quinta-feira, 30 de junho de 2011

Assinou sem ler?


Portal G1, 30 de junho de 2011.

FHC diz que assinou sigilo eterno 'sem tomar conhecimento'

'Não vejo mais razão para sigilo', diz ex-presidente sobre documentos oficiais.
Em Brasília para participar de uma homenagem do PSDB aos seus 80 anos, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso defendeu nesta quinta (30) o fim do sigilo eterno para documentos oficiais do governo. Ele argumentou que assinou a manutenção do sigilo no “último dia de mandato”, sem ter o conhecimento da questão.
“Não precisa ter sigilo eterno. Mas podem perguntar: ‘por que você fez?’. Fiz sem tomar conhecimento, no último dia de mandato, uma pilha de documentos e só vi dois anos depois. O que é isso? Mandei reconstituir para saber o que era. Agora, o presidente da República pode alterar o sigilo. Então, não vejo mais razão para sigilo”, afirmou Fernando Henrique.
O ex-presidente da República fez uma visita ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), nesta manhã, antes de participar de homenagem do PSDB, e disse que irá conversar com Sarney, defensor do sigilo eterno, para convencer o colega sobre a abertura dos documentos.
“Vou falar com o presidente Sarney porque parece que ele tem posição discordante. Além do mais, vamos ser claros, com WikiLeaks e internet, o sigilo desaparece”, argumentou o ex-presidente.
‘Feridas’
Em 13 de junho, Sarney defendeu a manutenção do sigilo eterno sobre documentos oficiais históricos como forma de evitar que “feridas” fossem abertas nas relações diplomáticas do Brasil com países vizinhos.
“Defendo a abertura recente de documentos, agora, os documentos históricos que fazem parte da nossa história diplomática, da nossa história do Brasil, que tenham articulações como Rio Branco teve que fazer muitas vezes, não podemos revelar esses documentos se não vamos abrir feridas”, afirmou Sarney.
Já em 21 de junho, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), disse que solicitou ao Planalto o prazo de dois meses para debater a questão. “O governo está avaliando. Ainda não há uma posição. A posição do governo vai depender do debate no Senado. Pedi dois meses para discutir a questão, o governo está avaliando [a concessão do prazo], mas o pedido de urgência ainda está mantido”, disse Jucá.
Sigilo de documentos
A discussão sobre documentos sigilosos tem como base um projeto enviado ao Congresso em 2009 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No ano passado, a Câmara aprovou o texto com uma mudança substancial: limitava a uma única vez a possibilidade de renovação do prazo de 25 anos de sigilo.
Com isso, documentos classificados como ultrassecretos seriam divulgados em, no máximo, 50 anos. É essa limitação que se pretende derrubar agora, abrindo possibilidade para sucessivas renovações do sigilo.
A ministra das Relações Institucionais afirmou no dia 14 de junho que o governo pretendia eliminar no Senado as mudanças realizadas pela Câmara no projeto que trata do sigilo eterno de documentos oficiais. “O projeto que está tramitando aqui [no Senado] sofreu modificações na Câmara e toda a nossa vontade é de que possamos restabelecer o projeto original, aquele que foi encaminhado ao Congresso ainda durante o governo do presidente Lula. Não gostaríamos de retirar a urgência, mas gostaríamos de poder ter o retorno da proposta original”, afirmou Ideli.
A presidente Dilma Rousseff já afirrmou que há "confusão" neste debate. Segundo ele, o objetivo é avaliar, a cada 25 anos, se documentos ultrassecretos, ligados à soberania nacional e relações internacionais, podem ser divulgados. Depois, Ideli voltou a falar sobre o tema e disse que o governo já admitia discutir o fim do sigilo mesmo para documentos ligados à soberania nacional.
 

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Almirante sem navio


Folha de S. Paulo, 29 de junho de 2011.

