sábado, 30 de abril de 2011

Para que Senado?


O Estado de S. Paulo 29 abril 2011

Conceito de ética


Dora Kramer
Seria impreciso dizer que o Senado chegou ao fundo do poço quando decidiu constituir um Conselho de Ética ao arrepio do decoro indispensável à atividade parlamentar. Isso porque o poço em que o Poder Legislativo resolveu já há algum tempo jogar sua credibilidade parece não ter fundo.
Entra ano, sai ano, entra escândalo, sai escândalo, os acontecimentos bizarros não têm fim, medida nem limites.
A presença de oito processados na Justiça entre os 15 titulares do conselho soa como uma contradição em termos. Agride à lógica da vida normal, mas está absolutamente de acordo com as regras do Congresso.
Mais: compõe perfeitamente o cenário da degradação. Todos os integrantes do conselho destinado a zelar pela ética na Casa são tão senadores quanto qualquer outro. A partir do momento em que seus pares não impuseram reparos a condutas julgadas no passado e os eleitores lhes confiaram delegação, podem participar de todas as atividades sem restrição.
A questão não é o que Renan Calheiros, que trocou a renúncia à presidência do Senado pela absolvição em processos por quebra de decoro, ou Gim Argello, investigado pela Polícia Federal e obrigado recentemente a renunciar à relatoria do Orçamento da União por suspeita de desvios na distribuição de emendas, estão fazendo no Conselho de Ética.
A pergunta correta é o que esses e outros estão fazendo no Senado e o que o Senado faz consigo ao, entre outras façanhas, reconduzir à presidência da Casa José Sarney e seu manancial de escândalos, cuja mais recente leva data de dois anos atrás.
Esse episódio do conselho ganhou repercussão, é tratado como um grande problema, mas é apenas parte do infortúnio que assola o Parlamento e, em boa medida, a sociedade que não exerce ela mesma o voto limpo enquanto não se institui de vez a obrigatoriedade legal da ficha limpa: a indiferença à ética, ao conjunto de valores que disciplinam o comportamento humano como atributo essencial à vida civilizada. Pública ou privada.
Embora a completa ausência de pudor, ainda que em grau apenas suficiente para a manutenção das aparências em colegiado presumidamente ético, fira os espíritos mais sensíveis, não se configura uma novidade em face da revogação geral de quaisquer valores balizadores de condutas.
Em ambiente onde um senador pode roubar um gravador - como fez Roberto Requião ao surrupiar o equipamento pertencente à rádio Bandeirantes e apagar do cartão de memória uma entrevista que não lhe interessava ver divulgada - e ainda assim ser defendido pelo presidente da Casa, não há poço que seja fundo o bastante para delimitar a fronteira entre a civilidade de fachada e a selvageria total.
Terra arrasada. Aos arquitetos do PSD não falta ousadia para cogitar da possibilidade de atrair políticos aparentemente inamovíveis do DEM.
O senador Demóstenes Torres já recebeu convite e, segundo consta, ficou de pensar. Ninguém menos que o presidente do DEM, senador Agripino Maia, integra a lista das próximas investidas.
Não se pode dizer que o plano do PSD seja deixar que os últimos dos moicanos apaguem a luz, porque a ideia é que não reste luz para ser apagada.
Precedente. A decisão do Supremo Tribunal Federal em favor da posse de suplentes de deputados levando-se em conta o cálculo da coligação e não do partido, foi ao encontro do entendimento da Mesa da Câmara, que resolveu adotar esse critério mesmo antes da sentença do colegiado.
Descumprindo, portanto, a decisão liminar que estava em vigor até então instruindo exatamente o oposto: que a posse dos suplentes deveria levar em conta o partido e não a coligação.
A Câmara venceu no final, mas durante três meses ignorou o imperativo da obediência a determinações judiciais. Um desapreço mediante o qual o Poder Legislativo subtrai de si e das demais instituições relevância na sustentação do Estado de Direito.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Bombas elm alvos civis

Folha de S. Paulo 29 abril 2011


FAB jogou bomba em SP durante cerco a Lamarca


Documento da Aeronáutica confirma relatos sobre operação em 1970 em SP
Parceiro do ex-capitão do Exército relembra barulho de explosões; relatório foi liberado pelo Arquivo Nacional
RUBENS VALENTE
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DE BRASÍLIA

Documento das Forças Armadas liberado após 41 anos de sigilo revela que, em 1970, aviões da FAB despejaram bombas em áreas civis na região do Vale do Ribeira, em São Paulo, durante cerco ao grupo do guerrilheiro Carlos Lamarca, da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária).
O papel confirma o que poderia antes parecer exagero dos relatos feitos pelos militantes de esquerda que participaram do conflito: "Aviões B-26, da FAB, bombardearam regiões suspeitas".
O ex-guerrilheiro Darcy Rodrigues, 69, hoje capitão da reserva do exército e na época braço direito do ex-capitão do exército Lamarca, confirmou ontem à Folha que durante dez dias viu aviões sobrevoando a região e ouviu explosões que ele julgou serem de bombas caindo na região de Jacupiranga, a cerca de 30 km de Registro.
"Eles escolhiam para bombardear as reentrâncias da serra do Mar, onde achavam que estávamos escondidos. Jogavam as bombas no início da manhã e à tarde."
"Para eles, não era só nos caçar, era também fazer exercício de guerra diferente."
Em fuga, Rodrigues, o "Leo", se escondeu na mata até ser preso, agredido e levado a São Paulo, onde foi submetido a torturas diárias.
Ele era um aliado de Lamarca desde os anos 60, quando deixou o exército para seguir o capitão. Depois, exilou-se em Cuba até 1980.
A Folha também localizou o motorista de Lamarca, Joaquim dos Santos, o "Monteiro". Ele escapou da região e avisou outros membros da VPR, mas acabou preso pela Oban (Operação Bandeirante). Lá ouviu de policiais relatos sobre o bombardeio. "Eles falavam que tinha é que jogar bomba mesmo."
O relatório que cita o bombardeio foi produzido pelo CIE (Centro de Informações do exército), redistribuído pela Aeronáutica e integra o lote de 50 mil documentos entregues recentemente ao Arquivo Nacional de Brasília.
O texto descreve a "Operação Registro", desencadeada pelo exército, pela Aeronáutica e pela Polícia Militar de São Paulo entre 27 de abril de 5 de maio de 1970.
A partir das primeiras informações fornecidas sob tortura, por presos no Rio, o exército chegou à região do grupo de 19 guerrilheiros liderados por Lamarca.
Ele, contudo, conseguiu romper o cerco militar e conseguiu chegar ao sertão da Bahia, onde foi cercado e morto no ano seguinte.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Falta de Estado

Folha de S. Paulo 28 abril 2011.

