra governados.
Janio de Freitas
O que houve em Pinheirinho?
Ficam ali caracterizadas as responsabilidades de quem faltou com seus deveres e recorreu à arbitrariedade
A ação realizada pelo governo paulista por intermédio de sua Polícia Militar em Pinheirinho, São José dos Campos, usou o nome técnico de "reintegração de posse". Algum juiz chamaria, com base no direito que aprendeu, de reintegração de posse o que houve em Pinheirinho? Ou haveria como fazê-lo com base nos artigos e princípios reunidos pela Constituição? Se o nome técnico de reintegração de posse é insuficiente para designar a ação realizada em Pinheirinho, o que houve lá, com a utilização abusiva de um mandado judicial, ato tecnicamente legítimo de um magistrado?
O ataque foi às seis da manhã. Para surpreender, como se deu, os ocupantes da ex-propriedade de Naji Nahas ainda dormindo ou nos seus primeiros afazeres pessoais.
O governo Alckmin e o prefeito de São José dos Campos, ainda que há muito sabedores de que a reclamada reintegração exigiria a instalação das 2.000 famílias desalojadas, não incomodaram nesse sentido o seu humanitarismo de peessedebistas.
Sair para onde? -Eis o impulso da resistência dos mais inconformados ou menos subjugados pelos séculos de história social que lhes cabe representar.
Não posso dizer o que acho que devessem fazer já à primeira brutalidade covarde da polícia. Seja, porém, o que for que tenham feito, o direito de defesa está na Constituição como integrante legítimo da cidadania. E se foi utilizado, duas razões o explicam.
Uma, a ação policial de maneiras e formas não autorizadas pelo mandado de reintegração de posse, por inconciliáveis com os limites legais da ação policial.
Segunda razão, a absoluta inexistência das alternativas de moradia que o governo Alckmin e o prefeito Eduardo Cury tinham a obrigação funcional e legal de entregar aos removidos, para não expulsar, dos seus forjados tetos para o danem-se, crianças, idosos, doentes, as famílias inteiras que viviam em Pinheirinho há oito anos.
Atendidas essas duas condições, só os que perdessem o juízo prefeririam ficar na área ocupada, e alguns até resistirem à saída. Logo, ficam ali caracterizadas as responsabilidades de quem faltou com seus deveres e, por ter faltado, recorreu à arbitrariedade plena: tiros e vítimas de ferimentos, surras com cassetetes e partes de armamentos (mesmo em pessoas de mãos elevadas, indefesas e passivas, como documentado); destruição não só das moradas, mas dos bens -perdão, bem nenhum- das posses mínimas que podem ter as pessoas ainda carentes de invasões para pensar que moram em algum lugar.
O que houve em Pinheirinho, São José dos Campos, SP, não foi reintegração de posse.
Essa expressão do direito não se destina a acobertar nem disfarçar crimes. Entre eles, o de abuso de poder contra governados.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
O exemplo do general
"O exemplo do general" | 23 Jan 2012 | |
Octávio Costa O diretor-geral do Dnit, general Jorge Fraxe, declarou guerra ao aparelhamento político do órgão responsável pela conservação das estradas do País. Baixou portaria determinando que todos os cargos de confiança do Dnit devem ser preenchidos por funcionários de carreira. Com sua decisão, fechou a porta de cerca de 100 cargos comissionados para os partidos da base aliada. O ato inclui os 26 superintendentes regionais, com salários acima de R$ 20 mil. Nos meios políticos, o clima é de indignação. Argumenta-se que a medida não tem amparo legal. E teme-se que a ideia do general Fraxe seja estendida aos demais órgãos do governo... |
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Conciliação
O Globo 17 de janeiro de 2012
Conciliação (ainda)
Merval Pereira
O debate sobre o alcance da Lei da Anistia, e o papel que a Comissão da Verdade pode ter no esclarecimento de fatos históricos, têm rendido diversas manifestações de leitores e merecem ser retomados com novas informações. O ex-prefeito do Rio Cesar Maia me enviou um e-mail lembrando um depoimento do polêmico juiz espanhol Baltazar Garzon ao escritor Manuel Rivas, em recente documentário selecionado para o Festival de Berlim de 2011.
Ele ficou famoso por atuar contra grandes nomes da política internacional, como os generais Pinochet, Galtieri e até Berlusconi, de quem pediu anulação da imunidade parlamentar.
Baltazar Garzon está hoje imobilizado com três ações por abuso de autoridade. Num dos trechos mais polêmicos do documentário, trata da prescrição ou anistia em fatos ou delitos políticos (mortes, torturas ou desaparecimentos). Diz Garzon: "A prescrição (ou anistia) não se aplica sobre os fatos, mas beneficia o autor dos fatos.
"Não são os fatos que estão prescritos (ou anistiados), mas os autores dos fatos. Sendo assim, há que investigar quem foram os autores e, uma vez identificados, aí então se aplica sobre esses autores identificados a prescrição (ou anistia)".
O ex-deputado Marcelo Cerqueira, advogado de presos políticos à época da ditadura, tem opinião semelhante.
Ele ressalta uma curiosidade histórica: tecnicamente, pelo texto apresentado pelo Ministério da Justiça, os torturadores não estavam anistiados. E recorda que, saindo de audiência com o ministro da Justiça Petrônio Portella, depois de receberem o texto que o governo enviaria ao Congresso, disse a Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, que temia pelo acordo, pois a "tigrada" (referência aos militares envolvidos na repressão política) iria ver que não estava anistiada.
Depois de ouvir explicações técnicas de Direito Penal sobre crimes conexos, Ulysses limitou-se a dizer: "Deixa pra lá"".
O Supremo Tribunal Federal entendeu que a lei estaria coberta pelo propósito de anistiar os dois lados, o que historicamente se deu, sem enfrentar a matéria penal e pronto, diz Cerqueira: "A lei já produziu seus efeitos. Não proíbe os parentes da vítima de irem a juízo postular o que entenderem. É apurar a verdade, agora".
Recebi também de Terezinha Zerbini, a pioneira no movimento pela anistia com o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), depoimento que merece registro, pela sensatez:
"Mais de 30 anos passaram desde a Lei 6.683 de 1979, assinada pelo então presidente João Figueiredo, em seu programa de conduzir o Brasil rumo a uma abertura lenta, gradual e segura. Tão lenta e gradual que se temeu por retrocessos, até 1985, ano da posse de seu sucessor na Presidência, José Sarney, na qualidade de vice de Tancredo Neves.
"Portanto, a anistia de 1979 foi obtida dentro de uma conjuntura específica, fruto de intensa luta para redemocratização do país. Minha experiência - hoje, uma mulher de 84 anos - ensinou-me que, quando não se pode fazer o que se deve, deve fazer-se o que se pode.
"E a sabedoria prega que não apenas em nível pessoal, mas também no histórico, é difícil digerir o passado como uma totalidade.
"A insistência em se fixar em atos passados, distantes há mais de três décadas, poderia equivaler ao imobilismo, comparando essa mirada àquele olhar bíblico para trás, na fuga dos pecados de Sodoma e Gomorra e na transformação de seres vivos em estátuas de sal.
"As energias disponíveis precisam estar todas voltadas ao futuro e à solução dos impasses da realidade brasileira".
