terça-feira, 29 de novembro de 2011

Números das UPPs latreiam 'invasão' social

Números das UPPs lastreiam ‘invasão’ social
29 Nov 2011



O levantamento publicado anteontem pelo GLOBO com indicadores de crimes em bairros na órbita das UPPs é bom termômetro para medir o impacto desse programa, que se tornou a ponta mais visível da vitoriosa política de segurança do Rio de Janeiro. A queda de 50% no total de assassinatos — fruto da presença policial que virtualmente acabou com tiroteios (ou os tornou episódicos) e asfixiou as quadrilhas de traficantes que subjugavam as comunidades — projeta uma realidade bem distinta daquela resultante da tiranização dos bandidos: graças às UPPs, preservaram-se 270 vidas e evitaram-se 11 mil roubos.
São números convincentes. O secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, estima que as UPPs resgataram “duas Niteróis” do domínio do tráfico. Mas é um indicador que, obviamente, não pode constituir um fim em si. O próprio secretário prefere manter o foco no que ainda há por ser feito, e não é pouca coisa, a adotar um discurso puramente otimista. Mesmo nas áreas já pacificadas, sob controle policial-militar, ou protegidas só pela PM, há registros, mesmo esporádicos, de demandas não resolvidas. No Complexo do Alemão, criminosos trocaram tiros com uma patrulha militar, sinal de que o tráfico, sufocado no atacado, ainda se manifesta espasmodicamente no varejo. Pior: mostra que ainda há armamento com as quadrilhas, evidência mais grave do que eventuais descobertas de pontos de venda de drogas. O fuzil não desapareceu.
Há também relatos de abusos praticados por soldados das UPPs e, em algumas favelas, a população ainda não está cem por cento convencida de que é para valer, permanente, a retomada da comunidade pelo Estado, o que de certa forma lhes tira a confiança de colaborar com as forças da ordem. Num plano mais geral, mesmo tendo cimentado o caminho para a crucial invasão social das comunidades, o poder público ainda não deu esse estratégico passo, sem o qual, alerta o secretário Beltrame, o programa de UPPs poderá se atolar num beco sem saída.
De qualquer forma, o levantamento é estimulante. E oportuno, pois marca o aniversário de um ano da retomada do Complexo do Alemão, decorrente de uma eficiente operação policial-militar. Ao lado da recente pacificação da Rocinha, a ocupação de um ano atrás representa a mais contundente cunha encravada pelo Estado nos domínios das quadrilhas de traficantes, profunda o suficiente para seccionar os vínculos com a criminalidade que, pela tirania, os bandidos impunham às comunidades. Mas ainda falta o que fazer.
As operações no Alemão e na Rocinha guardam diferenças, evidência da complexa realidade da pauta das UPPs. A ocupação do Complexo atropelou o planejamento, em razão dos atos de terrorismo desferidos a partir do bunker dos traficantes naquela comunidade. Na Rocinha, a pacificação foi planejada, inclusive com operações de caça a arsenais dos bandidos — varredura que será feita no Alemão, disse, em entrevista ao “Bom dia, Brasil”, o comandante das forças do Exército, general Rego Barros. As UPPs abriram o caminho para a “invasão” social. No Alemão, a chegada dos serviços públicos serve, ainda, para compensar a parte que falta cumprir da missão

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

PM em greve no Maranhão


O Globo 25 nov 2011

PM em greve ocupa Assembleia no Maranhão
Roseana Sarney recorre à Guarda Nacional e ao Exército para segurança nas ruas; aeroporto quase foi fechado
Raimundo Garrone