Avião espião da Polícia Federal fica no chão por falta de gasolina


Pregão eletrônico para escolher fornecedor não teve interessados

MARIO CESAR CARVALHO

DE SÃO PAULO


A principal promessa da então candidata Dilma Rousseff (PT) para o combate ao narcotráfico, ao tráfico de armas e ao contrabando na fronteira não consegue sair do chão, literalmente.
A promessa chama-se Vant, acrônimo de Veículo Aéreo Não Tripulado, um avião que registra imagens sem necessidade de piloto. Ele chegou ao país há mais de um mês, mas não há combustível para os voos.
Um pregão eletrônico aberto para escolher o fornecedor de 12 mil litros de gasolina de aviação, pelo prazo de um ano, foi cancelado por falta de candidatos.
A intenção da PF é usar a empresa que já abastece os aviões da corporação.
O preço do combustível -de cerca de R$ 60 mil por trimestre, segundo estimativa de policiais- é irrisório quando comparado ao gasto previsto com essa tecnologia até 2015, de R$ 540 milhões.
O Vant virou tema de campanha política no ano passado, quando Dilma apresentou-o nos debates e na propaganda de TV como uma ferramenta revolucionária no modo de patrulhar fronteiras.
O avião é guiado por controle remoto, voa a uma altitude média de 5.000 metros e tem uma capacidade tão aguçada que, dessa altura, consegue fotografar a placa de um carro em alta definição.
O primeiro Vant importado de Israel está parado num galpão no aeródromo de São Miguel do Iguaçu, a cerca de 40 km de Foz de Iguaçu. É nesse aeródromo que a PF não tem um fornecedor de combustível. Se o avião estivesse em Brasília, ele poderia usar combustível de outros aviões da própria polícia.
A região de Foz foi escolhida pela PF para sediar a primeira base de Vant por ser uma das principais portas de entrada de armas, de drogas e de contrabando do Paraguai. Há ainda a acusação recorrente dos Estados Unidos, de que radicais islâmicos usam a tríplice fronteira para lavar dinheiro do terror.
A região é tão estratégica do ponto de vista da segurança que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, visitou Foz em fevereiro e anunciou a implantação de um Gabinete de Segurança Integrada na fronteira e o primeiro voo do Vant em março.
O avião importado de Israel faz parte de um pacote que inclui o sistema de controle em terra e um segundo Vant, pelo qual a PF pagou cerca de R$ 50 milhões.
O sistema completo, com 15 aviões e quatro estações de controle em terra, está orçado em R$ 540 milhões e deve ficar pronto em 2015.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Direito a informação

O  Globo 27 abril 2011, editorial
Caso Riocentro e o direito à informação
Dois militares do Exército estavam à paisana, em um carro esportivo, no estacionamento do Riocentro, enquanto transcorria um show organizado por grupos de esquerda. A bomba que explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, sentado no banco do carona do Puma do capitão Wilson Machado, ferido com gravidade no acidente de "trabalho", colocou aquela noite de 30 de abril de 1981 - o show comemorava na véspera o Dia do Trabalho - no calendário do sério conflito ocorrido no processo de redemocratização do país entre os "porões" da ditadura e o grupo de autoridades, militares e civis, responsáveis por continuar a execução do projeto de abertura gradual desenhado pela dupla Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, presidente da República e chefe da Casa Civil no governo anterior àquele, de João Figueiredo.
O caso já faz parte dos livros da História recente, mas faltavam detalhes importantes, apurados pelo GLOBO e publicados numa série de reportagens desde domingo. Os repórteres fizeram o trabalho não executado pela Justiça militar: manusearam com atenção o processo e, a partir da caderneta de telefones do sargento, levantaram ligações daquele porão existente na época no quartel da Barão de Mesquita, na Tijuca, com um submundo, de civis e outros militares, que continuaria a atuar de alguma forma na arapongagem, depois de - felizmente - derrotado na guerra suja contra a redemocratização.
O trabalho de jornalismo investigativo reforça a necessidade de o Senado aprovar, em instância final, o projeto de lei 41, enviado em 2009 à Câmara pela então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para regulamentar e, assim, permitir o exercício pleno do direito constitucional da sociedade de ter acesso a informações de interesse particular e coletivo sob a guarda do Estado. Passados 26 anos da redemocratização, simbolizada pela chegada de um civil novamente ao poder, e 23 de promulgada a Constituição do restabelecimento dos direitos civis, um deles, o de consulta a arquivos do Estado, ainda não é usufruído como estabelece o espírito da Carta.
Fica-se na dependência do julgamento casuístico da autoridade de ocasião. O GLOBO formalizou ao Superior Tribunal Militar pedido para consultar o processo do Riocentro. Conseguiu. Mas, durante a campanha de 2010, a "Folha de S.Paulo" fez o mesmo, a fim de ter acesso ao processo de que constam Dilma Rousseff e outros nomes da guerrilha urbana contra a ditadura militar. Não teve êxito, embora o trancafiamento do papelório contrariasse a Constituição. Conhecer bastidores daquele ato de terrorismo contra a esquerda, para tumultuar a abertura conduzida pelo regime em comum acordo com a oposição, renova o oxigênio institucional. Com a aprovação final da lei de regulamentação do acesso a informações, vai-se criar a saudável rotina de abrir arquivos sob o controle solitário e perigoso de burocratas.
Este exercício de transparência, espera-se, deve facilitar a aprovação no Congresso do projeto de criação da Comissão da Verdade, já vacinada contra contaminações do espírito de revanche com que a ideia foi encaminhada no governo passado. Abrir os porões da ditadura não apenas é um ato de respeito às famílias de vítimas daquele regime, como exercita um princípio essencial na democracia, o da convivência civilizada entre os contrários e a subordinação de todos à Lei.

Educação paroquial

Folha de S. Paulo, 25 Abril 2011.

Alckmin "matou" as aulas de inglês
Elio Gaspari



Nem a turma do Taliban conseguiu fazer no Afeganistão o estrago que o tucano fez em São Paulo

O REPÓRTER FÁBIO Takahashi revelou que os estudantes da rede pública de São Paulo estão sem acesso às bolsas que lhes permitiam cursar na rede privada aulas extras de idiomas estrangeiros, sobretudo de inglês. No ano passado, esse programa beneficiou 80,8 mil estudantes.
Com isso, o governador Geraldo Alckmin conquistou um título. Foi o único governante que suspendeu um programa de estímulo ao aprendizado de idiomas estrangeiros.
É provável que coisa parecida ocorra nas áreas do Afeganistão dominadas pelo Taliban, mas nem o mulá Omar conseguiu prejudicar tanta gente.
Os educatecas de Alckmin justificam a iniciativa informando que o programa será substituído em pouco tempo por outro, maior e melhor. Tudo bem, mas não dizem quanto tempo (e lá se foram quase dois meses do ano letivo), muito menos como será o programa.
Uma coisa é certa, os educatecas recebem seus salários em dia, mas desde março a garotada paulista está sem acesso ao programa extracurricular que lhes reforça o aprendizado de idiomas.
A revelação adquire uma dimensão especial quando se sabe que há pouco o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso divulgou uma encíclica intitulada "O papel da oposição", pedindo que seu partido (e de Alckmin) se volte para as demandas de milhões de brasileiros que melhoraram de vida.
Aprender inglês, ou outro idioma, é uma das prioridades de milhões de jovens nascidos num país diferente daquele em que o governador paulista se formou como médico e chegou a candidato a presidente da República em 2006.
Derrotado, foi para um curso em Harvard e contou: "Eu e a Lu estamos aprendendo computador, internet, falar inglês".
Na China, há 100 milhões de pessoas aprendendo inglês. Não é preciso ir tão longe: a Prefeitura do Rio de Janeiro ampliou o ensino do idioma na rede municipal e no ano passado beneficiou 180 mil crianças. Neste ano serão 240 mil.
A ideia de que se pode simplesmente suspender um programa que atendera 80,8 mil jovens da rede pública é produto da demofobia. Coisa de quem não se preocupa com as consequências de seus atos quando eles atingem o andar de baixo.
Nem todo tucano é demófobo (até porque o programa paulista nasceu no tucanato), nem todo demófobo é tucano, mas se o PSDB não se livrar do véu que lhe embaça a visão do andar de baixo, caminhará na estrada que levou o DEM-PFL-PDS-Arena à inanição.
Às vezes a demofobia se manifesta agressivamente, como ocorreu em junho de 2006, na administração Claudio Lembo, do PFL, quando o governo paulista suspendeu o desconto decimal para os passageiros do metrô.
Em outros casos, ela deixa de fazer o que pode ser feito e as consequências só são percebidas quando os outros tomam a iniciativa. Dois êxitos de políticas petistas de alcance social, a criação do ProUni e do crédito consignado, poderiam ter acontecido durante o tucanato.
O que fazer com os educatecas paulistas? Em novembro passado, o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, entregou a rede escolar da cidade a Cathie Black, presidente da empresa de comunicações Hearst. Ela fez poucas e boas, chegando a dizer que a superlotação das escolas poderia ser resolvida por meio do controle da natalidade. Há duas semanas, Bloomberg mandou-a embora.