O sociólogo Luiz Werneck Vianna, cuja posição contrária à revisão da Lei da Anistia me parece bastante sensata, e gerou todo esse debate aqui na coluna, envia-me um comentário sobre o contraponto do deputado do PSOL do Rio Chico Alencar, que publiquei na certeza de que o debate democrático é o melhor caminho para o entendimento. Aí vai o depoimento de Werneck Vianna:
"Sem querer, entrei na berlinda. Faz parte. Poucas e ligeiras observações: depois de responder a muitos IPMs nos anos que se sucederam ao golpe militar de 1964, fui preso em 1971 e levado para o Cisa, nas dependências do Galeão, onde, poucos dias antes, foi morto sob tortura Stuart Angel, e, com isso, digo tudo.
"Lá, passei 15 dias sob interrogatório, e basta-me declarar que saí dele com a consciência limpa. Mais tarde, libertado, já morando em São Paulo e de volta à militância política no PCB, escapei, em 1975, por muito pouco, da Oban - estava dando aulas na Unicamp e eles me procuraram na minha residência paulista.
"Vivi cerca de um ano e meio na clandestinidade, homiziado na casa do dramaturgo Paulo Pontes, até que, com a vigorosa reação, liderada pelo Cardeal Arns, à morte sob tortura, nos cárceres da ditadura, de Vladimir Herzog, aos poucos retornei à "legalidade", como então se dizia.
"Sempre pertenci, com muita honra, à tribo dos que preconizavam que só o "povo organizado derruba a ditadura", contraposição aos que, desde 1968, sustentavam a tese oposta da luta militar.
"Mas isso são favas passadas. Ao assunto que interessa: sem querer discutir os méritos de historiador do deputado Chico Alencar nem suas qualidades de político, nossa transição, que o parlamentar desqualifica como negociada e "pelo alto", não teve como motor, como ele enuncia, a luta armada - extinta, no fundamental, nos idos de 1972 -, mas a luta de massas, exemplar no movimento multitudinário das Diretas Já, nas lutas operárias do ABC e no processo eleitoral, que, a partir da eleição de Quércia para o Senado, em 1974, tornou-se determinante para o futuro rumo dos acontecimentos em 1982, com as eleições de Brizola, Tancredo Neves, Franco Montoro e Pedro Simon para governadores em seus estados.
"O resultado dessas lutas está aí com a Carta de 1988, a mais avançada e democrática da nossa História, inclusive porque propiciaram a conquista da Presidência da República por parte de uma ex-liderança do movimento sindical e de um partido com extração na esquerda.
"Houve, e segue tendo seu curso no país, uma revolução democrática progressiva, que nos cabe aprofundar, decerto em meio ao contraditório.
"Contudo, não seremos capazes dessa tarefa permanente se não soubermos valorizar o que nos trouxe até aqui, mistificando o nosso passado recente".
Conciliação (ainda)
Merval Pereira
O debate sobre o alcance da Lei da Anistia, e o papel que a Comissão da Verdade pode ter no esclarecimento de fatos históricos, têm rendido diversas manifestações de leitores e merecem ser retomados com novas informações. O ex-prefeito do Rio Cesar Maia me enviou um e-mail lembrando um depoimento do polêmico juiz espanhol Baltazar Garzon ao escritor Manuel Rivas, em recente documentário selecionado para o Festival de Berlim de 2011.
Ele ficou famoso por atuar contra grandes nomes da política internacional, como os generais Pinochet, Galtieri e até Berlusconi, de quem pediu anulação da imunidade parlamentar.
Baltazar Garzon está hoje imobilizado com três ações por abuso de autoridade. Num dos trechos mais polêmicos do documentário, trata da prescrição ou anistia em fatos ou delitos políticos (mortes, torturas ou desaparecimentos). Diz Garzon: "A prescrição (ou anistia) não se aplica sobre os fatos, mas beneficia o autor dos fatos.
"Não são os fatos que estão prescritos (ou anistiados), mas os autores dos fatos. Sendo assim, há que investigar quem foram os autores e, uma vez identificados, aí então se aplica sobre esses autores identificados a prescrição (ou anistia)".
O ex-deputado Marcelo Cerqueira, advogado de presos políticos à época da ditadura, tem opinião semelhante.
Ele ressalta uma curiosidade histórica: tecnicamente, pelo texto apresentado pelo Ministério da Justiça, os torturadores não estavam anistiados. E recorda que, saindo de audiência com o ministro da Justiça Petrônio Portella, depois de receberem o texto que o governo enviaria ao Congresso, disse a Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, que temia pelo acordo, pois a "tigrada" (referência aos militares envolvidos na repressão política) iria ver que não estava anistiada.
Depois de ouvir explicações técnicas de Direito Penal sobre crimes conexos, Ulysses limitou-se a dizer: "Deixa pra lá"".
O Supremo Tribunal Federal entendeu que a lei estaria coberta pelo propósito de anistiar os dois lados, o que historicamente se deu, sem enfrentar a matéria penal e pronto, diz Cerqueira: "A lei já produziu seus efeitos. Não proíbe os parentes da vítima de irem a juízo postular o que entenderem. É apurar a verdade, agora".
Recebi também de Terezinha Zerbini, a pioneira no movimento pela anistia com o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), depoimento que merece registro, pela sensatez:
"Mais de 30 anos passaram desde a Lei 6.683 de 1979, assinada pelo então presidente João Figueiredo, em seu programa de conduzir o Brasil rumo a uma abertura lenta, gradual e segura. Tão lenta e gradual que se temeu por retrocessos, até 1985, ano da posse de seu sucessor na Presidência, José Sarney, na qualidade de vice de Tancredo Neves.
"Portanto, a anistia de 1979 foi obtida dentro de uma conjuntura específica, fruto de intensa luta para redemocratização do país. Minha experiência - hoje, uma mulher de 84 anos - ensinou-me que, quando não se pode fazer o que se deve, deve fazer-se o que se pode.
"E a sabedoria prega que não apenas em nível pessoal, mas também no histórico, é difícil digerir o passado como uma totalidade.
"A insistência em se fixar em atos passados, distantes há mais de três décadas, poderia equivaler ao imobilismo, comparando essa mirada àquele olhar bíblico para trás, na fuga dos pecados de Sodoma e Gomorra e na transformação de seres vivos em estátuas de sal.
"As energias disponíveis precisam estar todas voltadas ao futuro e à solução dos impasses da realidade brasileira".
O sociólogo Luiz Werneck Vianna, cuja posição contrária à revisão da Lei da Anistia me parece bastante sensata, e gerou todo esse debate aqui na coluna, envia-me um comentário sobre o contraponto do deputado do PSOL do Rio Chico Alencar, que publiquei na certeza de que o debate democrático é o melhor caminho para o entendimento. Aí vai o depoimento de Werneck Vianna:
"Sem querer, entrei na berlinda. Faz parte. Poucas e ligeiras observações: depois de responder a muitos IPMs nos anos que se sucederam ao golpe militar de 1964, fui preso em 1971 e levado para o Cisa, nas dependências do Galeão, onde, poucos dias antes, foi morto sob tortura Stuart Angel, e, com isso, digo tudo.