SÃO LUÍS. Em greve desde a noite de anteontem, cerca de mil policiais militares e bombeiros estão acampados na Assembleia Legislativa do Maranhão, onde aguardam o resultado de uma nova rodada de negociação com o governo do estado, que até o momento está irredutível em aceitar o aumento reivindicado de 30%.
Na manhã de ontem, depois de uma reunião com os deputados, o movimento grevista escolheu o presidente da Assembleia Legislativa, Arnaldo Melo (PMDB), para representá-lo junto à governadora Roseana Sarney (PMDB) em busca de um entendimento que possa pôr fim à greve, que paralisou praticamente 100% do efetivo militar em todo o estado. De acordo com Melo, não ficou estabelecido um prazo para as negociações.
- Entendemos que o plano do governo do estado para os militares deve ser bem fundamentado e baseado num orçamento que não venha a tumultuar a administração estadual em dias futuros. Nós, deputados, estamos prontos para discutir e votar o plano a ser apresentado pelo governo do estado - afirmou.
A pedido de Roseana, homens da Guarda Nacional e do Exército Brasileiro estão exercendo as funções dos militares em greve. A Secretaria de Segurança Pública não quis, alegando questões de estratégia, divulgar o efetivo que está nas ruas.
A paralisação do Corpo de Bombeiros ameaçou fechar o aeroporto de São Luís, o que foi evitado pela decisão da Aeronáutica e da Infraero de colocar pessoal próprio, especializado em combate a incêndios, para cumprir os requisitos de segurança e manter o aeroporto em funcionamento.
Um incêndio no Parque do Rangedor, onde fica a Assembleia Legislativa, provocado pela seca, foi debelado por carros pipas contratados pelo Legislativo.
No meio da manhã, o desembargador Stélio Muniz concedeu liminar, atendendo a um pedido do governo do estado, considerando a greve ilegal com base na Constituição que veda esse tipo de movimento aos militares.
Ainda na liminar, Stélio Muniz determinou a imediata suspensão do movimento de paralisação, sob pena de pagamento de multa diária de R$200, descontados na remuneração de cada policial e bombeiro em greve.
- Eu já quase não tenho salário, então não sei de onde eles pretendem descontar essas multas, pois vamos ficar acampados na Assembleia até que nossas reivindicações sejam atendidas - disse o coronel Ivaldo Barbosa, um dos líderes do movimento.
O governo do Maranhão ainda tenta junto ao juiz auditor da Justiça Militar, Vicente de Paula Gomes de Souza, a decretação da prisão dos líderes do movimento, com base no código penal militar, o que acirrou ainda mais os ânimos.
- Que venham nos prender - desafiou um dos líderes do movimento que preferiu não se identificar.
Em nota oficial, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou que sempre manteve aberto o diálogo. E que durante o processo de conversação com policiais e bombeiro, diversos avanços foram obtidos pelas categorias.
Secretaria diz que salário é o sétimo do país
Entre esses avanços, segundo a secretaria, estão o aumento do auxílio-alimentação de R$120 para R$250, de forma linear, e a criação e regulamentação de nove unidades operacionais, com 4.466 novos cargos.
A secretaria disse ainda na nota que o policial militar do Maranhão recebe o sétimo salário no ranking nacional, no valor de R$2.028, maior que a remuneração de um PM no Rio de Janeiro, que é de R$1.137,49.
- O que acontece é que nesses estados existe uma série de benefícios que praticamente quadruplica esses salários - explicou o deputado Bira do Pindaré (PT), que apoia o movimento grevista.
No fim da tarde de ontem, o presidente do Sindicato dos Rodoviários, Dorival Souza, disse que se os policiais mantiverem a greve até hoje, o transporte coletivo deixará de circular durante a noite, por falta de segurança.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Altas taxas de homicidios

O Estado de S. Paulo, 24 de novembro de 2011.

Estados da região têm mais de 30 assassinatos/100 mil habitantes e taxas recordes de outros crimes, segundo Anuário da Segurança


O aumento da renda e o desenvolvimento da economia nordestina na última década vieram acompanhados do aumento generalizado da violência na região. Além de liderar o ranking dos assassinatos, Estados do Nordeste passaram a ocupar a dianteira também nos casos de roubos. Os resultados estão no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado ontem, feito em parceria com o Ministério da Justiça com base nas informações de 2010 das Secretarias Estaduais de Segurança.
Dos dez Estados brasileiros com taxas de homicídio acima de 30 casos por 100 mil habitantes, seis estão no Nordeste. Nos três primeiros lugares estão Alagoas (68,2), Paraíba (38,2) e Pernambuco (36,4). A quinta posição fica com Sergipe (33,8), a sétima com a Bahia (31,7) e a nona com o Ceará (31,2).
"Os jovens são as maiores vítimas dos homicídios porque entram cada vez mais cedo no mundo das drogas, não têm dinheiro para sustentar o vício e pagam com a vida", afirma o secretário estadual de Defesa Social de Alagoas, coronel Dário César. Para ele, a violência em Alagoas é reflexo do avanço do consumo e da venda de drogas no Estado.
Em relação aos crimes contra o patrimônio, pela primeira vez a Bahia registrou mais roubos a instituições financeiras do que São Paulo, centro econômico do País. Foram 249 casos em 2010, aumento de 186% em relação ao ano anterior. Paraíba, com 45 casos, fica em 6.º lugar, empatado com Rio Grande do Sul e Minas.
Nos casos de roubos em geral, outra surpresa. Considerando casos por 100 mil habitantes, Sergipe (988) ocupa a segunda posição, atrás apenas do Distrito Federal (1.032). "É roubo de celular, de carteira, um assalto a ônibus em que o bandido leva R$ 30, por exemplo", afirma Everton dos Santos, coordenador do Centro de Operações Policiais Especiais da Polícia Civil de Sergipe.
Para ele, a maioria dessas ocorrências está relacionada ao tráfico de drogas, principalmente o crack. Ele acredita que com a extinção das "bocas de fumo" e com uma melhor finalidade do Estatuto do Desarmamento os roubos tendem a diminuir em todo o País. Para o professor José Maria Nóbrega, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, a migração de criminosos do Sudeste é uma das hipóteses. "O endurecimento das políticas contra o crime no Sudeste incentivaram a vinda de integrantes de quadrilhas para cá, onde existe uma frágil estrutura de segurança pública."
BRUNO PAES MANSO, RICARDO RODRIGUES E ANTÔNIO CARLOS GARCIA, ESPECIAL PARA O ESTADO

