quarta-feira, 31 de julho de 2013

Cidadão de primeira e segunda categoria

Folha de S. Paulo, 31 de agosto de 2013.

Elio Gaspari
O país das multidões
Os brasileiros mostraram que acreditam em muita coisa, menos em governos que querem fazê-los de bobos
Em apenas dois meses, pode-se estimar que pelo menos cinco milhões de brasileiros tenham ido às ruas. A maior parte deles, festejando a fé com o papa Francisco. Outros, reclamando nas passeatas que tomaram as avenidas em quase todos os Estados.
Exatamente nesses dois meses, os poderosos do país mostraram que não estão entendendo nada, ou não querem entender.
Aconteceram, ou tornaram-se públicas, as seguintes gracinhas, todas amparadas pela lei. Mesmo nos casos em que o ronco da rua provocou recuos, eles foram apresentados como atos voluntários. Esse é um Brasil que faz tudo de acordo com as normas, suas normas.
Começando pelos tribunais, que vivem um doce momento, embalados pelo julgamento do mensalão: o Tribunal de Contas da União decidiu que 4,9 mil magistrados têm direito a receber auxílios-alimentação retroativos a 2011. Uma conta de R$ 312 milhões. Um de seus ministros, Raimundo Carneiro, mostrou ao país que sua idade, como a Terra de Galileu, eppur si muove. Para se aposentar como servidor do Senado, nasceu em 1946. Para permanecer no tribunal, veio ao mundo em 1948. Exercitando um direito de todos os procuradores, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, recebeu R$ 580 mil referentes a bônus-moradia e licenças não gozadas. Comprou um apartamento em Miami, avaliado em US$ 480 mil, "modesto", nas suas palavras, e considera "violação brutal da minha privacidade" a divulgação dessa informação. O ministro tem um apartamento funcional em Brasília, mas, justificando suas viagens ao Rio, informou que faz isso "regularmente há mais de dez anos", como outros magistrados. Com a Viúva pagando.
Passando-se ao Executivo, o custo da maquiagem da doutora Dilma em suas aparições em cadeia nacional de TV passou de R$ 400 para R$ 3.181 em menos de três anos.
Alguns de seus ministros rompem o teto salarial do serviço público (R$ 28.059) com as bolsas-conselho. Guido Mantega, por exemplo, fatura R$ 43.202 mensais. Tudo dentro da lei.
No Congresso, os doutores Henrique Alves e Renan Calheiros voaram pela JetFAB. Um foi para o Rio e o outro para um casamento. Diante do ronco, indenizaram a Viúva.
Saindo-se do Brasil do andar de cima, no de baixo, chega-se à escola Cândido de Assis Queiroga. Ela fica no município de Paulista, no sertão paraibano, onde vivem 11 mil pessoas. Seu Índice de Desenvolvimento Humano no indicador de educação (0,461) está abaixo da média nacional (0,637). Lá, Jonilda Alves Ferreira, de 44 anos, formada em economia, leciona matemática por R$ 1,5 mil mensais. Ela ensina frações fazendo "vaquinhas" e levando alunos a pizzarias. Qualquer pessoa que vê uma pizza entende o que são frações ordinárias, mas quem provar que se pode nascer em 1946 (para ganhar aposentadoria) e em 1948 (para continuar num cargo) certamente revolucionará as ciências.
A escola da professora Jonilda conseguiu cinco medalhas de ouro, duas de prata e três de bronze na última Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Sozinha, acumulou mais prêmios que muitos Estados.
A repórter Sabine Righetti perguntou à professora se a escola tem laboratório de informática. Tem, pago, porém parado: "Estamos esperando o técnico para usar os computadores".

terça-feira, 30 de julho de 2013

O governo acordou?


[Aviso do Estadão aos navegantes. Quem é o responsável constitucional para manutenção da lei e da ordem]

A bagunça vai se instalando

O Estado de S. Paulo - 30/07/2013
 

As manifestações que começaram no mês de junho não só perderam envergadura, como se tornaram mais raras, mas os atos de vandalismo promovidos por pequenos grupos, que nelas se infiltram, continuam com o mesmo ímpeto. Muitas vezes eles agem sozinhos, sem buscar a cobertura da grande maioria dos manifestantes pacíficos. Como não são reprimidos pela polícia - ou só o são, e ainda assim de forma tímida, quando sua violência ameaça escapar a todo controle sua ousadia vem num crescendo.

Eles voltaram a atacar na sexta-feira, deixando em São Pau-o um rastro de destruição por onde passaram e, no Rio, amedrontando peregrinos reunidos à noite na Praia de Copacabana, onde se realizava um show promovido pela Jornada Mundial da Juventude. Na capital paulista, a manifestação - em apoio aos jovens que no Rio protestam contra o governador Sérgio Cabral - começou pacífica por volta das 18 horas no vão livre do Masp, na Avenida Paulista. Mas logo desandou, quando entrou em ação um grupo de participantes dos Black Blocks, que se intitulam anarquistas.

Eles ignoraram os apelos dos organizadores da manifestação para que não houvesse vandalismo e logo começaram um quebra-quebra. Depredaram 13 agências bancárias e picharam as Estações Trianon e Brigadeiro do metrô. Os poucos PMs ali presentes assistiram a tudo passivamente. Um tenente disse à reportagem do Estado que a ordem era não intervir.

Quando um manifestante pediu a outro PM que agisse contra os vândalos, ouviu como resposta: “Se você for até a delegacia e identificar (o suspeito de vandalismo) eu levo. Senão, não posso”. Os Black Blocks se dirigiram em seguida para a Avenida 23 de Maio, onde usaram um ônibus biarticulado para interromper o trânsito. Só então a PM interveio, liberando o trânsito, e conseguiu dispersar o grupo quando ele retornou à Paulista.

No Rio, dessa vez não houve destruição, mas em compensação o susto foi grande. Cerca de 300 manifestantes, gritando “Fora Cabral” e “Não vai ter Copa”, tentaram invadir a área que dá acesso ao palco onde pouco antes estivera o papa Francisco. Os peregrinos reagiram com medo e, se o show que se realizava ali no momento não tivesse sido encerrado antes da hora por causa dos gritos dos manifestantes, favorecendo sua dispersão, eles poderiam ter provocado pânico, com as consequências facilmente previsíveis.

A agressividade crescente desses grupos e o comportamento hesitante da polícia, que só intervém em último caso, quando o mal já está feito, criam uma situação altamente perigosa. Ela combina o medo da população - que, quando não presencia, assiste pela televisão as cenas impressionantes de destruição - com a ousadia dos vândalos, alimentada pela impunidade de seus atos.

À essa altura, nada mais justifica a hesitação e a timidez da polícia. Se a própria maioria dos manifestantes deixa clara sua discordância com a violência, o que os governantes ainda esperam para determinar às forças da ordem que ajam com o rigor que a situação exige? Ao contrário do que afirmaram algumas autoridades policiais, não há dificuldade alguma em distinguir os grupos violentos dos demais manifestantes. Basta ver o que fazem.

A passividade da polícia só se explica pelos receios dos governantes de serem acusados de violentos. O que se exige deles é a firmeza que tem faltado, porque a violência hoje está do outro lado - o dos grupos de vândalos. Nenhum deles - sejam os autoproclamados anarquistas como os Black Blocks, os skinheads, os fanqueiros ou os simples bandidos -esconde sua clara adesão aos atos violentos para atingir objetivos tão vagos que a violência em si parece satisfazê-los.

Como o governo pode tolerar isso? Sua omissão só estimula os quebra-quebras e, a continuar assim, é grande o risco de que a situação fuja ao controle nas grandes cidades. Evitar isso, mantendo a ordem, é a atitude mais democrática a ser adotada pelos governantes. A bagunça não combina com a ordem democrática. É o seu oposto.

Nova jabuticaba brasileira: o gigante acordou?


[Uma Comissão de Ética para a Comissão de Ética]

Comissão de Ética da Presidência arquiva processo contra Afif

Ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa e vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos (PSD), pode acumular cargos, segundo comissão

29 de julho de 2013 | 20h 04


Rafael Moraes Moura - Agência Estado
A Comissão de Ética Pública da Presidência da República deu nesta segunda-feira, 29, sinal verde para a acumulação de cargos do ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos (PSD), que assumiu o posto sem deixar de ser vice-governador do Estado de São Paulo. O processo contra Afif foi arquivado por unanimidade.
Veja também:
link
Guilherme Afif Domingos acumula ministério e cargo de vice-governador de São Paulo - Marcio Fernandes/AE
Marcio Fernandes/AE
Guilherme Afif Domingos acumula ministério e cargo de vice-governador de São Paulo
A comissão também decidiu analisar o uso de jatos da FAB pelos ministros da Previdência, Garibaldi Alves Filho, e do Esporte, Aldo Rebelo. Rebelo levou família em avião oficial ao cumprir agenda em Cuba. Já Garibaldi utilizou uma aeronave para assistir a jogo da seleção brasileira na Copa das Confederações, mas, após a repercussão do episódio, disse que ressarciria os cofres públicos.
"Foi arquivado (o caso Afif) porque para nós não há problema, porque ele não exerce nenhuma função como vice-governador. Vice não tem função, a função que ele tem é delegada pelo titular do cargo. O vice só trabalha se o titular delegar alguma função ou determinar alguma função", disse o presidente da comissão, Américo Lacombe.
Segundo a resolução nº 8 da Comissão de Ética Pública da Presidência, há conflito de interesses no exercício de atividade que "viole o princípio da integral dedicação pelo ocupante de cargo em comissão ou função de confiança, que exige a precedência das atribuições do cargo ou função pública sobre quaisquer outras atividades". Para Lacombe, a acumulação de cargos de Afif não se enquadra nessa situação.