Bacharel em Direito para ingresso na PMMG !

http://www.conjur.com.br/2011-abr-26/partido-questiona-exigencia-diploma-direito-ingresso-pm

Partido questiona exigência de diploma de Direito

O Partido Social Liberal ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, contra a Emenda Constitucional 83 de Minas Gerais, que exige título de bacharel em Direito para o ingresso na Polícia Militar do estado.
A emenda, aprovada pela Assembleia mineira em 2010 acrescentou dois parágrafos ao artigo 142 da Constituição do estado, passando a exigir título de bacharel em Direito e aprovação em concurso público para o ingresso no quadro de oficiais da Polícia Militar. Além disso, definiu que o cargo de oficial da PM integra a carreira jurídica militar do estado.
O partido alega que esses dispositivos são incompatíveis com a Constituição Federal, especialmente em seus artigos 25, 61 (parágrafo 1º, inciso II, "e"), e 84 (incisos II e IV), que prevêem que só o chefe do Executivo pode propor atos normativos sobre criação, extinção, estruturação e atribuições de órgãos da administração pública.
O PSL pede liminar para suspender a eficácia da norma, porque, de acordo com a ADI, ela tem causado “tumultos” no Sistema de Segurança Pública do estado de Minas Gerais. Por isso, também pede que seja aplicado ao feito o rito abreviado. O relator é o ministro Gilmar Mendes. Com informações da Assessoria de Imprensa do Supremo Tribunal Federal.
ADI 4.590

terça-feira, 26 de abril de 2011

Existe ética no Conselho de Ética?

24 Abril 2011

Renan Calheiros é indicado pelo PMDB para o Conselho de Ética do Senado




Da Agência Brasil

O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), foi indicado pelo partido para compor o Conselho de Ética da Casa. O nome de Renan e dos outros indicados foram divulgados no início da tarde desta terça-feira pela Mesa Diretora do Senado. Mais cedo, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), já havia informado que quer submeter os nomes à avaliação do plenário ainda nesta terça-feira. O colegiado é formado por 15 titulares e 15 suplentes, mas, deverá iniciar os trabalhos incompleto.

Renan renunciou à presidência do Senado em dezembro de 2007 , depois de ser acusado de quebra de decoro parlamentar no processo em que era suspeito de ter adquirido veículos de comunicação em Alagoas por meio de "laranjas". O plenário da Casa, no entanto, absolveu o peemedebista da acusação, e ele continuou com o mandato de senador.

VEJA MAIS: Relembre as denúncias contra Renan Calheiros

Pela lista divulgada, o PMDB será representado por Renan Calheiros, Lobão Filho (MA), João Alberto Souza (MA) e Romero Jucá (RR). A suplência será exercida pelos peemedebistas Wilson Santiago (PB), Valdir Raupp (RO) e Eunício Oliveira (CE).

No PT, foram definidos os nomes do líder, Humberto Costa (PE) e dos senadores Wellington Dias (PI) e José Pimentel (CE) como titulares; e Aníbal Diniz (AC), Walter Pinheiro (BA) e Ângela Portela (RR), como suplentes. Os indicados como titulares do PSDB são Mario Couto (PA) e Cyro Miranda (GO). Paulo Bauer (SC) e Marisa Serrano (MS) foram os indicados para a suplência.

Já o PTB terá como titular o líder Gim Argello (DF) e, na suplência, João Vicente Claudino. Os partidos DEM, PR, PP, PDT e PSB, pelo tamanho de suas bancadas, terão direito a uma vaga no conselho.

O DEM terá como titular Jayme Campos (MT) e, na suplência, Maria do Carmo Alves (SE). Os demais indicaram apenas o nome do titular. Vicentinho Alves (TO) representará o PR; Ciro Nogueira (PI), o PP; o líder Acir Gurgacz (RO), o PDT; e Antonio Carlos Valadares (SE), o PSB.



Caso Renan: relembre as denúncias contra o presidente do Senado
Publicada em 05/12/2007 às 18h43m
O Globo Online; O Globo