Almirante sem navio

Brasileiro chefia Marinha da ONU no Líbano há 4 meses de escritório em terra, enquanto espera por embarcação
LUIS KAWAGUTI
DE SÃO PAULO
À espera da chegada de um navio de guerra brasileiro à missão de paz da ONU no Líbano, o contra-almirante Luiz Henrique Caroli está há quatro meses comandando uma esquadra internacional a partir de um escritório em terra.
O Brasil assumiu o comando da Força Tarefa Marítima da Unifil (missão da ONU no Líbano) em fevereiro de 2011, como parte dos esforços do Itamaraty -iniciados no governo Lula- para fazer do país um ator relevante no cenário do Oriente Médio.
A negociação com a ONU, delineada em agosto de 2010, incluía o envio de uma fragata no primeiro semestre de 2011 e de até 300 fuzileiros e especialistas em desminagem no futuro.
Caroli e seus assessores são hoje responsáveis por oito navios militares, cedidos à ONU por Bangladesh (2), Alemanha (3), Grécia (1), Indonésia (1) e Turquia (1).
Só a embarcação brasileira não chegou, e Caroli precisa contar com a boa vontade desses países para missões em alto-mar.
A frota tem o objetivo de impedir o contrabando de armas pelo mar para o Líbano.
"Todos os navios vêm [de seus países] com a tripulação completa e não têm como acomodar o Estado-Maior do comandante. Então eu tenho que comandar de terra" disse Caroli à Folha.
De um escritório da base da ONU no Líbano, o contra-almirante traça estratégias, planeja operações e controla as estatísticas da missão.
Quando acontece um evento fora do comum -como o encontro de um navio suspeito ou à deriva- , ele é informado por rádio e toma decisões à distância.
"Os embarques que eu faço [em navios] são esporádicos, [começam] de manhã [e vão] até a tarde ou a noite. Eu embarco e desembarco de helicóptero. Só dormi [no mar, durante a missão] duas vezes, em um navio da Indonésia e em um da Turquia".
Segundo o contra-almirante, o problema é que, longe da ação, não é possível ter o controle tático da esquadra.
"O que a Unifil espera, ou esperava, era eu exercer o controle no mar. Seria melhor", afirmou ele.
A pedido do Ministério da Defesa, a Marinha do Brasil concluiu no início de abril um estudo favorável ao envio ao Líbano da fragata Independência. Ela seria comandada por Caroli e se tornaria o navio capitânia da frota da ONU.
A fragata, navio de grande porte armado com canhões e mísseis antinavios, levaria 257 militares e um helicóptero. Ela ficaria ao menos seis meses no Líbano.
Porém, após o retorno do estudo ao Ministério da Defesa, a iniciativa travou -à espera de envio ao Itamaraty e à Casa Civil, para depois ser submetida ao Congresso.
O Ministério da Defesa afirmou que o assunto ainda está sendo estudado porque, na prática, significa enviar tropas ao exterior.
A Folha apurou que diplomatas do Itamaraty envolvidos na negociação são favoráveis ao envio da fragata.
PRESSÃO
Em quatro meses, os brasileiros subiram a média de navios investigados na missão de 16 para 60 por mês.
Mas isso não diminuiu a pressão sobre Caroli, exercida pela ONU, pelo envio imediato da fragata brasileira.
"Minha resposta tem sido: 'a Marinha está pronta, mas está aguardando a decisão do Ministério da Defesa e do Congresso'", diz Caroli.


terça-feira, 28 de junho de 2011

Papéis secretos da ditadura sumiram

Folha de S. Paulo, 28 de julho de 2011.

Papéis secretos da ditadura sumiram, afirma ministro
Segundo Nelson Jobim, Forças Armadas não temem fim do sigilo eterno, pois não existem mais documentos da época

Ele também negou os temores sobre dados da Guerra do Paraguai, e afirmou que apenas tecnologia preocupava