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Papel indefinido


Folha de São Paulo, 20 de novembro de 2011

Janio de Freitas
Papel indefinido

Não serve ao país a atual dubiedade sobre o papel das Forças Armadas em operações em favelas
O planejamento das invasões de Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu agravou uma situação esdrúxula. E, por consequência, a necessidade de ser enfrentada a falta de uma doutrina sobre a função interna das Forças Armadas no país.
A um só tempo, o Exército recusou-se a participar das operações, como força de apoio, e evidenciou o desejo de retirar-se do Complexo do Alemão, onde estava prevista sua colaboração até junho, como garantidor parcial da ocupação.
O argumento de que militares não são preparados para esse gênero de ação tem prevalecido, sendo dada como ato de boa vontade especial -e não de cumprimento de responsabilidades definidas- a relutante presença do Exército na tomada do Complexo do Alemão. Não faltam contra-argumentos.
Se não há um setor do Exército preparado para tal tipo de ação é porque não foi tomada a providência de organizá-lo. Mas já era tempo, muito tempo, de que isso estivesse feito, por ao menos três fortes motivos. Primeiro, o Exército foi a força cujo comando pressionou com energia, em 1988, para constar da Constituição a responsabilidade das Forças Armadas também pela ordem interna. Segundo, o Exército capaz tem preparo para todos os tipos de operações de terra. Terceiro, "ações de polícia" semelhantes às das favelas já foram feitas pelo Exército, sob a atual Constituição, numerosas vezes: contra contingentes de sem-terra, contra grevistas, contra manifestantes, contra posseiros.
A contradição vai mais longe. Se o Exército pode fazer (bem) no Haiti -e se orgulha disso- a mesma atividade requerida pela ocupação de favelas, por que não pela segurança de brasileiros em seu próprio país?
Há muitas restrições possíveis à participação das Forças Armadas em quaisquer problemas internos. Sua finalidade é, por definição, a defesa do país contra a violação da soberania física.
O que não serve ao Estado de Direito é a atual dubiedade, imposta aos acovardamentos remanescentes nos constituintes e depois utilizada, em uma ou em outra direção, sem critérios nítidos -como deve tê-los o regime democrático.
Inclusive por artigos na Folha, Fernando Henrique Cardoso foi, entre os políticos, o que mais se referiu, no governo Sarney (o primeiro civil), à necessidade de definição do papel das Forças Armadas. Nos seus oito anos de presidente, não tocou no assunto. Nem depois. Mas a necessidade continua, agrava-se em alguns aspectos e dela dependem muitas possíveis ocorrências e decisões futuras. Sem essa definição é difícil, por exemplo, que o Rio consiga manter por longo prazo o efeito pretendido das ocupações de favelas. O mesmo com outras cidades e Estados, na eventualidade de agravamento de suas más condições de segurança pública e sociais, menos ou mais escondidas hoje.

sábado, 19 de novembro de 2011

Análise de Glaucio Soares

Da Folha de SP on line  19 de novembro de 2011

O alto comissariado das Nações Unidas (ONU) divulgou nota parabenizando o Brasil pela sanção da lei que cria a Comissão da Verdade (grupo governamental que irá investigar e narrar violações aos direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988) e pela lei que dá acesso a informações públicas. As duas leis foram sancionadas nesta sexta-feira (18) pela presidente Dilma Rousseff.
Navi Pillay, alta comissária dos Direitos Humanos da ONU, pediu nesta sexta-feira "medidas adicionais para facilitar o julgamento dos supostos responsáveis por violações dos direitos humanos" durante a ditadura militar.
A comissária destacou que o país dá um passo importante em relação aos direitos humanos e aos fatos do passado, mas afirmou que a medida "deveria incluir a promulgação de uma nova legislação para revogar a Lei de Anistia de 1979 ou para declará-la inaplicável por impedir a investigação e levar à impunidade". Para ela, enquanto isso não ocorrer ainda há desrespeito à legislação internacional de Direitos Humanos.
SANÇÃO
O projeto que cria a Comissão da Verdade prevê que este grupo, que funcionará por dois anos, terá sete membros escolhidos pela presidente. Ao final, o grupo vai elaborar um relatório em que detalhará as circunstâncias das violações investigadas.
"A verdade em si tem um componente ético que por si se justifica. Mas não bastasse isso, a verdade histórica tem um componente pedagógico que é absolutamente insubstituível. Com a verdade, nós sabemos onde e quando erramos, onde e quando acertamos. Com a verdade nos sabemos o que deve ser feito par que os maus exemplos não se repitam mais", disse o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça).
A outra lei sancionada determina que nenhum documento poderá ficar mais de 50 anos com acesso restrito. O texto classifica as informações sigilosas entre reservadas (5 anos de sigilo), secretas (15 anos) e ultrassecretas (25 anos). Essas poderão ter seu prazo de sigilo renovado por uma única vez.
O relator do texto na Comissão de Relações Exteriores do Senado, o ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL), defendeu o sigilo eterno para documentos ultrassecretos, mas sua proposta foi derrubada na Casa.
"O sigilo não oferecerá nunca mais guarida aos desrespeitos dos direitos humanos no Brasil", disse Dilma sobre a nova lei.
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Esse texto provoca muitas reações. Há alguns observadores americanos que acham que os militares brasileiros estão controlados pelos civís, como acontece nos países considerados mais democráticos. Alguns analistas brasileiros discordam dessa afirmação. Eu defendo a tese de que a "retirada dos militares" de áreas decisórias civís não foi nem é uniforme, sendo maior em algumas áreas e menor em outras. No que concerne os documentos relativos a temas como a tortura e o desaparecimento de opositores durante o regime militar, os militares brasileiros têm mantido uma posição que só confirma a suspeita de que "a ditadura ainda não acabou". Jorge Zaverucha defende a tese de que a influência dos militares sobre decisões muito importantes, estratégicas para o futuro do país, ainda é muito grande, incompatível com uma democracia moderna.
Creio que, para os militares, a questão virou uma queda de braço inútil e imatura, que só lhes traz prejuízo, reforçando a imagem de que nossos militares estão longe de uma postura plenamente democrática.
Temem, talvez, o revanchismo. Da minha parte, creio que a Comissão da Verdade deve respeitar integralmente o acordo que permitiu que o país saísse da ditadura. Não há garantia de que as ditaduras militares são um fenômeno do passado. O respeito ao acordo da anistia a todos deve ser mantido e parte de qualquer proposta de abertura por parte da Comissão da Verdade. A Lei da Anistia não pode se tornar uma mentira, sob pena de dificultar as negociações, em alguma medida, em qualquer lugar do mundo, visando a liberdade democrática.
Devemos, também, considerar que a experiência democrática brasileira está longe de ser exemplar. Executivo, Legislativo e Judiciário não inspiram confiança da parte do povo brasileiro. Seus problemas com a corrupção, a incompetência e a ineficiência deixam amplo espaço para uma atitude de desprezo em relação à democracia. Os três poderes clássicos e constitucionais precisam se capacitar de que para efetivamente mudar os militares é preciso mudar a si mesmos.
Gláucio Soares

