quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Factoide do PSD

Folha de S. Paulo, 29 de setembro de 2011 (editorial)


Factoide do PSD

Proposta do novo partido de Kassab, de fazer Constituinte, não passa de verniz para dar ilusão programática a uma legenda que nasce fisiológica

Com dois governadores, dois senadores, algo em torno de 50 deputados federais e seis vice-governadores, está formalmente criado o PSD (Partido Social Democrático), legenda idealizada pelo prefeito paulistano, Gilberto Kassab.
Gestado a toque de caixa, para atender as exigências da Justiça Eleitoral e ter condições legais de se apresentar como opção de poder nos pleitos municipais de 2012, o PSD já surge cercado de suspeições relacionadas à coleta das assinaturas que o viabilizaram.
Relatou-se um pouco de tudo nos últimos meses: inclusão de eleitores já mortos na lista, dezenas de assinaturas falsificadas feitas por uma única pessoa, uso da máquina pública para coletar apoio e denúncias de compra de adesões.
Além disso, parte expressiva dos 490 mil apoios necessários ao registro do PSD não passou pela chancela dos tribunais regionais, como deveria, mas isso também não impediu que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) concluísse que o partido cumpriu todos os requisitos para ser constituído.
Além do atropelo das exigências legais, o PSD nasce marcado pela inclinação governista, ou de adesão ao governo, qualquer governo, sem distinção ideológica.
Tende a apoiar Dilma Rousseff e o PT no plano federal, mas um de seus quadros, Guilherme Afif -para citar um exemplo didático- é vice do tucano Geraldo Alckmin e está cotado para disputar a prefeitura paulistana contra candidatos do PT e do próprio PSDB.
Nesse jogo não há coerência, não há impedimentos ou motivações de ordem programática. Subsiste apenas o cálculo pragmático para chegar ao poder ou a ele se associar em troca de cargos e favores.
Na sua composição, o PSD junta dissidentes do DEM, que desistiram de fazer oposição, com figuras fisiológicas do governismo, a quem interessava trocar de legenda a fim de robustecer projetos pessoais.
É, nesse sentido, um partido à moda do PMDB, que não disfarça a pretensão de disputar mais adiante o lugar que hoje pertence à legenda de Michel Temer.
Soa, por isso, como factoide o anúncio de que o PSD apresentará uma proposta de emenda à Constituição para criar, em 2014, uma Assembleia Nacional Constituinte, paralela ao Congresso, com a função exclusiva de revisar a Carta em até dois anos. Lançada assim, num golpe de marketing, a ideia parece um tanto precipitada, leviana. Destina-se a atender apenas à necessidade de dar um verniz programático, um perfil propositivo à legenda, cuja real vocação está mais que definida.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Longe da Verdade

O globo 26 de setembro de 2011
Longe da verdade
Ricardo Noblat
Brasília
"Foi bom, né?" (Comentário de Dilma Rousseff a propósito de seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU)

E a Comissão da Verdade, hein? Imagine a cena: trancados no banheiro do gabinete do presidente da Câmara, o anfitrião Marco Maia (PT-RS), o ministro da Justiça e a ministra dos Direitos Humanos batiam boca por telefone com Dilma Rousseff, instalada em um quarto de hotel em Nova York. Batiam boca? Como é? Perdão! Eliminem o "batiam boca".
Discutiam — assim é melhor. Mas não é melhor o bastante. Ninguém bate boca ou discute com a presidente. Alguns choram diante dela. Digamos então: ponderavam. Os que se espremiam dentro do banheiro para ter uma conversa com Dilma à prova de vazamento ponderavam. Em troca, eram admoestados.
Emenda do DEM ao projeto que cria a Comissão da Verdade estabelece: todos os seus integrantes têm de ser "imparciais". Há mecanismo capaz de aferir a imparcialidade de quem quer que seja? Irrelevante. Dilma implicou com a emenda e pronto. Aceitou-a mais tarde para driblar o risco de o projeto ser votado somente em 2012.
O governo corre atrás do prejuízo. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenou o Brasil por não ter investigado os crimes praticados durante a ditadura militar que se estendeu entre 1964 e 1985. Lula não teve peito. Farda mete-lhe medo. Deixou a tarefa para Dilma, ex-presa política, torturada.
A Câmara dos Deputados aprovou a criação da Comissão da Verdade. Que para funcionar depende ainda da aprovação do Senado. No país dos absurdos, onde a independência foi proclamada por um estrangeiro e a República por um militar monarquista, teremos uma Comissão da Verdade destinada a tangenciar a verdade.
É o que teremos, de fato. A comissão será formada por sete pessoas escolhidas solitariamente pela presidente. Elas receberão salário mensal de quase R$ 12 mil para se dedicar ao trabalho com exclusividade. Não serão estáveis. A qualquer momento e por qualquer motivo, e sem dever explicações, Dilma poderá substituir quem quiser.
Na redação anterior do projeto de lei que criava a comissão, existia referência à "repressão política", um dos alvos a ser investigado. A referência foi suprimida a pedido dos negociadores do Ministério da Defesa. Falava-se também em "apuração" de violações aos direitos humanos. Fala-se, agora, em "exame".
A comissão teria o curto prazo de validade de dois anos para esquadrinhar um período de 21 (1964-1985). O prazo foi mantido. Ampliou-se para 42 anos o período a ser esquadrinhado (1946-1988). Foi a maneira esperta encontrada para se tirar o foco da mais recente ditadura da história do país. A ditadura anterior esgotou-se em 1945.
Quer saber se a comissão desfrutará de autonomia financeira? Ou seja: se disporá de um orçamento próprio para fazer face às suas despesas? Ora, é claro que não. Ela se reportará à ministra Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil da Presidência da República, nesse caso a dona da chave do cofre. Gleisi é gente boa. Pode apostar.
Se a comissão poderá convocar pessoas para depor? Outra vez: ora, é claro que não. Poderá convidar. E ninguém será obrigado a aceitar o convite. Em compensação, poderá requisitar documentos, secretos ou não, de posse de órgãos públicos. De posse, inclusive, do comando das Forças Armadas. Sim! Aleluia, irmão! Dê graças ao Senhor!
Só tem um probleminha: as Forças Armadas informam mais uma vez que os documentos relativos ao combate travado entre os guardiões da pátria e os comunistas financiados pelo ouro de Moscou desapareceram há muito tempo. Desconfia-se que nem mais existam. Sendo assim, lamenta-se, sente-se muito, mas não vai dar...
Comissões da verdade contribuíram em diversos países para que a Justiça fosse feita punindo-se criminosos. Ou para que a luz prevalecesse sobre as trevas. A África do Sul é o melhor exemplo disso. Aqui, a Lei da Anistia lacrou a porta da Justiça. Quanto à verdade: ao que tudo indica um pedaço da nossa História já se perdeu para sempre.

sábado, 24 de setembro de 2011

Lenta, gradual e restrita

Folha de S. Paulo, 24 de setembro de 2011.