"Lá, passei 15 dias sob interrogatório, e basta-me declarar que saí dele com a consciência limpa. Mais tarde, libertado, já morando em São Paulo e de volta à militância política no PCB, escapei, em 1975, por muito pouco, da Oban - estava dando aulas na Unicamp e eles me procuraram na minha residência paulista.
"Vivi cerca de um ano e meio na clandestinidade, homiziado na casa do dramaturgo Paulo Pontes, até que, com a vigorosa reação, liderada pelo Cardeal Arns, à morte sob tortura, nos cárceres da ditadura, de Vladimir Herzog, aos poucos retornei à "legalidade", como então se dizia.
"Sempre pertenci, com muita honra, à tribo dos que preconizavam que só o "povo organizado derruba a ditadura", contraposição aos que, desde 1968, sustentavam a tese oposta da luta militar.
"Mas isso são favas passadas. Ao assunto que interessa: sem querer discutir os méritos de historiador do deputado Chico Alencar nem suas qualidades de político, nossa transição, que o parlamentar desqualifica como negociada e "pelo alto", não teve como motor, como ele enuncia, a luta armada - extinta, no fundamental, nos idos de 1972 -, mas a luta de massas, exemplar no movimento multitudinário das Diretas Já, nas lutas operárias do ABC e no processo eleitoral, que, a partir da eleição de Quércia para o Senado, em 1974, tornou-se determinante para o futuro rumo dos acontecimentos em 1982, com as eleições de Brizola, Tancredo Neves, Franco Montoro e Pedro Simon para governadores em seus estados.
"O resultado dessas lutas está aí com a Carta de 1988, a mais avançada e democrática da nossa História, inclusive porque propiciaram a conquista da Presidência da República por parte de uma ex-liderança do movimento sindical e de um partido com extração na esquerda.
"Houve, e segue tendo seu curso no país, uma revolução democrática progressiva, que nos cabe aprofundar, decerto em meio ao contraditório.
"Contudo, não seremos capazes dessa tarefa permanente se não soubermos valorizar o que nos trouxe até aqui, mistificando o nosso passado recente".
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Frustração e ódio à democracia
Folha de S. Paulo, 11 de janeiro de 2012.
Após 1945, segundo o figurino democrático, Vargas criou dois partidos: o PSD (Partido Social Democrático) e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Com o primeiro, agarrou funcionários públicos e parte dos setores agrários. Com o segundo, acolheu os sindicalistas.
Na oposição, ficou a UDN (União Democrática Nacional), que de um ideário liberal inicial foi para uma bandeira única: o combate à corrupção. "Udenismo" e "moralismo" tornaram-se sinônimos.
Quando, nos anos 1980, o Brasil iniciou seu caminho sem volta para o fim do regime militar, as oposições ganharam espaço por meio do PMDB e do PT. Ainda que o PT tivesse uma série de propostas, o discurso ético e moral era o seu carro chefe. O PMDB dizia que aquilo não era política, apenas um "udenismo" com capa de esquerda.
Com o PT participando de cargos executivos, o discurso ético perdeu força. O termo já era cadáver quando, com o mensalão de 2005, o PT acabou com a possibilidade de apresentar qualquer discurso moral. O PT enterrou seu apelido de "udenista" do modo mais irônico possível.
Foi então que uma parte da classe média, de mentalidade conservadora, agarrou o discurso moralista, contra a corrupção. Não tendo nenhum partido próprio, foram ao PSDB. Atônito, o PSDB terminou por aceitá-los e, por isso mesmo, como havia ocorrido com a UDN, acabou se distanciando das parcelas mais amplas da população.
Afinal, após 2005, Lula recolheu os cacos do PT pós-mensalão e então realmente começou a governar. Com Mantega à frente, ele fez vingar o programas de bolsas, o PAC e toda uma política de ampliação do mercado interno, anulando a má herança do governo FHC e, ao mesmo tempo, sabendo aproveitar a estabilidade da moeda que o ex-presidente havia deixado.
Assim, Lula se tornou uma quase unanimidade nacional. Quase unanimidade porque o discurso moralista, o "udenismo", ainda que minoritário e completamente ideológico -talvez até hipócrita-, tem lá o seu folêgo. Quando começa a perder gás, a imprensa acha mais um naco podre no governo, pondo Dilma a dar vassouradas aqui e ali.
A classe média conservadora, vendo a sua impotência eleitoral ganhar clímax nos fracassos do PSDB, vai para a internet para "fazer política com as próprias mãos".
Despeja na rede toda a sua frustração e seu ódio à política democrática. Nesse tipo de onda, as pessoas começam a querer punições sem investigações acuradas, alimentando uma postura autoritária.
Para eles, a democracia passa a ser vista como algo ruim, uma vez que ela parece só dar vitórias ao Lula ou, digamos, aos setores populares. Aliás, esse tipo de ódio não está distante do que sempre existiu no interior do "udenismo". Eis a minha conclusão, em forma de alerta: não é porque esses setores não possuem porta de quartel para bater que eles não deveriam ser vistos como fomentando algo perigoso.
PAULO GHIRALDELLI JR., 54, filósofo e professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), é autor de "A Filosofia como Medicina da Alma" (editora Manole)
Paulo Ghiraldelli Jr.
TENDÊNCIAS/DEBATES Frustração e ódio à democracia
Não é porque a classe média conservadora não tem porta de quartel para bater que ela não deve ser vista como fomentando algo perigoso
Lula repetiu Vargas, mas com mais sucesso. Nossa democracia atual imita um pouco a de 1945-1964, mas com menos melodrama. O elo entre elas é a oscilação do "udenismo". Eu explico. Após 1945, segundo o figurino democrático, Vargas criou dois partidos: o PSD (Partido Social Democrático) e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Com o primeiro, agarrou funcionários públicos e parte dos setores agrários. Com o segundo, acolheu os sindicalistas.
Na oposição, ficou a UDN (União Democrática Nacional), que de um ideário liberal inicial foi para uma bandeira única: o combate à corrupção. "Udenismo" e "moralismo" tornaram-se sinônimos.
Quando, nos anos 1980, o Brasil iniciou seu caminho sem volta para o fim do regime militar, as oposições ganharam espaço por meio do PMDB e do PT. Ainda que o PT tivesse uma série de propostas, o discurso ético e moral era o seu carro chefe. O PMDB dizia que aquilo não era política, apenas um "udenismo" com capa de esquerda.
Com o PT participando de cargos executivos, o discurso ético perdeu força. O termo já era cadáver quando, com o mensalão de 2005, o PT acabou com a possibilidade de apresentar qualquer discurso moral. O PT enterrou seu apelido de "udenista" do modo mais irônico possível.
Foi então que uma parte da classe média, de mentalidade conservadora, agarrou o discurso moralista, contra a corrupção. Não tendo nenhum partido próprio, foram ao PSDB. Atônito, o PSDB terminou por aceitá-los e, por isso mesmo, como havia ocorrido com a UDN, acabou se distanciando das parcelas mais amplas da população.
Afinal, após 2005, Lula recolheu os cacos do PT pós-mensalão e então realmente começou a governar. Com Mantega à frente, ele fez vingar o programas de bolsas, o PAC e toda uma política de ampliação do mercado interno, anulando a má herança do governo FHC e, ao mesmo tempo, sabendo aproveitar a estabilidade da moeda que o ex-presidente havia deixado.