Gigante dorminhoco

[O Brasil almeja um assento no Conselho de Segurança da ONU. Como, se não consegue manter a paz interna? E o custo disto é escondido do contribuinte brasileiro.]
Brasil gastou R$ 689 mi de adicional no Haiti

30 Jul 2013

Governo complementa o salário dos militares que fazem parte da missão das Nações Unidas no país caribenho

Sem contar reembolso dado pela ONU, gastos do Tesouro brasileiro com a operação no Haiti chegam a R$ 2,3 bilhões

RUBENS VALENTE DE BRASÍLIA


O governo brasileiro gastou R$ 689 milhões, em valores atualizados, apenas com adicionais salariais para os militares que servem na missão das Nações Unidas no Haiti, no período que vai do início da operação, em 2004, até dezembro de 2012.
O valor, obtido pela Folha em consultas aos comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica --com base na Lei de Acesso à Informação--, era desconhecido até então e não integrava os balanços do governo nem de grupos de fiscalização de gastos federais.
Previsto em lei aprovada pelo Congresso, o adicional, que tem o nome técnico de "indenização", funciona da seguinte forma: o militar que é escolhido para participar da operação no Haiti ganha uma remuneração mensal em dólar, paga em espécie, sem prejuízo do vencimento normal que já recebe no Brasil.
Um terceiro-sargento, por exemplo, que recebe no Brasil em média R$ 2.700 líquidos, obtém mais US$ 3 mil (R$ 6.700) mensais pela missão no Haiti --há hoje 231 terceiros-sargentos atuando no país caribenho.
O valor escalonado dos adicionais foi estabelecido em 2004 por meio de lei elaborada pelo governo. As despesas com os adicionais só em 2012 (R$ 106,3 milhões), por exemplo, foram o dobro do desembolsado pelo Exército com o programa "preparo e emprego combinado das Forças Armadas".
Na justificativa enviada ao Congresso quando da aprovação da lei, o então ministro da Defesa, José Viegas, procurou relativizar o gasto, ao dizer que "o custo de uma operação de paz estará, em linhas gerais, limitado aos gastos com pagamento de pessoal no exterior e às despesas com viagens de inspeção, apoio e coordenação".

Segundo Viegas, "os demais custos" seriam "reduzidos ou cobertos pelas indenizações e reembolsos previstos na legislação da ONU para esse tipo de evento".

REEMBOLSOS

O reembolso da ONU ficou muito abaixo dos gastos reais. Em 2004, o Brasil passou a comandar a missão no Haiti como parte da estratégia do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) de buscar apoio internacional para obter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU --o que até hoje não ocorreu.
Com as "indenizações", o gasto total do governo brasileiro no Haiti de 2004 a dezembro de 2012 atingiu R$ 3,04 bilhões, em valores atualizados pela inflação. No mesmo período, a ONU reembolsou o Brasil em R$ 709 milhões, em valores igualmente corrigidos. Assim, o Tesouro brasileiro desembolsou efetivamente R$ 2,33 bilhões.
Em nota à Folha, o Ministério da Defesa afirmou que os reembolsos da ONU "cobrem os custos gerados pelo emprego efetivo da tropa na missão de paz".
"Os custos referentes às fases anteriores e posteriores ao emprego da tropa (mobilização, preparo e desmobilização) são, em geral, arcados pelo país contribuinte, como no caso do Brasil", diz o texto do ministério.
Não há previsão oficial para a saída das tropas brasileiras do Haiti --hoje são 1.120 militares na missão.
Em ao menos duas ocasiões, o ministro da Defesa, Celso Amorim, já manifestou sua preocupação sobre evitar "uma zona de conforto" no Haiti. Em maio último, disse que o Brasil pretende "progressivamente deixar para o Haiti a responsabilidade por sua segurança e pela manutenção da lei e da ordem".
Indagado pela Folha sobre os benefícios da presença brasileira no Haiti, o Exército disse, em nota, que a missão "traz crescente prestígio à política externa e às Forças Armadas brasileiras, aumentando a projeção nacional no cenário mundial". 

Estado delinquindo

http://www.conjur.com.br/2013-jul-29/superlotado-presidio-mg-exemplifica-situacao-carceraria-pais

Presídio em MG exemplifica situação carcerária no país

O encontro de Elvis Presley e Lincoln se deu na cidade mineira de Araguari, com pouco mais de 100 mil habitantes. Os dois convivem, mais especificamente, no Presídio de Araguari, cuja lotação está em 217% — somando 220 presos nos pavilhões construídos para abrigar 101 homens. A superlotação é percebida logo que se adentra o local, com a profusão de toalhas puídas e coloridas penduradas para secar nas janelas e portas das celas e em varais improvisados, junto com camisas, casacos e pedaços de plástico, que fazem as “divisões de cômodos” no local.
Os dois pavilhões masculinos, com suas 16 celas, margeiam uma quadra poliesportiva sem cobertura, onde os presos jogam bola nos horários de banho de sol. Às 16h da última segunda-feira (22/7) os homens estavam recolhidos em suas celas, com o sol entrando irremediavelmente pelas portas e janelas do pavilhão do lado direito, tornando ainda mais abafado o ambiente dentro delas, quando os termômetros da cidade marcavam 29 graus.
Além do fato de estarem em conflito com a lei, Elvis Presley e Lincoln partilham do mesmo sobrenome. Tanto a família que quis homenagear o rei do rock quanto a que celebrou a memória do presidente que aboliu a escravidão nos Estados Unidos carregam o brasileiro "da Silva". Não são irmãos mas nos seus documentos, o espaço destinado ao nome do pai é preenchido pelas mesmas letras: N/I, sigla para "não identificado". Um foi condenado a 22 anos de cadeia e o outro, a seis meses. As celas em que cumprem suas penas, porém, são iguais.
As atividades nos pouco mais de 10 metros quadrados de cada cela variam. Em algumas os presos dormem, sob cobertores cinzentos e gastos, mesmo com o sol batendo diretamente em suas cabeças. Em outras, as agulhas de crochê trabalham incessantemente, nas mãos daqueles que optam por fazer artesanato para ter suas penas reduzidas — os tapetes de crochê estão presentes em praticamente todas as celas.
Além do artesanato, os presos de Araguari têm a opção de trabalhar na horta do presídio, operar na pequena fábrica de botinas ou estudar na escola da prisão, chamada Padre Eduardo Jordi. A escola tem, atualmente, 54 alunos. A fábrica de botas conta com apenas quatro homens, produzindo calçados que depois são vendidos pela empresa Xingu, que tem convênio com o presídio. A matemática é a mesma para os estudos e para o trabalho: três dias na atividade significam um dia a menos na prisão.
A contagem dos dias dentro das celas parece ser a atividade principal dos internos. A proximidade deles com seus processos e o léxico do Judiciário fica patente durante a visita do promotor de Justiça André Luis Alves de Melo que, cumprindo determinação do Conselho Nacional do Ministério Público, vai ao local uma vez por mês. Na vistoria, ele faz um relatório sobre o presídio e presta alguma assessoria jurídica aos internos — que já contam também com assessoria jurídica do próprio presídio. Na última segunda-feira, a revista eletrônica Consultor Jurídico acompanhou o trabalho.
De cela em cela, o promotor de execuções pergunta se os presos querem que ele providencie três documentos: Atestado de Pena, Certidão Criminal e Andamento Processual — que os presos costumam chamar de Xiscom, aliteração de Siscom, que é a abreviação de Sistema de Informática das Comarcas, de onde se retira o andamento processual. Além disso, Melo pergunta se os internos têm alguma reclamação quanto ao atendimento médico ou social do presídio.
Ao receber a papelada jurídica das mãos do promotor, os presos levantam discussões sobre seus processos, mostrando intimidade com os termos jurídicos. “Cheguei aqui por 157 e já posso ir para a condicional em um mês. Já posso apresentar carta para trabalho externo?”, questiona um presidiário, com os papeis em mãos. O promotor pega a papelada — passada pela grade — e explica que se o preso quiser se adiantar e apresentar uma carta poderá, sim, conseguir ser liberado mais rapidamente para o trabalho externo quando for para o semi-aberto.
O “157” ao qual o homem fez referência é o numero do artigo no Código Penal pelo qual foi condenado: “Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”, mais conhecido como roubo.
Três crimes
Em todas as celas, entre os 220 presos, são praticamente três números que se repetem: 157, 155 e 33. Ou seja, além do roubo, os crimes que levam à superlotação do presídio são furto (artigo 155 do Código Penal) e tráfico de drogas (artigo 33 da Lei 11.343/2006, a Lei de Drogas).
Na opinião de André Melo, alterações simples nas leis em questão poderiam diminuir o déficit de 146.547 vagas no sistema prisional brasileiro, construído para 302.422 pessoas, mas que abriga 448.969, segundo o Conselho Nacional do Ministério Público. Para o promotor, bastaria a criação das figuras jurídicas do furto privilegiado, roubo privilegiado e do tráfico privilegiado.
Com as mudanças que ele propõe, o furto de objetos de até um salário mínimo teria pena de seis meses a dois anos de prisão, com ação penal condicionada à representação da vítima. O roubo de objetos de até um salário mínimo, desde que o criminoso fosse réu primário, teria pena de dois a quatro anos, caso não haja lesões graves e uso de arma de fogo, podendo-se aplicar pena alternativa. O tráfico de drogas em pequenas quantidades, sem comprovado envolvimento em crime organizado e com criminoso réu primário em crime de tráfico de entorpecentes, teria pena de seis meses a dois anos de prisão.
Além dessas mudanças, o promotor propõe a criação da confissão premiada em juízo, com assistência de advogado, como causa de diminuição de pena, e o fim da obrigatoriedade da ação penal, princípio seguido no Brasil pelo qual o Ministério Público não pode optar por não denunciar um crime.
Com as mudanças, diz André Luís Melo, seria possível reduzir a quantidade de presos, pois seria possível a aplicação de penas alternativas, tornando a mudança mais efetiva que os mutirões carcerários, pois, em vez de tirar pessoas das cadeias, elas simplesmente não seriam presas. A ideia, afirma, é reduzir principalmente o número de presos provisórios. Os presos que ainda aguardam o trânsito em julgado de seus processos não são separados dos chamados presos definitivos em 79% dos presídios brasileiros.
O presídio de Araguari não é diferente. Elvis Presley, Lincoln, Cleuber, Aritana, Carlos Antonio, André Luiz, Ciro e os outros 113 presos no local são tanto provisórios quanto definitivos. A reclamação mais comumente ouvida na visita do promotor ao presídio é: “Doutor, estou aqui há meses, mas ainda não fui nem julgado, não sei quanto tempo vou ‘pegar’”. A inquietação quanto a isso é frequente: “Se me julgarem e disserem que eu precisarei ficar aqui por 10 anos, tudo bem, eu sei que estou devendo, mas estou há quatro meses preso sem saber o motivo”, reclama outro preso. Os processos dos presos de Araguari estão se atrasando principalmente porque a comarca está sem juiz fixo, funcionando em rodízio.
Perfil procurado
As prisões em Araguari são normalmente fruto de flagrantes policiais. Isso explica, em grande parte, a semelhança física dos presidiários. Ao contrário das toalhas e panos multicoloridos — apesar de desbotados —, os ocupantes das celas têm em sua enorme maioria a mesma cor: todos pardos.
Jovens, magros, cabelos castanhos, olhos castanhos, baixos ou de altura mediana, orelhas avantajadas e com poucos dentes na boca. São poucos os que se destacam da maioria dos retratos falados, seguindo uma lógica lombrosiana. As características não dão o perfil do “criminoso nato”, mas mostram quem é o cidadão que a Polícia para na rua como suspeito.
Um preso conta: “Os policiais estavam indo lá no meu trabalho todo dia, todo dia. Eu estava só trabalhando, sem fazer nada de errado. Mas eles iam lá todo dia. Até que um dia os caras do serviço ‘puxaram’ um carro. Eu nem estava envolvido, mas vim em cana junto”. Se ele estava envolvido ou não no furto do carro, é a Justiça quem terá de dizer. O que chama a atenção é seu relato sobre a insistência da Polícia em tentar encontrá-lo fazendo algo errado simplesmente, segundo ele, porque ele era ex-presidiário.
Um ex-presidiário voltar para as grades é comum. “Não tem virgem na zona”, diz o ditado popular. Em Araguari, quem está atrás das grades e janelas — cheias de panos, canecas de plástico e produtos de higiene postos para secar — não costuma ser réu primário. O presídio, assim como 78% das prisões de todo o país, não separa réus primários de reincidentes.
A separação, porém, é feita entre homens e mulheres. A ala feminina do presídio de Araguari fica em um pavilhão recém-construído pela comunidade, com doações de brita, cimento, mão de obra e caminhões emprestados. A construção foi feita pela comunidade e por presidiários.
Construído para abrigar 25 mulheres, o pavilhão tem, atualmente, 20 ocupantes. Isso explica em parte a diferença brutal do ambiente masculino e feminino no mesmo presídio. A poluição visual é muito menor onde as mulheres têm um espaço mais adequado para o convívio. As canecas de plástico, garrafas pet, materiais de higiene, toalhas e roupas não precisam ficar se amontoando nas janelas, portas ou em varais improvisados, pois há espaço para os itens dentro das celas. Além, é claro, de a organização da “casa” ser uma habilidade mais cultivada entre as mulheres.
Quem está na ala feminina, porém, não tem a opção de estudar para ter redução de pena. Apesar de estarem a 30 metros da escola, a lei não permite que mulheres e homens estudem juntos — “mesmo que insistam em dizer que o presídio serve para ressocializar”, ironiza o promotor André Melo. As mulheres também não puderam participar da festa junina organizada pelos alunos da escola do presídio na semana anterior à visita do promotor. As letras coloridas ainda pendiam na entrada do presídio, dando inveja a quem não pôde ir: “Arraiá prisioná”, em bom mineirês.
*Texto alterado às 21h41 do dia 29 de julho de 2013.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 29 de julho de 2013