FÁBIO GRELLET
DO RIO

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse ontem que a proposta de acabar com o sigilo eterno de documentos -incluindo os do período da ditadura militar- não deverá encontrar resistência nas Forças Armadas. Isso porque, afirmou, esses papéis já "desapareceram".
"Não há documentos, nós já levantamos os documentos todos, não tem. Os documentos já desapareceram, já foram consumidos à época", afirmou Jobim.
Segundo ele, como os arquivos não existem, a revelação de papéis sigilosos não representará problema algum: "Então não tem nada, não tem problema nenhum em relação a essa época".
O debate sobre a abertura das informações consome o governo há várias semanas. A presidente Dilma Rousseff, que originalmente era a favor do fim do sigilo, passou a se posicionar contra a medida diante da resistência dos ex-presidentes Fernando Collor (PTB) e José Sarney (PMDB).
Na semana passada, ela voltou a mudar de opinião.
O projeto original, enviado ao Congresso em 2009 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reduzia o prazo para o caráter sigiloso de papéis oficiais. Mas dava a possibilidade de prorrogação indefinida dos prazos.
O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados com uma emenda derrubando o sigilo. Depois foi encaminhado para o Senado.
Segundo Jobim, o projeto atual é adequado e não vai oferecer subsídios para mudar a interpretação de fatos históricos. "Não temos nada a esconder, todo mundo já conhece, não tem nenhum mistério", afirmou.
Ele também negou que a pasta tema a revelação de informações sobre a Guerra do Paraguai. "Basta ler sobre a guerra. Tem um livro extraordinário de um professor de história de Brasília que bota a guerra dentro do quadro histórico", disse Jobim.
Segundo o ministro, a única preocupação das Forças Armadas era sobre tecnologia. "Mas esta está preservada, não temos problema."


segunda-feira, 27 de junho de 2011

Fisiologismo mata

RICARDO YOUNG
Fisiologismo mata
"A maior traição que se pode cometer com o eleitor é ser eleito para integrar a oposição e migrar para a base governista. Vivemos num momento em que muitos políticos se intimidam diante da maioria e se tornam travestis políticos."
Com esse desabafo em recente entrevista, o senador Demóstenes Torres expressa sua revolta diante da corrosão pelo qual o seu partido, o DEM, passa. O fenômeno a que se refere -não é isolado- assola a maioria dos partidos.
Como disse o expurgado dirigente do PV estadual de SP, Mauricio Brusadin: "Vivemos um período em que o Estado virou um condomínio de partidos, onde o partido no poder faz o papel de síndico".
E é isso mesmo, não há partido de oposição de verdade. O comportamento geral é "bovino" e patrimonialista.
A única coisa q ue interessa à maioria dos partidos é assegurar-se das condições necessárias para saírem-se bem nas próximas eleições. Danem-se os compromissos assumidos com a sociedade.
Dane-se o eleitor. Vale até o estelionato eleitoral.
Vota-se na esquerda, e ela serve aos interesses inconfessáveis da direita ruralista, como no caso do Código Florestal. Ignora-se que mais de 80% dos eleitores clamam pela defesa de nossas florestas.
Vota-se pela reforma política, e o que se vê são os condôminos discutindo seus arranjos, deixando intacta a estrutura que perpetua maus políticos e má política. Vota-se em uma nova forma de fazer política, e, assustados com o enorme apoio do eleitorado à candidatura Marina, passa-se à operação desmonte de sua imagem.
Medo, oportunismo, fisiologismo, desfaçatez, cinismo e patrimonialismo parecem ser os adjetivos que descrevem melhor o descompromisso dos partidos com seus eleitores e militantes.
Tenho perguntado às militâncias do PT, do PV, do PSDB, do PPS, do PDT, do PTB e do DEM se se reconhecem em seus dirigentes ou nas propostas defendidas pelos seus partidos para o país?
As respostas...? Pergunte leitor, você mesmo, e confira a desesperança.
O caso que estamos observando nestas semanas é exemplar. Após conquistar 20 milhões de votos e incendiar a juventude com suas propostas inovadoras, Marina Silva e todos os seus apoiadores estão sendo pressionados a sair do PV. A maioria dos dirigentes nacionais preferiu se tornar linha auxiliar dos partidos no poder. Renunciaram à responsabilidade de se tornar protagonistas de uma nova etapa da história política.
Fim do PV para a Marina?
Esperança extraordinária para aqueles que acreditam que a construção da maioridade política brasileira está em curso e não se curva à estreiteza fisiológica que decompõe a maioria dos partidos.

domingo, 26 de junho de 2011

Brasil: na contramão latina


Correio Braziliense, 26 de junho de 2011.