RIO - O calvário de Renan Calheiros (PMDB-AL) começou no dia 25 de maio, quando a revista "Veja" publicou reportagem acusando o senador de ter usado recursos do lobista Cláudio Gontijo, da construtora Mendes Júnior, para fazer pagamentos mensais de pensão alimentícia à jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha de três anos. Renan fez sua defesa, confessou que teve uma relação fora do casamento e afirmou que pediu a Cláudio Gontijo que apenas intermediasse a ajuda financeira que passou a dar a Mônica. O senador não conseguiu, no entanto, provar que usou recursos próprios para pagar as despesas pessoais.
Perícia realizada pela Polícia Federal (PF) citou inconsistências em boa parte dos documentos apresentados por Renan para tentar provar que tinha rendimentos agropecuários para cobrir o pagamento de pensão à filha. Os indícios de irregularidades vão desde notas fiscais fora da série até rasuras em registros da venda de bois nas fazendas do senador. Embora o relatório dos senadores Renato Casagrande (PSB-ES) e Marisa Serrano (PSDB-MS) aprovado no Conselho de Ética pedisse sua cassação, o então presidente do Senado foi absolvido pelo plenário em 12 de setembro.
Contra o parlamentar ainda pesava a denúncia de participação numa operação que garantiu à sua família vender uma fábrica de tubaína em Murici (AL) por R$ 27 milhões para a Schincariol. A empresa tinha problemas financeiros e não valia mais do que R$10 milhões. Reportagem da "Veja" informou que Renan teria atuado em favor da Schincariol no INSS, para impedir que a dívida de R$100 milhões da cervejaria fosse executada, e na Receita Federal, contra multa por sonegação de impostos. O relator do caso no Conselho de Ética, João Pedro (PT-AM), pediu o arquivamento do processo, o que foi acatado pela comissão no dia 14 de novembro, por 9 a 5. Um dia antes, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados já havia arquivado por unanimidade o processo que pedia a cassação do mandato do irmão de Renan, Olavo Calheiros (PMDB-AL), por quebra de decoro, por também atuar para beneficiar a Schincariol.
O ex-presidente do Senado e seu irmão ainda são acusados, em um procedimento administrativo instaurado no Ministério Público Federal de Alagoas, de ocultar que são donos de propriedades rurais na região de Murici, terra natal e berço político dos Calheiros. Eles foram denunciados aos procuradores da República pelos primos Antônio Gomes de Vasconcelos e Dimário Cavalcante Calheiros, em depoimentos prestados em junho de 2005. O cartório de Murici, suspeito de participar de esquema de grilagem de terras, está sob intervenção do Tribunal de Justiça de Alagoas. Esse episódio, no entanto, não chegou a se transformar em processo de quebra de decoro no Conselho de Ética das duas Casas.
A terceira denúncia apresentada contra Renan partiu da revista "Veja", que publicou reportagem que diz que o senador teria comprado um grupo de comunicação em seu estado por meio de laranjas, no valor de R$ 2,6 milhões, e omitido essa transação das autoridades fiscais e eleitorais. O relator do caso, Jefferson Péres (PDT-AM), pediu a cassação de Renan, e seu texto foi aprovado no dia 14 de novembro, na CCJ, por 11 votos a 3. No dia 4 de dezembro, no entanto, o plenário do Senado preferiu absolvê-lo pela segunda vez seguida. Foram apenas 29 votos pela cassação, 48 contra a perda de mandato e 3 abstenções. Renan estava tão confiante em sua absolvição que abriu mão de seu voto, por isso o placar registrou apenas 80 votos.
Em seguida, reportagens publicadas pelas revistas "Veja" e "Época" mostraram que Renan teria participado de um esquema de corrupção e propina em ministérios comandados pelo PMDB. A denúncia também envolveria o ex-presidente do INSS, deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Em depoimento à Polícia Civil no ano passado, o advogado Bruno Lins acusou Renan de participar, junto com o lobista Luiz Garcia Coelho, de um esquema para favorecer o banco BMG durante a implantação do sistema de crédito consignado a aposentados e pensionistas. Lins é ex-marido de Flávia Garcia Coelho, filha de Luiz Garcia Coelho e também funcionária do cerimonial de Renan Calheiros. O casal tinha relação pessoal com Renan, que foi padrinho do casamento deles. O senador Almeida Lima (PMDB-SE), aliado de Renan, relator desse processo no Conselho de Ética, pediu o aruivamento do processo no dia 5 de dezembro, o que foi aceito pelo presidente do Comselho de Ética, Leomar Quintanilha (PMDB-TO).
A quinta denúncia contra Renan era sobre um suposto esquema para espionar senadores e chantagear adversários políticos. Segundo reportagem da revista "Veja", antecipada pelo Blog do Noblat, o ex-senador Francisco Escórcio, assessor do presidente do Senado, teria tentado cooptar o apoio do empresário e ex-deputado goiano Pedrinho Abrão para o plano de espionagem. A idéia era instalar câmeras no hangar de táxi aéreo de Abrão para flagrar os senadores Demóstenes Torres (DEM-GO) e Marconi Perillo (PSDB-GO) embarcando em jatinhos particulares e, posteriormente, usar o material para chantageá-los e baixar assim o tom das críticas ao presidente da Casa. Depois de recusar a proposta, Abrão teria procurado Demóstenes e Perillo para alertá-los sobre a ação de arapongas a mando de Renan. Este processo, que sequer chegou a ter relator designado, também foi arquivado no dia 5 de dezembro, um dia após a segunda absolvição de Renan no plenário.
Por fim, o PSOL pediu uma sexta investigação tendo como base denúncias de que Renan teria favorecido uma empresa fantasma por meio de emendas no Congresso. As acusações, publicadas pelo jornal 'Estado de São Paulo', têm como pivô uma empresa da qual seria dono um ex-assessor de Renan, José Albino Gonçalves de Freitas.
A 'KSI - Consultoria e Construções' está no cadastro da Receita Federal com sede em Pernambuco, com filial em Alagoas e capital social de R$ 600 mil. No entanto, de acordo com a reportagem, nunca houve uma empresa no endereço onde deveria funcionar a sede, no município de Aripueira. O fato não impediu a KSI de receber dos cofres públicos R$ 280 mil. Uma parte do dinheiro, liberada por meio do convênio com a Fundação Nacional de Saúde, só foi possível graças a uma emenda parlamentar de Renan. Pelo convênio, a KSI teria sido contratada para construir casas na cidade de Murici, que tem como prefeito Renan Calheiros Filho, responsável pela contratação. Esta representação só seria apreciada pelo Conselho de Ética após a definição dos outros processos, o que ocorreu no dia 5 de dezembro. A partir de agora, ele deve entrar na pauta do colegiado.

domingo, 24 de abril de 2011

Batman e Robin na Abin



Vannildo Mendes, de O Estado de S. Paulo
Com tradição de dar codinomes aos seu agentes, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) resolveu fantasiá-los – para fins didáticos – de Batman, Robin e Mulher Gato.  E, para não fugir ao hábito, gravou-os em vídeo em plena performance.
O vídeo, que está fazendo sucesso na Internet, foi criado, segundo o órgão, para ensinar português aos seus funcionários, inclusive agentes e oficiais de informação. No vídeo, a dupla dinâmica tenta intimidar a vilã Mulher Gato usando a autoridade de super heróis. Mas escorrega feio na gramática ao negociar a libertação de reféns, mantidos sob a mira da vilã. Malvada, ela ameaça matar um refém a cada erro gramatical. Seria uma tragédia se fosse de verdade porque os heróis inseparáveis não dão uma dentro nas concordâncias, abusam de pleonasmos e cometem as gafes mais primárias.
Batman promete não medir “esfôrços” (com “o” fechado) para libertar os refens e condena mais um à morte. Robin reclama que a vilã está lhe causando bastante (no singular, não no plural) problemas (plural) e condena outro.
Sem piedade, Mulher Gato tira mais uma vida quando o homem morcego liga para a Abin e pede “mais refôrços”. Mas ela também dá seus tropeços ao pronunciar as “ixigências” e ao aconselhar que os heróis “precisam `de’ fazer curso de português”. O vídeo é uma adaptação da peça “O Sequestrador”, encenado pelo grupo teatral “Os Melhores do Mundo”, de Brasília.
A peça foi adaptada pelo grupo teatral da Abin e em 2007 transformada em vídeo, que acabou no YouTube e passou a fazer sucesso pelo seu teor bizarro. Produzido e distribuído pelo Núcleo de Educação a Distância da Escola de Inteligência, o material se destina a todo o pessoal da Abin, inclusive agentes e oficiais de inteligência. A responsabilidade da filmagem é da Coordenação-Geral de Telecomunicações e Eletrônica da Agência.
O Gabinete da Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, ao qual a Abin é subordinada, informou que o vídeo foi produzido para uso interno, na sede e nas superintendências do órgão nos estados. O GSI não informou o total gasto na produção e distribuição do material.

sábado, 23 de abril de 2011

Falta da presença do Estado

Folha de S. Paulo 23 abril 2011.


Quase metade da Amazônia no país é área de preservação
S

Levantamento feito por ONGs indica que, ainda assim, esses locais têm fiscalização precária e falta de pessoal

Extensão protegida na floresta amazônica é equivalente a pouco mais de um quarto de todas as terras do Brasil

REINALDO JOSÉ LOPES

EDITOR DE CIÊNCIA


Quase metade da Amazônia brasileira pertence hoje à categoria de área protegida por lei contra a devastação, embora essas reservas ainda sofram com gestão precária e com a falta de pessoal para monitorá-las.
Essa dicotomia entre copo meio cheio e meio vazio talvez seja a principal mensagem de um dos mais abrangentes relatórios sobre as áreas protegidas amazônicas, que acaba de ser publicado pelo ISA (Instituto Socioambiental) e pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Somando terras indígenas e os dois principais tipos de unidades de conservação (as de proteção integral, cujo nome já diz tudo, e as de uso sustentável, nas quais é possível a extração controlada de madeira, por exemplo), 43,9% do território amazônico está protegido.
É pouco mais do que um quarto de todas as terras do Brasil. E, no caso de alguns Estados, a proporção é ainda mais expressiva: Amapá, Roraima, Pará e Amazonas possuem mais da metade de seu território nessa categoria.
A inclusão das terras indígenas na conta faz um bocado de sentido, embora os povos que habitam tradicionalmente essas áreas tenham o direito de caçar e pescar nelas, por exemplo.
Vários levantamentos apontam que formalizar a posse de certas áreas por seus habitantes nativos é uma excelente maneira de evitar o desmatamento nelas.
E, de fato, a taxa de desmate de 1998 a 2009 é a menor nas terras indígenas: cerca de 1,5% da área.
Em unidades de conservação integral, como parques nacionais, esse número no mesmo período foi de 2,1%. Terras indígenas e unidades de conservação contribuem de modo quase parelho para o número total de áreas protegidas na Amazônia.