OEA não aceita autoanistia


O Estado de S. Paulo, 19 novembro de 2011.

OEA não aceita autoanistia

O Brasil é signatário de acordos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à OEA, segundo os quais crimes contra direitos humanos, também considerados crimes contra a humanidade, são imprescritíveis. De acordo com essas normas, também não é aceita a chamada autoanistia, na qual o regime autoritário perdoa atos cometidos por seus agentes. Visto por esses acordos, a Lei da Anistia promulgada em 1979, ainda no regime militar, não é aceitável.


domingo, 13 de novembro de 2011

Quem leu o relatório sobre o IDH?

Folha de S. Paulo, 13 de novembro de 2011.

Eduardo Fagnani
Quem leu o relatório sobre o IDH?
A questão social brasileira é chaga secular, e mudanças são processos lentos, mas não vagamos "como uma onda no mar", como alguns afirmam
Muito se falou sobre o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Poucos leram o documento, mas criticaram o fato de o Brasil subir só uma posição no ranking global (84ª posição) de 187 países.
Alguns ignoraram a advertência do próprio Pnud de que "é enganoso comparar valores e classificações do IDH 2011 com os de relatórios publicados anteriormente. Isto porque, além da inclusão de 18 novos países e territórios, os dados e métodos sofreram ajustes e algumas mudanças".
Em artigo publicado nesta Folha, um ex-economista do Pnud (Flavio Comim, "IDH, como uma onda no mar", 6/11) desconsiderou o seguinte alerta da instituição em que trabalhou: o IDH 2011 "mostra que o Brasil faz parte do seleto grupo de apenas 36 dos 187 países que subiram no ranking entre 2010 e 2011, seguindo os dados recalculados para a nova base deste ano. Os outros 151 permaneceram na mesma posição ou caíram".
O IDH reflete as alterações na renda nacional, na expectativa de vida e nos anos de estudo.
Em sua obra clássica, o economista Gunnar Myrdal sublinha o papel central da renda para o bem-estar social. Entre 1980 e 2003, a renda per capita brasileira cresceu míseros 6%; na China, ela setuplicou; na Índia, dobrou. Isso explica "o vigor da juventude" do IDH desses países -e o nosso atraso relativo.
Após 25 anos, desde 2006 voltamos a trilhar o caminho do crescimento, com reflexos positivos no mercado de trabalho e na redução da pobreza e da desigualdade.
Apesar das restrições financeiras e dos problemas estruturais da saúde, o SUS tem feito progressos.
A taxa de mortalidade infantil caiu de 47% para 16% entre 1990 e 2010 (Nordeste: de 76% para 24%). A expectativa de vida progrediu: "no caso brasileiro, essa evolução do IDH do ano passado para este ano contou com um impulso maior da dimensão saúde -medida pela expectativa de vida-, responsável por 40% da alta", afirma o Pnud.
Na educação, universalizamos o acesso: 98% das crianças de seis a 14 anos estão na escola. O desafio presente é melhorar a qualidade.
A educação infantil poderá contribuir para isso. O filho do rico entra no ensino fundamental alfabetizado pela pré-escola. O filho do pobre deveria ter o mesmo direito.
Na última década, a proporção de crianças de zero a cinco anos que está na escola aumentou de 23% para 38%. A escolaridade média é baixa (7,4 anos), mas, desde 1999, a proporção de pessoas de 18 a 24 anos (PEA) com 11 anos de estudo subiu de 22% para 41%.
Em suma, a questão social no Brasil é uma chaga secular. Mudanças são processos lentos que exigem continuidade e investimentos -e, de fato, gastamos pouco em saúde e em educação. Porém, não vagamos "como uma onda no mar", como afirma o especialista.
Em 1988 a sociedade optou pela cidadania social. Essa decisão soberana foi cerceada pelos donos do mundo e por seus experimentos fracassados. A partir de 2006, retomamos a rota traçada em 1988. Seus resultados estão disponíveis para aqueles que não se contentam com manchetes de jornais.
EDUARDO FAGNANI é professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp.

Conflito na universidade é sintoma de crise democrática

Folha de S. Paulo, 13 de novembro de 2011.