Na contramão latina, Brasil guarda segredos

País debate lentamente o acesso a documentos sigilosos, enquanto os vizinhos abrem arquivos dos regimes que marcaram o continente
Marcelo da Fonseca
Os crimes contra os direitos humanos cometidos por agentes dos regimes militares e as leis de anistia fizeram parte das ditaduras que se estabeleceram na América Latina nas décadas de 1960, 1970 e 1980. A forma como os países lidam com as questões obscuras desses períodos após os processos de reabertura política, entretanto, é bem diferente. Enquanto alguns conseguiram avanços significativos no acesso aos documentos sigilosos, o Brasil, na contramão de vizinhos sul-americanos, mantém um ritmo mais lento nas discussões sobre o tema.
"Em alguns países que foram condenados pelas cortes de direitos humanos, como o Peru, os representantes acabaram reconhecendo a primazia do direito internacional e as regras internas foram discutidas e reformuladas. No Brasil, percebo uma resistência em reconhecer alguns tratados e decisões que vêm de fora, considerados inconstitucionais e inválidos nacionalmente", aponta Jorge Lasmar, professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas. A proposta em discussão no Senado defende novas regras para o acesso a documentos públicos e estabelece que certos registros possam ser mantidos em segredo por 25 anos, prorrogáveis por igual período. Hoje, os documentos classificados como ultrassecretos têm um prazo de sigilo de 30 anos, mas podem ser renovados.
Na Argentina, o acesso é liberado para qualquer cidadão. No início de 2010, a presidente Cristina Kirchner e os ministros da Defesa e da Justiça assinaram um decreto determinando a liberação de todas as informações sobre a atuação das Forças Armadas no período do regime militar, com exceção dos documentos relacionados à Guerra das Malvinas (1982). Até então, era preciso protocolar pedidos formais para chegar aos documentos.
No Paraguai, o presidente Fernando Lugo também demostrou publicamente sua posição sobre o tema e autorizou a abertura dos arquivos militares, facilitando a investigação de crimes e denúncias contra a violação dos direitos humanos no período da ditadura (1954-1989). Entre os documentos abertos estão os arquivos da Operação Condor, aliança dos regimes autoritários contra opositores políticos que contou com a participação de outras ditaduras latinas e o apoio dos Estados Unidos.
Também no ano passado, o presidente boliviano Evo Morales determinou aos juízes que as documentações fossem liberadas aos procuradores do Ministério Público para investigações sobre os ex-dirigentes da esquerda desaparecidos entre 1964 e 1982. Segundo a determinação, os documentos referentes ao governo do general Luis Garcia Meza, no início da década de 1980, tinham que ser enviados ao Poder Judiciário.
No Uruguai, as mudanças geram polêmicas. A Lei da Anistia chegou ao parlamento dividindo senadores e deputados. Em abril, a proposta para anular a Lei de Caducidade — promulgada em 1986 e que impede a investigação das violações dos direitos humanos cometidas durante a ditadura (1973-1985) — foi aprovada no Senado. Mas, apesar da pressão dos familiares das vítimas, na Câmara dos Deputados, a votação terminou em empate. A Suprema Corte de Justiça do país já havia indicado que a lei colocada à prova no parlamento era inconstitucional.

sábado, 25 de junho de 2011

A fagilidade da aduana brasileira

O Estado de S. Paulo,25 de junho de 2011
A Receita fora do Plano Estratégico de Fronteiras