Assim, Lula se tornou uma quase unanimidade nacional. Quase unanimidade porque o discurso moralista, o "udenismo", ainda que minoritário e completamente ideológico -talvez até hipócrita-, tem lá o seu folêgo. Quando começa a perder gás, a imprensa acha mais um naco podre no governo, pondo Dilma a dar vassouradas aqui e ali.
A classe média conservadora, vendo a sua impotência eleitoral ganhar clímax nos fracassos do PSDB, vai para a internet para "fazer política com as próprias mãos".
Despeja na rede toda a sua frustração e seu ódio à política democrática. Nesse tipo de onda, as pessoas começam a querer punições sem investigações acuradas, alimentando uma postura autoritária.
Para eles, a democracia passa a ser vista como algo ruim, uma vez que ela parece só dar vitórias ao Lula ou, digamos, aos setores populares. Aliás, esse tipo de ódio não está distante do que sempre existiu no interior do "udenismo". Eis a minha conclusão, em forma de alerta: não é porque esses setores não possuem porta de quartel para bater que eles não deveriam ser vistos como fomentando algo perigoso.
PAULO GHIRALDELLI JR., 54, filósofo e professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), é autor de "A Filosofia como Medicina da Alma" (editora Manole)
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Officers of the Law, Outside the Law
New York Times
January 9, 2012
In Brazil, Officers of the Law, Outside the Law
By SIMON ROMERO and TAYLOR BARNES
NITERÓI, Brazil — Patrícia Acioli, a judge known for imprisoning corrupt police officers, pulled into the driveway of her home one August night in this city across the bay from Rio de Janeiro. Her pursuers arrived at the same time. Then they did their work, shooting her 21 times until her body lay crumpled in the seat of her car.
“I rushed outside after hearing the shots,” said her son, Mike Chagas, 20, a college student. “No one should ever have the experience of seeing their own mother shot to death on their doorstep.
“I knew immediately that she had been killed because of her work,” he said.
Hours before she was gunned down, Judge Acioli had issued arrest warrants for three police officers accused of killing an unarmed 18-year-old man in a favela, or slum, part of a group of officers being investigated for forming an extermination squad. The same three men would later be arrested in connection with her murder, along with eight others in the police force.
Their testimony in court here, describing in chilling detail how they tracked Judge Acioli and plotted for months to kill her, has revealed a disturbing aspect of Rio de Janeiro’s newly assertive security policies, a cornerstone of its efforts to secure the city before playing host to the 2014 World Cup and 2016 Summer Olympics.
Officials have been lauded for reclaiming lawless areas from drug traffickers in various favelas across a sprawling metropolitan area with 11.8 million residents. But the image of a city on the mend has been undermined by the actions of its own security forces, particularly the spreading militias composed largely of active-duty and retired police officers, prison guards and soldiers.
These groups function like a criminal offshoot of the state. According to judicial investigations, they extort protection money from residents, operate unlicensed public transportation, charge commissions on real estate deals, mete out punishment to those who cross them and, most alarming, carry out extrajudicial killings.
Alba Zaluar, an anthropologist at State University of Rio de Janeiro who studies public security, sees the militias occupying a paramilitary role by going well beyond the line of lawful policing. Their power is expanding, according to research she oversees, with 45 percent of Rio’s favelas under the control of militias in 2010, up from 12 percent in 2005.
“They’re invading, watching over, buying favelas from traffickers,” Ms. Zaluar said.
While the militias have recently expanded with vigor, their sway in various parts of Rio, especially on the city’s western fringe, is not new. Originally called “polícia mineira,” a nod to the aggressive policing tactics in Minas Gerais, a state bordering Rio, militias have operated in Rio for three decades.
A 2008 legislative investigation of Rio’s militias led to the arrests of several officials tied to the groups, including legislators, councilmen and senior police officers. The Rio militias, together with death squads formed by police in neighboring São Paulo, have been responsible for hundreds of murders each year and impunity in these cases remained the norm, according to a 2009 Human Rights Watch report.
Rio officials, including Fábio Galvão, the state’s under secretary of intelligence, say they are well aware of the problem, contending that after militias grew in the middle of the last decade, so did the number of arrests of suspected militia members, from just 5 such arrests in 2006 to 250 in 2009 and 143 in 2010.
But Mr. Galvão said that combating the problem was made more challenging by the growth of the militias and the ability of jailed militia leaders to coordinate activities from behind bars.
Mr. Galvão said that the big expansion of the militias occurred about six years ago, before high-profile episodes like the killing of Judge Acioli got media attention. “A monster was growing,” he said. “When they started to fight back, it was already a big business.”
In recent months, signs have emerged that the militias are expanding beyond their bastion in Rio. A report in the newspaper O Globo described how militias had spread to 11 of Brazil’s 26 states, often initially winning over slum residents by killing drug traffickers before imposing their own methods of coercion and control.
Mr. Galvão, the intelligence official, echoing scholars who study the militias, said that while homicides tended to decline in areas under militia control, other crimes, like beatings and rapes, often increased.
The use of torture by militias was detailed in a harrowing account in 2011 by Nilton Claudino, a former photographer for a Rio newspaper who was discovered with a reporter by a militia group while they were on an undercover assignment in Jardim Batan, a Rio favela.
He described seven hours of excruciating torture, with methods including electric shock and temporary suffocation with plastic bags. He said his torturers, from a militia called Águia, or Eagle, included police officials. He later fled Rio and went into hiding.
“One of my torturers told me, ‘Your life will never be the same,’ ” Mr. Claudino wrote in the account. “He was right.”
Neither public officials nor researchers have reliable estimates of how many militia members operate in Rio, though they are thought to number well into the hundreds and perhaps higher.
The brazenness of militia leaders, including those recently arrested or imprisoned, has been notable. Ricardo Teixeira da Cruz, a leader of a militia called League of Justice, was reported in 2011 to have been commanding subordinates from prison. Another leader of the same militia escaped from prison in September, a day after officials cracked down on the group.
During one day of November testimony in the Judge Acioli trial, Cláudio Luiz de Oliveira, a senior officer arrested in the case and charged with ordering her murder, smiled for photographers. Judge Acioli had been investigating the involvement of him and his subordinates in dozens of killings in which they claimed the people killed were resisting arrest.
Other police officers arrested in the Niterói case described how they had reached out to a militia across the bay to carry out the judge’s killing. But then the police, enraged over the warrants for their arrest, simply chose to kill her themselves. Investigators are still trying to determine whether her killers belonged to a specific militia or to a more loosely organized death squad.
“I felt wronged and decided to execute her,” said Sérgio Costa, one of her killers. He said he used two guns in the ambush. “Since I wasn’t sure she was dead, I got another gun out and put more shots into her.”
Outrage followed the judge’s killing in August. Other judges spoke of death threats. Protesters even created a shrine on Niterói’s beach remembering the judge, posting messages of grief on a tree, including one with the fading words “warrior against impunity.”