Conflito na universidade é sintoma de crise democrática
Distanciamento dos canais tradicionais de participação política é preocupante MAURO PAULINO
DIRETOR-GERAL DO DATAFOLHA
ALESSANDRO JANONI
DIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA
Se na USP, berço da classe média, a falta de canais adequados para a participação dos jovens tomou ESSa proporção, é preocupante o cenário que se projeta para a maioria do segmento, alocada principalmente nas franjas da cidade
A manifestação recente de estudantes da USP não é a brincadeira de criança que se tenta desenhar. Não se restringe ao debate sobre legalização das drogas ou estratégias de segurança pública. É um sintoma sério de crise democrática.
A exemplo do que vem acontecendo em outros países, as instituições tradicionais de representação do modelo hegemônico de democracia se distanciam da população, em especial dos jovens.
Cada vez mais os jovens se sentem menos representados por seus representantes. Os meios formais de participação política não gozam do prestígio de outrora. A representados, às suas necessidades e suas eventuais bandeiras, sobram frustrações.
Nos últimos anos, sinais dessa crise de representação foram observados em diversos estudos.
O Datafolha, por exemplo, em várias ocasiões tratou exclusivamente do segmento, tanto em pesquisas de mercado quanto em trabalhos de opinião pública.
Em 2008, em levantamento nacional, o instituto fez um raio X do jovem brasileiro, que, segundo os resultados, mesmo com acesso à informação por meio de múltiplas plataformas, não se via atendido em demandas básicas, como a inclusão no mercado de trabalho, educação de qualidade e combate à violência.
No ano passado, em pesquisa feita para a agência BOX 1824, o instituto detectou o papel da internet como arma política desse segmento em uma mobilização que dispensa intermediários e que encontra base no grau de identificação social entre usuários da rede em processos batizados de microrrevoluções.
Na pesquisa DNA Paulistano, feita há três anos pelo Datafolha em parceria com a Folha justamente para mapear as demandas da população de cada bairro de São Paulo, esse diagnóstico fica ainda mais claro.
De 32 itens avaliados em cada distrito do município, políticas específicas para o segmento jovem ficam em penúltimo lugar na matriz de avaliação geral da cidade, com nota média 3,7, numa escala que vai de zero a dez. Só ganha da nota atribuída à acessibilidade para deficientes físicos (2,9).
As piores notas para políticas para jovens ficam em bairros da periferia como Brasilândia e Lajeado.
Se na USP, berço da classe média paulistana, a falta de canais adequados para a participação dos jovens tomou a proporção que conhecemos, é preocupante o cenário que se projeta para a maioria do segmento, alocada principalmente nas franjas da cidade.
Se uma crise equivalente à europeia aqui se instalasse, como a polícia reagiria a eventuais manifestações dos jovens da periferia? Especialmente sem a mesma atenção da mídia, tão criticada pelos uspianos.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Segurança, agenda inadiável no Congresso

Folha de S. Paulo, 8 de novembro de 2011.

Segurança, agenda inadiável no Congresso

ARMANDO MONTEIRO NETO



O Poder Legislativo deve ecoar o desejo social de combate à violência e atuar para tornar mais eficazes as políticas de segurança de que dispomos

Política criminal e segurança pública são dois temas prioritários e inadiáveis na pauta do Congresso Nacional. A população coloca hoje o combate à violência no topo de suas preocupações.
O Legislativo deve ecoar essa realidade e atuar para melhorar o desenho das políticas de segurança, tornando-as mais eficazes, bem como para aprimorar a capacidade de implementá-las.
Há uma tendência em tratar política criminal e segurança pública como sinônimos. Mas é preciso distinguir os conceitos. A primeira inclui o conjunto de medidas, leis e ações do Estado que tem por objetivo o controle da criminalidade. É como o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal.
Seu principal instrumento é a lei, consubstanciada no Código Penal.
O Congresso é parte do conjunto de instituições que definem o programa do Estado para o controle do crime e das infrações, tendo entre suas atribuições legislar sobre matéria penal e fiscalizar entidades da administração pública direta e indireta que integram o sistema de justiça criminal.
Já a segurança pública decorre das ações policiais, sejam elas repressivas ou preventivas, com a finalidade de garantir que sejam observadas as normas estabelecidas no Código Penal e na Lei das Contravenções Penais. Não envolve nenhum aspecto da formulação da lei penal, mas apenas sua transformação em atos capazes de garantir a ordem pública.
O papel do Congresso nessa área é fiscalizar, aprovar o orçamento de órgãos da área e promover debates, já que a formulação e a execução das políticas de segurança competem ao Poder Executivo, nos níveis estaduais e federal.
Levantamento feito pelos professores Leandro Piquet Carneiro, Umberto Guarnier Mignozzetti e Rafael Moreira, do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da Universidade de São Paulo, mostra o imenso caminho a percorrer.
Eles analisaram a produção legislativa entre 1995 e 2007 e identificaram 153 proposituras na área de segurança e política criminal, o que corresponde a só 5% das matérias tramitadas no período considerado.
A pesquisa revelou que a maior parte dos projetos diz respeito a leis ordinárias, editadas pela Câmara e pelo Senado. O Executivo federal é, contudo, o principal responsável pelas proposições: das 153 matérias tramitadas no período mencionado, 126 são de sua autoria (82,4%), sendo o Senado Federal autor de apenas oito.
Destacam-se importantes e recentes avanços, como a reforma do Código do Processo Penal, a tipificação de novos atos infracionais ou crimes e o aumento das penas privativas de liberdade. Mas falta uma política nacional de segurança pública, articulada e coordenada nas três esferas de governo.
Há muito por fazer, considerando-se o variado cardápio de questões a atacar. Os problemas diferem em magnitude e em heterogeneidade, potencializados pela diversidade regional e pela inconsistência das políticas públicas atualmente disponíveis para enfrentá-los.
Vão desde os crimes economicamente motivados -crescentes no Nordeste, pelo aumento real da renda local- à existência do crime organizado nas zonas urbanas e de fronteiras, bem como a disseminação das drogas ilícitas, acompanhada pelo aumento das taxas de homicídio e pelo fato inegável da proliferação do uso de armas.
Esse é o largo nicho vislumbrado para o incremento da atuação legislativa. O Congresso deve definir sua agenda a partir de linhas que sejam importantes do ponto de vista das necessidades de controle do crime e da violência e que estejam em consonância com as propostas do governo federal.