Sílvia Felismino
Em 8 de junho a presidente Dilma Rousseff anunciou um pacote de medidas para ampliar o controle e a vigilância nas fronteiras terrestres do País. O projeto visa a neutralizar o crime organizado, reduzir os índices de criminalidade, coordenar e planejar a execução de operações militares e policiais e intensificar a presença das Forças Armadas na faixa de fronteira.
O que chamou a atenção no Plano Estratégico de Fronteiras foi a ausência da Receita Federal, que evidencia uma situação que o Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita) vem denunciando nos últimos anos: a distância entre as ações da administração central da Receita Federal e as políticas prioritárias do governo.
Cabe destacar que a Receita Federal, de acordo com a legislação, tem precedência sobre os demais órgãos no controle aduaneiro. É, portanto, no mínimo, estranha essa situação, já que prioritariamente o órgão e seus servidores são os responsáveis por controlar a entrada, a permanência, a movimentação e a saída de pessoas, veículos e mercadorias de portos, aeroportos, pontos de fronteira e recintos alfandegados, ou embarque e desembarque de viajantes, procedentes do exterior ou a ele destinados.
A segurança das fronteiras terrestres do Brasil definitivamente entrou na pauta do governo, que agora adota medidas efetivas para cobrir uma extensão de quase 17 mil quilômetros de divisas com dez países. As ações serão executadas em 11 Estados e 710 municípios, que abrangem uma população de 10,9 milhões de brasileiros. É nesse contexto que se faz necessário questionar o que tem feito a administração da Receita Federal no que diz respeito ao controle aduaneiro. Todas as ações serão executadas sem a participação do órgão, que é o único que mantém presença, ainda que deficitária, na maioria dos 31 pontos de passagem terrestre ao longo da faixa do território que vai do Oiapoque (RR) ao Chuí (RS). A Receita Federal não apenas se omite, mas atua em sentido contrário, ao reduzir a presença de servidores nesses postos de fiscalização.
O Sindireceita já denunciou no livro Fronteiras Abertas - Um Retrato do Abandono da Aduana Brasileira, lançado em dezembro de 2010, a precariedade dessas unidades. Por meio de medidas administrativas a Receita vem reduzindo o efetivo de servidores que atuam nos postos de fronteira. Uma dessas medidas, que segue em sentido contrário ao esforço feito pelo governo federal, foi a edição do Decreto n.º 7.213/2010, que prevê que as atividades de fiscalização de tributos em operações de comércio exterior serão supervisionadas e executadas apenas por auditor fiscal.
Na prática, a mudança no Regulamento Aduaneiro retira os analistas tributários das atividades de fiscalização, controle e combate ao contrabando, tráfico de armas, drogas, munições e outros crimes. A própria direção do órgão parece não se importar com o fato de que em muitos pontos da fronteira a presença do Estado brasileiro é exercida apenas por analistas tributários, que são os responsáveis pelas ações de vistoria veículos, bagagens e demais atividades de controle aduaneiro, que estão deixando de ser executadas.
Essa medida é mais um exemplo das contradições internas da Receita Federal, que ao tomar decisões dessa natureza fragiliza ainda mais o já comprometido trabalho de fiscalização nas fronteiras e, ao invés de melhorar a atuação do Estado, age na contramão da solução desse grave problema.
Relatos de servidores chegam de todas as partes do País dando conta de que a situação denunciada no livro do Sindireceita se torna pior a cada dia. Um dos principais problemas está na redução do efetivo em unidades importantes, como a Inspetoria de Tabatinga, no Amazonas. Em 2010, quando visitada pela equipe do Sindireceita, o efetivo da Inspetoria era de apenas dois servidores - um auditor e um analista tributário. Hoje a unidade conta apenas com um servidor, que é responsável pelo controle aduaneiro nessa região da tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru. No começo da semana passada a direção nacional do Sindireceita recebeu a comunicação de que a Superintendência da Receita Federal da 2.ª Região Fiscal, que compreende os Estados da Região Norte, pretende retirar 11 analistas tributários das alfândegas do Porto de Belém e do Aeroporto Internacional da mesma cidade, transferindo esses servidores das áreas de fiscalização para atividades-meio do órgão.
Num momento em que o País está atento ao debate sobre a necessidade de mais investimentos em segurança, é preciso chamar a atenção de todos para o quadro dramático da aduana brasileira. Cabe mais uma vez lembrar que o controle aduaneiro está diretamente ligado ao combate ao flagelo da insegurança pública. O Brasil não conseguirá superar esse obstáculo se não retomar o efetivo controle de suas fronteiras, o que envolve o combate incessante ao tráfico de drogas, armas e munições, ao contrabando e à pirataria. Sem mais servidores e investimentos em infraestrutura, aquisição e manutenção de veículos adaptados a cada região, o Estado brasileiro seguirá travando uma batalha desigual contra o crime organizado, que conhece e explora todas essas deficiências.
Em meio a tantas denúncias, é ainda mais constrangedor perceber que, em reforço à visão tosca que a administração central tem sobre a área aduaneira, parte das soluções para os problemas emperra no corporativismo exacerbado de gestores que fazem a opção por defender privilégios de uma categoria de servidores, tendo a oportunidade de decidir em favor da sociedade e do País.
Neste momento em que a fragilidade da aduana brasileira está exposta, é preciso também ficar atento a atitudes oportunistas de grupos interessados muito mais em manter a situação atual do que realmente agir em favor da sociedade.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Brasil é o 3o. na rota de cocaína para a Europa

Folha de S. Paulo, 24 de junho de 2011.