FERNANDO DE BARROS E SILVA

Lenta, gradual e restrita

SÃO PAULO - A Comissão da Verdade, enfim aprovada pela Câmara, é uma espécie de epílogo melancólico, mas bem brasileiro, da nossa abertura, muito mais lenta, gradual e segura, como diziam os militares, do que ampla, geral e irrestrita, como reivindicava a esquerda.
A despeito das boas intenções de Dilma, essa comissão, limitada e tardia, exprime, paradoxalmente, o descaso do país -aí, sim, quase irrestrito- pelo direitos humanos e pelo Estado democrático de Direito.
Não estamos discutindo se os que torturaram e mataram em nome do Estado devem ser julgados e punidos.
Transcorridos 40 anos, o país ainda resiste a esclarecer as circunstâncias e a identificar os responsáveis pelas mortes e "desaparecimentos" dos adversários da ditadura.
Esse é o pano de fundo substantivo, ou a "verdade" da exigência um tanto bizantina do DEM, para que a comissão não tenha entre seus participantes pessoas sem condições de "atuar com imparcialidade".
Na Argentina, a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas foi criada em 1984, um ano depois da ditadura. Lá, os responsáveis pelos crimes estão sendo julgados. Jorge Videla foi condenado à prisão perpétua no final do ano passado.
Por aqui, em sintonia com a tradição do jeitinho, o STF chancelou a impunidade dos torturadores ao decidir, em 2010, que não iria examinar se a Lei da Anistia, de 1979, era compatível com a Constituição de 1988. Não é -como parece óbvio.
Nessas condições, se tudo correr bem, a nova comissão irá concluir o trabalho da Comissão de Mortos e Desaparecidos, criada por FHC em 1995, quando o Estado, enfim, admitiu a responsabilidade pelos crimes, fez uma lista oficial das vítimas e indenizou diversas famílias.
Há ainda pelo menos 140 pessoas mortas cujo paradeiro não se conhece. Como estamos no Brasil, é provável que nem essa satisfação elementar às famílias e à história a comissão "da verdade" seja capaz de dar.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Crescimento expressivo dos homicídios no Nordeste c/ exceção de Pernambuco

Fonte: SIM/DATASUS (2011)

Entre 2000 e 2010 a redução percentual foi de -24,8% nos números absolutos de homicídios. Os anos de 2008, 2009 e 2010 (com -26,4%) foram os mais expressivos, depois do implemento do plano de segurança pública do governo pernambucano, o Pacto Pela Vida.
O plano de segurança de Pernambuco teve metas claras e partiu de um programa de ações em gestão pública que foi decisivo para esta redução em seus indicadores de violência homicida. Agora, o que foi ato de vontade política de um governador, tem de virar programa de Estado e seguir em frente na dinâmica de desenvolvimento na gestão da segurança. O que deve ser "copiado" por outros estados da região.
A perceber pelos dados acima expostos na tabela, à exceção de Pernambuco, todos os estados nordestinos apresentam impacto positivo no crescimento da violência homicida, com impacto percentual acima dos 40%. Bons governos, salvam vidas!!

Por José Maria Nóbrega

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Insegurança jurídica

Folha de S. Paulo, 21 de setembro de 2011.

ANTONIO DELFIM NETTO

Garantia legal

O "capitalismo" não foi inventado: é um processo de organização social e produtiva que os homens foram "descobrindo" ao longo de sua trajetória. Ele é sujeito a crises porque: 1º) O próprio comportamento do homem oscila entre o entusiasmo e a depressão e 2º) As "respostas" do sistema produtivo (variações da oferta) aos estímulos da demanda são, simultaneamente, condicionadas pelas incertezas do futuro opaco e pela natureza do avanço da tecnologia.
Ele sobreviveu porque, de cada crise, saiu mais ajustado ao processo civilizatório. A história mostra, sem nenhuma possibilidade de contradita, que a permanente elevação da produtividade do trabalho e a imensa elevação do padrão de vida que o acompanhou, com a liberdade individual que permite, são um enorme sucesso.
Obviamente ele tem muito a caminhar na direção de uma sociedade mais "justa" na qual prevaleça uma efetiva igualdade de oportunidade para todo cidadão, não importa o ambiente em que tenha sido gerado. O que justifica a nossa esperança é que a combinação de uma democracia liberal (urna) com o capitalismo (mercado) tende a se autocorrigir na direção daquele objetivo.
As duas instituições (a democracia liberal e o mercado) dependem de um Estado constitucionalmente limitado que dê garantias legais para que elas possam produzir o resultado desejado.
Talvez o exemplo mais palpável dessa simbiose seja o enorme crescimento da Inglaterra após a "Revolução Gloriosa de 1688", que eliminou o "poder do soberano" que podia mudar a regra à sua vontade; comprometeu o Estado com o respeito aos direitos da propriedade privada e tomou-lhe o poder de confiscá-la.
Talvez não seja exagerado dizer que foram essas mudanças e o desenvolvimento tecnológico (ele mesmo, talvez, estimulado por elas) que deram origem à primeira Revolução Industrial (1760-1830), que mudou o mundo.
A história econômica dos últimos 300 anos é pouco mais do que a descrição do aperfeiçoamento dos dispositivos legais de imposição do cumprimento dos contratos que obrigam ainda o poder incumbente.
Esse assunto é do maior interesse no estágio de desenvolvimento em que se encontra o Brasil, onde a "segurança jurídica" é ainda precária.
Como disse o ilustre ex-ministro Pedro Malan, "no Brasil até o passado é incerto". Isso é muito prejudicial ao desenvolvimento de longo prazo. Infelizmente, não vamos muito bem nesse quesito, como mostram o "Rule of Law Index" de 2011 e os dados do Economic Forum de 2011-2012.
Amanhã, por estímulo de um prêmio oferecido pela Fundação Getúlio Vargas, haverá uma discussão do assunto, no ambiente Leopoldo, a partir das 12 horas.

ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna
contatodelfimnetto@terra.com.br

sábado, 17 de setembro de 2011

Mais qualidade para nossa democracia

Mais qualidade para a nossa democracia

16 de setembro de 2011 às 12:50h

Fabiano Santos*

Carta Capital

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/mais-qualidade-para-a-nossa-democracia

Todo cuidado é pouco quando o assunto é corrupção. É indiscutível que os princípios da legalidade e da transparência, como balizadores do comportamento dos agentes políticos, se confundem com a própria noção de estado democrático. É indiscutível da mesma forma que a corrupção política, aquela que envolve representantes eleitos seja no Executivo, seja no Legislativo, em geral, se associa, embora difícil precisar em qual medida, a distorções importantes em nossa vida econômica. Superfaturamento e licitações dirigidas, em princípio, aumentam os custos de atividades governamentais e desviam recursos da economia para o puro e simples enriquecimento de autoridades mal intencionadas.

Não se pode negar, contudo, que a bandeira da ética na política, do moralismo e da faxina têm servido a propósitos politicamente antidemocráticos, para dizer o mínimo. Os iniciados em história brasileira recente conhecem muito bem o escopo de movimentos pela depuração dos costumes políticos, movimentos, em última instância, de legitimação social de intervenções golpistas. Na Europa contemporânea, os novos partidos de direita crescem nas urnas e insuflam sua retórica aproveitando-se de um sentimento difuso de repulsa do cidadão comum àquilo que é denominado de “sistema”, o “sistema” e seus “acumpliciados”, a saber, os partidos políticos tradicionais e seus representantes.

Parece incrível, mas nunca ocorreu aos analistas do dia a dia de nossa política a hipótese de que a revelação de casos e mais casos de corrupção envolvendo autoridades políticas seja efeito do bom funcionamento das instituições do estado e não o seu contrário. Levantar a hipótese e discuti-la seriamente não são tarefas lúdicas ou mero exercício de especulação. O argumento contrário, segundo o qual vivemos quadro de decadência institucional, por conta de repetidos episódios de roubalheira, dissemina sentimento de desconforto com a política democrática, baseada no voto e nas eleições. Dissemina o desânimo e a apatia. Justifica, ademais, a permanência do tema da reforma de nosso presidencialismo de coalizão na agenda de pontos relevantes a serem tratados pelo Congresso. Mas se a primeira hipótese for a que melhor retrata a evolução da realidade histórica, então, nada mais distante das prioridades da vida social brasileira do que reformar nossas instituições representativas.

O tema do presidencialismo de coalizão aparece como crucial nesse contexto. O termo, utilizado pela primeira vez em clássico artigo de Sérgio Abranches, designa a junção do sistema de separação de poderes com a formação de coalizões para a montagem de ministérios, além de apoio no Legislativo às políticas oriundas do Executivo, prática comum nos países nos quais o multipartidarismo é a regra.