BOM NO PAPEL

Eis, aliás, outra conclusão clara do trabalho: a definição de uma região como área protegida tem um efeito relativamente fácil de medir sobre o avanço do desmatamento. Basta dizer que a perda de florestas nas áreas protegidas em uma década, cerca de 12 mil km², foi semelhante ao que se desmatou na Amazônia toda em apenas um ano, o de 2008 "" que na verdade foi um dos menos devastadores do período.
É claro que é necessário fazer algumas ressalvas a isso.
Certas áreas protegidas são criadas em locais remotos, onde há pouca pressão da fronteira agrícola, por exemplo. Mesmo assim, trata-se de um fenômeno conhecido e esperado, o dos "paper parks" (parques de papel).
A ideia é que a simples canetada criando uma reserva já é capaz de dissuadir, em parte, a ação de desmatadores ilegais. Mas são mesmo parques de papel? Em muitos casos sim, indica a pesquisa.
Veja-se o caso das unidades de conservação. Nelas, a média de funcionários alocados é de uma pessoa para cada 1.871 km² de Amazônia ""ou mais do que todo o município de São Paulo para um único sujeito monitorar.
Do mesmo modo, hoje só há um plano de manejo aprovado oficialmente para metade dessas unidades de conservação.
É o plano de manejo que vai definir como as unidades vão funcionar, e é especialmente importante nas de uso sustentável, pois determina quantas árvores de que idade podem ser cortadas, quais frutos podem ser coletados, entre outras formas de usar a floresta sem destruí-la.
O relatório foi coordenado por Adalberto Veríssimo e Mariana Vedoveto, do Imazon, e por Alicia Rolla e Silvia de Melo Futada, do ISA.

Judicialização da política--de novo

O Globo 23 abril 2011.

Infidelidades
S

Merval Pereira


Mais uma vez, caberá ao Judiciário decidir uma questão eminentemente política e eleitoral que está mexendo com o mundo político: a legalidade da criação do PSD, o partido que o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, está formando com políticos originários de vários partidos.
O PPS - um dos que estão sendo afetados com a perda de filiados - entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal questionando resolução do TSE que reconhece a hipótese de criação de novo partido como justa causa para que qualquer político abandone a legenda pela qual foi eleito, sem o risco de perder o mandato.
A Adin do PPS foi distribuída ao ministro Joaquim Barbosa, a quem cabe decidir, nos próximos dias, sobre o pedido liminar de suspensão imediata do inciso daquela resolução do TSE que trata do assunto específico.
O tema é de tal relevância para o quadro partidário que pode ser considerado de "especial significado para a ordem social e a segurança jurídica", permitindo até que o ministro Joaquim Barbosa, em vez de decidir monocraticamente, leve o pedido liminar ao julgamento do Pleno do Supremo.
O partido do prefeito Kassab transformou-se, na prática, na janela do troca-troca de partido que até o momento não foi aberta pela reforma política que está sendo debatida no Congresso. O Senado não abriu essa chance aos que querem mudar de legenda.
A Adin anti-PSD elaborada pelos advogados Renato Galuppo e Fabrício de Alencastro Gaertner argumenta que, quando o STF decidiu que os mandatos eletivos pertencem aos partidos e não aos seus ocupantes, em 2007, definiu que o TSE regulamentaria a questão, mas não lhe deu "um cheque em branco" para legislar sobre as hipóteses de justa causa para que os mandatários possam se desligar de suas legendas de origem.
O presidente do PPS, deputado federal Roberto Freire, define assim a questão: os políticos podem deixar seus partidos para criar outro, mas não podem levar consigo seus mandatos, já que estes pertencem ao partido pelos quais foram eleitos, por decisão do Supremo Tribunal Federal. Seus suplentes deveriam assumir o mandato.
O advogado Paulo Barreto, especialista em legislação eleitoral, apresenta dois argumentos que a medida do PPS não cogitou:
- Primeiro: a infidelidade partidária, grosso modo, pode ser comparada à infidelidade conjugal. No caso de o marido (ou a esposa) deixar a sociedade marital para constituir novo casamento, evidentemente ele (ou ela) não vai "carregar" todos os seus bens.
Absurdo, então, nessa linha de comparação, que o mandatário saia do "casamento" que o elegeu para construir outro "casamento" levando consigo o único bem existente: o mandato eletivo.
- Segundo: a criação de novo partido como justa causa para abandono da sigla de origem também precisa ser analisada sob o ponto de vista do conteúdo programático da nova legenda.
Se for uma nova agremiação de programa/proposta totalmente díspar, a infidelidade partidária será gritante: o sujeito foi eleito defendendo/representando o programa "X" e agora quer fundar um novo partido com o programa "Y".
Se for para fundar novo partido de programa similar, parecido ou não conflitante com o da sigla de origem, que nesta permaneça, pois nada justifica a mudança.
Por outro lado, a favor do PSD, há duas fortíssimas razões de ordem constitucional: o pluripartidarismo, no qual o nosso sistema político está fundado; e a liberdade de associação, que impede que alguém seja obrigado a se associar ou permanecer associado onde quer que seja, prevista na Constituição.
Outro dia, comentando na CBN os problemas de infraestrutura para a realização da Copa do Mundo de 2014, disse que não havia antecedentes de uma Copa ter sido cancelada por falta de condições do país-sede. Mas estava enganado.
O leitor-ouvinte Célio Silva Santos relembra que a 13ª edição da Copa do Mundo de Futebol, que aconteceu em 1986, foi cercada de dúvidas e apreensão.
A Colômbia passava por sérios problemas econômicos e sociais, e, em 29 de setembro de 1982, quatro anos depois de ter sido escolhida para sede, o presidente Belisario Betancur anunciou que não haveria mais patrocínio para a competição e que a Colômbia iria se preparar melhor para sediar a Copa de 1994.
Como a Copa do Mundo de 1986 seria realizada na América, em junho de 1983, o Comitê Executivo da Fifa escolheu o México, o primeiro país a sediar a Copa do Mundo duas vezes ? já o havia feito em 1970.
De acordo com os pesquisadores do Ipea, a média de prazo de obras de infraestrutura de transporte no país é de 80 meses após o fim da fase de projetos. As obras dos aeroportos de Manaus (AM), Fortaleza (CE), Brasília (DF), Guarulhos (SP), Salvador (BA), Campinas (SP) e Cuiabá (MT) em 2010 ainda estavam em fase de projeto e só ficarão prontas em 2017, caso os prazos médios de elaboração de projetos, licenciamentos etc. sejam iguais aos da média no país.
Já os de Confins (MG) e Porto Alegre (RS) estão com projetos básicos prontos, mas também correm o risco de não ficarem prontos a tempo da Copa.
O Brasil não tem problemas econômicos nem sociais para realizar a Copa. Tanto na política futebolística quanto na geopolítica internacional, o peso do Brasil é incomparavelmente maior do que o da Colômbia.
Mas, até o momento, muita politicagem e incompetência administrativa impedem que fiquemos tranquilos. E não se trata de "complexo de vira-lata".