By December, Djalma Beltrami, the new commander of the police battalion that Judge Acioli had investigated, was himself arrested on corruption charges. Officials charged him and more than 10 other officers with receiving almost $100,000 in bribes from drug traffickers in a favela not far from where Judge Acioli was killed.
January 9, 2012
In Brazil, Officers of the Law, Outside the Law
By SIMON ROMERO and TAYLOR BARNES
NITERÓI, Brazil — Patrícia Acioli, a judge known for imprisoning corrupt police officers, pulled into the driveway of her home one August night in this city across the bay from Rio de Janeiro. Her pursuers arrived at the same time. Then they did their work, shooting her 21 times until her body lay crumpled in the seat of her car.
“I rushed outside after hearing the shots,” said her son, Mike Chagas, 20, a college student. “No one should ever have the experience of seeing their own mother shot to death on their doorstep.
“I knew immediately that she had been killed because of her work,” he said.
Hours before she was gunned down, Judge Acioli had issued arrest warrants for three police officers accused of killing an unarmed 18-year-old man in a favela, or slum, part of a group of officers being investigated for forming an extermination squad. The same three men would later be arrested in connection with her murder, along with eight others in the police force.
Their testimony in court here, describing in chilling detail how they tracked Judge Acioli and plotted for months to kill her, has revealed a disturbing aspect of Rio de Janeiro’s newly assertive security policies, a cornerstone of its efforts to secure the city before playing host to the 2014 World Cup and 2016 Summer Olympics.
Officials have been lauded for reclaiming lawless areas from drug traffickers in various favelas across a sprawling metropolitan area with 11.8 million residents. But the image of a city on the mend has been undermined by the actions of its own security forces, particularly the spreading militias composed largely of active-duty and retired police officers, prison guards and soldiers.
These groups function like a criminal offshoot of the state. According to judicial investigations, they extort protection money from residents, operate unlicensed public transportation, charge commissions on real estate deals, mete out punishment to those who cross them and, most alarming, carry out extrajudicial killings.
Alba Zaluar, an anthropologist at State University of Rio de Janeiro who studies public security, sees the militias occupying a paramilitary role by going well beyond the line of lawful policing. Their power is expanding, according to research she oversees, with 45 percent of Rio’s favelas under the control of militias in 2010, up from 12 percent in 2005.
“They’re invading, watching over, buying favelas from traffickers,” Ms. Zaluar said.
While the militias have recently expanded with vigor, their sway in various parts of Rio, especially on the city’s western fringe, is not new. Originally called “polícia mineira,” a nod to the aggressive policing tactics in Minas Gerais, a state bordering Rio, militias have operated in Rio for three decades.
A 2008 legislative investigation of Rio’s militias led to the arrests of several officials tied to the groups, including legislators, councilmen and senior police officers. The Rio militias, together with death squads formed by police in neighboring São Paulo, have been responsible for hundreds of murders each year and impunity in these cases remained the norm, according to a 2009 Human Rights Watch report.
Rio officials, including Fábio Galvão, the state’s under secretary of intelligence, say they are well aware of the problem, contending that after militias grew in the middle of the last decade, so did the number of arrests of suspected militia members, from just 5 such arrests in 2006 to 250 in 2009 and 143 in 2010.
But Mr. Galvão said that combating the problem was made more challenging by the growth of the militias and the ability of jailed militia leaders to coordinate activities from behind bars.
Mr. Galvão said that the big expansion of the militias occurred about six years ago, before high-profile episodes like the killing of Judge Acioli got media attention. “A monster was growing,” he said. “When they started to fight back, it was already a big business.”
In recent months, signs have emerged that the militias are expanding beyond their bastion in Rio. A report in the newspaper O Globo described how militias had spread to 11 of Brazil’s 26 states, often initially winning over slum residents by killing drug traffickers before imposing their own methods of coercion and control.
Mr. Galvão, the intelligence official, echoing scholars who study the militias, said that while homicides tended to decline in areas under militia control, other crimes, like beatings and rapes, often increased.
The use of torture by militias was detailed in a harrowing account in 2011 by Nilton Claudino, a former photographer for a Rio newspaper who was discovered with a reporter by a militia group while they were on an undercover assignment in Jardim Batan, a Rio favela.
He described seven hours of excruciating torture, with methods including electric shock and temporary suffocation with plastic bags. He said his torturers, from a militia called Águia, or Eagle, included police officials. He later fled Rio and went into hiding.
“One of my torturers told me, ‘Your life will never be the same,’ ” Mr. Claudino wrote in the account. “He was right.”
Neither public officials nor researchers have reliable estimates of how many militia members operate in Rio, though they are thought to number well into the hundreds and perhaps higher.
The brazenness of militia leaders, including those recently arrested or imprisoned, has been notable. Ricardo Teixeira da Cruz, a leader of a militia called League of Justice, was reported in 2011 to have been commanding subordinates from prison. Another leader of the same militia escaped from prison in September, a day after officials cracked down on the group.
During one day of November testimony in the Judge Acioli trial, Cláudio Luiz de Oliveira, a senior officer arrested in the case and charged with ordering her murder, smiled for photographers. Judge Acioli had been investigating the involvement of him and his subordinates in dozens of killings in which they claimed the people killed were resisting arrest.
Other police officers arrested in the Niterói case described how they had reached out to a militia across the bay to carry out the judge’s killing. But then the police, enraged over the warrants for their arrest, simply chose to kill her themselves. Investigators are still trying to determine whether her killers belonged to a specific militia or to a more loosely organized death squad.
“I felt wronged and decided to execute her,” said Sérgio Costa, one of her killers. He said he used two guns in the ambush. “Since I wasn’t sure she was dead, I got another gun out and put more shots into her.”
Outrage followed the judge’s killing in August. Other judges spoke of death threats. Protesters even created a shrine on Niterói’s beach remembering the judge, posting messages of grief on a tree, including one with the fading words “warrior against impunity.”
By December, Djalma Beltrami, the new commander of the police battalion that Judge Acioli had investigated, was himself arrested on corruption charges. Officials charged him and more than 10 other officers with receiving almost $100,000 in bribes from drug traffickers in a favela not far from where Judge Acioli was killed.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
Trincheira estatista
O Estado de S. Paulo, 09 de janeiro de 2012.
Trincheira estatista
Mario Cesar Flores, almirante de Esquadra (reformado)
A presença impregnante do Estado induz nos que vivem ou atuam em Brasília o sentimento de relevância coerente com o intervencionismo do Estado nacional na vida do País, por sua vez, coerente com a concentração (70%) da receita tributária na União - o que explica ser a capital federal o paraíso de consultorias a serviço de interesses diversos (lícitos ou não tanto) e a meca do lobismo privado e público - este praticado por políticos e servidores estaduais e municipais compelidos à deprimente via-sacra brasiliense, caminho do cofre federal. A boa rede hoteleira da cidade reflete essa situação: o lobismo explica-a mais que o turismo, pequeno em Brasília.