ARMANDO MONTEIRO NETO é senador pelo PTB-PE.

domingo, 6 de novembro de 2011

Felizes, desiguais e pouco democratas


O Estado de São Paulo 6 de novembro de 2011

Felizes, desiguais e pouco democratas

06 de novembro de 2011
Gaudêncio Torquato - O Estado de S.Paulo
Um ano atrás os brasileiros eram mais simpáticos à democracia. A sentença, dita assim, sem lastro estatístico, não causa tanta surpresa. Vez ou outra, somos tomados por surtos autoritários. Quando, porém, se mostra uma queda de nove pontos porcentuais na taxa - de 54% para 45% -, a afirmação soa estranha. E ao se completar o pensamento, dizendo que a queda do apoio à democracia no Brasil foi mais acentuada do que a média extraída de 18 países latino-americanos (cerca de 400 milhões de habitantes), entre os quais a Bolívia, o Peru, a Colômbia, a Venezuela, poucos hão de acreditar. Essa é a conclusão da 16.ª pesquisa feita pelo Latinobarómetro, renomado instituto chileno que, periodicamente, toma o pulso da democracia no continente.
Mas por que o nosso torrão estaria menos afeito à modelagem democrática, se exibe alto índice de satisfação social, garantido pela trombeteada conquista de 30 milhões de brasileiros que ascenderam ao patamar da classe média? Afinal, a democracia não é o sistema mais compatível com o ideal da felicidade humana?
Para quem ainda não sabe, os brasileiros foram elevados ao ranking dos povos mais felizes do planeta. É o que revela o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), ao mostrar a nota 6,8 que a nossa população atribui à sua vida, maior que a dos alemães (6,7) e apenas um pouco mais baixa que a dos belgas e irlandeses (6,9), que estão entre os mais ricos do planeta. A dissonância ganha reforço diante da divulgação de outro índice: no capítulo da igualdade de renda, o Brasil perde 13 posições, ficando atrás de países como Gabão e Mongólia. Triste constatação.
Tentemos, então, enxergar a radiografia em preto e branco: a comunidade nacional, apesar de ter menor número de pobres, continua muito desigual. Mas está satisfeita com a sua situação. Resta esclarecer um pequeno mistério: por que somos o país latino-americano com menor porcentual de aprovação da democracia?
É oportuno lembrar que índices de pesquisa não se anulam, devendo ser analisados em seus respectivos compartimentos. A leitura linear é a de que o nosso PNBF - o produto nacional bruto da felicidade - se expandiu na esteira do fator econômico. Como uma locomotiva, ele puxa os vagões das pessoas, determinando a sua maior ou menor satisfação, mais alta ou mais baixa avaliação dos governantes. Por exemplo, a presidente Dilma Rousseff (67%) só perde para o colombiano Juan Manuel Santos (75%) na apreciação sobre o desempenho dos mandatários da América Latina. Pesa, na radiografia sobre a democracia no continente, o impacto da crise econômica mundial sobre o cotidiano dos habitantes. Se o Brasil, entre as nações pesquisadas, foi menos atingido pela crise, é natural que seu governante receba o aplauso social.
Quanto ao maior desapreço por nossa democracia, a explicação passa por outros corredores. Comecemos por distinguir o Brasil da gestão Dilma do Brasil do estilo Lula. Ao sair do centro do palco, o ex-presidente fechou um ciclo, no qual ocupava todos os espaços, dirigia os atos, manobrava os bastidores, enfim, dava o tom da orquestra. Tão forte era a sua presença no palco que os atores em seu entorno, por mais esforços que fizessem para aparecer - alguns em situações constrangedoras -, eram ofuscados, permanecendo em posição secundária. Lula simbolizava o governo e suas circunstâncias.
Ao entrar em cena, a presidente Dilma mudou o cenário e a forma de atuação dos atores, a partir de sua personagem. O fator técnico ganhou proeminência, sob a régua de controles rígidos e intensa cobrança por resultados. Sob essa arquitetura, a administração expõe com nitidez as vidraças ministeriais, deixando escancarados desvios de gestores no comando de ministérios, cobrando apurações rigorosas, jogando pessoas implicadas no vapor torturante, tudo sob o bombardeio incessante das mídias e das redes sociais.
Se Lula usava o carisma como escudo para defender fronteiras devastadas do governo, Dilma usa a autoridade técnica para promover ajustes e mudanças nas frentes administrativas, dando a entender que não transige com desvios e proclamando o lema "quem pariu Mateus que o embale". Portanto, o corpo político, sob o figurino dilmista, torna-se alvo de intenso tiroteio e, assim, canaliza contra si a expressão da contrariedade social. A imagem da instituição é borrada. Basta ver a péssima avaliação que os brasileiros conferem aos políticos. Donde se pinça a inferência: a presidente ganha os louros da vitória econômica e os políticos recebem os apupos por conta da bateria de eventos negativos que marca a vida institucional. A democracia brasileira acaba sendo percebida pela população como veículo que conduz a vícios, corrupção, manutenção de costumes execráveis. Trata-se de um viés perceptivo que, infelizmente, vem ocorrendo. Sobra para ela menor apoio.
O fato é que a inflexão social sobre a nossa democracia deve ser analisada com atenção pela representação política, eis que sinaliza certo gosto pelo conservadorismo. Que pode resultar, mais adiante, em visão até mais radical. Aliás, a guinada conservadora já se manifesta há algum tempo. Pesquisa Datafolha (de meados deste ano) mostra que 55% de 5.700 pessoas ouvidas em 25 Estados se dizem favoráveis à pena de morte e 40% contra, sendo esse o maior índice desde 1991. O sentimento de impunidade estende-se pelos bolsões sociais, que enxergam nisso não apenas lerdeza do Judiciário, mas leniência do Legislativo.
Dito isso, voltemos ao aparente paradoxo. O ciclo Lula anunciou as maiores conquistas que o Brasil alcançou ao longo de décadas, a partir do alargamento do meio da pirâmide social, com a elevação da classe média ao primeiro lugar entre as classes. É verdade. Retrocedeu, porém, no campo do desenvolvimento humano. É o que mostra a recente radiografia do Pnud. Nos últimos dez anos, o País baixou seu IDH de 0,86 para 0,69. A melodia da orquestra, diz a voz do maestro, deve harmonizar os sons de todos os instrumentos.  