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A má-fé do terror oficial

Época

A má-fé do terror oficial

A lambança na JMJ só se compara à má-fé das versões oficiais dos protestos contra Cabral

RUTH DE AQUINO
26/07/2013 22h04 
 
O papa Francisco bota fé nos jovens. E você? Bota fé na PM e no governo do Rio de Janeiro? O grau de lambança na logística da Jornada Mundial da Juventude só se equipara à má-fé das versões oficiais sobre os protestos contra a corrupção e Sérgio Cabral. Faltou “inteligência” na repressão fardada e infiltrada. Uma repressão seletiva, que fere manifestantes e jornalistas, mas deixa rolar depredações e saques com total impunidade – como aconteceu naquela madrugada no Leblon, até hoje mal explicada. Quem engoliu a história do “pacto com a OAB” para não reprimir crimes comuns contra lojas e patrimônio público?

PMs sem identificação e policiais à paisana – os P2, fantasiados de manifestantes, identificados com uma pulseirinha preta – criaram no Rio um clima de intimidação física e psicológica. Há relatos de sequestro-relâmpago, ameaças de morte, armação de flagrantes, acusações montadas de formação de quadrilha. Há detenções arbitrárias “para averiguação”. Um clima que, como diz Cabral, “afronta o Estado democrático de direito”. Também afronta a democracia o decreto inconstitucional de Cabral exigindo, “em 24 horas”, das operadoras de telefone e provedores de internet, dados telefônicos e informações sobre suspeitos. Ele refraseou o decreto, mas a OAB continua a tachá-lo de ilegal. É essa “a agenda positiva” de Cabral para eleger seu vice Pezão? Cabral teve a pior avaliação entre 11 governadores, segundo o Ibope. Só 19% o apoiam hoje.

O episódio com Bruno Ferreira Teles, manifestante preso “por porte de artefato” perto do Palácio Guanabara, revelou o festival de contradições da PM. Vídeos e fotos no Facebook foram essenciais. Em liberdade condicional por habeas corpus, Bruno provavelmente ainda estaria preso se não fossem essas imagens. O procurador Eduardo Lima Neto, presidente da comissão criada pelo governo para investigar vandalismo, o denunciou por “tentativa de homicídio”.

O que mostram os vídeos e fotos? Bruno com casaco e óculos de proteção, sem mochila e sem máscara, na linha de frente da manifestação contra Cabral, junto à grade, gritando. Subitamente, um coquetel molotov é lançado por trás dele. Um policial à paisana, com camiseta e mochila pretas, tenta prender Bruno. Bruno dá uma “voadora” no P2. PMs perseguem Bruno e atiram. Ele cai desacordado. Um PM dá um choque no rapaz com a pistola Taser. Alguém o refreia: “Ele já está no chão!”. Bruno é arrastado pela rua por policiais. Recobra a consciência e é algemado. Policiais mostram o colete metálico que ele usava – como “prova de vandalismo”. Um PM grita: “Foi ele que tacou o primeiro coquetel molotov”. Bruno nega. “Ele é preso de quem?”, pergunta um oficial. “Do P2”, responde o PM. Na delegacia, o subcomandante da PM acusa Bruno formalmente de ter jogado o artefato. Ele é autuado em flagrante na presença de representantes do Ministério Público e passa a madrugada na cadeia.

Nas redes sociais, acusa-se um P2 de ter lançado o coquetel molotov. Não há prova. A PM diz ser “uma hipótese absur­da imaginar que um policial possa cometer um ato bárbaro contra um companheiro de farda”. O assessor de direitos humanos da Anistia Internacional, o cientista político Mauricio Santoro, enxerga sinais de que policiais à paisana desestabilizem passeatas para justificar a reação da PM. Isso é muito perigoso. Já vimos esse filme antes e ele não acaba bem, não é, presidente Dilma?

A geógrafa Carla Hirt, de 28 anos, foi presa, agredida, ferida com bala de borracha e acusada de formação de quadrilha com mais seis rapazes que não se conhecem. Pagou R$ 700 de fiança “para não ser levada para (o presídio de) Bangu”. O videógrafo Rafucko foi preso e algemado – e diz que o PM encheu sua camiseta com pedras portuguesas para montar uma acusação, rejeitada pela delegada. O sociólogo Paulo Baía foi vítima de sequestro-relâmpago por encapuzados armados, quando saía para caminhar no Aterro do Flamengo. “Disseram pra eu não dar mais nenhuma entrevista falando da PM.” O estudante Rodrigo D’Olivera Graça, de 19 anos, diz ter sido colocado por quatro encapuzados “no banco de trás de um Sandeiro branco” e ameaçado caso não saísse das ruas. Aconselho a comissão de Cabral a investigar todas as denúncias graves relacionadas aos protestos, se estiver preocupada com direitos humanos.

Cinegrafistas e jornalistas passaram a ser alvos de PMs no Rio. Câmeras foram quebradas. Um policial prendeu “para averiguação” Filipe Peçanha, do Mídia Ninja, que transmite as manifestações por internet. Outro PM deu golpe de cassetete na cabeça do fotógrafo Yasuyoshi Chiba, da AFP. A versão da PM era: “Atingido por coquetel molotov lançado por manifestante”. É condenável divulgar como “verdades” os releases da PM sem investigar antes. Não bote fé.

Falta de transparência: qual a explicação para tamanho incremento de pessoal?