Brasil é 3º na rota de cocaína para Europa



País só está atrás de Venezuela e Equador, segundo relatório da ONU; dados são do período entre 2005 e 2009
Tráfico transporta pequenas quantidades, utilizando "mulas", mas Brasil já registra grandes apreensões
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
MATHEUS LEITÃO
DE BRASÍLIA

Cresceu nos últimos anos o número de cargas de cocaína apreendidas na Europa após passarem pelo Brasil, segundo relatório divulgado ontem pela Unodc, a agência da ONU para álcool e drogas. O Brasil é o terceiro país na rota para o continente.
Entre 2005 e 2009, as apreensões de cocaína que chegaram à Europa após passar pelo Brasil mais que decuplicaram, de 25 para 260; a quantidade variou menos, de 339 kg para 1.500 kg.
Venezuela, com 6.500 kg, e Equador, com 2.500 kg, foram os principais canais.
O Brasil surge em terceiro, ocupando o lugar que em anos anteriores já foi do México, do Panamá e da República Dominicana.
O volume de coca que passou por solo brasileiro foi menor porque os casos envolvem pequenos traficantes, as "mulas", que transportam a droga escondida em bagagens ou no próprio corpo.
Já o esquema de tráfico da Venezuela envolve o transporte em grandes quantidades, através de portos.
Essa situação, porém, pode estar mudando, alerta a agência da ONU.
Um exemplo foi a operação que apreendeu 3.800 kg de cocaína escondida em contêiner no porto de Paranaguá (PR), em fevereiro de 2009. A carga seria levado para a Romênia.
CONSUMIDORES
Pesquisa realizada em 2009, também divulgada pela agência, revela que o Brasil, com a maior população, tem um terço dos consumidores de coca na América do Sul, seguido por Argentina (25%) e Chile (10%).
A Unodc afirma que, apesar da liderança, apenas 0,7% da população brasileira entre 15 e 64 anos usa a droga, o que representa 900 mil pessoas. Na Argentina, por exemplo, o índice é de 2,6%.
"Com a diminuição da pena para o usuário no Brasil, a metodologia do tráfico internacional mudou do atacado para o varejo", afirma o presidente do Sindicatos dos Delegados da Polícia Federal, Joel Mazo, que atuou mais de dez anos na área de combate às drogas.
"É por isso que, no relatório, há mais apreensões do tráfico do corredor brasileiro, com muito menos quantidade, do que em comparação com anos anteriores."

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Cristovam Buarque: ameniza e não muda

Ameniza e não muda  

O Brasil é um país de alta criatividade em políticas sociais, com saídas para amenizar, não para mudar a realidade. A criatividade começou na escravidão, ao invés de aboli-la recorremos à Lei do Ventre Livre. Os escravos sexagenários, os velhos, eram libertados, um eufemismo para abandonados. Até a Abolição da Escravatura aconteceu sem oferecer educação nem terra para os ex-escravos e seus filhos. A Abolição foi um eufemismo para a expulsão dos escravos das fazendas para as favelas.

            Modernamente também temos sido campeões de imaginação para soluções parciais.
 
Como o salário não era suficiente para pagar o transporte do trabalhador até o local de trabalho, ao invés de aumento salarial, criamos o vale-transporte, como se fosse um grande benefício social, quando, na verdade, foi um serviço à economia: garantir a presença do trabalhador na fábrica. A regra é a mesma para o vale-refeição. O salário não era suficiente para assegurar a alimentação mínima de um trabalhador, então a solução foi garantir a alimentação do trabalhador, mesmo que suas famílias continuassem sem comida.
Quando a inflação ficou endêmica, ao invés de combatê-la (só enfrentada em 1994), criou-se a correção monetária, que garantia moeda estável para quem tivesse acesso às artimanhas do mercado financeiro, enquanto o povo continuava com seus salários cada vez mais desvalorizados.

            Hoje, quando o país vive um apagão de mão de obra qualificada, corremos para fazer escolas técnicas, esquecendo que sem o ensino fundamental os alunos não terão condições de aproveitar os cursos profissionalizantes.   
        
            A Bolsa Escola foi criada para revolucionar a escola. Como isso não foi feito, ela se transformou na Bolsa Família, sendo mais uma das soluções compensatórias agregada ao vale-alimentação e vale-gás.