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Desamparo institucional

O Globo 22 abril 2011.

Como proteger testemunhas com pouco dinheiro

Cássio Bruno, O Globo
Roberto (nome fictício) fez o que a polícia pediu. Depois de ser espancado por milicianos no bairro onde morava, no Rio, a vítima denunciou os agressores para ajudar nas investigações e prender os criminosos. Em troca da delação, ele e a mulher Marcela (nome também fictício) tiveram a promessa de mudar de vida com proteção.
O casal foi incluído no Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas (Provita), do governo federal. Os dois, porém, foram expulsos do programa após denunciarem à Polícia Federal, ao Ministério Público do estado e à Presidência da República supostas irregularidades, como a falta de infraestrutura e a suspeita de desvio de recursos.
No Brasil, cerca de 1.200 pessoas estão sob proteção do Provita, com média de 120 desistências por ano. As dificuldades enfrentadas por Roberto e Marcela retratam a atual situação do programa no país.
Entre os principais problemas estão a falta de dinheiro e o atraso, por vários meses, nos repasses da verba para o pagamento a ONGs responsáveis pela execução do sistema. Hoje, o orçamento anual é de R$ 14,4 milhões, que são distribuídos para 18 estados e o Distrito Federal.
- O próprio PNH 3 (Plano Nacional de Direitos Humanos) sugere a ampliação da verba. A intenção é aumentar os recursos com o Plano Plurianual, que prevê o orçamento entre 2012 e 2015. Temos problemas, mas nunca tivemos pessoas mortas enquanto estavam dentro do Provita - ressalta Fernando Matos, diretor de Defesa 
dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência.

Para onde vamos?

Folha de S. Paulo 22 abril 2011
 
RUY CASTRO
O macaco tá certo


RIO DE JANEIRO - Nesta terça-feira, o Tribunal de Justiça do Rio concedeu habeas corpus a 40 policiais civis e militares acusados de formação de quadrilha armada, peculato, corrupção passiva, comércio ilegal de armas de fogo, extorsão qualificada, associação com a milícia e outras atividades não regulamentares. Eles agora responderão a essas acusações em liberdade. Pior para a Operação Guilhotina, desfechada em fevereiro pela Polícia Federal para sanear o aparelho.
No mesmo dia, uma juíza, também do Rio, negou o pedido de prisão preventiva do pedreiro Luiz Carlos Oliveira, 50 anos, que confessou ter degolado, com um caco de garrafa, a universitária Mariana Gonçalves dos Santos, 21, dentro de uma escola em Campo Grande, no dia 7 de março. Em suas sentenças, lavradas em legalês arcaico, os juízes alegaram não ser necessário manter em prisão cautelar tanto os 40 policiais quanto o degolador.
Por coincidência, ainda nesse dia -um dia cheio-, e sempre no Rio, o Tribunal de Justiça negou o habeas corpus que permitiria ao chimpanzé Jimmy, 27 anos, se mudar do zoo de Niterói, onde vive numa jaula, para o Santuário dos Primatas, em Sorocaba (SP), onde seria mais feliz. O argumento foi o de que, embora compartilhe 99,4% do DNA humano, Jimmy não é gente, donde inabilitado para beneficiar-se de um habeas corpus.
Enquanto isto, o ex-médico Roger Abdelmassih, 67, condenado a 278 anos de prisão por estupro e violento atentado ao pudor contra 60 mulheres em sua clínica em São Paulo e, naturalmente, foragido, anuncia de alguma parte que sua mulher, de 32 anos, está grávida e que ele será pai de gêmeos.
Um antigo programa de TV de Jô Soares, "O Planeta dos Homens", tinha um bordão: "O macaco tá certo". Vide Jimmy. Interrompeu sua evolução na hora H para conservar o 0,6% de características que o distinguem dos humanos.

Justiça alimentando o crime

Folha de S. Paulo, 22 abril 2011.

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Justiça parceira do crime

SÃO PAULO - O atirador tinha duas armas, mas bastou uma para que consumasse o massacre dos estudantes em Realengo. Uma arma.
É isso o que é desviado por dia, em média, dos fóruns de Justiça pelo país. Foram roubadas pelo menos 3.266 armas de depósitos do Judiciário desde 2004, conforme reportagem na Folha de ontem. O número real certamente é maior porque em vários casos os tribunais registram o roubo, mas não detalham quantas desapareceram.
Não há instalações nem fiscalização adequadas para armas que ficam sob responsabilidade do Judiciário, como prova de um crime.
Em alguns lugares elas são acomodadas em caixas de sapato. Há relatos de estagiários de direito que viraram dublês de traficante, tamanha a facilidade do acesso aos locais das armas sob custódia.
É um descalabro que o Poder a quem cabe promover a justiça atue como fornecedor do mercado ilegal de armas e acabe parceiro do crime -por omissão, conivência ou participação direta de agentes públicos.
Isso tudo serve para evidenciar o que há de quimera e diversionismo na discussão a respeito de um novo plebiscito sobre a proibição de armas legais no país. A maioria infelizmente votou contra isso em 2005. Importamos na época, de forma postiça, o debate norte-americano, como se a liberdade individual estivesse sendo ameaçada. Colou. Os reacionários venceram.
Mas o Estatuto do Desarmamento, em vigência desde 2003, já representou enorme avanço ao restringir o registro, a posse e a comercialização de armas. O maior problema hoje não está na lei. Está no abismo entre ela e a realidade.
Um exemplo: um delegado disse à CPI das Armas, no Rio, que pelo menos 70% de 150 mil armas apreendidas pela polícia fluminense já poderiam ter sido destruídas por ordem da Justiça. E por que não são? Por inércia, por negligência, porque há gente interessada que não sejam para lucrar com sua sobrevida (e a morte de inocentes).

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Pesquisa sobre população com diploma universitário deixa o Brasil em último lugar entre os emergentes [21 abril 2011]

Amanda Cieglinski
Da Agência Brasil
Em Brasília
  • Carlos Cecconello/Folhapress 11% dos brasileiros com idade entre 25 e 64 anos têm ensino superior
Para concorrer em pé de igualdade com as potenciais mundiais, o Brasil terá que fazer um grande esforço para aumentar o percentual da população com formação acadêmica superior. Levantamento feito pelo especialista em análise de dados educacionais Ernesto Faria, a partir de relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), coloca o Brasil no último lugar em um grupo de 36 países ao avaliar o percentual de graduados na população de 25 a 64 anos.

Os números se referem a 2008 e indicam que apenas 11% dos brasileiros nessa faixa etária têm diploma universitário. Entre os países da OCDE, a média (28%) é mais do que o dobro da brasileira. O Chile, por exemplo, tem 24%, e a Rússia, 54%. O secretário de Ensino Superior do MEC (Ministério da Educação), Luiz Cláudio Costa, disse que já houve uma evolução dessa taxa desde 2008 e destacou que o número anual de formandos triplicou no país na ultima década.