Presidente gasta o dobro do que Lula com segurança
29 Jul 2013

Nos dois anos e meio do governo da presidente Dilma Rousseff já foram desembolsados RS 67,1 milhões com "Segurança Institucional do Presidente da República e do Vice-Presidente da República, Respectivos Familiares, e Outras Autoridades", O valor representa o dobro do que foi gasto no segundo man¬dato do governo Lula, quando foram desembolsados R$ 32,6 milhões. Os dados foram levantados pelo site Contas Abertas.
A "segurança institucional" se destina a proteger as autoridades e seus familiares em Brasília e nos Estados onde há escritórios regionais da Presidência. O maior deles, em São Paulo, era dirigido por Rosemary Noronha, indicada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e afastada por suspeita de tráfico de influência. Existem escritórios em Porto Alegre, onde mora a filha, o genro e o neto de Dilma, e em Belo Horizonte,
O aumento das despesas reflete a elevação de 41% do número de servidores do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) entre 2002 e 2013. Quando o governo Fernando Henrique Cardoso acabou, em 2002, o órgão tinha 646 servidores, sendo 586 seguranças. Em 2003, o número tinha subido para. 720, chegando a 833 em 2006.
No início do governo Dilma este número chegou a 898 servidores, sendo 836 seguranças. Em 2012 subiu mais uni pouco, atingindo 907 servidores, e em 2013 chegou a 913 funcionários.
Com a onda de manifesta¬ções de rua, em junho, o esque¬ma de segurança foi reforçado. O Planalto comprou grades estilizadas, colocadas na frente do Palácio. Até então, as grades eram alugadas.

Henrança imperial nada democratica

[Com todo respeito ao BGP, não conheço qualquer democracia que mereça este nome que o Exército faça a segurança do Presidente da República]



Batalhão da Guarda Presidencial faz 190 anos
29 Jul 2013

O aniversário foi comemorado no dia 26, com a presença da dupla sertaneja Pedro Paulo e Matheus. O evento reuniu mais de quatro mil pessoas

TATIANE ALVES


O Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) comemorou na sexta-feira (26) 190 anos de existência. A solenidade foi realizada no BGP, e começou às 20h. O evento contou com a presença da dupla Pedro Paulo e Matheus. Segundo o coronel Corriere de Castro, a festa foi um espetáculo inesquecível. “Foi um grande show. Para quem nunca viu, foi um espetáculo inesquecível e inigualável, que não se vê em lugar algum do mundo”, destaca o coronel. O cantor Pedro Paulo serviu o Batalhão por quase sete anos. Começou como soldado, chegou a sargento.
O público foi de 4 mil pessoas, entre familiares dos oficiais, subtenentes, sargentos, cabos soldados, convidados do batalhão, autoridades civis e militares. O Batalhão possui um efetivo de 1,7 mil soldados. Sua origem é de 1823, quando D. Pedro I libertou o país do julgo português. “Esses 190 anos representam para nós a honra de estarmos mantendo a história de uma unidade tão tradicional e de quase dois séculos de existência”, frisa o coronel Corriere.
Coronel Corriere de Castro intitulou o evento como um ''espetáculo inesquecível''Foto: Gabriel AzevedoCoronel Corriere de Castro intitulou o evento como um ''espetáculo inesquecível''
O Batalhão do Imperador foi composto por militares de elevado conceito e valor, incluindo o Alferes Luís Alves de Lima e Silva mais conhecido como Duque de Caxias, primeiro porta-estandarte do Brasil independente. Com destaque na Guerra da Cisplatina, conseguiu o posto de major e subsequente subiu ao patamar de subcomandante da unidade, tendo como comandante seu tio e coronel José Joaquim Alves de Lima.
Diferente do Duque de Caxias, que tem uma trajetória de glórias, D. Pedro I não conseguiu se estabelecer e foi obrigado a abdicar ao trono. Com o fracasso de D. Pedro I, o Batalhão do Imperador foi extinto, renascendo apenas em 1933, como Batalhão de Guardas e tendo sua sede no Rio de Janeiro, capital federal da época.
Somente em 1960, quando Brasília se torna a capital do Brasil, o Batalhão da Guarda foi  transferido para o Planalto Central, tornando-se o Batalhão da Guarda Presidencial. De lá para cá, o BGP cumpre missões de destaque no âmbito do Exército brasileiro, principalmente a de guardar as instalações da Presidência da República e do Comando do Exército, de chefes de Estados e do corpo diplomático, além de ser e apto para operações de garantia da lei e da ordem. Em 2001 recebeu a denominação de Batalhão Duque de Caxias.
Todo final de ano, o BGP forma 30 oficiais, além de oferecer curso de caçador e formação de cabos. “Herdar uma tradição dessas, de 190 anos de existência em um país não muito antigo como é o Brasil, é uma honra muito grande para todos nós”, afirma o coronel Corriere de Castro.
Ao longo da semana serão realizadas competições militares que envolvem força, inteligência, velocidade, montagem de armamento e cultos religiosos. Para integrar essa unidade com missão tão importante das forças armadas brasileira, seu efetivo passa por rigorosa seleção técnica operacional, psicológica e física. Sua denominação é uma homenagem ao grande Duque de Caxias, patrono do Exército brasileiro e primeiro porta-estandarte do Batalhão.

Papel do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP)

Principais Missões: Suas principais missões são: guarda dos palácios presidenciais, cerimonial militar, escolta de autoridades com batedores militares com as motocicletas e aptos a participar de operações de garantia da lei e da ordem. Além de formar cerca de 500 recrutas por ano, que prestam serviço militar na BGP, entre eles médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários, oferece um núcleo de preparação de oficiais da reserva. Todos os anos são formados 30 oficias da reserva, soldados, cabos. O batalhão também possui cães de guerra.
Banda de Música : A banda de música da BGP é a alma do Batalhão. A banda tem um efetivo de 93 militares, entre oficial, subtenentes, sargento e cabos. Possui uma equipe de corneteiros composta por três sargentos, quatro cabos e 20 soldados. É precursora na criação do Grupo de Gaitas de Fole e Tambores. Atualmente é comandada e regida pelo capitão e músico Paulo Cezar Pedroso. Dentre suas missões, destacam-se o cerimonial militar e as honras prestadas na capital federal a autoridades nacionais e estrangeiras em visita oficial ao Brasil.
Batalhão da Saudade: Nos anos 60 não havia em Brasília um efetivo recrutável consistente do serviço militar obrigatório, então o recrutamento que servia  na guarda presidencial em Brasília era feito no Paraná, no interior de São Paulo e Santa Catarina. Esses recrutas, há cerca de 25 anos, criaram em São Paulo, uma associação chamada de Batalhão da Saudade. Na sexta feira, cerca de 200 pessoas foram em caravana para Brasília a fim de prestigiar o evento.

Cabral e seu DOI-CODI

http://institutoliberal.org.br/blog/?p=5062


Cabral e seu DOI-CODI particular: o CEIV

BERNARDO SANTORO *
Uma das funções mais chatas do advogado é se manter atualizado sobre as novas leis. Cada nova lei é uma possibilidade potencial de enriquecimento do advogado. Dentro desse espírito empreendedor, estava lendo o Diário Oficial do Estado do Rio de hoje e logo de cara me deparo com uma monstruosidade: o Decreto 44.302/2013, que cria a CEIV, Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas.
Em outras oportunidades já argumentei que direito de greve e de protesto não é bagunça, e que o direito de manifestação não pode impedir o direito de ir e vir de outras pessoas, além disso, é evidente que o vandalismo deve ser ferozmente coibido e qualquer crime deve ser sempre punido, realizado ou não em manifestações. Mas esse CEIV passa de todos os limites razoáveis impostos pela democracia: cria um DOI-CODI fluminense em plena democracia.

Para quem não sabe, o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) era um órgão de investigação do exército destinado a suprimir quaisquer manifestações e tentativas de questionar a ditadura militar, sendo responsável pelo sumiço e morte de várias pessoas. Parece ser clara a inspiração do Governador no DOI-CODI para a criação da CEIV. O art. 1o tem mais conteúdo administrativo e não vem ao caso, mas os arts.  2o e 3o são verdadeiras monstruosidades antidemocráticas, e merecem comentários próprios. Vejamos:
Art. 2º. Caberá à CEIV tomar todas as providências necessárias à realização da investigação da prática de atos de vandalismo, podendo requisitar informações, realizar diligências e praticar quaisquer atos necessários à instrução de procedimentos criminais com a finalidade de punição de atos ilícitos praticados no âmbito de manifestações públicas.
O que seriam “todas as providências necessárias à realização da investigação”? Tortura? Sequestro? Essa redação é típica de ato de exceção. A realização de investigação criminal é privativa de delegado, expansível no máximo para o Ministério Público (com controvérsias, diga-se), e, em casos excepcionais, para CPIs, sempre com autorização constitucional. A Constituição veda que o poder executivo, fora da polícia judiciária, investigue crimes. Investigação de crimes por órgãos do poder executivo fora da polícia judiciária é típico de regimes fascistas, onde se usa desse expediente para fins políticos de perseguição de minorias e oposicionistas. Qualquer crime praticado em manifestações públicas deve ser investigado e punido como se tivesse sido praticado fora da manifestação. O fato de ter sido cometido em manifestação política não qualifica e nem desqualifica o crime.
Art. 3º. As solicitações e determinações da CEIV encaminhadas a todos os órgãos públicos e privados no âmbito do Estado do Rio de Janeiro terão prioridade absoluta em relação a quaisquer outras atividades da sua competência ou atribuição.
Parágrafo Único – As empresas Operadoras de Telefonia e Provedores de Internet terão prazo máximo de 24 horas para atendimento dos pedidos de informações da CEIV.
Esse artigo é o fim da democracia. De acordo com esse decreto, fica revogado o direito de sigilo do cidadão fluminense. Entidades privadas como bancos e operadoras de telefonia estariam obrigadas a entregar toda e qualquer informação nossa ao CEIV. Essa medida é tão ilegal que até mesmo a polícia, para investigar crimes, precisa de autorização judicial para poder quebrar o sigilo fiscal, bancário, telefônico e de dados dos cidadãos. E ainda assim os juízes só podem conceder autorização se a autoridade policial demonstrar que essa quebra é fundamental para as investigações. Sigilos só podem ser quebrados em última instância, mas não para o Governador Cabral e sua CEIV.
E o que é mais revoltante: crimes investigados por essa CEIV têm prioridade sobre qualquer outra investigação. Vamos por isso em perspectiva: se amanhã uma criança for estuprada e assassinada no Leblon, esse crime deixará de ser prioridade para os órgãos de investigação frente à quebra de uma vidraça de uma loja no próprio Leblon ocorrida durante uma manifestação. Essa é uma completa inversão de valores. Todos os crimes devem ser investigados e seus agentes presos e condenados, sem priorizar qualquer um deles, mas se tiver que se priorizar alguma investigação, por qualquer motivo, obviamente que os crimes contra a vida devem ter prioridade.
Por tudo isso, é flagrantemente inconstitucional esse decreto expedido pelo Duce carioca, e este articulista pugna que todos os crimes sejam investigados e os criminosos encontrados e penalizados, sem distinção de preferência política e com respeito aos direitos individuais básicos, sem uso do aparelho estatal para fins de perseguição política.
* DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL

domingo, 28 de julho de 2013

Patrimonialismo não rima com democracia

IstoÉ

  N° Edição:  2280 |  26.Jul.13 - 20:40 |  Atualizado em 28.Jul.13 - 16:57

Nora protegida

Às vésperas de dar à luz o neto de Renan Calheiros, a veterinária Paula Meschesi foi nomeada para o Senado com salário de R$ 17 mil. Em 2011 e 2012, sua mãe e irmã também garantiram emprego na Casa

