segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Justiça de Fancaria

O GLOBO 24 janeiro 2011


Justiça? Onde? -- Ricardo Noblat

Quem topa processar o Estado por causa da tragédia que desabrigou mais de 20 mil pessoas na região serrana do Rio de Janeiro e matou mais de mil – entre as sepultadas e as que continuam desaparecidas? Pensando bem: processar para quê? Para perder tempo e dinheiro? Para ficar demonstrado mais uma vez que a Justiça simplesmente não funciona? Haveria razões de sobra para processar. Nem sempre o cidadão sabe que o local escolhido para construir sua casa faz parte de área de risco. E se sabe e mesmo assim pede licença para construir, cabe ao Estado contrariá-lo. As prefeituras são responsáveis pelo parcelamento e ocupação do solo urbano, segundo a Constituição.
Dos 83 mil imóveis de Nova Friburgo, por exemplo, cerca de 50 mil estão em situação irregular. Há apenas quatro funcionários para fiscalizá-los – e um deles saiu de licença médica. Em Petrópolis, algo como 50% das casas foram levantadas em encostas muito inclinadas e com rala cobertura florestal. Ou então próximas a rios e córregos.
Não seria difícil identificar os autores do que o governador Sérgio Cabral batizou com acerto de “crônica de uma tragédia anunciada” – burocratas, fiscais, secretários de habitação, prefeitos. A propósito: por que Cabral não patrocina na Assembleia Legislativa uma comissão parlamentar de inquérito para passar tudo a limpo? A exposição pública dos desmandos e a nomeação dos responsáveis por eles poderiam ajudar a reduzir no futuro a emissão de licenças para construções destinadas a serem tragadas por chuva e lama. Mas desde já concordo: dificilmente serviriam para condenar alguém à cadeia ou a indenizar os desabrigados e as famílias dos mortos.
Fez 23 anos no último dia 31 de dezembro do naufrágio do Bateau Mouche na baía da Guanabara a caminho dos fogos de artifício de Copacabana. Das 153 pessoas a bordo, 55 se afogaram. Houve superlotação. Faltaram salva-vidas. A Capitania dos Portos deteve a embarcação pouco antes de ela partir. O peso era excessivo.
Liberou-a depois.
Ninguém foi punido. Ação movida pelo Ministério Público Federal resultou em 2002 na condenação a 18 anos e quatro meses de prisão de seis dos donos da embarcação. Sem efeito prático: a pena prescreveu para alguns deles. Outros fugiram. Parentes de um dos mortos receberam indenização. Foi a União que pagou.
Impune permanece o jornalista Pimenta Neves que assassinou há 10 anos com dois tiros pelas costas a ex-namorada Sandra Gomide. Depois de sete meses preso, foi levado a júri popular. Condenado em 2006 a 19 anos de cadeia, está solto desde então. Beneficia-se de sucessivos recursos impetrados por advogados.
Tudo bem que inexista um regime político perfeito. E que a democracia seja o menos imperfeito deles. Contudo, quanto mais capenga for a Justiça menos democracia existirá de fato. Democracia com Justiça de fancaria como a nossa é mera formalidade.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Extermínio institucionalizado?

Folha de S. Paulo, 23 janeiro 2011
Coluna de Elio Gaspari

ARAGUAIA O ministro Nelson Jobim pode ter prestado uma grande ajuda para a descoberta do que sucedeu a alguns desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. Ele pediu que se investigue se cinco deles estão vivos.
Quem não está vivo, morto está e, para provar isso, só uma investigação da Polícia Federal. Tome-se o caso de Aurea Elisa Valadão, ex-estudante de física da UFRJ.
Conhece-se um depoimento segundo o qual ela foi presa pelo mateiro Adalberto Virgulino: "O orocóptero baixou e levou ela". Cinco pessoas viram-na presa. Dois eram soldados. Tinha 24 anos.
É só puxar o fio da meada. Na outra ponta, estará o mecanismo do extermínio.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Justiça Militar para isto?


O Estado de S. Paulo 22 janeiro 2011.
Oficial do Exército suspeito de furto no Alemão, no Rio

Damaris Giuliana
Trinta militares da tropa de elite do Exército foram afastados das operações no Complexo do Alemão, zona norte do Rio, depois que soldados acusaram um tenente de roubar um aparelho de ar-condicionado na comunidade da Fazendinha.
De acordo com o Exército, a denúncia foi registrada há cerca de 15 dias e um processo investigatório foi imediatamente aberto. Segundo a denúncia, o comandante de um pelotão entrou em uma casa abandonada e “se apropriou do aparelho”.
Apesar de a denúncia envolver apenas um oficial, o Exército investiga a participação de todos os militares que estavam na patrulha. O processo deve ser concluído em aproximadamente dez dias. Se indiciado, o tenente será julgado pela Justiça Militar. No caso de condenação superior a dois anos de prisão,o oficial será automaticamente exonerado da corporação.
Para o Exército, esse “foi um caso isolado”, pois 2mil homens (total considera Forças Armadas e Polícias) ocupam o complexo há dois meses e meio. A instituição afirma ainda que “o fato de denúncia ter partido da própria tropa é uma prova da seriedade da operação”.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

"...quem assim procedeu não é PARLAMENTAR, é PARA LAMENTAR!!!"

Bispo recusa comenda e impõe constrangimento ao Senado Federal.



Assista o pronunciamento do Bispo no http://www.youtube.com/watch?v=ZNuFlHAWwxo

Num plenário esvaziado, apenas com alguns parlamentares, parentes e amigos do homenageado, o bispo cearense de Limoeiro do Norte, dom Manuel Edmilson Cruz impôs um espetacular constrangimento ao Senado Federal, ontem.
Dom Manuel chegou a receber a placa de referência da Comenda dos Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, das mãos do senador Inácio Arruda (PCdoB/CE).
Mas, ao discursar, ele recusou a homenagem  em protesto ao reajuste de 61,8% concedidos pelos próprios deputados e senadores aos seus salários.
“A comenda hoje outorgada não representa a pessoa do cearense maior que foi dom Hélder Câmara. Desfigura-a, porém. De seguro, sem ressentimentos e agindo por amor e com respeito a todos os senhores e senhoras, pelos quais oro todos os dias, só me resta uma atitude: recusá-la”.
O público aplaudiu a decisão.
O bispo destacou que a realidade da população mais carente, obrigada a enfrentar filas nos hospitais da rede pública, contrasta com a confortável situação salarial dos parlamentares.
E acrescentou que o aumento “é um atentado, uma afronta ao povo brasileiro, ao cidadão contribuinte para bem de todos com o suor de seu rosto e a dignidade de seu trabalho”.
  




quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Disfuncionalidade do sistema eleitoral


AINDA SOBRE AS VAGAS PARLAMENTARES
Maurício Costa Romão
De todas as distorções que contaminam o sistema eleitoral brasileiro as coligações proporcionais são, de longe, as mais danosas, visto que são episódicas, logicamente incoerentes, afetam a competição eleitoral e alteram a vontade do eleitor.
Por mais negativo que seja o conceito que se tem dessas alianças partidárias, uma coisa é indisputável: elas são permitidas e juridicamente disciplinadas pela legislação eleitoral.
Dento do escopo desse ordenamento jurídico, qual têm sido o procedimento histórico das Assembléias Legislativas (incluindo a Câmara Distrital), das Câmaras Municipais e da Câmara Federal para o preenchimento de vagas parlamentares oriundas de partidos coligados, nos casos de licença, renúncia, morte ou perda de mandato parlamentar?
O estrito cumprimento da legislação: as Mesas Diretoras respectivas obedecem à lista de suplentes enviada pela justiça eleitoral, confeccionada com base nas coligações, preenchendo-a segundo a colocação ordinal das votações recebidas.
Com efeito, seguindo essa praxe, nada menos que 154 suplentes de coligações foram convocados e empossados na Câmara Alta ao longo da legislatura que agora se encerra, sem que tivesse havido questionamento de precedência de vaga por qualquer partido componente dessas coligações.
Exceto, naturalmente, no tocante ao recente episódio em que a Mesa Diretora da Câmara Federal empossou o primeiro suplente da coligação Rondônia Mais Humana - em face de renúncia de deputado de agremiação componente, o PMDB - o que levou este partido a ingressar com Mandado de Segurança, com pedido de medida liminar, no STF, reivindicando a convocação do primeiro suplente de suas próprias hostes.
O STF, por 5 votos a 3, opinou pelo deferimento da liminar, causando a insegurança jurídica que ora permeia o chamamento de suplentes em todos os Parlamentos do país: algumas dessas Casas fazem-no consoante o ritual histórico, obedecendo a listagem expedida pela justiça eleitoral, e outras, preferem lastrear-se na recente decisão exarada por aquela corte máxima. Os suplentes da vez, preteridos num e noutro caso, intentam reclamações jurídicas tão logo se oficializem as convocações.
Como a decisão do STF foi preliminar, adstrita às partes do processo, há que se aguardar o entendimento definitivo do órgão, possivelmente com eficácia para todos e efeito vinculante.
Neste ínterim, assombram aos simples observadores dessa contenda alguns fatos práticos que estão sendo totalmente desconsiderados na discussão em tela.
Para assunção ao Parlamento, os partidos ou coligações têm que ter votação suficiente para ultrapassar o quociente eleitoral, o que lhes permitem eleger tantos parlamentares quantas vezes os seus quocientes partidários facultarem.
O quociente partidário de uma coligação é determinado pelo somatório de votos nominais e de legenda dos partidos componentes, dividido pelo quociente eleitoral. Enfatize-se que tal quociente partidário é o da coligação, não o das agremiações componentes. É esse quociente que fixa quantas vagas cabem à coligação. A distribuição das vagas por essas agremiações componentes vai ser feita a posteriori, em função dos candidatos mais votados da coligação.
Ora, então a coligação vale para determinar o quociente partidário, através do qual os candidatos mais votados são eleitos, mas não serve para conferir sequer o direito à suplência aos partidos componentes?
Veja-se, à guisa de ilustração do argumento, o caso do PP nesta última eleição para deputado estadual em Pernambuco. O partido teve 100.123 votos, o suficiente para eleger um deputado, caso disputasse o pleito isoladamente, já que o quociente eleitoral foi de 91.824 votos.
O partido, todavia, optou por compor a coligação Frente Popular de Pernambuco (FPP), que elegeu nada menos que 33 deputados, nenhum do PP, embora a sigla tenha colaborado com 100.123 votos para a formação do quociente partidário que permitiu a eleição dos 33 parlamentares da coligação! Tudo bem, foi uma decisão estratégica-eleitoral de a sigla coligar-se, referendada em Convenção Partidária.
Acontece que na listagem da justiça eleitoral enviada à ALEPE o segundo suplente mais votado da referida coligação é do PP. Como o Governador Eduardo Campos chamou 4 deputados para compor seu secretariado, uma das vagas licenciadas deveria ser ocupada por esse segundo suplente mais votado.
Contudo, caso a decisão precária do STF passe a ter eficácia erga omnes (o que, a nosso entendimento, suscitaria a convocação de novas eleições), o PP não fará jus à vaga, a qual caberá a suplente de outro partido da mesma coligação. Ou seja, os votos do PP serviriam apenas para formação do quociente partidário da coligação, mas não confeririam ao partido o direito sequer à suplência.
Mais do que um contra-senso, um escárnio com os partidos e com os eleitores.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