Ou seja, em última instância, resulta da junção do sistema presidencial com a representação proporcional. Nada, além disso. Nada, em suas condições fundamentais, permite a ilação de que possuiria poderes mágicos, como se fosse capaz de contaminar com o germe da corrupção qualquer pessoa que dele faça parte. Em outras palavras, identificar neste sistema a origem causal de um suposto processo de decadência institucional ou da baixa performance democrática é incorrer em enorme falácia da indução. O raciocínio falacioso, no caso, seria do seguinte tipo: 1) casos de corrupção proliferam (premissa 1); 2) praticamos o presidencialismo de coalizão (premissa 2); 3) o presidencialismo de coalizão é causa da proliferação da corrupção (conclusão).

Não é preciso muita reflexão para se notar o quão tosca é a tese. Muitos argumentariam que o problema não é com o conceito de presidencialismo de coalizão, mas com sua prática no Brasil, associada à montagem de acordos políticos baseados na troca de favores. Trocas que nada mais seriam do que barganhas com benefícios auferidos unicamente pelos participantes, ademais de suas clientelas, pouco cabendo ao público mais amplo, a sociedade civil e seus representantes mais dignos. Deixemos de lado o paroquialismo, muitas vezes presente no argumento, como se troca de favores não existisse acima da linha do equador. Olhemos unicamente para o Brasil.

A montagem de grandes coalizões de apoio ao governo no Legislativo e formação dos ministérios têm sido o cenário mais frequente. Supostamente, isto tem levado à criação ou sobrevivência de legendas especializadas na ocupação de cargos no Executivo, sem maiores vínculos com interesses e preferências enraizadas na vida social, muito menos assentadas em uma agenda bem definida de políticas públicas. Deixemos mais uma vez de lado o risco de paroquialismo que tal visão encerra, como se partidos clientelistas não existissem nos sistemas políticos europeus (sejam os nórdicos ou mediterrâneos). O exemplo paradigmático deste perfil de legenda seria o PMDB. Diz-se que a realização mais profunda da democracia no Brasil, uma democracia que transcenda o momento eleitoral e de negociações legislativas, esbarraria na constante presença no governo deste partido, controlado, em larga medida, por políticos clientelistas, tradicionais, representantes de velhas oligarquias estaduais.

Ora, o PMDB é chamado para participar de coalizões, sobretudo, para compor maiorias no Legislativo. Nada existe no presidencialismo de coalizão que obrigue o governo a formar maiorias congressuais. Em muitos países europeus, a prática recorrente é a de governos minoritários, o gabinete sendo apenas tolerado, isto é, não derrubado, pela maioria oposicionista no parlamento. Grande parte da história recente norte-americana é a de governos divididos, nos quais o partido que controla a presidência não é o mesmo que controla a maioria nas duas Casas do Congresso. Qual é a condição para que governos minoritários funcionem? Uma condição está sempre presente: a força institucional do Legislativo. É no interior de órgãos deste Poder, especialmente em suas comissões permanentes, que ocorrem as grandes negociações em torno de políticas propostas pelo Executivo. Nelas, nas comissões, as propostas são discutidas com um mínimo de publicidade, com a participação de grupos de interesse e opiniões aquilatadas da sociedade organizada. Para o plenário chegam projetos amadurecidos pela discussão e pelo acordo democrático, tão perfeito quanto permite a imperfeição do processo deliberativo humano. Mas nunca pelos corredores opacos da burocracia do Executivo e os privilegiados que a eles tem acesso.

É curioso perceber semelhanças entre algumas escolhas feitas pela presidenta Dilma Rousseff e determinados traços da história política norueguesa recente. Gro Harlem Brundtland, do PT norueguês, uma das principais expoentes da esquerda europeia do século XX, foi a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra na Noruega, nos anos 80 do século passado. Fez isso escolhendo grande contingente de mulheres para o gabinete. O modelo regulatório escolhido para a exploração de petróleo em águas profundas serviu de inspiração para Dilma Rousseff, quando ainda era ministra chefe da Casa Civil de Lula. Para além das várias diferenças que marcam a sociedade, a geografia e a evolução histórica de Brasil e Noruega, existe uma mais específica que, talvez, não fosse tão inevitável: a primeira mulher a governar o país nórdico escolheu não montar um governo majoritário, pois não quis distorcer a vocação esquerdista e trabalhista de seu governo e da agenda a ser proposta para o país.

É provável que o processo político brasileiro recente esteja na iminência de experimentar inflexão semelhante. Uma mulher, determinada, líder de uma coalizão de centro-esquerda, procura conferir mais nitidez à condução de seu governo dispensando a colaboração de partidos de centro, ideologicamente pouco definidos, contudo, no Executivo.  Para que isso ocorra, no entanto, duas condições são necessárias: 1) curar a obsessão de boa parte da elite política brasileira em reformar o presidencialismo de coalizão; 2) fortalecer regimentalmente as comissões permanentes do Congresso. O desfio histórico está posto. Ou a política brasileira aprofunda seu mergulho democrático, prestigiando suas instituições representativas, em associação, é claro, com os elementos participativos e deliberativos presentes em seu cenário, ou se aposta, em nome da moralidade e do combate à corrupção, numa reforma de efeitos incertos, decididamente ao reverso daquilo que cidadania precisaria para seu fortalecimento.

*Fabiano Santos é professor/Pesquisador do IESP/UERJ, pesquisador do CNPq e presidente da ABCP

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Segurança Pública e Direitos Humanos

Folha de S. Paulo, 14 de setembro de 2011.

Segurança pública e direitos humanos

OSCAR VILHENA VIEIRA, RENATO SÉRGIO DE LIMA E THEO DIAS

O debate sobre a questão criminal é distorcido quando se antagoniza os imperativos dos direitos humanos e os da segurança pública


Em coluna na Folha ("A miséria da sociologia", de 29/8), Vinicius Mota interpreta a manifestação de leitores a favor de ações policiais violentas como decorrência do fracasso do "pensamento acadêmico-ongueiro dos direitos humanos", que relativizaria a importância da responsabilidade individual pelo delito, desconsiderando a importância da repressão penal.
O diagnóstico nos parece equivocado. Conforme pesquisa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, cresce o apoio aos direitos humanos, especialmente entre a população jovem e mais bem-educada. Por outro lado, os avanços, ainda que tímidos, na contenção da violência policial em São Paulo decorrem, em boa parte, do trabalho de organizações da sociedade civil na denúncia de abusos e no fortalecimento de uma cultura dos direitos, dentro e fora da polícia.
Polícia é instituição fundamental numa democracia. Submetê-la a controle e transparência é fator central para alcançarmos novo patamar civilizatório. A alternativa aos direitos humanos na segurança pública é o modelo "Rota na rua", da polícia que atira antes de perguntar, em inocentes e culpados.
As experiências bem-sucedidas de redução da criminalidade têm sido as capazes de mobilizar a participação efetiva das diversas instituições e dos cidadãos no processo de identificação e gestão dos problemas. Observa-se, em diversos Estados, produtiva aproximação entre integrantes do mundo "acadêmico-ongueiro" e policiais comprometidos com o respeito à lei.
Mas política de segurança participativa não se sustenta com polícia corrupta e violenta. Sem honestidade, profissionalismo e transparência, a polícia não adquire o respeito e a confiança da população. Sem confiança, não há eficiência.
Consolida-se, no Brasil e no mundo, uma nova cultura progressista de prevenção criminal, caracterizada pela diversificação das respostas sociais e governamentais aos problemas do crime e da insegurança. Não há ator social que não possua responsabilidade na gestão da segurança do espaço urbano.
A eficácia da resposta repressiva depende de sua capacidade de articulação com outros espaços de intervenção, nas áreas de educação, planejamento urbano, saúde, regulação bancária, etc. Quando se avalia o êxito das experiências de Bogotá ou Medellín, medidas como implantação de ciclovias e bibliotecas, educação no trânsito e aprimoramento da repressão penal são colocadas no mesmo patamar.
O debate público sobre a questão criminal é distorcido quando se antagoniza os imperativos dos direitos humanos e os da segurança pública. A responsabilidade do Estado é produzir políticas públicas de segurança dentro da legalidade. As organizações de direitos humanos têm por missão contribuir para a ampliação do respeito aos direitos, e uma de suas estratégias é denunciar aqueles que os violam.
Elas não podem ser recriminadas por fazê-lo. Pelo contrário, devem aumentar os seus esforços para demonstrar a falácia de discursos que, em nome do medo e da insegurança, concedem "permissões para matar". Polícia violenta é fator de insegurança social.