sábado, 5 de novembro de 2011

Cinismo ou ceticismo

Cinismo ou ceticismo
05 Nov 2011

Cristovam Buarque

Diversos repórteres descreveram a rebelião em Canudos. Mas foi Euclides da Cunha quem ficou na história, porque no lugar de apenas descrever as aparências entre o que parecia um Conselheiro insensato e generais sensatos, mostrou o que havia por baixo das aparências: a disputa entre Cidade e Campo, Império e República, Moderno e Arcaico.
Cem anos depois, estamos repetindo a mesma forma superficial de fazer reportagens sem descrições mais profundas da sociologia da corrupção. As notícias giram em torno de denúncia dos fatos visíveis: vídeos, contratos, fotos e propinas. Ainda não surgiu o Euclides da Cunha da corrupção. Estamos vendo e descrevendo o superficial.
Por trás dos fatos de políticos roubando dinheiro público, está a realidade de uma sociedade acostumada a desprezar o que é público. A indignação contra a corrupção é um bom sinal de que o interesse público começa a nascer, mesmo assim muito discretamente, porque as causas mais profundas não são denunciadas. Como Canudos, há uma barreira protegendo a percepção das causas mais profundas.
Depois de séculos em que até o trabalhador era propriedade privada e de décadas de uma democracia servindo aos interesses de minorias, o interesse privado ainda prevalece sobre o público. Fica explicado - não justificado, obviamente - por que tantos se sentem no direito de vandalizar os bens públicos, como se destruir bens públicos não fosse uma forma de corrupção. Fica explicada também a aceitação de expressões como "isto não é roubo", ou "rouba, mas faz", ou "mas, e daí, se todos roubam", ou a mais moderna e cínica "rouba, mas é um dos nossos", ou ainda "rouba, mas não é para si, é para a campanha".
Até há pouco tempo, pelo menos existiam partidos e militantes que repudiavam essas afirmações. A democracia cooptou-os, absorveu-os e os fez tolerantes, criando uma geração de céticos e cínicos, porque a realidade da primazia do privado é mais forte do que as ideias, os sonhos e a vontade dos que querem defender o público. Isso faz com que os jovens que há poucos meses estavam sendo pisoteados pelas patas de cavalos da polícia, ao manifestarem-se contra a corrupção, não compareçam e até repudiem as recentes manifestações pela ética. Pode ser por ingenuidade ou por convicção de que os fins justificam os meios, ou pode ser por cinismo até porque as ações não mostram fins diferentes do ponto de vista dos interesses do público e do longo prazo.
Esse desprezo pelo interesse público induz e permite uma tolerância com o roubo dos recursos públicos a ponto de, eufemisticamente, chamá-lo de corrupção, no lugar de roubo. A sociedade aceita como natural o uso do dinheiro público para obras desnecessárias ou que beneficiam apenas uma minoria. Felizmente, cobrar propina na construção de prédio público já começa a provocar indignação, mas fazer obra faraônica ou estádios ao lado de casas sem esgoto não escandaliza. A primazia do privado sobre o público, do indivíduo sobre a Nação, leva à "corrupção pelo vandalismo", à "corrupção nas prioridades" e à "corrupção do imediatismo", provocando o consumo de recursos que pertencem também às gerações futuras, como acontecerá com os royalties do petróleo, como se isto não fosse também uma corrupção.
É por isso que, nas palavras do professor Kurt Weyland, citado pelo jornalista Rudolfo Lago, no site Congresso em Foco, "o Brasil tem uma democracia estável, mas de baixa qualidade". Porque a política não está comprometida com a causa pública. Felizmente, enquanto não surge um Euclides da Cunha, temos repórteres atuantes, desvendando segredos e descrevendo a realidade apenas nas aparências. Como os repórteres que foram a Canudos, os de hoje talvez tenham interesses e visão das minorias privilegiadas, viciadas no interesse particular da renda e do consumo privado, que impedem a visão das causas da corrupção que vão muito além do comportamento dos políticos imorais. A corrupção está na estrutura social, na qual o Estado pertence e existe para poucos.
Euclides da Cunha, além da genialidade literária, possuía uma habilidade sociológica que não dá para exigir de todos nós, nem dos nossos leitores que, provavelmente, não gostariam de tomar conhecimento de toda a verdade.
Mas dá para exigir que os militantes não sejam cínicos no presente, para que não sejam todos céticos quanto ao futuro.
CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF).