já não mais se faz deputado comunista como antigamente...


Senhor das 7 casas

Conheça o gênio imobiliário de Protógenes Queiroz

O delegado afastado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz, que no próximo dia 1º de fevereiro inicia carreira como deputado federal em Brasília, revelou em seus 50 anos de vida um talento extraordinário para acumular riqueza. Em 10 anos de carreira como delegado da Polícia Federal, onde fez jus a um salário médio de R$ 14 mil, como ele mesmo revelou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o delegado acumulou um patrimônio que, segundo ele próprio declarou ao Tribunal Superior Eleitoral, inclui nada menos do que sete imóveis. Embora a relação de bens declarados ao TSE some apenas R$ 834 mil, somente um dos imóveis constantes da lista — uma casa no Mirante de Camboinhas, em Niterói — segundo especialistas do setor imobiliário vale mais de R$ 1 milhão.
A declaração de bens do candidato-delegado que agora assume como deputado é um atestado de sua habilidade no mundo dos negócios. Ali fica-se sabendo que Protógenes Queiroz guarda em casa R$ 284 mil em dinheiro e que tem pouco mais de R$ 10 mil numa conta na Suíça. Entre os sete imóveis que admite ser dono, três deles foram doados pela mesma pessoa, o delegado aposentado José Zelman. Outros dois, que ele usa como residência própria, não foram declarados ao TSE. Protógenes informa também as datas de aquisição de todos os seus bens, menos daqueles adquiridos enquanto ocupava o cargo de delegado da Polícia Federal.
Disponível no site do TSE, a declaração relaciona sete imóveis, ações, consórcio, plano de previdência privada, dinheiro em espécie e uma conta "de cartão de crédito" em Lugano, na Suíça, totalizando um patrimônio de R$ 834.469,85.
O primeiro item da declaração é uma casa e terreno nos lotes 6 e 7, localizados no Mirante de Camboinhas, Niterói (RJ), área de mansões da cidade fluminense. Protógenes atribuiu ao imóvel valor de R$ 200 mil e informou que foi adquirido por ele em 19 de junho de 1993. De acordo com Certidão de Registro de Imóveis obtida no dia 15 de outubro de 2010 no 16º Cartório de Niterói, não houve nenhuma transação relativa ao imóvel em 1993. A mais recente foi em 28 de setembro de 1998, quando o local foi adquirido por Andréa de Magalhães Vieira de Stephane Wislin e Henry Bouchardet Fellows. Na mesma certidão, verifica-se que o lote 8 foi anexado aos lotes 6 e 7, informação omitida por Protógenes ao TSE. O terreno ocupa uma área de 1.115 metros quadrados. Imóveis com menor metragem no Mirante de Camboinhas são negociados com valores acima de R$ 1 milhão, cinco vezes o valor declarado pelo então candidato.
O quinto item da declaração é um apartamento no Jardim Botânico, na Zona Sul do Rio de Janeiro, no valor de R$ 100 mil, adquirido em 20 de setembro de 1993, três meses e um dia após a compra da casa de Niterói. Não é informado o tamanho, ou outras especificações do imóvel, mas o proprietário, mais uma vez, se revela modesto ao fixar o preço de seu bem. Uma quitinete de 28 metros quadrados no mesmo bairro era anunciada pela internet, nesta semana, ao preço de R$ 390 mil.
O item seguinte da declaração é um apartamento na Asa Norte de Brasília, avaliado em R$ 76 mil. O delegado diz que ele está situado no apartamento 504 do bloco J na SQN 116 e informa que foi adquirido de Jorge Peles Sobrinho e outros. Na verdade, o apartamento que Protógenes diz ser dono está na SQS, e não na SQN. A troca de letras implica uma alteração de valores. Os imóveis da Asa Sul são mais valorizados do que os da Asa Norte. Não é só. De acordo com certidão do 1º Ofício de Registro de Imóveis do Distrito Federal, datada de 2 de setembro de 2010, Jorge Peles Sobrinho adquiriu o imóvel em 4 de dezembro de 2003 e, depois disso, não consta nenhuma outra movimentação no registro. Para termo de comparação, uma simples quitinete na Asa Norte do Plano Piloto custa cerca de R$ 110 mil.
O padrinho
Três imóveis que integram o patrimônio do delegado-deputado foram presentes que Protógenes Queiroz ganhou de seu "padrinho", o delegado aposentado da Polícia Civil do Rio de Janeiro José Zelman. O hoje deputado ainda era delegado quando Zelman comprou e doou os imóveis a ele. As doações foram feitas no dia 10 de março de 2006, de acordo com as Certidões de Registro dos imóveis, apesar de a data não constar da declaração à Justiça Eleitoral.

Um deles é o apartamento no Guarujá, localizado na estrada Alexandre Migues Rodrigues. Os outros são um flat e uma vaga na garagem do Edifício Foz Residence Service, em Foz do Iguaçu (PR). O flat e a vaga foram adquiridos por Zelman por R$ 15.500, segundo Certidão de Registros de Imóveis do dia 26 de agosto de 2010. Na declaração, os bens doados aparecem com o valor de R$ 8.767,58. Protógenes foi delegado e morou em Foz do Iguaçu de 2000 a 2002.
De acordo com informações da Companhia Habitacional do Paraná (Cohapar), o valor de mercado de uma casa popular de 40 metros quadrados construída por meio dos projetos da empresa é de R$ 31.614,70. O apartamento do Guarujá, adquirido por Zelman dois meses antes da aquisição do flat de Foz, e avaliado por seu dono em R$ 54.082,32, não é o mesmo em que ele costuma se hospedar no litoral paulista e que não foi declarado.
Bens não declarados
Em julho de 2010, ao investigar Protógenes pelas irregularidades cometidas na Operação Satiagraha, a Polícia Federal vasculhou cinco endereços do ex-delegado: um apartamento no Jardim Botânico, no Rio; um em Brasília; um no Shelton Hotel, em São Paulo; um na Praia das Astúrias, no Guarujá; e outro no Meyer, também no Rio. Os últimos dois imóveis não foram declarados à Justiça eleitoral.

O imóvel do Guarujá está localizado em um dos bairros mais nobres da cidade. Trata-se de um prédio luxuoso, com um apartamento por andar, quatro suítes por unidade, todas com vista para o mar, sala com três ambientes, 251 metros quadrados de área privada e 378 metros quadrados de área total. De acordo com pesquisa feita nas imobiliárias Stand Imóveis e Oceano Imóveis, apartamentos à venda no mesmo condomínio custam acima de R$ 1 milhão. As despesas mensais com IPTU e condomínio passam de R$ 2 mil. A Certidão de Registro de Imóvel, retirada do Registro de Imóveis do Guarujá no dia 14 de setembro de 2010, aponta que o apartamento está no nome da construtora EM Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Os veículos Hyundai Santafé — avaliado em R$ 100 mil — e Chevrolet Blazer, utilizados por Protógenes quando, diz ele, foi vítima de atentados, também não foram declarados ao TRE. Em agosto de 2010, seu assessor Yuri Felix confirmou ao site Conversa Afiada, do apresentador de televisão Paulo Henrique Amorim, que Protógenes tivera seu Santafé atingido por um objeto jogado de outro automóvel. Segundo o assessor, o delegado afirmou tratar-se de atentado contra a sua integridade física, na tentativa de assassinato ou de intimidação.
Em outro caso, no dia 17 de janeiro de 2009, o radiador da Blazer que ele conduzia estourou quando o delegado afastado se dirigia do Jardim Botânico a Niterói. Segundo a própria vítima, a explosão resultou em queimaduras de primeiro grau nos pés e lesões pelo corpo. Seu advogado garante que Protógenes não tem carro próprio: "Ele usa carros emprestados e locados", diz Adib Abdouni.
Dinheiro em espécie
É conhecida a ojeriza que Protógenes tenta projetar em relação a banqueiros, pelo menos a um em particular, o dono do Opportunity, Daniel Dantas. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Protógenes deu a entender que a aversão ao mercado financeiro é genérica. Ele afirmou ao jornal que "não tem coragem de deixar seu dinheiro em banco" e, por isso, guarda R$ 284 mil em dinheiro vivo em casa "por segurança". "A máfia, as organizações criminosas, tentam clonar cheques. Faço isso [deixar dinheiro em casa] desde 2000. O salário entra, eu retiro e deixo em casa. Sob o ponto de vista legal, não tem problema", afirmou ao jornal. Do ponto de vista financeiro, o dono do dinheiro deixa de ganhar R$ 1.700 por mês, caso aplicasse esse valor na caderneta de poupança. Os maços de dinheiro que Protógenes guarda em casa representam 34% do patrimônio total declarado ao TSE.