“Como saímos de um patamar muito baixo, a nossa evolução, apesar de ser significativa, ainda está distante da meta que um país como o nosso precisa ter”, avalia. Para Costa, esse cenário é fruto de um gargalo que existe entre os ensinos médio e o superior. A inclusão dos jovens na escola cresceu, mas não foi acompanhada pelo aumento de vagas nas universidades, especialmente as públicas. “ Isso [acabar com o gargalo] se faz com ampliação de vagas e nós começamos a acabar com esse funil que existia”, afirmou ele.

Costa lembra que o próximo PNE (Plano Nacional de Educação) estabelece como meta chegar a 33% da população de 18 a 24 anos matriculados no ensino superior até 2020. Segundo ele, esse patamar está, atualmente, próximo de 17%. Para isso será preciso ampliar os atuais programas de acesso ao ensino superior, como o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que aumentou o número de vagas nessas instituições, o Prouni (Programa Universidade para Todos), que oferece aos alunos de baixa renda bolsas de estudo em instituições de ensino privadas e o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), que permite aos estudantes financiar as mensalidades do curso e só começar a quitar a dívida depois da formatura.

“O importante é que o ensino superior, hoje, está na agenda do brasileiro, das famílias de todas as classes. Antes, isso se restringia a poucos. Observamos que as pessoas desejam e sabem que o ensino superior está ao seu alcance por diversos mecanismos", disse o secretário.

Os números da OCDE mostram que, na maioria dos países, é entre os jovens de 25 a 34 anos que se verifica os maiores percentuais de pessoas com formação superior. Na Coreia do Sul, por exemplo, 58% da população nessa faixa etária concluiu pelo menos um curso universitário, enquanto entre os mais velhos, de 55 a 64 anos, esse patamar cai para 12%. No Brasil, quase não há variação entre as diferentes faixas etárias.

O diagnóstico da pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo) e especialista no tema Elizabeth Balbachevsky é que essa situação é reflexo dos resultados ruins do ensino médio. Menos da metade dos jovens de 15 a 17 anos está cursando o ensino médio. A maioria ou ainda não saiu do ensino fundamental ou abandonou os estudos. “Ao contrário desses países emergentes, a população jovem que consegue terminar o ensino médio no Brasil [e que teria condições de avançar para o ensino superior] é muito pequena”.

Como 75% das vagas em cursos superiores estão nas instituições privadas, Elizabeth defende que a questão financeira ainda influencia o acesso. “Na China, as vagas do ensino superior são todas particulares. Na Rússia, uma parte importante das matrículas é paga, mas esses países desenvolveram um esquema sofisticado de financiamento e apoio ao estudante. O modelo de ensinos superior público e gratuito para todos, independentemente das condições da família, é um modelo que tem se mostrado inviável em muitos países”, comparou ela.

A defasagem em relação outros países é um indicador de que os programas de inclusão terão que ser ampliados. Segundo Costa, ainda há espaço – e demanda – para esse crescimento. Na última edição do ProUni, por exemplo, 1 milhão de candidatos se inscreveram para disputar as 123 mil bolsas ofertadas. Elizabeth sugere que os critérios de renda para participação no programa sejam menos limitadores, para incluir outros segmentos da sociedade.

“Os dados mostram que vamos ter que ser muito mais ágeis, como estamos sendo, fazer esse movimento com muita rapidez porque, infelizmente, nós perdemos quase um século de investimento em educação. A história nos mostra que a Europa e outras nações como os Estados Unidos e, mais recentemente, os países asiáticos avançaram porque apostaram decididamente na educação. O Brasil decidiu isso nos últimos anos e agora trabalha para saldar essa dívida”, disse a pesquisadora.

Gaiola das milícias

O Globo 20 abril 2011, Zuenir Ventura


Gaiola das milícias

Não sei se a melhor maneira de avaliar o padrão ético do carioca é através da maioria de seus representantes mais próximos. Se for e se a Câmara de Vereadores servir de amostragem, estamos mal. A Gaiola de Ouro se esforça para manter sua tradição de escândalos. Há sempre um à disposição. O último foi o do reajuste salarial de mais de 60% — de R$9.200 para R$15 mil, retroativos a fevereiro e março, sem contar o auxílio-paletó de R$5.700. Falei "último"? E o do vereador miliciano que foi preso? É possível que até o fim deste artigo surja mais um. Mas voltemos ao reajuste. Não se sabe o que revolta mais a sociedade, se o aumento por si só ou as justificativas.

O presidente da Casa, Jorge Felippe (PMDB), por exemplo, usou como álibi uma discutível legalidade, sem considerar que nem sempre o legal é moral, principalmente quando se trata de dinheiro público e quando o funcionalismo está batalhando por mais 6% a partir de junho. Outro representante encheu a boca para afirmar: "Quem trabalha bem merece aumento", achando com certeza que, se o seu reajuste é dez vezes superior ao dos servidores municipais, é porque ele trabalha dez vezes melhor. São 51 vereadores (dois estão presos), mas só quatro questionaram a medida e rejeitaram o aumento, devolvendo o recebido. Vale a pena guardar seus nomes, porque a atitude é inédita: Andrea Gouvêa Vieira e Teresa Bergher, ambas do PSDB, Eliomar Coelho (PSOL) e Paulo Pinheiro (PPS). Andrea resumiu a posição dos quatro: "A lei diz que só podemos aumentar os subsídios da legislatura seguinte, nunca da atual. Por isso, já mandei devolver o dinheiro." Moral da história: há quem usa a lei para botar a mão na grana, e há os que a usam para recusá-la.

Quanto ao nobre colega miliciano, ele não está só. Faz parte de uma coleção de pelo menos quatro envolvidos até o pescoço com o crime, levando O GLOBO a dar uma nova classificação à Gaiola de Ouro: "Berço dos milicianos." De novo agora só o fato de que ele é acusado de liderar uma quadrilha que planejava executar nada menos que a chefe de Polícia Civil, Marta Rocha, e o deputado Marcelo Freixo (PSOL), aquele que instalou uma CPI graças à qual ficamos sabendo que as milícias não eram um "mal menor", como achava o prefeito Cesar Maia. São tão perniciosas e mais poderosas do que o tráfico de drogas das favelas. Freixo tem, portanto, moral e autoridade para cobrar: "Vamos ver se a Câmara vai ter coragem de cassar o Deco, agora que ele está preso. Porque eles não tiveram coragem de cassar os milicianos presos anteriormente. O poder público não pode ter medo do crime."
Pois é, não pode.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O TCU como braço do Legislativo...