A par do sentimento de relevância, crescem nos que vivem ou atuam em Brasília manifestações típicas da tradicional cultura brasileira estatista e patrimonialista-clientelista. À época do Rio de Janeiro, essas manifestações eram atenuadas pela diversidade socioeconômica, de entretenimento e cultural da velha capital, frágil em Brasília. Nos anos de consolidação da cidade (1960-1970) elas viveram, então justificadamente, o impulso do tsunami de vantagens conferidas aos transferidos para a nova capital (gratificações, transporte casa-trabalho, a pletora de carros oficiais, residências de padrão acima das usadas no Rio de Janeiro, excelentes clubes corporativos do sistema público, boa assistência à saúde, escolas de qualidade...), cujos resíduos culturais resistem até hoje. Impulso renovado em 1990 pela venda das residências funcionais aos servidores, sob condições favorecidas. Embora com aspectos lógicos e positivos, em última análise uma privatização privilegiada, compatível com o ânimo patrimonialista do brasileiro em geral e, é claro, do servidor público em particular.
Apesar de existir em Brasília extensa periferia favelada e marginalizada - conforme censo do IBGE de 2010, é do Distrito Federal (DF) a segunda maior favela do País -, decorrente da migração sobretudo do Nordeste, estimulada com vista à formação de vassalagem eleitoral, em 2010 o DF ocupava o primeiro lugar no ranking brasileiro do income médio per capita, duas vezes e meia o nacional, quase o dobro de São Paulo. E isso só pode ter uma explicação: o Estado - já que não existem no DF empreendimentos autenticamente econômicos que justificassem aquele ranking. Trata-se, no fundo, de income médio decorrente do income da parte da população cujos proventos (negócios públicos, remuneração pública, comércio e serviços de que o setor público e seus apêndices são os grandes clientes) têm como fonte primária o cofre do Estado.
Contrariando a sua ideia original, o quadro de Brasília - segmentos satisfeitos, outros marginalizados - confere à cidade nuanças um tanto similares às de muitas capitais do Terceiro Mundo, onde a parte influente da sociedade local - em realce, o serviço público de regimes geralmente incisivos na vida nacional - é objeto de atenções nem sempre de inequívoca ética social, mas sempre entendidas como naturais e legais. Por vezes legais mesmo, porque amparadas em leis abertas a interpretações que atendem à cultura do estatismo vicioso, de longa tradição no Brasil. É compreensível, portanto, que Brasília seja atraente para os servidores públicos.
Esse clima indulgente se estende a práticas da área pública de qualidade, no mínimo, discutível. Práticas que passam pelo Executivo, com suas diárias, seus cartões corporativos e gastos confidenciais, seu imenso quadro de cargos comissionados, cujos postulantes apadrinhados são supostamente habilitados para quaisquer atividades; pelo Legislativo, com seus milhares de funcionários bem remunerados, seus gabinetes cevados no clientelismo, suas verbas indenizatórias e de gabinete, seu regime de trabalho anual e semanal, suas passagens aéreas para "ouvir as bases" (eram elas tão frequentes como hoje, ao tempo da capital no então aprazível Rio de Janeiro...?); pelo Judiciário, com suas instalações suntuosas, seus níveis de remuneração dissonantes da realidade nacional, sua lentidão, seu corporativismo, hoje em instigante conflito interno, suas férias e seus recessos diferentes dos do povo e do serviço público em geral; e pelo poder público do DF, que viveu em 2009-2010 triste espetáculo protagonizado por político eleito governador após ter renunciado ao mandato de senador para evitar ser cassado.
Na moldura da tolerância metastaseada viceja o mercado das transações nem sempre virtuosas, no qual se insere a corrupção. No mundo e em qualquer época sempre proporcional à presença interferente do Estado na vida nacional, a corrupção está sendo epidêmica no Brasil, onde a ação do Estado se estende do atacado ao varejo, das grandes obras públicas, dos benefícios e do protecionismo ao simples carimbo burocrático. E é evidenciada em Brasília por força da concentração da receita tributária nacional na União. Evidência apoiada também na imprecisão, já tendente a parâmetro cultural, sobre o certo e o errado: não é fácil definir limites entre o certo e o errado e tende a aumentar a leniência com esses limites quando se convive no cotidiano com um abrangente caldo de cultura matizado por ética questionável, se não por escândalos que, mesmo quando sensacionalizados pela mídia, logo são esquecidos e assimilados no clima complacente que permeia o poder público lato sensu e está disseminado no povo, por vezes ao amparo de flexível combinação imoral/legal.
Nossa cultura clientelista e de usufruto patrimonialista do Estado vem de longa data colonial, nada do comentado neste artigo nasceu do zero em Brasília. Mas tudo foi nela ao menos um pouco inflado. Não deve causar perplexidade, portanto, que Brasília, uma ideia realmente sadia aventada ainda no Império, se tenha transformado em trincheira da resistência de nossa psicologia patrimonial-clientelista e estatista, que, presente em todo o País, é exuberante nela.
Trincheira estatista
Mario Cesar Flores, almirante de Esquadra (reformado)
A presença impregnante do Estado induz nos que vivem ou atuam em Brasília o sentimento de relevância coerente com o intervencionismo do Estado nacional na vida do País, por sua vez, coerente com a concentração (70%) da receita tributária na União - o que explica ser a capital federal o paraíso de consultorias a serviço de interesses diversos (lícitos ou não tanto) e a meca do lobismo privado e público - este praticado por políticos e servidores estaduais e municipais compelidos à deprimente via-sacra brasiliense, caminho do cofre federal. A boa rede hoteleira da cidade reflete essa situação: o lobismo explica-a mais que o turismo, pequeno em Brasília.
A par do sentimento de relevância, crescem nos que vivem ou atuam em Brasília manifestações típicas da tradicional cultura brasileira estatista e patrimonialista-clientelista. À época do Rio de Janeiro, essas manifestações eram atenuadas pela diversidade socioeconômica, de entretenimento e cultural da velha capital, frágil em Brasília. Nos anos de consolidação da cidade (1960-1970) elas viveram, então justificadamente, o impulso do tsunami de vantagens conferidas aos transferidos para a nova capital (gratificações, transporte casa-trabalho, a pletora de carros oficiais, residências de padrão acima das usadas no Rio de Janeiro, excelentes clubes corporativos do sistema público, boa assistência à saúde, escolas de qualidade...), cujos resíduos culturais resistem até hoje. Impulso renovado em 1990 pela venda das residências funcionais aos servidores, sob condições favorecidas. Embora com aspectos lógicos e positivos, em última análise uma privatização privilegiada, compatível com o ânimo patrimonialista do brasileiro em geral e, é claro, do servidor público em particular.
Apesar de existir em Brasília extensa periferia favelada e marginalizada - conforme censo do IBGE de 2010, é do Distrito Federal (DF) a segunda maior favela do País -, decorrente da migração sobretudo do Nordeste, estimulada com vista à formação de vassalagem eleitoral, em 2010 o DF ocupava o primeiro lugar no ranking brasileiro do income médio per capita, duas vezes e meia o nacional, quase o dobro de São Paulo. E isso só pode ter uma explicação: o Estado - já que não existem no DF empreendimentos autenticamente econômicos que justificassem aquele ranking. Trata-se, no fundo, de income médio decorrente do income da parte da população cujos proventos (negócios públicos, remuneração pública, comércio e serviços de que o setor público e seus apêndices são os grandes clientes) têm como fonte primária o cofre do Estado.