O deputado tem isso em comum com outros políticos como a presidente Dilma Rousseff (PT), que declarou ter R$ 113 mil em espécie, e de Orestes Quércia, morto em dezembro último, que, ao registrar sua candidatura ao Senado nas últimas eleições, declarou guardar R$ 1,28 milhão em casa.
Dinheiro na Suíça
Perseguidor implacável de crimes financeiros como a evasão de dinheiro, o delegado afastado da Polícia Federal tem uma conta na Suíça, que à época do registro de sua candidatura tinha saldo de R$ 11.912,96. O advogado de Protógenes, Adib Abdouni, explica que a conta foi aberta pela Fifa para reembolso de despesas de passagens e alimentação. Em Lugano, não há qualquer escritório da Fifa e os maiores bancos suíços estão em Genebra e em Zurique. Abdouni não respondeu por que reembolsar na Suíça as compras de passagens feitas no Brasil.

Protógenes passou a viajar com frequência à sede da Fifa, em Zurique, desde que, por indicação da Confederação Brasileira de Futebol, tornou-se membro da Comissão de Segurança nos Estádios da gerente-geral do futebol mundial.
A reportagem da revista Consultor Jurídico telefonou para Protógenes, mas o deputado não atendeu o telefone para comentar o caso. Segundo informações de sua secretária, ele passa férias com a família em Salvador.
Seu advogado, Adib Abdouni, afirmou que todos os bens que o ex-delegado possui foram declarados à Justiça Eleitoral. No caso dos imóveis, o que pode ter acontecido é de as escrituras não terem sido passadas para seu nome no momento em que a declaração foi entregue.
Desde 2002, o TSE impôs a obrigatoriedade da apresentação da relação de bens do candidato para obter o registro da candidatura. A partir de 2010, a Justiça passou a aceitar a relação de bens constantes da Declaração do Imposto de Renda entregue anualmente à Receita Federal. Também é permitido ao candidato fazer uma declaração genérica dos bens, sem grandes detalhamentos, apenas informando o tipo de bem e o valor, por meio do programa Candex. Segundo o TSE, a intenção da medida é dar mais transparência sobre a vida pregressa do candidato.
A fiscalização dos valores declarados pelos candidatos é feita pelo Ministério Público Eleitoral. Também há o cruzamento de dados entre as informações fornecidas pelos candidatos ao Tribunal Regional Eleitoral e à Receita Federal. Apesar das boas intenções da Justiça Eleitoral, as declarações apresentadas costumam ser verdadeiras obras de ficção econômica.
Em entrevista a Folha, durante a campanha eleitoral, o delegado afirmou que tem "patrimônio de quem trabalha honestamente". Afirmou também que, como delegado da PF, fazia jus a um salário de R$ 14 mil, remuneração que diz ter recebido por dez anos.
Protógenes ingressou na Polícia Federal em 1998. Em 2008 foi afastado administrativamente de suas funções na PF, em razão de irregularidades cometidas durante a Operação Satiagraha, investigação de supostos crimes financeiros cometidos pelo banqueiro Daniel Dantas, que ele conduziu. No ano passado, Protógenes foi condenado pela Justiça Federal a três anos e quatro meses de prisão pelos crimes de violação de sigilo funcional e fraude processual. A pena privativa de liberdade foi substituída por restrição de direitos.
A condenação e os deslizes cometidos durante a investigação sobre suposto esquema de evasão de divisas e lavagem de dinheiro envolvendo Daniel Dantas não impediu sua eleição à Câmara dos Deputados, pelo PCdoB. Protógenes elegeu-se deputado federal com 94.906 votos — que somados às sobras da estrondosa votação de seu colega de coligação Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca (PR-SP), garantiram-lhe o quociente eleitoral dos eleitos. Em sua campanha, Protógenes usou como trunfo a prisão do banqueiro e ações contra políticos. Entre eles, o ex-prefeito Paulo Maluf (PP), preso por ele em 2005.
Veja a relação de bens declarados por Protógenes ao TSE:
  • Casa e terreno, lotes 6 e 7, Rua 143, Quadra 297, Mirante de Camboinhas, Niterói. Adquirido em 19 de junho de 1993 — R$ 200 mil
  • Casa no lote 24, Quadra 90, Rua Macaé Trindade, São Gonçalo, Niterói. Adquirida em 20 de maio de 1965 — R$ 50 mil
  • Ações ordinárias 5.191 e 13.522, preferenciais da Telebrás — R$ 1.350
  • Dinheiro em espécie — R$ 284 mil
  • Apartamento XXX, rua Jardim Botânico, XXX. Adquirido em 20 de setembro de 1993 — R$ 100 mil
  • Apartamento XXX, SQN 116, Bloco J. Adquirido de Jorge Peles Sobrinho e outros — R$ 76.045
  • Apartamento XX e vaga de garagem 18, situado na Estrada Alexandre Migues Rodrigues, XXX, Guarujá. Adquirido através de doação de José Zelman — R$ 54.082,32
  • Apartamento XX do edifício Foz Residence Service, em Foz de Iguaçu. Adquirido através de doação de José Zelman — R$ 8.767,58
  • Vaga de garagem 4 localizada no sub-solo do Edifício Foz Residence Service. Adquirida através de doação de José Zelman — R$ 2.325,03
  • Caixa Consórcios S/A Administradora de Consórcios – Constribuições efetuadas até 31 de dezembro de 2007 — R$ 11.912,96
  • Comecard Corner Bank LTD – Agência Lugano. Conta aberta pela FIFA em setembro de 2008 para reembolso de despesas com passagens aéreas e alimentação — R$ 11.912,96
  • Saldo VGBL – Vida Gerador de Benefício Livre — R$ 34.074
Total: R$ 834.469,85

Manda quem pode obedece quem tem preguiça

Folha de S. Paulo 19 janeiro 2011.

Ministros do TCU têm "fim de semana" de cinco dias

Viajando com dinheiro público, autoridades esticaram folgas em seus Estados


OAB considera irregular a cota de passagens aéreas e diz que irá pedir sua revogação pelo tribunal de contas

RUBENS VALENTE
MÁRCIO FALCÃO
DE BRASÍLIA

Ministros e procuradores do TCU (Tribunal de Contas da União) usam dinheiro público para esticar os finais de semana quando viajam, na maior parte das vezes, a seus Estados de origem.
As datas das passagens emitidas pela corte em 2010 indicam que, em 38 viagens, autoridades do primeiro escalão esticaram fins de semana e feriados para períodos de 5 dias ou mais.
Destas viagens, 35 foram para os Estados natais.
A rotina do TCU inclui uma sessão plenária, que reúne todos os ministros, às quartas em Brasília. Na terça, há reuniões dos ministros divididos em duas turmas. O restante da semana, em tese, é dedicada principalmente à análise dos processos.
Ao contrário de parlamentares, que esticam os fins de semana alegando a necessidade de contato com os seus eleitores, os ministros e procuradores do TCU não são escolhidos pelo voto, e sim nomeados pelo Executivo.
A Folha revelou ontem que o TCU editou, em 2009, uma resolução interna que estabelece cota anual de passagens que varia de R$ 14 mil a R$ 43 mil para 20 autoridades (ministros, ministros-substitutos, subprocuradores e procuradores junto ao TCU). Para usar a cota, basta uma requisição do gabinete.
Segundo o tribunal, o objetivo é a "representação do cargo", a suposta participação em congressos e eventos.
Na prática, as cotas têm sido utilizadas para viagens aos Estados de origem ou onde as autoridades possuem endereço residencial.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) considerou a resolução ilegal e afirma que vai pedir sua revogação.
Os registros das passagens mostram que era comum para 11 das 13 autoridades que usaram a cota saírem de Brasília na quarta ou quinta e só retornarem na terça.
O ministro Valmir Campelo, por exemplo, passou por duas vezes 12 dias em seu Estado, o Ceará, segundo os registros de suas passagens.
O TCU reiterou o que dissera à Folha anteontem. Segundo a corte, a resolução é legal e seu uso é controlado. A assessoria disse ainda que haveria apenas uma resposta institucional, e que os ministros não se manifestariam.
Segundo o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, o TCU não tem poderes para editar uma resolução que impacte os cofres públicos: "Isso depende de lei. Só o Legislativo poderia fazê-lo."

Fiscaliza mas não é fiscalizado

Folha de S. Paulo 19 janeiro 2011.