            As universidades boas e gratuitas são reservadas para os que podem pagar escolas privadas no ensino básico. No lugar de fazer boas escolas para todos, criamos o PROUNI e cotas para negros e índios. O Brasil melhora com essas medidas, mas não enfrenta o problema e acomoda a população, como se agora todos já fossem iguais. Promovem-se benefícios com soluções provisórias, como se elas resolvessem o problema.

A solução adiada seria uma revolução que assegurasse escola de qualidade para todas as crianças, em um programa que se espalharia pelo país, onde todas as escolas fossem federais, como o Colégio Pedro II, as escolas técnicas militares, os colégios de aplicação das universidades.

            Quando a desigualdade social força a separação entre pobres e ricos que se estranham, ao invés de superar a desigualdade constroem-se muros em shoppings e condomínios, separando as classes sociais. Para impedir a convivência de classes, impedimos estações de metr�? em bairros ricos, o que mostra um total desinteresse desses habitantes pelo transporte público.

Falta professor de Física, retira-se Física do currículo escolar. Os alunos não aprendem, adotamos a progressão automática. O Congresso não funciona, o STF passa a legislar. A população fala Português errado, em vez de ensinar o correto a todos legitimamos a fala errada para a parte da população sem acesso à educação. Adotamos dois idiomas: o Português dos ricos educados e o Português dos pobres sem educação; o Português dos condomínios e o Português das ruas. Ao invés de combater o preconceito e a desigualdade, legalizamos a desigualdade.

          Ao invés de fazer as mudanças da estrutura para construir um sistema social eficiente, equilibrado, integrado e justo optamos por simples lubrificantes das engrenagens desencontradas da sociedade. Nossas soluções podem até ser criativas, mas são burras e injustas. É a sociedade acomodando suas deficiências. Ao invés de enfrentar e resolver os problemas, nossa criatividade ajusta a sociedade a conviver com eles. E adia e agrava os problemas porque ilude a mente e acomoda a política.


*
Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Democracia Consolidada?

Folha de S. Paulo, 22 de junho de 2011.

Formação de grupo é conta a ser paga pela sociedade por transição pacífica para a democracia



COM A DEMOCRACIA CONSOLIDADA, HOJE NÃO HÁ MAIS AMEAÇA POLÍTICA E, NESSE SENTIDO, O PREÇO DEVIDO PELA SOCIEDADE PODE SER CONSIDERADO RAZOÁVEL

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A criação da Comissão da Verdade, qualquer que seja seu alcance na prática, é a conta que a sociedade brasileira pagará por ter desfrutado de uma transição pacífica do regime militar (1964-85) para a democracia.
Ao contrário da Argentina -que experimentou uma ruptura violenta e prendeu a cúpula militar-, o Brasil viveu uma distensão lenta e gradual que, ainda sob o regime militar, desaguou na abertura política.
O processo começou em 1974, com o então presidente Ernesto Geisel, e ganhou impulso com a derrota que o general impôs à linha-dura do regime em 1977.
Grande parte da oposição viu nesse desdobramento uma perspectiva para o fim da ditadura. Mas, para tanto, seria preciso caminhar com os militares, não contra eles.
O passo seguinte foi a anistia, em 1979, já no governo João Figueiredo.
A anistia resultou da pressão de duas forças. De baixo para cima, a sociedade brasileira fazia campanha por uma anistia "ampla, geral e irrestrita". De cima para baixo, o governo incluiu o perdão aos torturadores.
Embora não haja na lei menção direta a eles, estão perfeitamente identificados pelo eufemismo "acusados de crimes conexos aos crimes políticos".

INSATISFAÇÃO
Na época, houve críticas à direita e à esquerda. Para a linha-dura militar, que ainda tinha voz, apesar de afastada do centro decisório, o presidente fizera concessões.
Para parte da esquerda, tratou-se sobretudo de uma jogada para implodir a frente oposicionista, o que ocorreria com a volta dos exilados. A maioria, no entanto, entendeu que, dadas as circunstâncias, em que a possibilidade de um retrocesso político não era carta fora do baralho, uma anistia que zerasse o saldo de ressentimentos de ambos os lados favoreceria a abertura que levaria à democracia.
É tarefa quase impossível discutir esse passado sem reabrir feridas que um hiato de mais de três décadas não cicatrizou.
Hoje, no entanto, com a democracia consolidada, não há mais ameaça política e, nesse sentido, o preço devido pela sociedade pode ser considerado razoável.