OSCAR VILHENA VIEIRA, professor e diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, é membro do Conselho da Conectas Direitos Humanos.
RENATO SÉRGIO DE LIMA, sociólogo, é secretário executivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
THEO DIAS, advogado criminal, é professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

UPPS sob fogo cruzado

Folha de S. Paulo, 13 de setembro de 2011.


UPPs sob fogo cruzado

PEDRO VIEIRA ABRAMOVAY

Os tiros entre Exército e criminosos no Alemão não representam o fracasso das UPPs, mas a premência de as Forças Armadas saírem de lá



O enfrentamento entre traficantes e Exército ocorrido na última semana colocou sob fogo cruzado a festejada política de segurança pública do Rio de Janeiro.
Muitos que saudavam a situação carioca como resolvida se transformaram em críticos ferozes, e alguns sorrisos escondidos se notam nas bocas daqueles que diziam que nada ia dar certo. Como compreender o que se passa hoje no Rio de Janeiro? As UPPs, afinal, são um fracasso ou um sucesso?
Em uma realidade democrática, é muito difícil imaginar uma política pública que seja um resultado planejado de forma coerente a partir de uma força ideológica única. Em geral, políticas públicas -principalmente em áreas tão sensíveis quanto a da segurança pública- são a resultante entre forças contraditórias que se apresentam com mais ou menos poder em determinado momento.
Com a política de segurança do Rio acontece exatamente isso.
É preciso lembrar o contexto em que as UPPs aparecem: após um massacre inexplicável feito pelas forças estaduais no Complexo do Alemão, em 2007. O discurso -de maneira clara- e a prática -mais lentamente- começam a mudar na secretaria de Segurança Pública no Rio.
A instalação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora no morro Santa Marta, no bairro de Botafogo, marca um compromisso com o policiamento comunitário e com uma abordagem territorial na qual a polícia é apenas um dos elementos para o enfrentamento do problema da insegurança. Obras de infraestrutura e programas sociais adquirem peso semelhante como partes da solução do problema.
O modelo foi ganhando corpo, mas havia uma desconfiança sobre a capacidade de o Estado enfrentar o famigerado poderio bélico dos traficantes. Quando, em 2010, o Estado responde firmemente a provocações de traficantes com a ocupação do Alemão, essa desconfiança cai por terra.
Entretanto, estava montada uma armadilha. O discurso de força que encantou parte da imprensa e da população poderia gerar contradições com o discurso de coesão social das UPPs.
A decisão de manter o Exército como força de ocupação é sedutora.
A imagem de tanques e soldados é forte para deixar a mensagem de que o Estado está no controle da situação. Mas a presença perene dos militares impede a instalação de UPPs e o fortalecimento dos vínculos comunitários. As Forças Armadas são treinadas para a guerra, para combater o inimigo. Não é possível pensar em policiamento comunitário feito pelo Exército.
As imagens de tiros entre Exército e criminosos não representam o fracasso da política das UPPs; representam, sim, a necessidade de se proceder o quanto antes à retirada das Forças Armadas e à instalação de UPPs -com os programas sociais que as acompanham- na região.
Felizmente, o secretário Beltrame anunciou, para o início de 2012, a instalação de uma UPP na região.
Entre as forças contraditórias presentes na democracia carioca, parecem estar vencendo aquelas que acreditam na possibilidade de se fazer uma política de segurança pública sem espetáculos midiáticos.
Prevalece uma abordagem que aceita que um problema tão complexo como esse só será enfrentado com soluções complexas, que envolvem polícia comunitária, enfrentamento à corrupção, programas de infraestrutura e projetos sociais.

PEDRO VIEIRA ABRAMOVAY é professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito Rio); foi secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça (2007-2009) e secretário nacional de Justiça (2010).

domingo, 11 de setembro de 2011

Twin Towers: the impact 10 years on

Twin Towers and terrorism: the impact 10 years on

It was the day that changed the world for ever. Or did it? Ten years on, two leading commentators, Jason Burke and Francis Fukuyama, offer an analysis of its long-term impact, and how terrorism works

The Observer, Sunday 11 September 2011

http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2011/sep/11/legacy-twin-towers-fukuyama-burke

Francis Fukuyama: The legacy of that terrible time will be less significant than we then feared

In the immediate aftermath of the September 11 attacks, there were grand assertions that "everything was different" and that the "world had changed." We were forced to confront a bearded man in a cave spouting incomprehensible invective about crusaders and jihad, and reorient foreign policy in dramatic ways. But with 10 years' hindsight, did the world actually change on that date? And what will Osama bin Laden's historical legacy be?

The answer to both questions is: not much. It is my view that in a longer historical perspective, al-Qaida will be seen as a mere blip or diversion. Bin Laden got lucky that day and pulled off a devastating, made-for-media attack. The United States then overreacted, invading Iraq and making anti-Americanism a self-fulfilling prophecy.

But while al-Qaida's form of radical Islamism appealed to a minority of discontented individuals, it never represented a dominant social trend in the Middle East. The broader and more important story that was emerging in the past decade was the social modernisation of the Arab world that has resulted in the Arab Spring.

People could be excused for thinking that the world had changed after September 11. The World Trade Centre attacks involved the killing of innocent people for its own sake, a nihilistic act that could have claimed the lives of 10 or 100 times as many victims, had the technological means been available. The threat of weapons of mass destruction had been around for a long time, but up until that point no one seemed malevolent enough to use them in this fashion. In the days after the attacks, every thoughtful person began to realise how vulnerable modern technological societies were.

It turned out, however, that once the world's intelligence and security establishment was turned to focus on the problem of Islamist terrorism, it was possible to mount a defence. The fact that there have been no follow-up attacks on American soil was not for want of trying; but many plots were uncovered and broken up before they could be realised. The truly frightening possibility remains terrorist access to nuclear or biological weapons, but the route to these capabilities is not so easy for groups like al-Qaida and its affiliates.

The real problem was political. As the terrorism expert Brian Jenkins points out, democratic publics always overreact to the threat of terrorism. It would have been very difficult for an American administration of any stripe to tell the public the truth after September 11, namely, that western civilisation was not facing an existential threat from al-Qaida, but rather a long twilight struggle best fought by police and intelligence agencies.

The Bush administration did much the opposite, elevating the "war on terrorism" to the level of 20th-century struggles against fascism and communism, and justifying its invasion of Iraq on these grounds. By neglecting Afghanistan and occupying Iraq, it turned both countries into magnets for new terrorist recruitment, diminished its own moral stature through prisoner abuse, and tarnished the name of democracy promotion.

September 11 spawned many theories of a Muslim or Arab exception to the global trend toward democracy. After the green uprising in Iran and the Arab Spring, we can see clearly that this was one area where the Bush administration was right: there was no cultural or religious obstacle to the spread of democratic ideas in the Middle East; only, it would have to come about through the people's own agency and not as a gift of a foreign power. Even if democracy does not emerge quickly in places such as Egypt and Tunisia, the popular mobilisation we have seen signals a key social trend far more powerful than anything a Bin Laden or Zawahiri could muster.