Órgão segue ritual do Judiciário, mas é auxiliar do Legislativo

Tivesse o TCU sido eficiente fiscal do dinheiro público nos últimos anos, a CGU possivelmente não teria identificado tantos desvios

FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO

Os ministros do Tribunal de Contas da União usam toga, repetem rituais da magistratura, mas o órgão não tem nada a ver com o Poder Judiciário. É apenas um auxiliar do Poder Legislativo.
Os procuradores que atuam no TCU são servidores de carreira, concursados, mas o Ministério Público do órgão nada tem a ver com o Ministério Público da União.
Seus ministros não são subordinados ao Conselho Nacional de Justiça. Seus procuradores não são fiscalizados pelo Conselho Nacional do Ministério Público.
Pode-se dizer que o tribunal de contas não é fiscalizado rigorosamente por nenhuma instituição externa.
O Congresso Nacional, que fornece quadros para a composição do tribunal, aparentemente não tem vontade política e renuncia às tarefas de fiscalizar e avaliar as contas do órgão.
Os ministros do TCU são indicados por critérios políticos ao sabor de interesses do Legislativo e do Executivo. O cargo costuma ser um prêmio para ex-parlamentares.
O atual procurador-geral no TCU está há quase 12 anos no cargo e postula um sexto mandato. Os procuradores podem ser indicados pelo plenário, em lista tríplice, para o cargo de ministro, nomeação que cabe ao presidente da República.
O tribunal reproduz práticas do Judiciário. Seus ministros também têm direito a 60 dias de férias, veículos com motorista e vencimentos equiparados aos dos membros do Superior Tribunal de Justiça.
O TCU não é órgão do Judiciário, mas seus membros são regidos pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
O tribunal também distribui medalhas e colares. É comum as sessões serem abertas com longos discursos sobre datas comemorativas e elogios a vivos e mortos.
O órgão conta com quadro de auditores competentes. Atribui-se à politização do plenário o fato de muitas punições sugeridas pelos órgãos técnicos serem abrandadas, transformadas em simples recomendações.
Essas circunstâncias talvez expliquem por que o "superior tribunal da administração pública" é incapaz de coibir com rigor a corrupção e de punir os desperdícios de recursos repassados a Estados e municípios.
Tivesse o TCU sido eficiente fiscal do dinheiro público nos últimos anos, a Controladoria-Geral da União possivelmente não teria identificado tantos casos de desvios milionários de recursos federais em convênios com prefeituras de todo o país.

Brasil formal vs Brasil Real

O Globo 19 janeiro 2011.

Defesa Civil existe apenas no nome



Há incontáveis exemplos, em países desenvolvidos, de como deve funcionar um efetivo sistema de defesa civil. O caso mais recente é o da Austrália, atingida por uma enchente gigantesca, numa área equivalente à soma dos territórios de França e Alemanha. Mesmo assim, foram contabilizados menos de 30 mortos. Acionada, a estrutura de emergência do país agiu na prevenção, a partir de um planejamento preexistente e bem-feito.
Quando, no Brasil, a contagem dos mortos da Região Serrana do Rio já chegava a dez vezes as vítimas na Austrália, reportagem do "Jornal Nacional" trouxe o depoimento de um brasileiro morador naquele país, numa cidade no caminho da enchente. Ele recebeu pelo correio o aviso sobre a cheia, com as devidas instruções do que fazer. Há, também, falhas. Mas não pela inexistência de uma estrutura de defesa civil. O fiasco da Fema americana (Federal Emergency Management Agency), no furacão Katrina, em 2005, em Nova Orleans, se deveu, soube-se depois, ao fato de a agência ter sido aparelhada por amigos e aliados do presidente Bush, um tipo de distorção que costuma acontecer em Brasília.
Na grande nevasca que há pouco paralisou Nova York, o prefeito Michael Bloomberg foi criticado, com razão, por não ter decretado a tempo o estado de emergência. Teria ajudado a esvaziar as ruas para permitir o trânsito dos veículos de serviços básicos. Teria ocorrido, também, uma "operação tartaruga" de servidores desgostosos com os cortes executados pela prefeitura, em fase de ajuste fiscal. Mas, numa nevasca seguinte, mesmo sem a intensidade da anterior, Bloomberg apressou-se a colocar Nova York em emergência. Não houve erros.
No Brasil, como demonstra a tragédia da serra, quase tudo está por fazer. Se há a informação sobre alguma tempestade - o novo radar meteorológico do Rio detectou a que se abateria sobre a Região Serrana -, ela não é distribuída. E se for divulgada - organismos federais despacharam e-mails -, nada acontece, porque no destinatário final, as prefeituras, não existe quem possa processá-la e tomar decisões. Planejamento, nem pensar. Não há no Brasil, a rigor, Defesa Civil. Existem bons exemplos isolados, como o do Rio, que desde as enchentes da década de 60 começou a construir uma defesa civil de fato. Agora, ela está em fase de modernização com, entre outras iniciativas, a bem-vinda construção, na Cidade Nova, do Centro de Operações, de nível de Primeiro Mundo. Nele, todos os serviços básicos podem ser acionados em tempo real, com monitoramento on-line da cidade.
Mas não existe uma rede nacional em que se obtenha, processe e faça circular entre estados e municípios informações básicas para as autoridades, em qualquer nível administrativo, agirem a fim de evitar mortos e feridos. O ministro Aloizio Mercadante, da Ciência e Tecnologia, diante da constatação de que 5 milhões vivem em áreas de risco, anuncia a montagem, afinal, de um sistema nacional de prevenção contra acidentes climáticos. O Planalto poderia, ainda, envolver o recém-criado Núcleo de Gestão e Competitividade no projeto, pois, se não houver agilidade e articulação neste sistema, nada feito.
O número e a dedicação dos voluntários que atuam na atual tragédia são prova da imensa energia que existe na população para agir em situações de perigo. Falta a crucial coordenação do poder público. Até hoje, inexistente.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Para Napoleão o número máximo de pessoas a serem comandadas diretamente é sete

Folha de S. Paulo 18 janeiro 2011, editorial

Cargos e mais cargos

Estudo realizado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostra que o Poder Executivo brasileiro dispõe de número exagerado de cargos de livre nomeação em comparação com outros países. São 22 mil, cerca do dobro dos existentes nos Estados Unidos. Para essas vagas não há critérios transparentes de escolha, tampouco descrição de funções e avaliação dos nomeados.
O quadro é em tudo propício à indicação de apaniguados de políticos e governantes. E é esse, afinal, o papel que se reserva à maior parte desses postos especiais remunerados pelo contribuinte.
O relatório descreve, com propriedade, uma péssima característica da máquina governamental do país: "É difícil para o público brasileiro saber onde termina a atividade política e onde começa a administração profissional".
Para agravar a situação, foi aprovada nos últimos dias do governo de Luiz Inácio Lula da Silva uma lei que aumenta a oferta de cargos em conselhos de administração de empresas estatais.
Ministros e funcionários encontram nesses órgãos, em geral ornamentais, uma oportunidade para engordar seus vencimentos. Levantamento da Folha mostrou que as despesas com o pagamento de conselheiros (são cerca de 240 em 40 empresas) chegam a R$ 9 milhões por ano -valor que não inclui desembolso com passagens e hospedagens.
Agora, graças à nova lei, serão criadas vagas para representantes de funcionários. Com um detalhe: se o acionista majoritário (em geral a União) perder a maioria, devido à entrada do novo membro, poderá aumentar os assentos para restituir a relação favorável.
Situações como essas só servem para reforçar o ceticismo quanto à capacidade do novo governo de conter o preocupante processo de aparelhamento do Estado, uma das heranças ruinosas do lulismo.

Para que serve a Secretaria Nacional da Defesa Civil?


O Globo 18 janeiro 2011
Governantes despreparados e omissos
Gil Castelo Branco
O primeiro homem público que demonstrou preocupação com os fatores climáticos foi D. Pedro II, quando prometeu: "Venderei até o último brilhante da minha coroa para acabar com a seca no Nordeste." A coroa intacta, com todos os brilhantes, está exposta no Museu Imperial de Petrópolis, e milhares de nordestinos, ao longo de 150 anos, foram sepultados em seus estados.
Desde o Império, portanto, a natureza anda de mãos dadas com a falta de planejamento e a debilidade do Estado, nas esferas municipal, estadual e federal. Na raiz do problema está a questão habitacional. Por muitos anos, o financiamento da casa própria atendeu somente às classes mais favorecidas. Em função da inflação e dos juros elevados, a correção das prestações superava os reajustes salariais, inviabilizando as operações, notadamente para as famílias de baixa renda. Desta forma, surgiram as ocupações precárias e as invasões, sob a vista grossa dos governantes.
Diante do caos consumado, as tragédias apresentam aviso prévio. No calendário nacional já estão fixadas entre o Natal e o carnaval. Os estados e as cidades onde os eventos historicamente acontecem são conhecidos - e até as áreas de riscos iminentes -, mas o poder público é omisso em relação à atuação preventiva.
De 2000 a 2010, o Ministério da Integração Nacional - onde está alocada a Secretaria Nacional da Defesa Civil - aplicou R$6,3 bilhões na "resposta aos desastres e reconstrução", e apenas R$542 milhões na "prevenção e preparação para desastres". No ano passado, por exemplo, foram gastos 13 vezes mais após as catástrofes do que em medidas que poderiam minimizar os seus efeitos. Além disso, nos últimos 11 anos, de cada R$5,00 do orçamento da União para evitar calamidades naturais, somente R$1,15 foi efetivamente investido.
Em 2010, para acentuar o rol de absurdos, dos R$167,5 milhões aplicados em prevenção, 50,5% foram utilizados na Bahia, terra natal do então ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, candidato derrotado nas últimas eleições para governador. O Tribunal de Contas da União (TCU) questionou a distribuição de recursos e recebeu a informação de que a Bahia havia apresentado maior quantidade de projetos. Mas será que projetos dessa natureza são como o acarajé, que os baianos fazem como ninguém?
Já o Ministério das Cidades desenvolve o programa de "urbanização, regularização e integração de assentamentos precários", com ação destinada a financiar o mapeamento municipal das áreas de risco. No entanto, além do pequeno valor aplicado nessa iniciativa específica, o TCU constatou a falta de diálogo com o Ministério da Integração, que promove a transferência de recursos para projetos de prevenção a desastres.
A Secretaria Nacional da Defesa Civil, por sua vez, não possui articulação com os órgãos semelhantes nos estados e municípios. Embora "no papel" existam representações da defesa civil em 77% das cidades brasileiras, não chegam a 10% as comissões/coordenadorias municipais estruturadas e atuantes. Na maioria delas, os responsáveis são pessoas despreparadas que acumulam o cargo com alguma outra função na prefeitura.
Na verdade, a Defesa Civil, criada na Segunda Guerra Mundial, ainda não encontrou a sua identidade. Não há sequer padrão. Em alguns estados está vinculada à Casa Militar do governador, em outros ao Corpo de Bombeiros. Também é possível encontrá-la subordinada a secretarias da área social. A coordenação é exercida tanto por civis como por militares.
Diante da precariedade do sistema de defesa civil, o recém-designado secretário nacional de Defesa Civil, Humberto Viana, está correto ao considerar essencial a criação de espaço próprio e adequado para o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad). O órgão funciona atualmente em condições precárias, em três salas do ministério, sem um meteorologista, sequer.
Com perfil mais técnico do que político, é de se esperar que a presidente Dilma fortaleça as ações da Defesa Civil, especialmente as de prevenção, aprimorando a gestão e ampliando os valores aplicados, mesmo que, para isso, seja necessário vender os brilhantes da coroa de D. Pedro II.
GIL CASTELO BRANCO é economista e dirigente da organização não-governamental Contas Abertas