Contrariando a sua ideia original, o quadro de Brasília - segmentos satisfeitos, outros marginalizados - confere à cidade nuanças um tanto similares às de muitas capitais do Terceiro Mundo, onde a parte influente da sociedade local - em realce, o serviço público de regimes geralmente incisivos na vida nacional - é objeto de atenções nem sempre de inequívoca ética social, mas sempre entendidas como naturais e legais. Por vezes legais mesmo, porque amparadas em leis abertas a interpretações que atendem à cultura do estatismo vicioso, de longa tradição no Brasil. É compreensível, portanto, que Brasília seja atraente para os servidores públicos.
Esse clima indulgente se estende a práticas da área pública de qualidade, no mínimo, discutível. Práticas que passam pelo Executivo, com suas diárias, seus cartões corporativos e gastos confidenciais, seu imenso quadro de cargos comissionados, cujos postulantes apadrinhados são supostamente habilitados para quaisquer atividades; pelo Legislativo, com seus milhares de funcionários bem remunerados, seus gabinetes cevados no clientelismo, suas verbas indenizatórias e de gabinete, seu regime de trabalho anual e semanal, suas passagens aéreas para "ouvir as bases" (eram elas tão frequentes como hoje, ao tempo da capital no então aprazível Rio de Janeiro...?); pelo Judiciário, com suas instalações suntuosas, seus níveis de remuneração dissonantes da realidade nacional, sua lentidão, seu corporativismo, hoje em instigante conflito interno, suas férias e seus recessos diferentes dos do povo e do serviço público em geral; e pelo poder público do DF, que viveu em 2009-2010 triste espetáculo protagonizado por político eleito governador após ter renunciado ao mandato de senador para evitar ser cassado.
Na moldura da tolerância metastaseada viceja o mercado das transações nem sempre virtuosas, no qual se insere a corrupção. No mundo e em qualquer época sempre proporcional à presença interferente do Estado na vida nacional, a corrupção está sendo epidêmica no Brasil, onde a ação do Estado se estende do atacado ao varejo, das grandes obras públicas, dos benefícios e do protecionismo ao simples carimbo burocrático. E é evidenciada em Brasília por força da concentração da receita tributária nacional na União. Evidência apoiada também na imprecisão, já tendente a parâmetro cultural, sobre o certo e o errado: não é fácil definir limites entre o certo e o errado e tende a aumentar a leniência com esses limites quando se convive no cotidiano com um abrangente caldo de cultura matizado por ética questionável, se não por escândalos que, mesmo quando sensacionalizados pela mídia, logo são esquecidos e assimilados no clima complacente que permeia o poder público lato sensu e está disseminado no povo, por vezes ao amparo de flexível combinação imoral/legal.
Nossa cultura clientelista e de usufruto patrimonialista do Estado vem de longa data colonial, nada do comentado neste artigo nasceu do zero em Brasília. Mas tudo foi nela ao menos um pouco inflado. Não deve causar perplexidade, portanto, que Brasília, uma ideia realmente sadia aventada ainda no Império, se tenha transformado em trincheira da resistência de nossa psicologia patrimonial-clientelista e estatista, que, presente em todo o País, é exuberante nela.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Exército faz segurança em delegacia no CE
Folha de S. Paulo, 6 de janeiro de 2012.
Exército faz segurança em delegacia no CE
Com greve de policiais civis, militares cercam unidades em Fortaleza para evitar a fuga ou o resgate de presos
A PM, que voltou às ruas após paralisação, foi orientada a registrar as ocorrências nas delegacias de plantão
FÁBIO GUIBU
Homens do Exército e da Força Nacional de Segurança foram deslocados ontem para delegacias de Fortaleza para evitar fuga ou resgate de presos durante a greve dos policiais civis do Estado, iniciada na noite da última terça-feira.
Armados com fuzis e pistolas, os militares cercaram as unidades e se instalaram até nas lajes. Alojamentos foram montados nas delegacias, que recebem equipamentos e suprimentos por caminhão.
De acordo com o governo, apenas 3 das 34 delegacias de Fortaleza funcionavam ontem, em regime de plantão. Nas demais, delegados e funcionários que não aderiram à greve atendiam eventualmente casos urgentes.
OCORRÊNCIAS
A Polícia Militar, que retornou às ruas após seis dias de paralisação, foi orientada a registrar as ocorrências nas delegacias de plantão.
Os policiais civis mantiveram o acampamento na praça em frente à superintendência da instituição.
Militares armados garantiam o acesso ao local por uma porta, nos fundos.
O governo deve pedir a decretação da ilegalidade da greve ou a reativação de decisão judicial de dezembro contra outra paralisação.
Ao menos duas reuniões entre governo estadual e policiais civis ocorreram nesta semana, mas não houve acordo entre eles.
Os grevistas reivindicam o aumento do piso salarial para o equivalente a 60% do valor recebido por um delegado. Com isso, passaria de R$ 2.125 para cerca de R$ 4.500.
Os policiais querem ainda a redução da carga horária de trabalho, de oito horas para seis horas diárias, a transferência dos presos que estão nas delegacias para presídios e o aumento do efetivo.
O secretário do Planejamento e Gestão do Ceará, Eduardo Diogo, disse que o governo "busca o entendimento" com os grevistas, mas o Estado não pode comprometer a sua capacidade de investimento.
Segundo ele, nos últimos 12 meses os servidores do Estado tiveram aumento médio real de 2,76%.
Exército faz segurança em delegacia no CE
Com greve de policiais civis, militares cercam unidades em Fortaleza para evitar a fuga ou o resgate de presos
A PM, que voltou às ruas após paralisação, foi orientada a registrar as ocorrências nas delegacias de plantão
FÁBIO GUIBU
Homens do Exército e da Força Nacional de Segurança foram deslocados ontem para delegacias de Fortaleza para evitar fuga ou resgate de presos durante a greve dos policiais civis do Estado, iniciada na noite da última terça-feira.
Armados com fuzis e pistolas, os militares cercaram as unidades e se instalaram até nas lajes. Alojamentos foram montados nas delegacias, que recebem equipamentos e suprimentos por caminhão.
De acordo com o governo, apenas 3 das 34 delegacias de Fortaleza funcionavam ontem, em regime de plantão. Nas demais, delegados e funcionários que não aderiram à greve atendiam eventualmente casos urgentes.
OCORRÊNCIAS
A Polícia Militar, que retornou às ruas após seis dias de paralisação, foi orientada a registrar as ocorrências nas delegacias de plantão.
Os policiais civis mantiveram o acampamento na praça em frente à superintendência da instituição.
Militares armados garantiam o acesso ao local por uma porta, nos fundos.
O governo deve pedir a decretação da ilegalidade da greve ou a reativação de decisão judicial de dezembro contra outra paralisação.
Ao menos duas reuniões entre governo estadual e policiais civis ocorreram nesta semana, mas não houve acordo entre eles.
Os grevistas reivindicam o aumento do piso salarial para o equivalente a 60% do valor recebido por um delegado. Com isso, passaria de R$ 2.125 para cerca de R$ 4.500.
Os policiais querem ainda a redução da carga horária de trabalho, de oito horas para seis horas diárias, a transferência dos presos que estão nas delegacias para presídios e o aumento do efetivo.