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O país (longe) do futuro

O país (longe) do futuro
03 Nov 2011

Apesar de subir uma posição no IDH devido ao aumento da expectativa de vida, desigualdade social ainda é o principal fator que mantém o Brasil abaixo de Estados como a Bósnia. Se essa disparidade fosse sanada, nação entraria para o grupo que inclui a Noruega, líder do rankingNotíciaGráfico
GUSTAVO HENRIQUE BRAGA
RENATA MARIZ
Embora tenha subido uma posição — de 85º para 84º, entre 187 países — no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), elaborado anualmente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil continua atrás de nações como Bósnia (74ª), Cazaquistão (68º), Kuwait (63°) e Trinidad e Tobago (62º). Ao mesmo tempo, vizinhos com economias bem mais modestas, como Argentina (45ª) e Chile (44°), integraram, este ano, o seleto grupo de Estados com a mais alta qualidade de vida no mundo. O motivo fica evidente quando considerado o IDH ajustado à desigualdade social (IDHD). Nesse índice, calculado para 134 países, o Brasil subiria 41 posições caso eliminasse as disparidades internas, considerando as condições atuais nas demais nações. Essa ascensão levaria o país ao estágio "desenvolvimento humano muito elevado", a classificação de elite do Pnud, onde estão incluídos Noruega, Canadá e Suécia.
Além da concentração de renda, responsável por 40% da desigualdade medida pelo IDHD, a educação é apontada como catalisador essencial para acelerar o desenvolvimento humano brasileiro — que, na última década, cresceu lentamente, a 0,69% ao ano, contra o ritmo verificado entre 1980 e 2000, de 0,87%. Para se ter ideia do tamanho do desafio, os brasileiros têm, em média, 7,2 anos de escolaridade, o mesmo número observado no Zimbábue, cuja posição no ranking do IDH é de 173º. O país está atrás, por exemplo, de Botswana, onde a média de escolaridade chega a 8,9 anos, e do Tajiquistão, com 9,8. Já no quesito expectativa de vida — que completa o tripé renda, educação e saúde, usado no cálculo do índice —, o Brasil subiu de 73,1 anos, em 2010, para 73,5 em 2011. Jose Pineda, chefe do grupo de pesquisa do IDH, explicou que, devido a esse aumento, a saúde foi a variável com a maior contribuição para o índice brasileiro deste ano.
Apesar do avanço destacado, a expectativa de vida dos brasileiros está bem abaixo não só dos primeiros colocados no ranking, como a Noruega, onde se espera viver 81 anos, como das nações com características semelhantes. Na Colômbia, por exemplo, a esperança ao nascer é de 73,7; na Argentina, de 75,9; e no México, de 77. No que depender do servidor público aposentado Eurípedes do Nascimento Arantes, em breve, o Brasil alcançará níveis mais elevados. Aos 80 anos, idade equiparável à expectativa dos países nórdicos, ele recorda os avanços na saúde pública ao longo das últimas décadas. "Quando eu era garoto, a gente só via remédio de planta e tomava com base no conhecimento popular, não havia médico nem hospital como hoje", comemora.
O economista Marcelo Neri, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que o Brasil avançou na última década, quando a renda da população mais pobre cresceu 350%, mas destaca que a desigualdade permanece como principal característica negativa do país no cenário internacional. "A melhor forma para combater isso é atacar o problema da educação. Esse é o pilar que pode dar bases mais sólidas para a evolução do IDH brasileiro", acrescenta.
Transferência de renda
Pós-doutor em sociologia do desenvolvimento e professor da Universidade de Brasília, Marcelo Medeiros explica que os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, não causam qualquer impacto na redução das disparidades. "São desenhados para reduzir a extrema pobreza. Até porque a quantidade de dinheiro usada no programa do governo federal está entre 0,5% e 1% do PIB, é pouco."
Flávio Comim, pós-doutor em economia e consultor do Relatório do Desenvolvimento Humano de 2010, chama a atenção para a expectativa de escolaridade no Brasil, que diminuiu de 14,5 anos, em 2000, para 13,8, em 2011. "Isso significa que a qualidade do sistema educacional caiu. Espera-se que uma criança que entra hoje na escola estude menos do que se esperava no início da década", afirma.
Categorias
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) estabelece quatro níveis de classificação. No primeiro quadrante, que vai do 1º lugar ao 47º, estão os países de desenvolvimento humano muito elevado. O segundo, que abrange do 48º ao 94º, abriga os de desenvolvimento humano elevado. No terceiro, do 95º ao 141º, estão nações classificadas como de desenvolvimento humano médio. E no último quadrante ficam os considerados de baixo desenvolvimento humano.
A melhor forma para combater a desigualdade é atacar o problema da educação. Esse é o pilar que pode dar bases mais sólidas para a evolução do IDH brasileiro"
Marcelo Neri, economista e pesquisador da FGV