Se o Brasil realmente necessita de caças novos por qual motivo a compra dos mesmos vem sendo postergada desde o governo FHC?


JC 18 jan 2001, Claudio Humberto

Dilma desautoriza Jobim


A decisão da presidente Dilma de rever critérios para escolha do fornecedor de caças da FAB significa que o ministro Nelson Jobim (Defesa) foi oficialmente desautorizado. Ele avançou nos entendimentos com a francesa Dassault para que o Brasil pagasse R$ 20 bilhões pelos Rafale. O acordo foi anunciado em 2008 por Lula, que depois recuou, e chegou a ser festejado por Nicolas Sarkozy. Dilma vai reavaliar as ofertas finalistas para buscar novas garantias e questões sensíveis, como transferência de tecnologia. Esta coluna revelou dia 7 que Dilma havia decidido rever os critérios para a compra. A informação só ontem foi confirmada. Jobim levou a Dilma o pacote fechado para a compra dos Rafale, tentando estabelecer o fato consumado. Ela não gostou. Dilma pediu relatórios e parecer sobre a compra dos caças ao ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento Industrial). Neste, ela confia.

» O Haiti é aqui
Os R$ 100 milhões já garantidos pelo governo Dilma às vítimas do Rio representam 40% do que foi doado pelo Brasil ao Haiti. 

» Autoajuda
Beira o sadismo a liberação, todo ano, do FGTS das vítimas de tragédias. Dinheiro do trabalhador, maior prejudicado pela incúria.


segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Verdade(s)

Folha de S. Paulo 17 janeiro 2011.

Algozes da verdade


Paulo Sérgio Pinheiro:

A Comissão da Verdade, projeto de lei integralmente aprovado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, não tem mandato persecutório

O passado não está nunca morto. Nem passado é ainda. No Brasil, em toda a República, se sucedem ciclos de violência política, com casos de assassinatos e tortura, sobre os quais paira o esquecimento, sem a luz da verdade. Especialmente nas transições políticas de regimes autoritários para a democracia, tudo se procura apagar e esquecer.
Assim foi na transição do Estado Novo (1937-1945) para o regime constitucional de 1946. Sobre sequestros, tortura por agentes públicos, justiça de exceção, condenações sem defesa, nada foi feito até hoje em termos de resgate da memória ou de reparação das vítimas.
Diante desses horrores cumpre esquecer, assim propõem o ditador Getulio Vargas, que anistia todos os seus sequazes que cometeram aqueles crimes, e o líder comunista Prestes, que declara: "A anistia é o esquecimento, e eu, da minha parte, estou disposto a esquecer".
Destoando dessa celebração do esquecimento, no início da Assembleia Nacional Constituinte de 1946, o deputado Euclydes Figueiredo (pai do general-presidente João Batista Figueiredo) requereu a criação de uma comissão de inquérito que examinasse os crimes do Estado Novo.
Também pediu investigações no Departamento Federal de Segurança Pública, "no sentido de conhecer e denunciar à nação o tratamento dado aos prisioneiros políticos", afirmando que "a matéria não é daquelas que podem ser esquecidas.
Trata-se de fazer justiça, descobrir e apontar os responsáveis por crimes inomináveis, praticados com a responsabilidade do governo; e, mais que isso, defender nossos foros de povo civilizado".
Em 7 de maio de 1946, foi criada aquela comissão para examinar o período de 1934 a 1945, que poderia ter sido a primeira "comissão da verdade" no continente. Mas a falta de quorum fez com que a comissão encerrasse suas atividades sem conclusões.
Na transição do regime militar para a Nova República, em 1985, reaviva-se a mesma cantilena do esquecimento pregado para os "dois lados", visando particularmente livrar o aparelho de Estado envolvido em sequestros, desaparecimentos, tortura e mortes.
Mas, ao contrário do que ocorreu em 1946, houve o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelos crimes da ditadura, pela lei nº 9.140 de 1995, no governo FHC, que estabeleceu uma comissão que concedeu reparação aos desaparecidos políticos, por meio de indenização aos familiares.
A proposta de Comissão da Verdade encaminhada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso conclui o círculo virtuoso iniciado com a lei nº 9.140, pois visa o esclarecimento circunstanciado e histórico daquelas práticas arbitrárias cometidas sob responsabilidade do Estado na ditadura militar, situando-as no contexto mais amplo de luta política do período.
A Comissão Nacional da Verdade, projeto de lei integralmente aprovado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, não tem caráter revanchista nem mandato judicial ou persecutório, sendo falso afirmar, como tem sido alegado, que haverá réus sendo julgados.
O projeto acolhe o melhor da experiência de 40 comissões da verdade no mundo, como a composição transparente e pluralista dos membros, nomeados pela presidente da República, Dilma Rousseff, com plena legitimidade. Como ocorreu na Argentina, na Bolívia, no Chile e e no Peru, sem participação das partes em causa, vítimas ou agentes do Estado.
Quanto mais cedo o Congresso discutir e aprovar a Comissão da Verdade, melhores condições teremos de consolidar o passado em passado de verdade.
PAULO SÉRGIO PINHEIRO, 67, é pesquisador associado do Núcleo de Estudos da Violência (NEV/ USP). Foi secretário de Estado de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso.

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domingo, 16 de janeiro de 2011

Rápida mudança de rota

O Estado de S. Paulo 16 janeiro 2011.


Nova ministra tira anos de chumbo do primeiro plano


Maria do Rosário quer priorizar direitos de crianças e adolescentes sob tutela do Estado e evitar debate sobre punição a torturadores
Roldão Arruda
A política da Secretaria de Direitos Humanos deverá mudar de rumo no governo de Dilma Rousseff. A nova ministra, a deputada gaúcha Maria do Rosário (PT), não seguirá a trilha de seus antecessores petistas, Nilmário Miranda e Paulo Vannuchi, que puseram em primeiro plano a política de apuração de violações de direitos humanos ocorridos na ditadura. A prioridade agora serão os direitos das crianças e dos adolescentes.
Uma das primeiras ações do ministério será avaliar se o Estado brasileiro respeita os direitos das crianças que mantém sob sua tutela em abrigos públicos. De acordo com números oficiais, existem no País 2.400 abrigos desse tipo, destinados a crianças sem família, abandonadas, retiradas do meio familiar por ordem judicial porque sofriam algum tipo de violência ou porque não eram bem tratadas, vítimas de abuso sexual, dependência de drogas. No total são 54 mil abrigados.
O que chama a atenção da ministra é que, embora exista uma fila de 28.988 famílias querendo adotar os moradores desses abrigos, apenas 5.369 estão aptos para a adoção. O que acontece com os outros? Seriam vítimas de uma política de Estado que está preparada para abrigar as crianças, mas não se preocupa em desabrigá-las.
Muitas, segundo Maria do Rosário, foram recolhidas por causa de uma dificuldade temporária da família natural e acabaram esquecidas nos abrigos. Tecnicamente não se destinam à adoção, mas, após anos sob a tutela do Estado, também não estão em condições de voltar para a família natural, porque não são mais desejadas, porque foram esquecidas ou por outras razões.
"Quem garante que os direitos dessas crianças estão sendo respeitados?", indaga a ministra, cuja pasta é responsável pelo estabelecimento de políticas para os abrigos, mantidos por prefeituras e governos estaduais. "Esses lugares não são, com toda certeza, os melhores para crescer."
Maria do Rosário vai promover ações, com o apoio do Judiciário, do Ministério do Desenvolvimento Social e outras instituições públicas, para avaliar a situação dessas crianças e encontrar formas de devolvê-las às famílias, ou, quando não for possível, abrir portas para a adoção.
O tema das crianças e adolescentes constitui o eixo da carreira política da ministra, desde que se elegeu vereadora pela primeira vez, em 1992, Porto Alegre. Na semana passada, durante encontro com a reportagem do Estado, ela se emocionou tanto ao falar de meninas e meninos vítimas de exploração sexual que, em dois momentos, ficou com os olhos marejados.
Quem a conhece sabe que isso é comum. Acontecia com frequência entre 2003 e 2004, quando atuou como relatora da comissão parlamentar de inquérito que investigou as redes de exploração sexual de crianças e adolescentes no País - atividade que, apesar da ampla divulgação, teve poucos resultados. Segundo levantamento da Polícia Federal Rodoviária Federal, de 2010, ao longo das rodovias federais existem 1.800 locais identificados como pontos de exploração sexual de crianças e adolescentes: um a cada 26 quilômetros.
Homofobia. Maria do Rosário também pretende dar mais atenção às questões que envolvem os direitos dos idosos, dos deficientes físicos e dos homossexuais. No fim deste mês ela se encontrará com representantes de organizações de homossexuais, em São Paulo, para debater medidas de combate à homofobia.
A questão dos mortos e desaparecidos na ditadura militar não ficará fora de sua agenda. A diferença, em relação aos antecessores, é que não pretende manter o tema na boca. Também evitará debates públicos com o ministro da Defesa, Nelson Jobim (PMDB).
Na quarta-feira, ao chegar à sede do Ministério da Defesa, para um encontro com Jobim, Maria do Rosário entrou pela garagem, para evitar perguntas de jornalistas sobre as divergências entre Defesa e Direitos Humanos a respeito de apurações de crimes ocorridos na ditadura. Mas, ao término do encontro, que foi dos mais amistosos, Jobim insistiu para que saísse pela porta da frente, ao lado dele.
"Tenho a melhor relação possível com o ministro Jobim", diz Maria do Rosário ao Estado. "Não há nenhuma possibilidade de dissenso entre o meu trabalho e o dele."
 