Josie Jeronimo

O contracheque da veterinária Paula Meschesi mostra que no mês de junho seus rendimentos brutos chegaram a R$ 26,7 mil, somados o salário, a antecipação da gratificação natalina e o auxílio pré-escolar. Especialista em ciências biológicas, ela trabalha na secretaria de Educação à Distância do Senado como coordenadora de dois cursos online intitulados “Fundamentos da Administração Pública” e “Excelência no Atendimento”, que ensina alcançar a “eficácia no atendimento por telefone”. O emprego de Paula é o cargo dos sonhos para muitos concurseiros que lotam as aulas de preparatórios para conseguir uma vaga no serviço público. Mas, ao contrário desses aspirantes ao funcionalismo, a veterinária conseguiu o salário base de R$ 17,1 mil sem passar por nenhum processo seletivo. Paula Meschesi foi nomeada no dia 21 de julho de 2006 por um daqueles famigerados atos secretos do ex-diretor do Senado, Agaciel Maia. Na época, grávida e casada com Rodolfo Calheiros, filho do atual presidente do Senado, Renan Calheiros, que naquele ano também presidia a Casa. Tudo leva a crer que a nomeação da nora de Renan foi feita às pressas, porque àquela altura a gravidez estava num estágio bastante avançado. Uma semana depois de efetivada no cargo, a veterinária pediu uma licença de 120 dias para dar à luz o neto de Renan, Renzo Calheiros.
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PRIVILEGIADA
Mãe do neto de Renan, Paula está no Senado desde 2006
Podem acusar Renan de tudo, menos de não ter sido generoso com a família da mãe de seu neto. Em fevereiro de 2011, menos de cinco anos depois de garantir emprego no Senado à sua nora, Renan nomeou a mãe dela, a bela Mônica Meschesi, para dar expediente em seu gabinete. Na ocasião, Renan não era mais presidente do Senado, e sim líder do PMDB na Casa. No ano passado, de volta ao comando do Congresso, Renan fez mais. Articulou um emprego para a tia do seu neto Renzo. Irmã de Paula, Eduarda Meschesi entrou para o Senado pela porta da terceira-secretaria da Casa. Em fevereiro desse ano, foi transferida para a quarta-secretaria. A jovem funcionária tem regime especial de frequência e não é obrigada a registrar presença nos pontos digitais espalhados pelas dependências do Senado.
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TUDO EM CASA
Mônica (à esq.) e Eduarda Meschesi trabalham, respectivamente,
na liderança do PMDB e na quarta-secretaria
Atualmente, a mãe do neto de Renan encontra-se rompida com o filho do presidente do Senado, mas engana-se quem pensa que a família Meschesi esteja desamparada. Pelo contrário. Tanto a nora de Renan quanto sua mãe e irmã permanecem nos respectivos cargos. O salário de Mônica no mês passado foi de R$ 2 mil. Já o salário de Eduarda foi de R$ 1,6 mil e mais R$ 700 em auxílios. Em junho, os rendimentos das três integrantes da família Meschesi, somados, ultrapassaram a casa dos R$ 30 mil.
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CANETA SELETIVA
Renan diz que só é responsável por uma
nomeação, a da avó de seu neto
Procurado pela ISTOÉ, Renan, por meio de sua assessoria, se responsabilizou apenas pela nomeação da avó de seu neto. Já Paula Meschesi, alegou Renan, não foi nomeada por ele, mas pelo ex-senador Adelmir Santana. Ou seja, no mínimo, essa situação se enquadraria num caso clássico de nepotismo cruzado.
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Fotos: Divulgação; Adriano Machado/AG. ISTOÉ

Populismo não rima com democracia


Folha de S. Paulo, 28 de julho de 2013.

Ferreira Gullar
Salve-se quem puder

A verdade é que o setor da sociedade que nada lucrou com o populismo lulista decidiu ir às ruas
Seria muita pretensão minha afirmar que entendo perfeitamente o que está ocorrendo no país, desde as passeatas de protesto que invadiram as ruas das principais cidades e abalaram o prestígio aparentemente inabalável do governo petista.
Trata-se, sem dúvida, de um fenômeno novo, surpreendente mesmo num país que parecia adormecido, como que indiferente aos escândalos que comprometeram o governo de Lula, à inoperância que acomete o governo de Dilma e à corrupção generalizada dos políticos.
A verdade é que, de meu ponto de vista, o setor da sociedade que nada lucrou com o populismo lulista --vendo que esse estado de coisas prometia manter-se indefinidamente, dados os altos índices de aprovação da atual governante-- decidiu sair às ruas e dizer "basta!".
Multidões manifestaram seu descontentamento com a situação social e política, denunciando a corrupção, a inoperância e a incompetência administrativa. O nível de aprovação de Dilma despencou. Lula, como faz sempre que a coisa encrenca, sumiu, mas a questão estava posta: o povo exige mudanças drásticas, o contrário do quadro mantido nestes dez anos de governo petista.
Lula e sua turma tentaram "aderir" aos protestos, mas foram repelidos. Em face disso, tendo ficado claro que as centrais sindicais foram cooptadas pelo governo, resolveram fingir que também estão descontentes. Um fiasco, já que essas centrais, dominadas por pelegos, não representam mais ninguém.
Como se não bastasse o número relativamente inexpressivo de manifestantes, tampouco suas palavras de ordem corresponderam ao descontentamento explícito nos protestos "desorganizados" que sacudiram a sociedade no mês passado.
Embora nas últimas semanas aquelas manifestações populares massivas tenham cessado, outros tipos de protestos tomaram as ruas. Diferentemente daquelas (ao que tudo indica, desvinculadas de quaisquer entidades), essas últimas foram, sem dúvida, organizadas por categorias profissionais, que exigem providências efetivas, da parte do governo, na solução de problemas concretos. É o caso dos médicos, dos professores, dos policiais militares.
Desta vez, os manifestantes exigem providências efetivas para resolverem questões profissionais e atenderem a promessas que o governo fez e não cumpriu. Isso representa uma mudança qualitativa no caráter dos protestos --que, ao que tudo indica, tendem a se multiplicar e ampliar, deixando à mostra a inépcia do governo na solução desses problemas.
É que o populismo petista --embora se trate de um partido dito dos trabalhadores--, voltado para a compra de eleitores carentes, desvinculou-se do real interesse das categorias profissionais, concentrado como está no assistencialismo.
Não resta dúvida de que melhorar as condições de vida dos setores mais carentes da sociedade --como fez Lula, ampliando o número de beneficiário do Bolsa Família-- é providência em princípio correta que merece apoio e reconhecimento. O erro não está aí e, sim, em ignorar que programas como esse, de caráter assistencial, devem ser realizados como medidas emergenciais. Correto é, a par disso, criar condições para que as pessoas vivam de seu trabalho e de sua competência profissional.
Todo mundo sabe que uma das características marcantes do governo petista é a autopromoção, de Dilma a Mantega. Quando falam em público, é para elogiar o próprio governo, dizer que está tudo às mil maravilhas e que o PIB vai crescer.
O PIB não cresce, eles atribuem a culpa a algum fator não governamental e continuam a manipular os dados econômicos para fingir que está tudo bem.
Mas isso é só para enganar a opinião pública, porque eles sabem muito bem que a situação real é outra. Agora, estão embananados porque o povo nas ruas mostrou que já não se deixa enganar. A prova disso é a queda assustadora da aprovação de Dilma nas pesquisas, o que ameaça a sua reeleição em 2014.
Esses fatos explicam a mudança de atitude do principal aliado do governo, o PMDB, que se opõe ao plebiscito proposto por Dilma e sugere a redução do número de ministérios. Pura sacanagem, para explorar a fragilidade de Dilma e tirar partido disso. É que parece estar chegando a hora do salve-se quem puder.

sábado, 27 de julho de 2013

Poder de Polícia para as FFAA em área urbana



Forças Armadas terão poder de polícia no Centro e na Zona Sul
27 Jul 2013

Exército fará a segurança na rota da peregrinação. PM também vai atuar

Antônio Werneck

Claudio Motta

 

As Forças Armadas vão atuar na segurança nos últimos dias da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Os militares já estavam acionados para atuar em Guaratiba e, agora, vão fazer a segurança do Centro e da Zona Sul. Para isso, foi preciso editar novo decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com a assinatura do governador Sérgio Cabral e da presidente Dilma Rousseff. A GLO dá plenos poderes às Forças Armadas, sob o comando do Exército, para atuar com poder de polícia nessas áreas.
Serão usados homens fardados e desarmados no policiamento da orla do Rio, revelou ontem o Centro de Coordenação de Defesa de Aérea do Rio. Da calçada até o mar, os militares não usarão sequer armas não letais. O policiamento será feito a pé, por grupos de até oito homens. Na Avenida Atlântica, apenas oficiais estão orientados a portar arma, mesmo assim pistolas. No palco onde o Papa Francisco vai encerrar a Jornada, os militares usarão ternos e também não estarão armados.
Ao todo, a operação mobilizará 10,2 mil militares das Forças Armadas, sendo cerca de 2,5 mil militares da Marinha, 7 mil do Exército e 700 da Força Aérea. O Exército usará 11 helicópteros e 380 veículos.
As polícias Militar e Civil não perdem a responsabilidade pelo patrulhamento da cidade, nem mesmo nas regiões cobertas pelas Forças Armadas. De acordo com Roberto Alzir, subsecretário Extraordinário de Grandes Eventos da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio, o contingente estadual continua mobilizado para a JMJ, com ênfase à circulação dos peregrinos na Região Metropolitana, outros eventos do Papa Francisco e os locais de interesse turístico. A PM, que mobiliza 1,5 mil homens por dia para a JMJ, poderá reduzir este efetivo para 300.
As polícias não perdem o seu poder, mas trabalham sob coordenação das Forças Armadas - explicou Alzir. - Já tínhamos a previsão de que sábado e domingo ficariam sob responsabilidade das Forças Armadas, em virtude até do esgotamento físico da PM, que enfrenta uma sobrecarga de serviço muito grande. Seria um desperdício de dinheiro público se não aproveitássemos esse apoio.
Homens da Força Nacional de Segurança também estão atuando na segurança da Jornada.