September 11 will have legacies. Al-Qaida and its affiliates continue to operate, and may still succeed in downing an airliner or exploding a car bomb in a shopping mall. Pakistan, with its stockpile of nuclear weapons, is a very scary place, the one part of the Muslim world where trends have been going in the wrong direction. In western countries, distrust of Muslims has grown since 9/11, as evidenced by the controversy of the so-called "Ground Zero" mosque in the US or the rising of anti-immigrant populist parties in Europe. All of this will make the already difficult integration of immigrant communities much more difficult to accomplish.

Since 2001 the most important world-historical story has been the rise of China. This is a development whose impact will almost certainly be felt in 50 years' time. Whether anyone will remember Osama bin Laden and al-Qaida at that remove is a different matter.

Francis Fukuyama is a senior fellow at the Freeman Spogli Institute, Stanford University, and author of The Origins of Political Order: From Prehuman Times to the French Revolution (Profile).

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Jason Burke: Terrorists are made by local experience, not grand ideology

In all the breathless statements by rebels over recent weeks in Libya, one in particular contained a few simple words that explained much of the violence in many conflicts over recent years. Why are you fighting, a young man outside Tripoli was asked by a reporter. Because his father and brother had been imprisoned by Gaddafi earlier this year, the rebel said, and so he was at war to set them free.

The rebel campaign in Libya is very different from many others that we have seen in recent years. Wars in Afghanistan, Iraq, Yemen and Somalia and the terrorism in the west and elsewhere have all had their own specific qualities. There is, however, one common element among all these conflicts. It is that those engaged in them are very rarely fighting for big ideas or ideologies.

They may invoke concepts of global jihad or talk of civilisational clashes or human rights and democracy in their propaganda but the reasons that they are holding a weapon are usually much more mundane. Those reasons are to be found in the experience of the individual, not the mass generalities of the crowd; in the particular not the general. This helps us understand not just the nature of modern militancy, but the nature of these wars and of the world that has produced them.

Interviewing militants is often a depressing experience. Frequently ignorant and uninformed, their world view is composed of a mix of repetitive stereotypes, conspiracy theories, prejudices and misunderstanding. But the stories of how they were drawn into violence are always interesting. Take Didar, a failed suicide bomber in Iraq, whom I interviewed in the summer of 2002. He had no grand explanation for why he had ended up with explosives around his waist heading into a police office. He simply said that he had followed a friend who persuaded him to go on "an adventure" to a training camp and that one thing led to another. Abit, an impressionable baker's son from a small town in Pakistan, ended up in a Taliban training camp for similar reasons.

Again and again the testimony of European militants – a group of London and Luton-based militants active in 2004, Belgians and French from 2008, a German militant who returned from Pakistan last year – stresses not ideology but small group dynamics. One spoke of the "camaraderie" of frontline fighting with the Taliban. The 9/11 hijackers were famously, and accurately, described as "a bunch of guys" by a German prosecutor. In 2005 I investigated a mass suicide attack in southern Thailand in which a dozen young men died. The only link between them was that they were all part of the same football team.

This shouldn't necessarily surprise us. Terrorism is a social activity and the path into violence is determined by social interaction as much as any political or religious programme. The question to ask about radicalisation is therefore not "who?" and still less "why?", but "how?". Security services like MI5 have now adapted profiling to focus on networks and processes, not characteristics that supposedly render an individual vulnerable. Families including existing or former militants are of a particular interest. American officials in Iraq say that the main predictor of extremism is having a brother active in extremism or in prison.

Another element, now emerging from Libya, is the importance of local specificity. There are three groups of rebels in Libya, each with their own characteristics and each from a different part of the country. The dynamic between these groups will determine how the situation evolves, not big ideas.

Indeed, over recent years, "the local" has trumped "the global" every time in terms of influence on the evolution of events. Excepting a small number of spectacular headline strikes such as the 9/11 operation itself, the vast proportion, 95% perhaps, of violent attacks have occurred within a couple of hours' travel, at most, from where the perpetrators lived or grew up. The 7/7 bombers travelled no more than a couple of hours by train. Those responsible for attacks in Madrid in March 2004 were living in a rundown district only a mile or so from the station where most of their victims died. 80% of Taliban militants killed or captured in Afghanistan are within 15 miles of their homes, at least according to US military intelligence officers I spoke to in Kabul in June.

The greatest weakness of Osama bin Laden's al-Qaida and its ideology was its failure to respect cultural difference. Al-Qaida speaks Arabic. Only about a third of the world's Muslims do. Al-Qaida wants a new Muslim caliphate to replace modern states. But most people from Morocco to Malaysia are attached to their nations – as recent flag-waving protests have shown. Why did the tribes of western Iraq turn against al-Qaida in 2005 and 2006? Because they no longer thought that the foreign brand of extremism and the particularly unpleasant people who were propagating it served their communities' – and their own – interests. So they switched sides and al-Qaida in Iraq was finished.

The tension between local identities and global ideologies is most clearly seen with reactions to terrorist violence in the Islamic world over the last decade. Condoning bombings a long way away is much easier than supporting someone planting IEDs on your street.

Backing violence is easier when it stays virtual. In country after country across the Muslim world, support for Bin Laden and his tactics collapsed when attacks started close to home. In Jordan, it dropped from 57% before bloody attacks on hotels in November 2005 to under 20% in their immediate aftermath. The same phenomenon was seen elsewhere.

What is the overall lesson? The last decade has shown us that our western confidence in globalisation and the convergence of cultures and communities was vastly exaggerated. Communities everywhere are much more parochial, more limited, more resistant to outside influence than ideologues of all kinds would like. Local identities, customs, cultures, ties of blood and shared values are still much more important than any supposed convergence of lifestyles. Yes, there are global economic flows and everyone can hum the soundtrack of Titanic. Yes, there are enthusiastic demands for democracy and rights of free expression or association. But these do not determine why people take up guns. A chaotic, fast-evolving and complex world without overarching narratives generates conflicts in its own image.

Politics and war remain local. When it comes to why people take up arms, for whatever purpose, there are no global rules, only individuals.