sábado, 15 de janeiro de 2011

A farra institucional

O Estado de S. Paulo 16 janeiro 2011, editorial

A farra do Fundo Partidário


Numa democracia ideal, os partidos políticos se sustentariam exclusivamente com as contribuições dos cidadãos - excluídas empresas e associações de qualquer natureza. A subsistência das agremiações, nesses termos, seria o primeiro teste de sua representatividade. Nas democracias da vida real, a liberdade de organização política se desdobra em mecanismos de sustento das legendas que cumprem requisitos legais para se constituir. De um lado, o capital é autorizado (dentro de limites) a financiar as suas campanhas. De outro, a sociedade é obrigada a garantir-lhes o pão de cada dia e a cobrir os rombos da sua gastança eleitoral. E isso, sem limites - como tampouco há limites para as investidas dos políticos ao bolso dos contribuintes.
No Brasil, o uso de recursos oficiais para arrimar os partidos - que, afinal, são entes privados de direito público - se consubstanciou na criação do Fundo Partidário. Anualmente, a Justiça Eleitoral atualiza os valores que o governo deve repassar às siglas, com base na variação do tamanho do eleitorado. Só que o Congresso tem a prerrogativa de elevar os montantes já corrigidos, e estes podem ser tranquilamente utilizados pelos partidos para fechar as contas de suas campanhas. Ou seja, a legislação e os (maus) costumes da política nacional funcionam objetivamente como um incentivo à esbórnia financeira na competição pelo voto popular. Segundo essa lógica perversa, já que as legendas são, por lei, corresponsáveis pelas dívidas de campanha de seus candidatos, acione-se o Fundo Partidário para quitá-las, como se correspondessem a despesas de custeio da organização e não a verdadeiros investimentos para a conquista de poder.
Dá no que dá. Ontem, este jornal revelou que, em 13 de dezembro passado, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional aprovou um arranjo pelo qual o Executivo deverá destinar este ano ao Fundo Partidário R$ 100 milhões a mais do que os R$ 165 milhões originalmente previstos. O assalto ao erário foi aprovado por unanimidade, pela óbvia razão de que o butim será repartido entre as 27 agremiações registradas no País - desde o PT, no topo do edifício, aquinhoado com R$ 42,8 milhões (ou R$ 16,1 milhões extras) até o PCO, o Partido da Causa Operária, no rés do chão, com R$ 510 mil (RS$ 190 mil a mais). Por que R$ 100 milhões de acréscimo? Deve ser porque é um número redondo e robusto o suficiente para contentar a todos. Ou, como diz a senadora petista Serys Slhessarenko, presidente da Comissão, porque todos os partidos nela representados chegaram a um acordo sobre esse valor.
Os R$ 16,1 milhões adicionais a serem repassados ao PT equivalem a 60% da dívida deixada pela campanha da então candidata à Presidência, Dilma Rousseff. Os R$ 11,4 milhões acrescidos ao PSDB cobrem, com folga, os débitos da candidatura José Serra, da ordem de R$ 9,6 milhões. A piada é que tanto petistas quanto tucanos garantem que não se servirão da bolada engordada para acertar as contas com os seus credores. Na realidade, as conversas para se dar um jeitinho de facilitar a vida dos devedores naquela que seria a mais cara campanha da história começaram ainda em outubro, antes mesmo, portanto, do segundo turno. "O aumento do Fundo resultou em melhora para todos os partidos. E, quando todos são beneficiados, ninguém reclama", comentou um líder partidário que - naturalmente - pediu para não ter o nome citado.
E haja benefício. Todo ano o Congresso eleva mais que proporcionalmente ao crescimento do eleitorado as verbas do Fundo. No último decênio, enquanto a população apta a votar aumentou 17%, o repasse acumulado mais do que duplicou. Em nenhum outro ano, porém, os políticos se permitiram expandir em deslavados 65% os recursos a que teriam direito. Sairia mais barato, argumenta o líder tucano na Câmara dos Deputados, João Almeida, se o financiamento público das campanhas fosse adotado de uma vez por todas. Mas os políticos são mais cínicos. Para eles, observa o cientista político Carlos Melo, melhor o esquema atual, que não só os poupa de defender uma iniciativa impopular, como ainda lhes permite tanto receber doações privadas como cevar o Fundo Partidário.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Qual a função do Exército em uma sociedade democrática?


Valor econômico 13 janeiro 2011
Exército vai iniciar obras do terminal 3 de Cumbica

André Borges | De Brasília

Vai sair do papel o projeto do terceiro terminal de passageiros do aeroporto de Cumbica, que foi seguidamente adiado nos últimos anos. Segundo a Infraero, as obras em Guarulhos (SP) vão começar em duas semanas, após contrato no valor aproximado de R$ 350 milhões ser assinado com o Exército. "Nossa meta é que a primeira etapa das obras comece já em fevereiro", disse ao Valor Jaime Parreira, diretor de engenharia e meio ambiente da Infraero.
A primeira etapa refere-se aos serviços de terraplenagem, que serão feitos pelo Exército e por empreiteiras privadas. Até meados de abril, a Infraero quer lançar os editais para a contratação das empresas que executarão parte da terraplenagem do terminal. O orçamento total estimado para essas obras é de R$ 800 milhões. Até julho, será licitada toda a parte de infraestrutura do terminal, que envolve desde construção civil até aquisição de equipamentos. A meta da Infraero é que até novembro de 2013 o terminal 3 de Cumbica esteja operando com 45% de sua capacidade total, que será de 11 milhões de passageiros por ano - hoje Cumbica pode atender 24,9 milhões de pessoas por ano.
Para tentar resolver problemas mais urgentes de falta de infraestrutura para receber passageiros em Cumbica, a Infraero vai erguer três módulos de terminais provisórios, com custo de R$ 58,4 milhões. O primeiro será entregue até março, para até 1 milhão de pessoas por ano. O segundo, para 3 milhões, ficará pronto em janeiro de 2012 e um ano depois, o terceiro, para 2,5 milhões.
Esses módulos provisórios, já apelidados de "puxadinhos", são uma aposta da Infraero. Já estão em operação em Brasília e Florianópolis e em fase de instalação em mais 14 aeroportos do país. "As pessoas usam esse termo puxadinho, mas a verdade é que se trata de muita dignidade para lidar com essas situações", diz Parreira. "Não é solução definitiva, mas é largamente utilizada em aeroportos pelo mundo, como na Olimpíada de Pequim e na Copa do Mundo da África do Sul".
Os aeroportos do país registraram 160 milhões de embarques e desembarques no ano passado, segundo estimativas do setor, 32 milhões a mais que em 2009.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Crédito suplementar tornou-se extrarordinário

O Estado de S. Paulo 13 janeiro 2011.


Estupro consentido


Eduardo Graeff - O Estado de S.Paulo

"Luiz Inácio falou, Luiz
Inácio avisou, são 300
picaretas com anel de doutor"
Herbert Viana, "Luiz Inácio
(300 Picaretas)"