Logística mais simples em Copa

As Forças Armadas trabalham com um orçamento de R$ 27,5 milhões, que não mudará por conta da transferência da JMJ de Guaratiba para Copacabana. Este valor já foi liberado e inclui o transporte do Papa para Aparecida, a vinda e a volta dos papamóveis do Vaticano para o Brasil e até o combustível dos deslocamentos de tropas.
- Vai acontecer exatamente o que estava previsto para Guaratiba, mas em Copacabana. Quando é decretada a GLO, a coordenação operacional passa para o Ministério da Defesa - disse José Monteiro, diretor de operações da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, do Ministério da Justiça. - Os primeiros compromissos do Papa Francisco, na parte da manhã, ainda estão sob nossa responsabilidade. O mesmo acontece toda vez em que ele estiver fora da área de Copacabana.
De acordo com militares, a mudança para Copacabana traz vantagens operacionais. Guaratiba era considerado um lugar de difícil acesso, pouca infraestrutura e sofria com a lama no terreno. Além disso, as Forças Armadas já contam com grande estrutura na Zona Sul e no Centro, como fortes e quartéis. Por isso, o hospital de campanha montado na Zona Oeste foi desmontado. Agora, o suporte médico à JMJ contará com unidades como o Hospital Central do Exército, em Benfica.
O Exército coordenará as ações no eixo de peregrinação, da Central do Brasil até Copacabana, além da segurança do altar, na praia.
A Marinha ficará responsável pela segurança marítima e fluvial na orla e na Baía de Guanabara, incluindo as cabeceiras dos aeroportos Tom Jobim e Santos Dumont. Um grupamento de Fuzileiros Navais reforçará as ações do Exército em Copacabana e no eixo de peregrinação.

Existe Estado de Direito no Brasil ou apenas um conjunto de leis

 [A PM detém ilegalmente leva a pessoa ("elemento") à delegacia, e o delegado o mantém preso. Dupla ilegalidade. Existe Estado de Direito no Brasil?]

Luiz Edson Fachin
TENDÊNCIAS/DEBATES
A PM pode prender manifestante para averiguação?
não
Excessos cometidos

Não é legal a detenção aleatória de manifestantes pela força policial. E é indisfarçável violação a direitos fundamentais a exposição promovida pela Polícia Militar na internet da imagem de cidadão detido.
O conjunto das ações repressivas da PM tem sido prova do colapso ético e jurídico vivenciado especialmente nos últimos episódios transcorridos no Rio de Janeiro e agora em protesto ocorrido na celebrada presença papal.
A prisão antes da condenação transitada em julgado somente se justifica se for eminentemente cautelar. Seja preventiva ou temporária, em qualquer hipótese, é necessária prévia ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Há a exceção da prisão em flagrante, mas somente se pode considerar como tal ocorrência típica aquela cuja execução esteja em andamento.
Participação em manifestação popular não é crime, ao revés é direito fundamental coerente com o Estado democrático de Direito.
A atuação da PM do Rio viola premissas básicas do estado de inocência. Essa condição pessoal impõe dever de consideração de inocente tanto ao juiz, quanto a todos, pessoas físicas ou entes públicos, inclusive os órgãos de persecução penal.
A abominável "prisão para averiguação", além de absurdo jurídico, é uma reminiscência autoritária e faz do aparato policial uma afronta ao regime democrático.
A Constituição brasileira segue a mesma trilha da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ao garantir a toda pessoa direito à liberdade e de não ser privada dessa liberdade física, salvo nas causas e nas condições previamente fixadas em lei. Não há crime nem pena sem lei que previamente defina o fato como criminoso, afirmação que se tornou cláusula pétrea da Constituição brasileira.
É criticável a atuação da PM do Rio de Janeiro ao promover prisões arbitrárias de manifestantes, bem como ao divulgar indevidamente imagens nas redes sociais. É abusiva essa prática de expor manifestantes pelo Twitter, Facebook e outros meios, pois os transforma em instrumentos nocivos e fomentadores de estigma, além de afrontar a presunção de inocência.
Tal divulgação é um desvio que se agrava quando praticado por órgão estatal, como se fez na página do Twitter da PMERJ. A publicação de imagem é reveladora de compreensão equivocada sobre os limites e o sentido institucional do emprego de mídias por entes estatais e ainda é desprezo pelos direitos básicos das pessoas.
Isso também se dá quando a autoridade política, no exercício administrativo de funções, passa a exigir de empresas de telefonia e de provedores de internet informações sobre participantes dos protestos.
Sem prévia autorização judicial, há notória violação da privacidade, razão provável da revisão determinada pelo governador Sérgio Cabral do decreto que continha tal ilegalidade. A proteção dos direitos da personalidade implica a vedação à exposição indevida e obsta iniciativas de obtenção não autorizada de dados pessoais.
Portanto, é igualmente ofensiva aos direitos da pessoa a exposição pública da imagem dos detidos pela PM e a busca direta de dados relativos a comunicações telefônicas e virtuais de investigados.
Os abusos cometidos devem ser rigorosamente apurados pela respectiva corregedoria e também pelo Ministério Público, que não podem nem devem se omitir. O sentimento cidadão é de ausência de punição como regra e de alguma punição como exceção.
Não se nega à PM, nos limites constitucionais, o uso controlado da força. Mas é preciso distinguir uso de abuso. O direito de opor-se integra essa diferença. É seu dever garantir --e não violar-- tal direito.
LUIZ EDSON FACHIN, 55, é advogado, professor de direito da Universidade Federal do Paraná, professor visitante do King's College (Londres) e presidente da Academia Paranaense de Letras Jurídicas

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Metade dos dispositivos constitucionais ainda não foram regulamentados