Jason Burke's new book The 9/11 Wars is published by Penguin

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Ajustes na pacificação


O globo 9 setembro de  2011
Ajustes na pacificação

Militares montam quatro bases no Alemão, e estado decide antecipar UPPs
Ana Cláudia Costa
Depois do confronto entre militares e traficantes na noite de terça-feira, em que balas traçantes cruzaram o céu, trazendo de volta um clima de terror para os moradores da região, o Exército lançou uma nova estratégia na ocupação do Complexo do Alemão, apertando o cerco aos criminosos. A primeira medida da Força de Pacificação foi a implantação de quatro pontos fixos de policiamento dentro do conjunto de favelas - antes, a tropa tinha apenas uma base, do lado de fora do complexo, de onde saía para fazer rondas nas comunidades. Ao mesmo tempo, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, anunciou que antecipará para março o processo de implantação do programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) no Alemão, antes previsto para julho de 2012.
As bases avançadas do Exército no complexo ficarão nas estações do teleférico da Fazendinha e de Itararé, na quadra da Rua Canitar e na localidade da Caixa D"Água, na Favela Nova Brasília. De acordo com o relações-públicas da Força de Pacificação, major Marcus Vinícius Bolças, ao todo, 1.700 homens fazem patrulhamento no complexo. Outros 200 militares estão de prontidão e poderão ser empregados nas operações, se houver necessidade.
Oficial pede diálogo com a população
O major Marcus Vinícius informou que o patrulhamento nas comunidades era móvel, com soldados em carros e caminhões. Agora, a estratégia mudou, com a instalação de "pontos fortes" - bases fixas no interior do Complexo do Alemão. Revistas, segundo o oficial, podem acontecer a qualquer momento. Por enquanto, um carro blindado permanecerá de plantão na entrada da Rua Joaquim de Queiroz, acesso à Favela da Grota.
Se cresce o cerco ao tráfico por um lado, por outro, o chefe do Comando Militar do Leste (CML), general Adriano Pereira Júnior, que ontem se reuniu com a tropa, disse, ao deixar o encontro, que era hora de se sentar para conversar com os moradores e recuperar a confiança deles. O objetivo é retomar o canal de comunicação do Exército com a comunidade - houve conflitos entre integrantes da Força de Pacificação e moradores nas noites de domingo e segunda-feira.
O general voltou a ressaltar que o confronto entre traficantes e traficantes ocorrido na noite de terça-feira foi uma reação de bandidos insatisfeitos com a presença do Exército na região. Segundo ele, os criminosos pretendiam amedrontar a população.
- Eles (os traficantes) não entraram aqui no Alemão com essa força toda, e os disparos foram poucos. Isso me machucou porque há dez meses não se veem balas traçantes. Hoje (ontem) a vida aqui está voltando à normalidade. Foi uma crise provocada, porque os traficantes queriam dizer que ainda têm o domínio. A população pode ficar tranquila, porque eles (os bandidos) não ficaram e não vão fazer mal a ninguém daqui - disse o general Adriano, acrescentando que parabenizou os oficiais da Força de Pacificação porque, apesar do confronto, não houve feridos ou mortos por balas perdidas.
Aos poucos, a rotina no Alemão começa a voltar ao normal. O comércio abriu as portas e as escolas funcionaram ontem. Não houve problemas na circulação dos meios de transporte ou na oferta de serviços públicos. Apesar disso, moradores ainda se mostravam assustados e se negavam a fazer qualquer comentário sobre os últimos acontecimentos na região.
Para evitar novas investidas de traficantes, a PM ocupou ontem o alto dos morros do Adeus e da Baiana, em Ramos, junto ao Complexo do Alemão, de onde traficantes fizeram os disparos na terça-feira e que não estão na área sob responsabilidade pela Força de Pacificação. De acordo com o comando da PM, o reforço no patrulhamento nessas comunidades acontecerá principalmente das 19h às 7h. Cerca de 50 policiais ficarão divididos nos dois morros, enquanto equipes de outras unidades ajudarão o Batalhão de Campanha a vigiar a área em volta dessas favelas.
A ocupação do Complexo do Alemão começou em novembro do ano passado. Na ocasião, com a chegada das tropas, houve uma fuga em massa de bandidos.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Hora de sair?


http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/09/06/exercito-e-apelidado-de-comando-verde-por-abusos-no-complexo-do-alemao.jhtm

Exército é apelidado de "Comando Verde" por abusos no Complexo do Alemão (RJ)

Hanrrikson de Andrade
Especial para o UOL Notícias
No Rio de Janeiro

Insatisfeitos com a atuação da Força de Pacificação na mediação de pequenos conflitos no Complexo do Alemão, os moradores da favela da Grota, zona norte do Rio de Janeiro, passaram a se referir ao Exército como "Comando Verde", em alusão ao nome da facção criminosa que controlava a região antes do processo de pacificação, o Comando Vermelho (CV).
Várias faixas com mensagens de protesto foram colocadas nesta terça-feira (6) nos acessos às comunidades. "O povo do Alemão é humilhado pelo Exército. Sai o Comando Vermelho, entra o Comando Verde", diz um dos cartazes.
A crise no relacionamento entre os militares e a população local estourou depois de um tumulto no último domingo (4), quando um grupo de cerca de cem soldados agiu de forma truculenta para conter a revolta da população local - eles utilizaram spray de pimenta e efetuaram disparos de balas de borracha contra os clientes de um bar no alto do morro.
Segundo uma moradora da Grota, após a confusão, o Exército impôs toque de recolher na região, e nesta segunda-feira (5) muitos moradores foram obrigados a voltar para casa até 22h.
"Fui visitar uma amiga e tive que dormir na casa dela, não podia nem chegar na janela. Os soldados estão com raiva, e os moradores estão voltando a ter o mesmo medo que existia na época em que os traficantes estavam aqui", disse ela, que pediu anonimato.
De acordo com relatos de testemunhas, os militares voltaram a utilizar armamento não letal na madrugada desta terça-feira (6) para reprimir uma manifestação. Não há informações sobre feridos.
A reportagem do UOL Notícias tentou entrar em contato com a chefia do Estado Maior e com o Comando Militar do Leste, mas não obteve resposta até o momento. O comando da Força de Pacificação já declarou à imprensa que a insatisfação popular pode ter sido influenciada pela existência de grupos criminosos que foram obrigados a agir silenciosamente após a ocupação policial no Complexo do Alemão.
Na segunda-feira (5), a Força de Pacificação já tinha sido alvo de uma manifestação promovida por mototaxistas da região, possivelmente insatisfeitos com a fiscalização rigorosa. Pelo menos sete pessoas foram presas e conduzidas para uma base militar situada na comunidade da Fazendinha.
Os motoqueiros fizeram várias fogueiras nas proximidades da favela Nova Brasília a fim de impedir o tráfego entre a estrada do Itararé e a avenida Itaoca - e o trânsito só foi normalizado após o trabalho do Corpo de Bombeiros.

Investigação

O Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito civil para investigar a atuação dos militares envolvidos no conflito com moradores do Complexo do Alemão no domingo (4). O procedimento será vinculado à apuração de incidente similar que aconteceu na Vila Cruzeiro, no dia 24 de julho, quando militares usaram spray de pimenta e balas de borracha contra moradores que estavam em um bar.
Segundo o MPF, as procuradoras Gisele Porto e Aline Caixeta estiveram na comunidade para ouvir os responsáveis pela Força de Pacificação. Elas receberam um relatório do general Cesar Leme Justo e do coronel Nilson Nunes, mas ainda irão ouvir a estudante Elaine Moraes, que deu entrada no Hospital Getúlio Vargas com uma bala de borracha alojada na boca, e outras vítimas do conflito.
No fim do mês passado, a Secretaria de Segurança Pública do Estado solicitou ao governo federal que mantivesse as tropas até pelo menos junho de 2012 –anteriormente, a expectativa era de que uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) fosse instalada na comunidade entre outubro e novembro deste ano. O morro foi ocupado pelas forças de segurança em novembro do ano passado.
O MPF infromou que, a partir de questionamentos da sociedade, promoverá debate no dia 6 de outubro para discutir a constitucionalidade da atuação do Exército na Segurança Pública. O debate será na sede da Procuradoria da República no Rio, com presença de juristas, representantes do Comando Militar do Leste e representantes da sociedade civil.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Irregularidades em loja de armas

O Globo 6 setembro 2011
Irregularidades em loja de armas


Uma vistoria realizada por oficiais do Exército a pedido da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Alerj, que investiga o tráfico de armas, encontrou numa loja de armas de Nova Iguaçu indícios de irregularidades e evidências de que a fiscalização é insuficiente. Acompanhados do deputado estadual Marcelo Freixo, presidente da CPI, e de um policial federal, os militares encontraram armas cuja numeração não constava na lista apresentada pelo dono do estabelecimento, outras cujo registro de venda estava datado de 1990 e registros de duas armas que deveriam estar no estoque, mas que não foram encontradas.
— Já vimos que, ao contrário do que se supunha,a maioria das armas que circulam de forma irregular não é fruto de contrabando, mas da fragilidade do sistema de controle e fiscalização deste comércio. Vimos também que boa parte dessa fragilidade vem da falta de comunicação entre os órgão que deveriam fazer esta fiscalização — disse Freixo.
 