O mundo escandalizou-se com a violência que Hugo Chávez vem de cometer contra o Congresso venezuelano, porque é de fato um escândalo - um atentado contra a democracia - e porque é fácil se escandalizar com Chávez - ele parece o que é, um tipo truculento. Lula cometeu violências parecidas e ninguém se escandalizou tanto, porque ele, afinal, parece um bom sujeito - filho do povo, operário, etc. - e pouca gente presta atenção no Congresso brasileiro, salvo quando o escândalo é no próprio Congresso.
Chávez obteve do atual Congresso uma delegação legislativa que praticamente anula os poderes do próximo Congresso, onde haverá alguma oposição. Lula usou e abusou de medidas provisórias (MPs) para mais facilmente neutralizar a oposição e legislar por cima do Congresso numa extensão sem precedentes.
Qual a diferença? O instituto da delegação legislativa cabe em Constituições democráticas. O da medida provisória, tenho dúvidas. Mas o perigo não está tanto nas instituições quanto no modo de usá-las.
A Constituição brasileira (artigo 68) manda que a delegação legislativa especifique "o conteúdo e os termos de seu exercício" e proíbe delegação sobre matéria reservada a lei complementar, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, direitos fundamentais e Orçamento. A delegação obtida por Chávez é uma aberração por causa da amplitude: deixa-o legislar por decreto sobre quase tudo nos próximos dois anos.
Os presidentes brasileiros não recorrem à delegação legislativa porque não precisam. Por que se dar ao trabalho de pedir ao Congresso uma delegação limitada, se o presidente pode legislar muito mais amplamente por MP?
Na letra e, talvez, no espírito da Constituição (artigo 62), a medida provisória era para ser, claro, provisória: caducaria se não fosse aprovada pelo Congresso em 30 dias. Virou permanente quando o Congresso e o STF aceitaram a prática da reedição. A Emenda Constitucional n.º 32, de 2001, resultou pior que o soneto. Acabou com a reedição, mas deixou aberta a porta para perenizar a MP não aprovada ou mesmo rejeitada. Se em 60 dias o Congresso não regular seus efeitos por decreto legislativo, eles permanecem válidos.
A Constituição proíbe a edição de MP sobre os assuntos vedados à delegação legislativa, inclusive matéria orçamentária. Com uma exceção: é permitida a abertura de créditos extraordinários por MP. Lula aproveitou essa brecha para abrir créditos suplementares, chamando-os de extraordinários. A diferença é clara: extraordinário é o crédito para atender a uma despesa imprevista e inadiável, como o socorro a uma calamidade. Suplementar é o crédito correspondente a qualquer remanejamento que o governo resolva fazer no Orçamento. A confusão propositada revogou, na prática, a regra de que o Executivo só pode fazer despesas previamente autorizadas pelo Legislativo.
A Constituição prevê a instalação de uma comissão especial para analisar cada medida provisória. Essas comissões nunca são instaladas. A discussão, incluindo a negociação de emendas, é feita a portas fechadas, sem registro oficial, entre o governo, o relator da medida, outros parlamentares e partes interessadas que tenham acesso privilegiado ao relator e/ou ao governo. Assim outro princípio fundamental da vida parlamentar - o da discussão pública das matérias - foi para o espaço.
Que Lula tenha avançado tanto sobre os poderes do Congresso é fácil de entender. Avançou porque pôde. Desde a declaração sobre os "300 picaretas" até o mensalão, nunca escondeu seu desprezo pelo Congresso. Por que perderia tempo preocupando-se com o equilíbrio dos Poderes? Firula de doutores? De resto, ele sempre pareceu aceitar a contragosto a necessidade de dividir o poder presidencial com quem quer que fosse - Legislativo, Judiciário, agências reguladoras, imprensa?
E o Congresso, por que se deixou violar sem espernear? Talvez porque a maioria do Congresso também não ligue para firulas constitucionais. A regra da velha política parlamentar sempre foi ceder prerrogativas gerais do mandato em troca de favores especiais do governo. Houve um tempo em que Lula e o PT vituperavam os "picaretas" ou "fisiológicos". Hoje vituperam os "udenistas" que criam caso por bobagens como legalidade e moralidade. Se de fato existiam 300 picaretas no Congresso, com Lula eles ganharam o interlocutor perfeito no Executivo e perderam a cerimônia. A Venezuela não é aqui. Lula desmoralizou o Congresso, rosnou contra a liberdade de imprensa, atiçou milícias sindicalistas contra a oposição, mas não botou a tropa propriamente dita na rua, como Chávez. Tampouco parece haver por aqui tropa disposta a marchar contra as instituições democráticas. Ótima notícia, considerando nosso passado.
A democracia, mesmo enxovalhada, sobreviveu aos oito anos de Lula. Mas a perspectiva de mais quatro anos da mesma política é preocupante. A confiança do povo no Congresso, nos partidos e nos políticos não para de cair nas pesquisas de opinião. O neofisiologismo lulista é feito caruncho roendo por dentro a legitimidade das instituições. Quanto tempo elas aguentam sem ser golpeadas pelo vento mais forte de uma crise?
Não vejo em Dilma Rousseff, seu governo e sua base parlamentar - muito menos em seu mentor - interesse em reverter tal processo. Isso aumenta a responsabilidade da oposição. Se lhe falta número para barrar a nova-velha política no Congresso, deve ao menos espernear com toda a força. E buscar apoio ativo dos cidadãos - que não são tão poucos - preocupados com a democracia.
CIENTISTA POLÍTICO, FOI SECRETÁRIO-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (GOVERNO FHC). BLOG: WWW.EAGORA.ORG.BR

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

E o direito de ir e vir?

www.blogdejamildo.com.br


Opinião

Pernambuco parece estar plantando bananas de dinamite. Por favor, só não explodam os caixas do Palácio do Governo nem da Assembleia

POSTADO ÀS 10:45 EM 12 DE Janeiro DE 2011

Por Ana Laura Farias
Explosões de caixas eletrônicos têm virado rotina no cotidiano dos pernambucanos. No interior e na Região Metropolitana do Recife, bancos são assaltados quase diariamente. Nenhum dia de 2011, até o momento, acabou sem a explosão de pelo menos um caixa. Só ontem foram três.
O Governo alega que tudo está sob controle e que as medidas de segurança têm sido reforçadas. Nada disso, infelizmente, está conseguindo garantir a tranquilidade e a segurança dos cidadãos.
Uma lei municipal para garantir o reforço da segurança foi promulgada na última segunda-feira (10), na Câmara dos Vereadores do Recife. Uma grande ação, se, de fato, funcionar e não ficar no plano das promessas.
As explosões acontecem, alguns bandidos são presos. Algumas vezes, nem isso. É feita uma investigação e uma nova promessa de reforço de segurança. No dia seguinte, outro caixa eletrônico é explodido.
A verdade é que, mesmo com as prisões, os criminosos perderam o medo de realizar assaltos a banco. Assim como também não temem mais realizar qualquer tipo de violência.
Nada de eficiente é feito para conter as ações do criminosos. Em nenhuma das instâncias. Eles conseguem acesso fácil a quantidades enormes de dinamite, como se isso fosse uma coisa absolutamente corriqueira. Entram nos bancos, aterrorizam cidadãos, levam dinheiro. E voltam a fazê-lo na próxima oportunidade.
Em outra agência. Talvez na mesma. Sem nenhum constrangimento. Sabem que não haverá ninguém para os impedir. Estão imunes à segurança particular, à Polícia, ao Governo Estadual. A Secretaria de Defesa Social (SDS) não tem alcançado a eficiência que os pernambucanos esperavam nesse tipo de crime.
Há alguns anos, no Recife, principalmente, existiam alguns horários e locais a evitar. Não sair no meio da madrugada, evitar ruas desertas. Hoje, esse cuidado já está longe de ser suficiente. A cidade está igualmente perigosa no meio da madrugada ou ao meio-dia. Na periferia e em bairros nobres. Assaltos na rua, em parques, em bancos...
O episódio do Hiper Bompreço de Casa Forte é um exemplo recente da violência ao qual todos estão expostos. Brancos, negros, ricos, classe média, pobres. A violência em Pernambuco não tem hora, lugar, limites.
O que o recifense sofre é mais do que uma simples precaução contra o crime. Estamos vivendo uma espécie de "lógica do medo". Ações que nem percebemos mais como estimuladas por uma realidade de violência. Traçamos roteiros baseados nos locais "onde teremos menos chances de sermos assaltados". Sim, menos.
Talvez um pouco menos. Ar-condicionado virou item básico para os veículos. Não apenas por conta do calor tropical da cidade. Andar com os vidros abertos já virou, praticamente, um "pedido de assalto".
E assim seguiremos, esperando e cobrando ansiosamente o dia no qual poderemos andar a pé sem ter a carteira roubada, andar com vidros abertos sem perder relógio, bolsa/mochila e frequentarmos a agência de bancos sem nos depararmos com explosões ou assaltos.
 

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

República bananeira?

O Estado de S. Paulo, 11 janeiro 2011
 

A suntuosa nova sede do TSE

 
Em construção há quatro anos, quando finalmente terminada a nova sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deverá pôr fim a uma dúvida que assalta os contribuintes: qual é o "palácio" mais suntuoso do Poder Judiciário? O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST), que hoje disputam essa ominosa honraria, perderão a vez.
Com 115,5 mil metros quadrados, mobiliário luxuoso, gabinetes privativos com banheiros majestosos e 23 pórticos com detectores de metais, a obra, repetindo o que aconteceu nas construções das demais sedes de tribunais superiores no Distrito Federal, estourou o orçamento original - e ninguém, até recentemente, achou isso estranho. Quando o projeto foi anunciado, em 2007, a nova sede do TSE tinha um custo estimado em R$ 89 milhões. Em 2008, a dotação prevista pelo Orçamento-Geral da União foi aumentada para R$ 120 milhões. Em 2010, o TSE informou em seu site ter gasto nas obras cerca de R$ 285 milhões até o mês de julho. E, na semana passada, segundo os números do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), a construção já havia consumido mais de R$ 360 milhões.
A estimativa é de que, ao seu término, que está previsto para o final deste ano, ela deverá ter um custo total de R$ 440 milhões. Como em todas as obras de edifícios públicos em Brasília, o projeto arquitetônico - que custou R$ 5,9 milhões e foi escolhido sem licitação - é de autoria do escritório de Oscar Niemeyer. Somente com mesas, cadeiras, poltronas, móveis para a biblioteca e equipamentos de som, ar-condicionado, informática, aparelhos de cozinha, extintores de incêndio, cercas e portões os gastos serão superiores a R$ 76 milhões. As medidas de segurança devem chegar a R$ 6 milhões. Os valores constam dos pregões registrados pelo TSE. A decoração dos gabinetes dos ministros custará R$ 693 mil.
Alegando que o TSE feriu os princípios constitucionais da economicidade, da moralidade e da finalidade da administração pública e que o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou indícios de superfaturamento e de outras graves irregularidades, o Ministério Público Federal (MPF) impetrou ação civil pública contra a última instância da Justiça Eleitoral. Em sua defesa, a direção do TSE afirma que vem tomando providências para reduzir custos e explica que os móveis e equipamentos da sede atual serão levados para a nova. A aquisição de mais 4 mil peças de mobiliário seria apenas "complementar".
Os custos absurdos são apenas um dos lados da questão. O outro - na verdade, o principal - diz respeito à necessidade de a Justiça Eleitoral ter uma sede suntuosa para abrigar sete ministros - dos quais três integram o Supremo Tribunal Federal e dois pertencem ao Superior Tribunal de Justiça. Lá eles já dispõem de amplos gabinetes e de estruturas próprias, o que torna a obra do TSE desnecessária.
O Tribunal Superior Eleitoral é o braço do Poder Judiciário com menor demanda de serviços. Em 2009, ele recebeu somente 4.514 processos. No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal recebeu mais de 103 mil ações e o STJ e o TST julgaram 354 mil e 204,1 mil processos, respectivamente.
Na realidade, o TSE é uma corte que atua basicamente nos períodos eleitorais - a cada dois anos. Dos sete ministros, apenas dois precisariam de gabinetes, por não pertencerem aos quadros da magistratura. Eles representam a classe dos advogados. Os profissionais que trabalham com direito eleitoral consideram que a atual sede do TSE é mais do que suficiente e adequada para suas atividades.
Nada justifica o tamanho e o luxo nababesco da nova sede do TSE. Em vez de gastar rios de dinheiro com palácios suntuosos e desnecessários, a Justiça agiria de maneira mais responsável se concentrasse seus gastos na modernização e na melhoria de atendimento da primeira instância, para dar aos cidadãos comuns que dependem de seus serviços o tratamento digno e eficiente a que têm direito.
 