A conspiração da burocracia

Autor(es): Alfredo Bonduki
Valor Econômico - 26/07/2013
 

A Constituição de 1988, que está completando 25 anos em 2013, e a legislação ordinária brasileira, a despeito da necessidade de modernização de alguns preceitos estruturais, como as reformas tributária, previdenciária e trabalhista, têm conteúdo bastante adequado à inserção do país nos mais contemporâneos conceitos do capitalismo democrático. Não nos faltam leis bem fundamentadas para as garantias dos direitos individuais e coletivos, equilíbrio entre prerrogativas e deveres, bom funcionamento das empresas, sanções criminais e normalização dos processos de interação entre as pessoas e os sistemas sociais.
No entanto, o Brasil peca em demasia no cumprimento de seu marco legal. Não apenas pela propalada lentidão da Justiça, mas, sobretudo, por algo pouco comentado toda vez que se reclama da impunidade, da insegurança jurídica ou do excesso de burocracia e/ou normas exageradas para o desembaraço de papéis, certidões, guias de importação ou exportação, financiamentos, abertura e fechamento de empresas e outros constrangimentos a que estão rotineiramente sujeitas as pessoas físicas e jurídicas todas as vezes que necessitam de um procedimento dessa natureza. Refiro-me ao processo de regulamentação de leis, portarias, resoluções e até mesmo de alguns princípios constitucionais.
A famigerada regulamentação é a versão mais desabonadora do jeitinho brasileiro
Criam-se leis voltadas à solução de questões importantes da vida nacional, mas, na prática, o problema persiste, pois a regulamentação demora a ser feita. Por que, então, não se fazem leis autoconclusivas e já aplicáveis a partir de sua aprovação? O imbróglio, aliás, começa no tocante à própria Constituição de 1988. Um quarto de século após sua promulgação, metade de seus dispositivos, ou seja, cerca de 180 itens, ainda não foi regulamentada. Por isso, instituiu-se uma comissão específica no Congresso Nacional para cuidar desse absurdo atraso. Aliás, criar grupos de trabalho e comissões é outro costume nacional para postergar decisões. Uma espécie de eufemismo para a prática de empurrar tudo com a barriga.
Por todas essas razões, a famigerada regulamentação é a versão mais desabonadora do jeitinho brasileiro, a serviço do não cumprimento de leis e normas. Enquanto isso, setores de atividades ficam à espera das decisões e ao léu dos humores dos burocratas, do capricho dos políticos e da agenda dos parlamentares.
O mais recente exemplo dessas desventuras dos segmentos produtivos nacionais que dependem de uma legislação para solucionar entraves e/ou ser mais competitivos diz respeito à Resolução 13 do Senado Federal, que estabeleceu alíquota única de 4% para o ICMS, em todo o território nacional, para os produtos constituídos por mais de 40% de conteúdo importado. A aprovação da medida, reivindicada e apoiada por numerosos setores de atividade e suas entidades de classe, dentre elas o Sinditêxtil-SP, colocaria fim à Guerra dos Portos, que consiste na isenção ou redução da cobrança daquele tributo estadual no ingresso de mercadorias estrangeiras em determinadas unidades da Federação.
Essa vantagem reduz ainda mais a competitividade da indústria nacional. Afinal, trata-se de prática que estimula muito a importação e contribui para que mercadorias estrangeiras entrem no nosso mercado com preços ainda mais competitivos. Na verdade, é uma visão muito local, sem se pensar nas consequências em médio prazo, pois os próprios governos estaduais acabam sofrendo as consequências do desemprego e queda de arrecadação das empresas brasileiras.
Pois bem, na prática, depois de todo o esforço pela aprovação da Resolução 13, há o risco de tudo continuar como antes. O motivo, é claro, encontra-se na regulamentação, absolutamente inviável. O trâmite do processo está em análise no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), constituído pelos secretários de Fazenda de todos os Estados, inclusive os protagonistas da Guerra dos Portos. Acreditem se quiser, mas parte desse colegiado, no qual as decisões têm de ser unânimes para entrar em vigor, quer que as empresas calculem o conteúdo importado presente nos produtos em cada etapa do processo produtivo. Na cadeia automobilística, por exemplo, que tem mais de cinco mil peças, a indústria teria de incluir no cálculo final do produto cada um desses componentes e seu percentual de importação, para somente depois declarar se o objeto é estrangeiro. Ora, não há seriedade nisso. É algo inviável técnica e economicamente. Uma exigência pensada exclusivamente com o intuito de inviabilizar a tal regulamentação.
Os efeitos danosos disso podem ser constatados nos números da indústria têxtil e do vestuário, divulgados pela ABIT: no primeiro trimestre deste ano, o déficit da balança comercial setorial foi de US$ 1,5 milhão. No acumulado do ano, as importações de produtos têxteis e de vestuário somaram US$ 1,8 bilhão, um aumento de 4,7% em relação a igual período do ano passado. As exportações, evidenciando a paulatina perda de competitividade, tiveram alta de apenas 0,33%. No tocante à produção física, os números também são negativos: houve diminuição de 7,05% no vestuário e de 7,11% de têxteis.
Enquanto a indústria nacional vai perdendo mercado, segue-se postergando uma solução legal para reverter parte expressiva do problema. É uma contradição! O mais grave é que não se trata de algo complicado. Para o cumprimento da Resolução 13 bastaria adotar o Regime de Regras de Origem, mecanismo eficazmente utilizado no controle da nacionalidade dos produtos. Corremos o risco de, mais uma vez, assistir à anulação dos efeitos práticos de uma ótima medida, devido a deliberadas manobras para tornar impossível a sua execução prática. É por desatinos como esse que, muitas vezes, os brasileiros sentem-se vivendo num país sem leis.
Alfredo Bonduki é engenheiro formado pela Escola Politécnica da USP, é empresário e presidente do Sinditêxtil-SP.

Infiltrados oficiais--um oxímaro

[Qual é o problema destes PMs irem fardados e identificados? É uma ótima maneira de proteger os que querem se manifestar ordeiramente, em vez de usar somente o Batalhão de Choque. Para que letra e número? Quem controla esta lista?]

Infiltrados oficiais
26 Jul 2013

DESORDEM NAS RUAS

 

PMs à paisana dão lugar a fardados para vigiar e revistar manifestantes em ato no Leblon

Fabíola Gerbase, Letícia Fernandes, Natanael Damasceno e Renata Leite


Depois de ter causado polêmica com o uso de policiais infiltrados nos protestos pela cidade, a Polícia Militar decidiu oficializar a estratégia. Na manifestação realizada ontem perto da casa do governador Sérgio Cabral, na esquina da orla com a Rua Aristides Espínola, no Leblon, um grupo de cem policiais circulava entre os participantes do ato fazendo revistas, especialmente de quem estivesse com mochila, em busca de supostos artefatos. Mas, desta vez, os PMs estavam fardados. Os manifestantes responderam com vigilância - cada revista era acompanhada de perto com o registro feito por vídeos e fotos - e reclamaram da falta de identificação nos coletes usados pelos policiais. Divididos em cinco grupos de 20 homens, os PMs traziam nos coletes apenas uma letra (de A a E para cada grupo) e um número (de 1 a 20). Segundo o tenente-coronel Mauro Andrade, que comandava a abordagem, não houve tempo para preparar a identificação dos coletes.
- O objetivo é patrulhar dentro das manifestações para ser seletivo. Quando o Batalhão de Choque atua, não consegue fazer essa separação. Estamos tentando nos adaptar. A corporação fez um estudo de caso e observou uma lacuna no controle da multidão - disse o tenente-coronel.
Andrade informou ainda que, em caso de problema com algum PM, é possível procurar a Corregedoria da Polícia Militar e informar a letra e o número da identificação, suficientes para se chegar ao nome do policial. O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Ronaldo Cramer, no entanto, afirma que a falta de identificação viola a Constituição do estado:
- Ainda não fui informado sobre isso pelos representantes da OAB que foram ao protesto, mas, se estiver acontecendo, claro que é uma violação, especificamente do artigo 191. Ele exige que o policial, ao abordar um cidadão, se identifique com nome, cargo, posto e local onde está lotado.
Um dos PMs que atuava entre os manifestantes repudiou a truculência policial:
- Eu sou usuário do serviço que presto. Essa nova estratégia é para diminuir a truculência policial, que realmente está inadmissível.
Perto da casa de Cabral, os manifestantes pediram a desmilitarização da polícia e a saída do governador. Foram recolhidos donativos para a família do pedreiro Amarildo Dias de Souza, morador da Rocinha desaparecido desde 14 de julho após ser levado para a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Ele foi lembrado novamente no ato que os manifestantes fizeram em frente à Toulon, depredada no dia 17 de julho. Um manifestante caracterizado como padre encenou uma missa em homenagem aos manequins da loja e lamentou que a depredação tenha tido mais repercussão do que o sumiço de Amarildo. De lá, os manifestantes seguiram para Copacabana pela Avenida General San Martin e pela Rua Prudente de Morais, no sentido oposto ao do trânsito, causando muita retenção. Foi preciso fechar vias e fazer o desvio do tráfego.
Até Copacabana, não houve confronto. No trajeto, o ato ganhou adeptos e reuniu mais de 500 pessoas. Um homem com uma faca foi detido.

Exército legislando contra a Constituição--tudo é possível na "democracia" brasileira

Impasse na segurança: JMJ decidirá nesta sexta-feira quem comandará operação em Copacabana
26 Jul 2013

Rio de Janeiro

 

Pelas reuniões desta quinta-feira, o mais provável é que o Exército coordene a operação no fim de semana. Na madrugada desta sexta, começa desmonte do Campus Fidei

Cecília Ritto, do Rio de Janeiro


A equipe da segurança da Jornada Mundial da Juventude passou o dia a portas fechadas, entrando e saindo de reuniões para definir o rumo da segurança do evento. Com a decisão da Igreja de realizar a missa final em Copacabana, e não mais em Guaratiba, onde o terreno encharcado não suportaria a multidão de fiéis, uma das questões centrais é quem vai assumir a tarefa de patrulhar e assegurar a tranquilidade no bairro. A divisão anterior era de que o Ministério da Justiça, através da Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos, assumiria a segurança dos eventos em Copacabana, e o Ministério da Defesa, com o Exército, coordenaria a área de Guaratiba. A tendência é de que os militares estejam no comando de toda a operação no fim de semana.
O Exército havia informado que barraria os grupos organizados e os mascarados em Guaratiba. Agora, um novo esquema terá de ser montado. O terreno anterior estava dividido em 32 lotes, por onde militares do Exército, da polícia e da Força de Segurança Nacional se deslocariam. E, sob o comando do general Abreu, os homens percorreriam os 13 quilômetros pelos quais os peregrinos caminhariam até chegar ao Campus Fidei.
Os militares terão poder de polícia, se continuarem no comando da operação do fim de semana. Isso dá a eles a atribuição de fazer revistas e de prender as pessoas. Outro ponto sensível da troca de lugares é a onda de manifestações. Em Guaratiba, o Exército apostava na distância e no respeito às Forças Armadas. Em Copacabana, a distância, pelo menos, deixa de ser motivo para não haver protesto.
Após a mudança de lugar, há muito que se definir, desde as transferências da montagem de praças de alimentações e banheiros químicos, esquema de transporte, fechamento de um dos bairros mais movimentados do Rio por pelo menos 36 horas e a segurança. Representantes da prefeitura estão reunidos na noite desta quinta-feira para definir o novo planejamento, que será apresentado às 11 horas de sexta-feira em uma entrevista coletiva. Uma das questões discutidas é sobre o tíquete alimentação dos peregrinos, que se alimentariam dentro do campus Fidei. Enquanto a prefeitura, os ministérios e a Igreja pensam na forma mais ágil de fazer as mudanças, a estrutura montada em Guaratiba começa, na madruga desta sexta, a ser desmontada.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