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Preço dos abusos

http://www.conjur.com.br/2011-set-04/uniao-pago-caro-fracassos-operacoes-policia-federal

Preço dos abusos

Contribuinte paga por exageros das operações da PF

A União começou, enfim, a pagar a conta pelos erros ou excessos cometidos pela Polícia Federal em suas ações. Desde 2007, o governo federal foi condenado a pagar pelo menos R$ 1,6 milhão em indenizações por danos morais ou materiais a pessoas que foram presas por engano, ilegalmente ou que foram submetidas a exposição midiática excessiva pela atuação da Polícia Federal. As informações são do jornal Folha de S. Paulo, em reportagem assinada por Aguirre Talento.
A mesma Folha informa que nas dez mais escandalosas operações patrocinadas pelo governo, a PF e o Ministério Público Federal colocaram 841 pessoas no banco dos réus, mas apenas nove (1,1%) foram condenadas definitivamente. Do total, só 55 (6,5%) sofreram algum tipo de condenação — a maioria teve a pena anulada ou recorre em liberdade. Os dois famosos processos, apelidados de satiagraha e castelo de areia, foram trancados pela justiça pelos mesmos motivos: uso de provas forjadas, acusações anônimas e inconsistências. Muitas notícias, muito barulho e nenhum resultado.
Como já fizera seu antecessor, recentemente, a própria presidente Dilma Rousseff admitiu a prática de "abusos, excessos e afrontas" em investigações. Ainda ministra-chefe da Casa Civil, Dilma atacou duramente o que ela descreveu acusações que buscavam tão somente "a criminalização do nada" contra desafetos ou adversários.
Nos arquivos da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a Folha de S.Paulo apurou a existência de 28 processos nos quais a União foi condenada, em primeira e segunda instâncias, a pagar por deslizes da Polícia Federal. Pessoas presas por engano argumentam que sofrem até hoje danos psicológicos e constrangimentos em função dos erros da Polícia. Reclamam da demora para o pagamento das indenizações e dizem que o valor é baixo diante dos momentos que tiveram que enfrentar. A maior parte das vítimas não têm coragem de enfrentar o Estado novamente, mesmo tendo sido presas indevidamente.
O chamado Pacto Republicano, acordo feito entre os chefes das duas casas do Congresso, a presidência do STF e o Planalto, prevê a aprovação de uma nova lei do abuso de autoridade. O projeto original aperfeiçoa a legislação no sentido de definir o que venha a ser o abuso de um agente fiscal, carcereiro, policial, procurador ou juiz que, ao largo do interesse público, prejudicar alguém deliberadamente. Uma prisão preventiva patentemente desnecessária, sem provas ou indícios, por exemplo seria um tipo de abuso de autoridade passível de punição civil e criminal.
O projeto chegou a ser apresentado no Congresso pelo deputado Raul Jungman, mas foi desfigurado pelo delegado da Polícia Civil, deputado Laerte Bessa (PSC-DF), suplente da deputada Jaqueline Roriz. A atualização da lei em vigor, produzida durante o governo Castelo Branco, pelo então ministro da Justiça, Milton Campos, tem o apoio do atual Advogado-Geral da União, Luiz Inácio Adams e do ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo.
Mais indenizações a caminho
Novas ações movidas por pessoas que se dizem vítimas de ações abusivas podem inflar as indenizações. No total, a Advocacia-Geral da União registra 241 ações de danos morais nas quais a responsável é a Polícia Federal, incluindo as que já tiveram decisão.
De acordo com a AGU, nem todas elas são relativas a erros ou excessos em operação. E os pedidos de indenização referentes a operações mais recentes ainda não tiveram decisões judiciais. É o caso da Operação Jaleco Branco, que apurou fraudes em licitações na Bahia, em 2007.
A procuradora da Universidade Federal da Bahia Anna Guiomar, presa nessa ação, pede indenização por ter ficado algemada por 16 horas. E se queixa de uma "condenação moral". Ela foi denunciada à Justiça por improbidade administrativa, mas não está definido se a denúncia será aceita.
Para Arthur de Oliveira Júnior, autor de "Danos Morais e à Imagem", a divulgação excessiva de prisões pode abrir brecha a indenizações, "especialmente se a pessoa não cometeu o crime".
Defesa estatal
A PF e a AGU consideram "irrisório" o total de processos por danos morais e materiais se considerados os 16 mil presos desde 2004. Em nota, a PF disse que toda operação sofre "triplo controle: do Judiciário, do Ministério Público e dos superiores hierárquicos".
A Associação de Delegados da PF declarou que falta uma base de dados confiável sobre mandados de prisão. "Os erros são culpa de um sistema de troca de informações caótico", diz.
TOP 10
Entre os mais rumorosos processos de corrupção que se arrastam nos tribunais está o esquema montado pelo ampresário Paulo César Farias, ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello à presidência, para desviar dinheiro público e arrecadar propinas. Ele foi denunciado pelo irmão caçula do já presidente e o levou ao impeachment em 1992. Dos 27 réus, só nove foram condenados, sendo que destes só quatro de forma definitiva.
Collor foi absolvido da acusação de corrupção passiva por falta de provas no STF, e condenado por razões tributárias em 2005, mas a sentença foi anulada e o crime considerado prescrito. PC Farias foi condenado em dois casos e cumpriu pena em regime semi-aberto até receber liberdade condicional. Em 1996 foi assassinado ao lado da namorada. Seu sócio, Jorge Bandeira de Mello tem três condenações, das quais uma já prescreveu.
No ano seguinte, foi a vez dos anões do orçamento. Um assessor da Comissão de Orçamento do Congresso revelou a existência de um esquema em que parlamentares desviavam dinheiro do Orçamento da União para laranjas e parentes por meio de emendas parlamentares. Seis deputados foram cassados e perderam o mandato. Dos 31 réus, 13 tiveram os supostos crimes prescritos, e só nove foram condenados, destes três definitivamente.
O dinheiro obtido com lançamento de títulos da Prefeitura de São Paulo para pagamento de precatórios foi usado em obras superfaturadas nos governos de Paulo Maluf e Celso Pitta. Há indícios de desvio de recursos para contas no exterior por meio de doleiros, empresas fantasmas e laranjas. Dos 17 réus, dois foram absolvidos e três condenados.
Em 2000 foi cassado pelo Senado Federal o empresário e dono de uma das construtoras que recebeu dinheiro pelo desvio de cerca de R$ 923 milhões da construção superfaturada do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, Luiz Estevão. Dos quatro réus, todos foram condenados mas ainda recorrem na Justiça.
O caso da Sudam, descoberto em 2001 tratou de fraude envolvendo políticos, empresários e servidores que desviou dinheiros dos cofres da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia. Dos 143 réus, dois foram absolvidos, um condenado ainda recorre e quatro pessoas tiveram suas acusações prescritas.
Em 2003, investigações da Polícia Federal chamadas de Operação Anaconda descobriram, por meio de escutas telefônicas, indícios de extorsão e venda de sentenças judiciais. Dos 13 réus, seis foram condenados (ainda recorríveis) e quatro absolvidos. Dentre eles, o ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, acusado de ser o mentor do esquema, cumpre prisão domiciliar.
Em 2005 estourou o Mensalão, esquema montado com ajuda de bancos e empresários para financiar o PT e partidos aliados ao governo no primeiro mandato do ex-presidente Lula. O caso deverá ser julgado pelo STF em 2012.
No ano seguinte foi descoberta a Máfia das Sanguessugas, sobre fraude em emendas ao Orçamento que envolveu mais de 100 congressistas e assessores, acusados de receber propina de empresa que vendia ambulâncias superfaturadas para prefeituras. Dos 533 réus, dez foram absolvidos e 22 condenados — destes só dois de modo definitivo.
Após a Operação Navalha, em 2010 foi a vez do Mensalão do DEM. Denunciado por um assessor do governo do Distrito Federal, o esquema de pagamento de propinas de empresários a integrantes do governo ficou célebre pelos vídeos que mostram o ex-governadores José Arruda e outros envolvidos recebendo pacotes de dinheiro em seus gabinetes. Dois promotores são réus de ação penal e a denúncia contra os demais envolvidos deve ser apresentada até o final e 2011 ao STJ.
Castelo de Areia
Denúncias anônimas não podem servir de base exclusiva para que a Justiça autorize a quebra de sigilo de dados de qualquer espécie. Com esse fundamento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no começo de abril desse ano que todas as provas obtidas na operação Castelo de Areia a partir da quebra generalizada do sigilo de dados telefônicos foram ilegais.
Na prática, a operação ruiu, tal qual um castelo de areia. Isso porque as supostas provas do processo foram colhidas em interceptações telefônicas baseadas em denúncias anônimas. O conteúdo das gravações também não tinha consistência nem comportavam as interpretações que a polícia e os procuradores esboçaram nos documentos acusatórios.
A decisão foi tomada por três votos a um. A ministra Maria Thereza de Assis Moura e os desembargadores convocados Celso Limongi e Haroldo Rodrigues entenderam que as provas que embasaram a denúncia que nasceu da operação são nulas. Apenas o ministro Og Fernandes considerou a operação legal.
A operação Castelo de Areia foi deflagrada em março de 2009, alegadamente para investigar crimes financeiros e desvio de verbas públicas que envolviam diretores de empreiteiras e partidos políticos. Em dezembro do mesmo ano, o juiz Fausto Martin De Sanctis acolheu parte da denúncia do Ministério Público contra três executivos da Camargo Corrêa. Como aconteceu com praticamente todas as decisões do juiz também esse caso veio abaixo.
Satiagraha
Em junho também desse ano a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou todos os procedimentos decorrentes da Operação da Satiagraha da Polícia Federal, inclusive a condenação do banqueiro Daniel Dantas por corrupção ativa. Por três votos a dois, o STJ considerou que a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na operação da PF violou os princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e do devido processo legal. "Se a prova é natimorta, passemos desde logo o atestado de óbito, para que ela não seja usada contra nenhum cidadão", disse o presidente da 5ª Turma, ministro Jorge Mussi, ao dar o voto que desempatou o julgamento.
Sobre os frutos da árvore envenenada da satiagraha há acusações piores: a investigação teria sido patrocinada pela iniciativa privada. Em um outro processo, os empresários Luís Roberto Demarco e Paulo Henrique Amorim respondem, no STF, pelo crime de corrupção ativa. Os ex-delegados Protógenes Queiroz e Paulo Lacerda respondem por corrupção passiva.
O STJ também entendeu pela anulação por causa da contratação de investigadores particulares, pois não fazem parte do quadro da Polícia Federal e, portanto, não poderiam ter acesso a informações protegidas por sigilo legal para fazer escutas telefônicas na Satiagraha. Os investigadores foram contratados diretamente pelo delegado Protógenes Queiroz.
Revista Consultor Jurídico, 4 de setembro de 2011
Correio Braziliense, 04 de setembro de 2011.