Aos amigos tudo

Folha de S. Paulo 11 janeiro 2011.

Familiares de Jucá obtêm novas concessões de TV em Roraima

Portarias beneficiaram o filho do líder do governo no Senado

ANDREZZA TRAJANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BOA VISTA

Empresas de comunicação de familiares do senador Romero Jucá (PMBD-RR) conseguiram no ano passado novas concessões para operar em Roraima, algumas delas em pleno período eleitoral.
A Buritis Comunicações Ltda, que pertence a Rodrigo Jucá, filho do senador, ganhou cinco concessões de emissoras de TV e uma de rádio. As concessões são para retransmitir a programação gerada em Boa Vista pelas emissoras da Record (TV Imperial) e Band (TV Caburaí).
A TV Imperial e a Rádio Equatorial 93 FM estão em nome do radialista e apresentador Emílio Surita, do programa "Pânico na TV", da RedeTV!. Ele é irmão da deputada federal eleita Teresa Jucá (PMDB), ex-mulher do senador. Já a TV Caburaí é administrada pela Buritis.
Conforme portarias publicadas pelo Ministério das Comunicações, a Buritis recebeu -nos meses de fevereiro, setembro, outubro e novembro- autorização para ampliar os serviços da Record para quatro municípios do interior de Roraima.
Já a expansão do sinal da Band para uma cidade vizinha a Boa Vista foi autorizada no último dia 9. O ministério homologou em 19 de maio de 2010 o resultado de uma licitação em favor da Buritis, para aquisição de uma nova rádio FM em Boa Vista.
Somando tudo, chega a 14 o número de concessões sob o domínio da família Jucá. A propriedade da TV Caburaí está em litígio. O lobista Geraldo Magela da Costa contesta a posse da empresa.
Diz que foi "laranja" do senador e ficou com dívidas trabalhistas. Jucá nega.

OUTRO LADO
A assessoria do senador disse que ele não tem nada a declarar sobre o assunto. A assessoria de Rodrigo Jucá também não se pronunciou.

Por que Dilma mantém o Jobim?--uma pista


Folha de S. Paulo 11 jan 2011
VLADIMIR SAFATLE

Dois demônios

O atual ministro da Defesa, Nelson Jobim, presta um desserviço ao país com suas declarações sobre a Comissão da Verdade. Ao afirmar que a comissão deveria apurar também as ações de grupos de luta armada contra a ditadura, o ministro reforça a ideia de que a violência de um Estado ditatorial contra a população e a violência de cidadãos contra tal Estado são equivalentes.
Tal colocação vem coroar uma semana na qual ouvimos o ministro de Segurança Institucional dizer que não é motivo de vergonha o desaparecimento de presos políticos.
Afirmações dessa natureza baseiam-se na chamada "teoria dos dois demônios": malabarismo retórico de quem acredita que "excessos" foram cometidos dos dois lados e que, por isso, melhor seria deixar o passado no passado.
Tal sofisma foi rechaçado por todos os países. Não por outra razão, o Brasil é mundialmente citado como exemplo negativo no que diz respeito ao dever de memória e ao trato dos direitos humanos.
Um dos fundamentos da democracia ocidental consiste no direito de resistência. Em última instância, ele afirma que toda ação contra um Estado ilegal é uma ação legal.
O filósofo liberal John Locke lembrava que assassinar o tirano não era crime, pois homens livres não se submetem a grupos que tomam o poder pela força e impõem um regime de exceção e medo.
Foi baseado nesse conceito que, por exemplo, os resistentes franceses não foram considerados criminosos, mesmo tendo perpetrado sabotagens e ações violentas contra outros franceses, colaboradores do nazismo. O problema é que há pessoas no Brasil que estão aquém até mesmo de um conceito liberal de democracia.
Por outro lado, com suas afirmações, o ministro da Defesa esconde tacitamente o fato de que os integrantes da luta armada envolvidos nos chamados "crimes de sangue" já foram julgados. Eles não foram beneficiados pela Lei da Anistia, de 1979. Por isso continuaram na prisão mesmo após essa data, fato que o pensamento conservador nacional faz de tudo para acobertar.
Ou seja, os únicos anistiados foram os responsáveis por terrorismo de Estado.
Por fim, vale lembrar que, contrariamente a outros países sul-americanos, não existiam grupos de luta armada no Brasil antes da ditadura militar. Eles foram o resultado direto do fechamento das vias políticas de transformação.
Por isso, aos que se contentam em repetir chavões como "temos que construir o futuro, o importante é isso" devemos lembrar que país nenhum construiu o seu futuro sem acertar contas com os crimes do passado.
A exigência de justiça é como a razão, segundo Freud: ela pode falar baixo, mas nunca se cala.

Verdade(s)

Folha de S. Paulo 11 janeiro 2011


Comissão da inverdade
Jair Bolsonaro

É notório que a esquerda quer passar para a história como a grande vítima que lutou pelo Estado democrático atual, invertendo o papel de militares

Os militares só conseguem manter a hierarquia e a disciplina porque a verdade está para eles como a fé está para os cristãos.
A mentira e a traição fazem parte da vida política brasileira, em que os vitoriosos se intitulam espertos, pois, afinal, dessa forma estarão sempre no poder.
A esquerda no Brasil chegou ao poder pelo voto, graças aos militares que impediram em 1964 a implantação de uma ditadura do proletariado. Os perdedores, nos anos subsequentes, financiados pelo ditador Fidel Castro, partiram para a luta armada, aterrorizando a todos com suas ações, que ainda fazem inveja ao crime dito organizado dos dias atuais.
Foram 20 anos de ordem e de progresso. Os guerrilheiros do Araguaia foram vencidos, evitando-se que hoje, a exemplo da Colômbia, tivéssemos organizações como as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) atuando no coração do Brasil.
O nosso povo vivenciou sequestros de autoridades estrangeiras e de avião, dezenas de justiçamentos, tortura, execuções como a do adido inglês e a do tenente da Força Pública de São Paulo no Vale do Ribeira, bombas no aeroporto de Recife e carro-bomba no QG do 1º exército, respectivamente com mortes de um almirante e de um recruta, latrocínios, roubos etc.
O regime, dito de força, negociou e foi além das expectativas dos derrotados ao propor anistia até mesmo para crimes de terrorismo praticados pela esquerda. Agora, no poder, eles querem escrever a história sob sua ótica, de olhos vendados para a verdade.
Projeto do Executivo, ora em tramitação na Câmara, cria a dita Comissão da Verdade, composta por sete membros, todos a serem indicados pela presidente da República, logo ela, uma das atrizes principais dos grupos armados daquele período, que inclusive foi saudada pelo então demissionário ministro José Dirceu como "companheira em armas".
Ninguém pode acreditar na imparcialidade dessa comissão, que não admite a participação de integrantes dos Clubes Naval, Militar e da Aeronáutica. Essa é a democracia dos "companheiros".
Ainda pelo projeto, apurar-se-iam apenas crimes de tortura, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres, não tratando de sequestros, atentados a bomba, latrocínios, recebimento de moeda estrangeira de Cuba, sequestro de avião e justiçamentos.
É notório que a esquerda quer passar para a história como a grande vítima que lutou pelo Estado democrático atual, invertendo completamente o papel dos militares, que, em 1964, por exigência da imprensa, da Igreja Católica, de empresários, de agricultores e de mulheres nas ruas intervieram para que nosso país não se transformasse, à época, em mais um satélite da União Soviética.
Os militares sempre estiveram prontos para quaisquer chamamentos da nação, quando ameaçada, e, se a verdade real é o que eles querem, as Forças Armadas não se furtarão, mais uma vez, a apoiar a democracia.
Se hoje nos acusam de graves violações de direitos humanos no passado, por que não começarmos a apurar os fatos que levaram ao sequestro, à tortura e à execução do então prefeito Celso Daniel em Santo André? Ou será que, pela causa, tudo continua sendo válido, até mesmo não extraditar o assassino italiano Cesare Battisti por temer o que ele possa revelar sobre seu passado com terroristas brasileiros hoje no poder?
JAIR BOLSONARO capitão da reserva do exército, é deputado federal pelo PP do Rio de Janeiro.