OSCAR PILAGALLO, jornalista, é autor de "A História do Brasil no Século 20" (Publifolha).

terça-feira, 21 de junho de 2011

O dribe de D. Paulo Evaristo Arns

O Estado de S. Paulo, 21 de junho de 2011.
Para ver Carter, d. Paulo driblou igreja e governo



Papéis revelam como o cardeal e o presidente dos EUA se encontraram à revelia dos militares
Jamil Chade - O Estado de S.Paulo
CORRESPONDENTE / GENEBRA
Jimmy Carter, presidente dos Estados Unidos entre 1977 e 1981, manteve amplo contato com dissidentes brasileiros durante o regime militar e buscou formas de se reunir com vozes contrárias ao governo. É o que revelam documentos que estavam guardados pelo Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra. Um desses dissidentes era d. Paulo Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo. Cartas e conversas entre os dois revelam o objetivo mútuo de forçar o regime a se abrir.
No domingo, o Estado revelou o teor de documentos que fazem parte de um arquivo de mais de 3 mil páginas mantido pelo Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra. Os papéis detalham a atuação de d. Paulo para denunciar a tortura durante a ditadura.
O diálogo entre o religioso brasileiro e o presidente americano sobre a situação no Brasil começou em 1977. Em 29 de outubro daquele ano, o cardeal enviou uma carta alertando Carter sobre a repressão, com uma lista de nomes de pessoas que haviam desaparecido. D. Paulo relata uma situação crítica. "Nos últimos anos, eu tenho tido o triste privilégio de dar conselhos pastorais e conforto a muitos parentes e amigos de prisioneiros políticos que desapareceram", escreveu a Carter, lembrando que entre eles estava até um cidadão americano, Paulo Stuart Wright.
Poucas semanas depois, Carter responderia, informando que adiara sua visita ao Brasil, prevista para aquele ano, para 1978. Mas deixou claro que estava preocupado com a situação no País. "Esses casos enfatizam a importância do Estado de Direito, com seu direito a habeas corpus e processos devidos por cortes civis independentes", observou Carter.
A carta ainda mostra o prestígio do cardeal brasileiro. "Seu trabalho em nome da dignidade humana me faz sentir honrado de dividir o campo com você na Universidade Notre Dame", escreveu Carter.
Manobras. O encontro prometia ser delicado e ao mesmo tempo explosivo. Uma primeira tentativa foi a de incluir São Paulo no itinerário de Carter, o que daria a possibilidade de um encontro com d. Paulo. Mas essa possibilidade foi abandonada.
O Rio acabou escolhido como alternativa para o encontro. Mas, para impedir a denúncia, o governo e parte da Igreja fizeram questão de montar uma reunião entre Carter, d. Paulo e cinco arcebispos, vários dos quais tinham posições favoráveis ao governo militar. O encontro não seria a ocasião adequada para d. Paulo revelar a repressão. Mas a diplomacia americana encontrou uma forma de driblar o protocolo. Cyrus Vance, então secretário de Estado norte-americano, pôs d. Paulo no carro que levaria Carter ao Aeroporto do Galeão. O trajeto foi a ocasião que d. Paulo precisava para fazer suas denúncias.
Durante o trajeto, ele não trataria apenas do Brasil, mas reivindicaria uma posição dos EUA mais favorável à população dos países no Terceiro Mundo. O cardeal apresentou um memorando responsabilizando a Casa Branca pela proliferação de regimes militares, criticando as multinacionais e alertando sobre a situação de milhões de pessoas pelo mundo oprimidas por sua posição política, base religiosa ou raça.
No Galeão, Carter foi friamente recebido por militares, em uma rápida cerimônia de despedida. D. Paulo evitou as câmeras e deixou o local antes da decolagem do avião de Carter. O porta-voz do Itamaraty garantiu à imprensa que o presidente americano não mencionara os temas de direitos humanos nos encontros oficiais. Para a imprensa estrangeira, a Casa Branca desmentiu a versão e confirmou que o tema havia sido central na viagem.