O secretário do Planejamento e Gestão do Ceará, Eduardo Diogo, disse que o governo "busca o entendimento" com os grevistas, mas o Estado não pode comprometer a sua capacidade de investimento.
Segundo ele, nos últimos 12 meses os servidores do Estado tiveram aumento médio real de 2,76%.
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
Greve da PM e CB no Ceará
Folha de S. Paulo, 04 de janeiro de 2012.
Lojas, creches, repartições e até o TJ fecharam com o temor de arrastões e assaltos
Pânico se espalhou no boca a boca e nas redes socais; paralisação de policiais e bombeiros começou na quinta FLÁVIA MARREIRO
EM FORTALEZA
luiza bandeira
DE SÃO PAULO
Policiais militares e bombeiros do Ceará ignoraram a ordem da Justiça de voltar ao trabalho e cumpriram ontem o quinto dia de greve geral que deixou Fortaleza, em plena alta temporada turística, com ares de cidade fantasma.
Durante todo o dia, o medo tomou a capital cearense, apesar do reforço no policiamento feito por homens da Força Nacional de Segurança e do Exército desde a sexta.
No fim da noite, enquanto as negociações indicavam que a greve poderia acabar, os policias civis também decidiram parar (leia texto nesta pág.).
Ontem, lojas em ruas de áreas nobres e do centro, incluindo o turístico Mercado Central, fecharam as portas.
Creches, escolas municipais e estaduais -em reposição de aulas após greve-, repartições municipais, postos de saúde, o Tribunal de Justiça e o fórum encerraram o expediente mais cedo.
Algumas agências da Caixa não abriram. Outras encurtaram em duas horas o horário de trabalho. Os Correios interromperam o serviço de entrega e os agentes de trânsito ameaçavam parar por falta de segurança.
A reação em cadeia foi provocada pelo temor de arrastões e assaltos que começaram a se alastrar -pelo boca a boca e pelas redes sociais- na noite de segunda-feira.
Ao meio-dia, as principais artérias e zonas comerciais estavam praticamente vazias.
Luiz Brito, 65, dono de uma loja no centro, resolveu fechar as portas às 9h. "Começou a gritaria: 'Lá vem o arrastão'. Fechei e esperei. Não sei se vou trabalhar amanhã [hoje], vamos ver as condições."
O Mercado Central, o principal centro de compras voltados para o turismo na capital de 2,5 milhões de habitantes, fechou, mas, segundo os próprios comerciantes, não houve registro de assaltos.
Jornais e rádios locais confirmavam o assalto de um supermercado no bairro de classe média do Montese, na noite de segunda, e de tentativas de assalto em zonas nobres, como Aldeota e Seis Bocas.
Com medo de tentativas de resgate de presos, policiais civis fecharam as delegacias e se recusaram a fazer boletins de ocorrência. Uma mulher atingida por um tiro de raspão na cabeça não pôde fazer o registro no 25º DP, segundo o inspetor Lourival Lima. "A delegacia estava fechada por receio da segurança", disse.
TURISMO E PÂNICO
O clima de tensão também afetou a praia do Futuro, a principal da cidade, cheia na terça ensolarada de férias.
Pouco antes do meio-dia, garçons orientavam os clientes a encerrar contas e reproduziam rumores de arrastão.
Nos hotéis, a orientação aos turistas era sair pouco e não levar objetos de valor. Operadores do cinco estrelas Marina Park e do hotel Mareiro informaram que não registraram cancelamento de reservas.
Segundo o Comando da 10ª Região Militar do Exército, 813 militares e 204 homens da Força Nacional de Segurança auxiliavam na segurança do Estado ontem. Era prevista a chegada de mais de cem militares.
Em nota, o governo do Ceará disse que a segurança estava sendo "garantida" pelos reforços e que "muitos boatos" estavam sendo propagados. Não divulgou, porém, o número de crimes registrados desde o início da greve.
Medo toma Fortaleza com greve da PM em pleno verão
Pânico se espalhou no boca a boca e nas redes socais; paralisação de policiais e bombeiros começou na quinta FLÁVIA MARREIRO
EM FORTALEZA
luiza bandeira
DE SÃO PAULO
Policiais militares e bombeiros do Ceará ignoraram a ordem da Justiça de voltar ao trabalho e cumpriram ontem o quinto dia de greve geral que deixou Fortaleza, em plena alta temporada turística, com ares de cidade fantasma.
Durante todo o dia, o medo tomou a capital cearense, apesar do reforço no policiamento feito por homens da Força Nacional de Segurança e do Exército desde a sexta.
No fim da noite, enquanto as negociações indicavam que a greve poderia acabar, os policias civis também decidiram parar (leia texto nesta pág.).
Ontem, lojas em ruas de áreas nobres e do centro, incluindo o turístico Mercado Central, fecharam as portas.
Creches, escolas municipais e estaduais -em reposição de aulas após greve-, repartições municipais, postos de saúde, o Tribunal de Justiça e o fórum encerraram o expediente mais cedo.
Algumas agências da Caixa não abriram. Outras encurtaram em duas horas o horário de trabalho. Os Correios interromperam o serviço de entrega e os agentes de trânsito ameaçavam parar por falta de segurança.
A reação em cadeia foi provocada pelo temor de arrastões e assaltos que começaram a se alastrar -pelo boca a boca e pelas redes sociais- na noite de segunda-feira.
Ao meio-dia, as principais artérias e zonas comerciais estavam praticamente vazias.
Luiz Brito, 65, dono de uma loja no centro, resolveu fechar as portas às 9h. "Começou a gritaria: 'Lá vem o arrastão'. Fechei e esperei. Não sei se vou trabalhar amanhã [hoje], vamos ver as condições."
O Mercado Central, o principal centro de compras voltados para o turismo na capital de 2,5 milhões de habitantes, fechou, mas, segundo os próprios comerciantes, não houve registro de assaltos.
Jornais e rádios locais confirmavam o assalto de um supermercado no bairro de classe média do Montese, na noite de segunda, e de tentativas de assalto em zonas nobres, como Aldeota e Seis Bocas.
Com medo de tentativas de resgate de presos, policiais civis fecharam as delegacias e se recusaram a fazer boletins de ocorrência. Uma mulher atingida por um tiro de raspão na cabeça não pôde fazer o registro no 25º DP, segundo o inspetor Lourival Lima. "A delegacia estava fechada por receio da segurança", disse.
TURISMO E PÂNICO
O clima de tensão também afetou a praia do Futuro, a principal da cidade, cheia na terça ensolarada de férias.
Pouco antes do meio-dia, garçons orientavam os clientes a encerrar contas e reproduziam rumores de arrastão.
Nos hotéis, a orientação aos turistas era sair pouco e não levar objetos de valor. Operadores do cinco estrelas Marina Park e do hotel Mareiro informaram que não registraram cancelamento de reservas.
Segundo o Comando da 10ª Região Militar do Exército, 813 militares e 204 homens da Força Nacional de Segurança auxiliavam na segurança do Estado ontem. Era prevista a chegada de mais de cem militares.
Em nota, o governo do Ceará disse que a segurança estava sendo "garantida" pelos reforços e que "muitos boatos" estavam sendo propagados. Não divulgou, porém, o número de crimes registrados desde o início da greve.
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