Anistia fora da agenda


Secretária de Direitos Humanos diz que governo não pedirá revisão da lei e que concentrará esforços para aprovar a Comissão da Verdade
Josie Jerônimo

Um dia depois de a presidente Dilma Rousseff defender a criação da Comissão da Verdade, para apurar crimes de homicídio e tortura ocorridos durante o regime militar, a ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário, afirmou que a revisão da Lei da Anistia não faz parte da agenda política do governo. A fala foi proferida durante o 4º Congresso do PT, promovido em Brasília até o fim do dia.
Maria do Rosário explicou que o ideal é votar a criação da Comissão da Verdade até dezembro, pois o ano eleitoral não é adequado para iniciar a discussão sobre a anistia. Isso, porque qualquer interferência governamental no consenso que está sendo construído pode prejudicar o clima político e social em que o governo tem investido para viabilizar o projeto. Por isso, modificar a interpretação da lei que anistiou os crimes durante a ditadura militar (1964-1985) está descartado. "A revisão da Lei de Anistia não está na agenda do governo. Se nós rompêssemos esse pacto, em torno do qual está já sendo construído o consenso, não chegaríamos nem à Comissão da Verdade instituída. Nunca se pode dizer a alguém que desista de ver justiça diante da tortura, do desaparecimento forçado para a morte. Nós não dizemos e respeitamos. Mas o que está ao alcance neste momento é a Comissão da Verdade e da Memória", resumiu Rosário.
A ministra afirmou que o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), se comprometeu a colocar o projeto que cria a comissão na pauta da Casa em 2011. "Ano eleitoral é muito difícil, e a gente quer tirar isso da agenda eleitoral. É uma agenda de Brasil."
 
O Estado de S. Paulo, 04 de setembro de 2011
 
Por Comissão da Verdade, governo procura oposição


Convocados pela presidente Dilma, ministros estão em campo com a missão de convencer parlamentares a apoiar proposta
Roldão Arruda

O governo federal está mobilizando suas forças para conseguir aprovar até o final deste mês o projeto de lei que cria a Comissão Nacional da Verdade. O esforço é capitaneado pelo ministro da Defesa, Celso Amorim. Nos últimos dias ele fez várias ligações para os líderes dos partidos de oposição na Câmara, pedindo apoio à proposta.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também está em campo. Ex-deputado, com trânsito fácil no meio parlamentar, ele já se reuniu com os líderes do PSDB, DEM, PPS e PV. A presidente Dilma Rousseff, que, na sexta-feira, na abertura do Congresso do PT, prometeu à militância que a comissão será instalada, também mobilizou a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, para o trabalho de vencer resistências à proposta.
O objetivo é aprovar o projeto por meio de um acordo entre líderes partidários, em caráter de urgência. A votação ocorreria numa sessão extraordinária, convocada especialmente para isso.
Na conversa com a oposição, a maior preocupação dos três ministros é deixar claro que a comissão não terá caráter revanchista, nem abrirá debates sobre uma possível revisão da Lei da Anistia. O governo diz entender que o assunto se encerrou no ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) negou à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o pedido para que policiais e militares acusados de violações de direitos humanos nos anos da ditadura fossem excluídos da anistia. Na avaliação da corte, eles também foram beneficiados pela lei de 1979.
"A comissão terá apenas preocupações históricas, de esclarecimento de fatos ocorridos naquele período", afirma José Genoino, assessor especial do ministro da Defesa. "Não existem preocupações revanchistas nem punitivas."
Integrantes. À medida que o debate avança, porém, começam a surgir outras dificuldades. No Senado, a maior preocupação do líder do DEM, Demóstenes Torres (GO), é saber como o governo pretende compor o grupo de notáveis que conduzirá os trabalhos da comissão.
Segundo o texto do projeto, o grupo terá sete membros, designados pelo presidente da República, "entre brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos". Para Demóstenes, isso não deixa suficientemente claro como os notáveis serão escolhidos.
"Serão historiadores isentos e preocupados exclusivamente com a história do País? Ou fanáticos, pessoas ideologicamente comprometidas com a extrema-esquerda, como o ex-ministro Paulo Vannuchi?", indaga.
Demóstenes diz que não pretende atrapalhar a instalação da comissão. "Desde que não se pretenda rever a Lei da Anistia, não se instaure o revanchismo e que sejam escolhidas as pessoas certas, não há motivo para isso."
O líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira, já conversou com os ministros Amorim e Cardozo. "O assunto é muito delicado. Mas, pelo que foi dito, o propósito da comissão é recompor o período histórico e olhar para a frente, sem ficar revirando as feridas dos dois lados", contou. "Estamos dispostos a colaborar, insistindo para que prevaleça o bom senso."
PARA LEMBRAR
Proposta é do governo Lula
A Comissão da Verdade está prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos lançado em 2009, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O primeiro projeto para sua criação, elaborado sob a tutela do então ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, provocou uma crise interna no governo. Nelson Jobim, que dirigia a pasta da Defesa e falava em nome dos militares, ameaçou renunciar ao cargo.
O ex-presidente Lula redigiu então uma segunda proposta, que enfatiza a questão da "reconciliação nacional". É o texto encaminhado por ele em maio do ano passado que pode ser votado agora.