As lei são ambíguas no Brasil para facilitar a interpretação autoritária

O autoritarismo de Cabral

O Estado de S. Paulo - 25/07/2013
No afã de "mostrar serviço" diante da onda de vandalismo nas manifestações no Rio de Janeiro, que tem lhe custado popularidade e ameaçado seus projetos políticos, o governador Sérgio Cabral enveredou perigosamente no terreno do autoritarismo, usando recursos típicos de estado de exceção.
Cabral baixou um decreto para criar uma "Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas". O nome, em si, denota deslavado oportunismo, já que o vandalismo, por constituir atividade criminosa, deve sempre ser investigado.
Como até os Arcos da Lapa sabem, a criação desse grupo faz parte da estratégia do governador de dar uma resposta rápida às demandas de eleitores por atitudes mais duras depois dos quebra-quebras no Leblon, área nobre da cidade do Rio. Mas, tal como foi redigido, o decreto que estabeleceu a comissão abriria a possibilidade de, a pretexto de defender e preservar a ordem pública, atropelar direitos e garantias fundamentais.
Em seu artigo 2°, o decreto de Cabral diz que caberia à comissão "tomar todas as providências necessárias à realização da investigação da prática de atos de vandalismo, podendo requisitar informações, realizar diligências e praticar quaisquer atos necessários à instrução de procedimentos criminais com a finalidade de punição de atos ilícitos praticados no âmbito de manifestações públicas".
Tomado ao pé da letra, o texto permite supor que a tal comissão, formada pelo Executivo fluminense, teria poder de investigação criminal, algo que a Constituição reserva exclusivamente à polícia judiciária.
Além disso, a redação do artigo é dúbia o suficiente para dar margem a interpretações autoritárias. E o caso de perguntar o que quer dizer exatamente "tomar todas as providências necessárias" e "praticar quaisquer atos necessários à instrução de procedimentos criminais". A comissão poderá decretar a prisão de suspeitos? Poderá conduzir interrogatórios? Como nada disso ficou muito claro, o espaço para a arbitrariedade seria grande.
O artigo do decreto de Cabral que gerou maior controvérsia, no entanto, foi o 3º, que diz que as demandas feitas pela comissão "a todos os órgãos públicos e privados" do Rio "terão prioridade absoluta em relação a quaisquer outras atividades da sua competência ou atribuição" - e o parágrafo único declara que "as empresas operadoras de telefonia e provedores de internet terão prazo máximo de 24 horas para atendimento dos pedidos de informações" da comissão.
Trata-se de um atentado à democracia e ao Estado de Direito. Sem-cerimônia, Cabral decretou a suspensão, no Rio de Janeiro, da garantia constitucional do sigilo telefônico, bancário e de correspondência, algo que só poderia ser feito mediante mandado judicial para casos específicos e bem fundamentados. Com razão, as empresas telefônicas e de internet, por meio de seu sindicato, disseram-se impossibilitadas de cumprir a determinação do governador.
Além disso, de acordo com o decreto, o governo se imiscuiria em assuntos de caráter privado, ao estabelecer qual a "prioridade absoluta" de empresas particulares, e privilegiaria a investigação de casos de vandalismo em detrimento de crimes muito mais graves, como assassinatos e estupros.
Diante da repercussão negativa, Cabral recuou e mandou mudar a redação do decreto, para, segundo ele, deixar claro que a comissão "não substitui o papel da Justiça". Diante da série de disparates impressos no Diário Oficial, Cabral faria bem se revogasse o decreto.
Não há dúvida de que a necessária repressão à violência em meio às legítimas manifestações dos cidadãos tem constituído um grande dilema para o Estado. O despreparo dá polícia ficou evidente em alguns casos, e as autoridades, afeitas ao populismo, mostraram-se hesitantes em mandar cumprir a lei. No entanto, arroubos autoritários como o de Cabral não ajudam. Ao contrário: mostram que a atual crise não encontrou governantes à altura dos desafios.

O desapego à lei corrói a democracia

[No Brasil há leis que pegam e outras não. É preciso dizer algo mais? No Brasil há muitas leis mas não o Estado de Direito democrático]

Sociedade: 'A globalização do desapego à lei, por Vargas Llosa'

"Para Mario Vargas Llosa, ganhador do Nobel de Literatura, o desapego às regras no mundo é a maior prova do desprestígio da democracia nas sociedades contemporâneas. Leia trechos de seu último livro, 'A Civilização do Espetáculo', recém-lançado no Brasil:

'Um aspecto nevrálgico de nossa época é o desapego à lei, que contribui para enfraquecer a democracia. Atenção, não se deve confundir esse desapego à lei com a atitude rebelde ou revolucionária de quem quer destruir a ordem legal existente porque a considera intolerável e aspira substituí-la por outra mais equitativa e justa.
O desapego à lei nasceu no seio dos estados de direito e consiste numa atitude cívica de desprezo ou desdém pela ordem legal existente e na indiferença e anomia moral que autoriza o cidadão a transgredir e burlar a lei quantas vezes puder para benefício próprio, principalmente lucrando, mas muitas vezes também para simplesmente manifestar desprezo, incredulidade ou zombaria em relação à ordem existente. Não são poucos os que, na era da civilização da diversão, violam a lei para divertir-se, como quem pratica um esporte de risco.

Uma explicação que se dá para o desapego à lei é que frequentemente as leis são malfeitas, não são ditadas para favorecer o bem comum, mas sim a interesses particulares, ou são concebidas com tanta obtusidade que os cidadãos se veem estimulados a esquivar-se delas. É óbvio que, se um governo sobrecarregar os contribuintes abusivamente de impostos, estes se verão tentados a fugir de suas obrigações tributárias.

As más leis não contrariam apenas os interesses dos cidadãos comuns, mas também desprestigiam o sistema legal e fomentam esse desapego à lei que, como um veneno, corrói o estado de direito.

Sempre houve maus governos e sempre houve leis disparatadas ou injustas. Mas, numa sociedade democrática, diferentemente das ditaduras, há maneiras de denunciar, combater e corrigir esses extravios através dos mecanismos de participação do sistema: liberdade de imprensa, direito de crítica, jornalismo independente, partidos de oposição, eleições, mobilização da opinião pública, tribunais.

Mas para que isso ocorra é imprescindível que o sistema democrático conte com a confiança e a sustentação dos cidadãos, aos quais, sejam quantas forem suas falhas, ele sempre pareça perfectível. O desapego à lei resulta da destruição dessa confiança, da sensação de que o próprio sistema está podre e de que as más leis que ele produz não são exceções, e sim consequência inevitável da corrupção e dos tráficos que constituem sua razão de ser.

Lembro que uma das impressões mais fortes que tive, em 1966, quando fui morar na Inglaterra — havia passado os sete anos anteriores na França —, foi descobrir esse respeito, poderia dizer natural — espontâneo, instintivo e racional ao mesmo tempo —, do inglês comum pela lei.

A explicação parecia ser a crença firmemente arraigada nos cidadãos de que, em geral, as leis eram bem concebidas, de que sua finalidade e fonte de inspiração era o bem comum, de que, por isso mesmo, tinham legitimidade moral: portanto, aquilo que a lei autorizava estava bem e era bom, e o que ela proibia estava mau e era ruim.

Surpreendi-me porque na França, na Espanha, no Peru e na Bolívia, países onde morara antes, não tinha percebido nada semelhante. Essa identificação entre lei e moral é uma característica anglo-saxônica e protestante, não costuma existir nos países latinos nem hispânicos.

Nestes últimos os cidadãos tendem mais a resignar-se à lei do que a ver nela a encarnação de princípios morais e religiosos, a considerar a lei como um corpo estranho (não necessariamente hostil nem antagônico) às suas crenças espirituais.

De qualquer maneira, se essa distinção era verdadeira nos bairros em que vivi em Londres, provavelmente já não o é na atualidade, pois, em grande parte graças à globalização, o desapego à lei igualou países anglo-saxões a latinos e hispânicos.

O desapego pressupõe que as leis são obra de um poder que não tem outra razão de ser senão a de servir a si mesmo, ou seja, às pessoas que o encarnam e administram, e que, portanto, as leis, os regulamentos e as disposições que emanam dele têm como lastro o egoísmo e os interesses particulares e de grupos, o que exonera moralmente o cidadão comum de cumpri-los.

A maioria costuma acatar a lei porque não tem outra opção, por medo, ou seja, pela percepção de que há mais prejuízo que benefício em tentar infringir as normas, mas essa atitude enfraquece tanto a legitimidade e a força da ordem legal quanto das pessoas que delinquem ao infringi-las. Isso quer dizer que, no que se refere à obediência à lei, a civilização contemporânea também representa um simulacro, que, em muitos lugares e com frequência, se converte em pura farsa.

Em nenhum outro campo se vê melhor esse generalizado desapego à lei hoje em dia do que no reinado onipresente da pirataria de livros, discos, vídeos e demais produtos audiovisuais, principalmente a música, que, quase sem obstáculos e até — seria possível dizer — com o beneplácito geral, fincou raízes em todos os países da Terra.

No Peru, por exemplo, a pirataria de vídeos e filmes provocou a falência da cadeia Blockbuster, e desde então os peruanos que gostam de ver filmes no televisor, mesmo querendo, não conseguem adquirir DVDs legais porque estes quase não existem no mercado, salvo em algumas poucas lojas que importam alguns títulos e os vendem por preço altíssimo. Nós que, por uma questão de princípio, resistimos a comprar filmes piratas somos um punhado ínfimo de pessoas, consideradas (não sem alguma razão) imbecis.

A Alfaguara, editora que publica meus livros, calcula que, para cada livro meu legítimo vendido no Peru, vendem-se seis ou sete piratas. (Uma das edições piratas de meu romance A Festa do Bode foi impressa na gráfica do Exército!) Numa das últimas vezes em que estive em Roma, precisei acompanhar uns amigos turistas a uma grande “feira de imitações” (piratas de roupa e sapatos de grandes marcas) que, com etiqueta e tudo, se vendiam por um quarto ou um quinto do preço das peças legítimas.

De maneira que esse desapego à lei não é apenas predisposição do Terceiro Mundo. No Primeiro também começa a fazer estragos e ameaça a sobrevivência das indústrias e dos comércios que operam dentro da legalidade.

O grande desprestígio da política relaciona-se sem dúvida com a ruptura da ordem espiritual que, no passado, pelo menos no mundo ocidental, funcionava como freio aos exageros e excessos cometidos pelos donos do poder.

Ao desaparecer essa tutela espiritual da vida pública, prosperaram todos os demônios que degradaram a política e induziram os cidadãos a não ver nela nada que seja nobre e altruís­ta, e sim uma atividade dominada pela desonestidade'.” (revista 'Exame', 25/07/2013).