O Globo 20 abril 2011, editorial

Tirar poder do TCU é cercear o Legislativo




A divulgação, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de um balanço negativo do andamento das obras em aeroportos com vistas à Copa do Mundo, daqui a três anos, levou o governo a voltar a defender regras mais flexíveis para a licitação, aprovação e acompanhamento de projetos.
Há, de fato, margem para a redução da burocracia que emperra obras sem qualquer benefício para a sociedade. Existe até o risco de, em função do labirinto burocrático, alguém cair na tentação de cobrar alguma "taxa de urgência" para desatolar investimentos. Essa, inclusive, é uma das formas de se abastecer caixa dois nos subterrâneos da política brasileira.
Mas parte do que o governo defendeu para a questão específica dos aeroportos foi incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2012, a fim de valer para todas as obras públicas. O assunto, então, cresceu de importância e por isso precisa ser debatido com o devido cuidado, pois o alvo da investida do Planalto - como ocorreu no governo Lula - é o Tribunal de Contas da União (TCU), braço do Legislativo, instrumento essencial de vigilância da lisura no gasto do dinheiro do contribuinte. Uma das armas apontadas agora contra o TCU visa a impedir que apenas um parecer técnico, mediante aprovação do Congresso, possa suspender obras. Deseja o governo que o assunto seja, antes, examinado por um dos ministros do Tribunal. Pode fazer sentido. Assim como é razoável admitir a existência de muitos gargalos a serem desobstruídos no Executivo e no Legislativo para acelerar obras prioritárias.
A preocupação está no risco para o contribuinte caso haja um "liberou geral", como parecem desejar áreas do Executivo. A incidência de malfeitorias encontradas em levantamentos da Controladoria-Geral da União (CGU) nos bilionários repasses feitos pela União às áreas de Saúde e Educação de estados e municípios aconselha cautela em qualquer iniciativa de relaxamento de controles. Aliás, controle sobre despesas é o que mais falta no poder público, apesar do inchaço de servidores.
Mesmo em estatais o quadro é desanimador e também preocupante. Como se encontram fora do alcance do TCU, sujeitas apenas a auditorias externas - de baixa credibilidade depois de vários escândalos empresariais -, essas empresas, quando de economia mista, são um mistério. O caso verificado no escândalo do mensalão, com a conivência do Banco do Brasil, não estimula otimismo: investigação da Polícia Federal identificou a transferência de dinheiro público pela diretoria de marketing do BB, por meio do fundo Visanet, para o esquema de corrupção de petistas e aliados. Também são conhecidas histórias em que a rica Petrobras distribui com generosidade verbas entre ONGs companheiras.
Para justificar a necessidade de atenção redobrada no tratamento do tema, lembremos que a visão ideológica do grupo no poder há pouco mais de oito anos é de centralização administrativa, de verticalização. Recorde-se o que aconteceu com as agências reguladoras. De instrumentos independentes foram convertidas em bunkers para abrigar apaniguados políticos. Passaram a ser, na prática, autarquias menores, dependentes de ministérios.
Sempre é possível melhorar a emperrada máquina pública. Mas manietar o TCU é enfraquecer o Legislativo.
 

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Lentidão judicial

Folha de S. Paulo 18 abril 2011.

ANTONIO FERNANDO DE SOUZA
Investigação do mensalão precisa ser mais célere

EX-PROCURADOR-GERAL DIZ HAVER ELEMENTOS SUFICIENTES PARA CONDENAR OS 38 RÉUS CITADOS NA DENÚNCIA, PORQUE "PARTE RELEVANTE DOS VALORES TEVE ORIGEM EM RECURSOS PÚBLICOS"


Joédson Alves - 12.jun.09/Folhapress

O ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza

MÁRCIO FALCÃO
DE BRASÍLIA

Responsável pela denúncia do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza critica a demora da Polícia Federal em investigar os desdobramentos do caso.
Em fevereiro, cinco anos após o início das investigações, a PF concluiu relatório sobre a origem do dinheiro do esquema.
O documento faz parte de um inquérito aberto em 2007 e está em análise pelo Ministério Público Federal, que pode pedir novas investigações. "O tempo [cinco anos] foi muito longo. A investigação deve ser mais célere."
Advogando desde que se aposentou do Ministério Público, em 2009, ele afirma que há elementos suficientes para condenar os 38 réus que ainda permanecem na denúncia. O motivo: "parte relevante dos valores teve origem em recursos públicos".
Em entrevista à Folha, ele rechaça a ideia de que o mensalão possa ser esvaziado com a volta de personagens ao cenário político.
O ex-presidente Lula chegou a prometer que iria desmontar a "farsa do mensalão". "Esta reabilitação política não pode sugerir que tudo passou de uma invencionice", disse o ex-procurador.
A seguir, trechos da entrevista concedida em Brasília.

 

Folha - Como o senhor recebeu esse relatório da PF do inquérito paralelo ao mensalão?
Antonio Fernando -
Embora o relatório não se refira à ação penal do mensalão que está no Supremo, mas a um inquérito [paralelo] aberto em 2007, foi positivo porque confirma o que foi descrito na denúncia quanto às fontes dos recursos. Só me preocupa que a investigação tenha demorado tanto.

Qual o efeito dessa demora?
O trabalho de investigação deve ser mais célere. Cinco anos atrás, houve críticas porque a denúncia foi oferecida antes do relatório final da CPI dos Correios, mas o Ministério Público compartilhava as provas obtidas pela CPI e o relatório era dispensável. Criticou-se a PF, que não tinha apresentado relatório, mas pedido novas diligências. Se dependêssemos desse relatório, é possível que estivéssemos esperando até hoje. A investigação tem que ser conduzida para esclarecer fatos com a maior brevidade, não pode ficar pesando indefinidamente sobre os ombros das pessoas.

O sr. acha que pode ter ocorrido alguma ingerência na PF?
Não tenho informação a respeito, mas tudo funciona em termos de prioridade. Aparece outro fato que ganha o interesse e a polícia, talvez por falta de pessoal ou de estrutura, não mantém o mesmo ritmo de atuação. Mas, nesse caso específico, o tempo [5 anos] foi muito longo. Nesse mesmo tempo, houve o oferecimento e recebimento da denúncia que resultou na ação penal e foi realizada praticamente toda a instrução, com elevado número de denunciados, para se chegar à conclusão de um inquérito em que os pilares da investigação já estavam estabelecidos.

Como o sr. avalia a reabilitação política de alguns personagens do mensalão, como o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que comanda a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara?
Não sei se o termo certo seria reabilitação porque houve apenas o recebimento da denúncia, não houve condenação ainda. Essa questão da reabilitação está no plano político. Do ponto de vista jurisdicional, continuam submetidos a julgamento. Agora, esta "reabilitação política" não pode sugerir que tudo passou de uma invencionice. Estou plenamente qualificado a dizer que tal suposição é incorreta.

Mas esse retorno de alguns réus não pode representar a tentativa de esvaziamento da denúncia?
Os ministros julgarão com base nos elementos do processo. É claro que, ao julgar, podem condenar ou absolver. Apesar de ter deixado a Procuradoria-Geral da República há quase dois anos, o que posso dizer, com base no trabalho que fiz, é que já no momento inicial havia elementos suficientes para justificar condenação a respeito de muitas das imputações.

Como foi ter que investigar o ex-presidente Lula?
A denúncia apresentada ao STF decorreu da apreciação de todo o material probatório existente até aquele momento. Não havia preocupação de excluir ou de incluir o presidente ou qualquer outra autoridade. Só foram denunciadas as pessoas contra as quais havia prova. Em relação a ele, não havia provas. Não foi uma exclusão. As provas não conduziam a ele.

O sr. se arrepende de ter denunciado 40 réus mesmo com risco de prolongar as investigações?
A denúncia foi elaborada durante muito tempo e com muito cuidado. Um trabalho artesanal de examinar as provas, os fatos penalmente relevantes, as pessoas que os tinham praticado, e colocar no papel um texto consistente. Não houve preocupação quanto ao número das pessoas, mas com a prova. Alguns fatos eram periféricos, mas relevantes, e a denúncia perderia coerência se fizesse referência apenas às pessoas com foro perante o STF.

Em sua avaliação, há risco de prescrição dos crimes?
Pelo que lembro, não há qualquer das imputações que esteja na undécima hora do prazo prescricional. Na hipótese de condenação, e concretizada a pena, não é impossível que uma ou outra seja atingida pela prescrição. Não creio, contudo, que se não houver julgamento imediato vá ocorrer a prescrição de todos os delitos.

Para o sr. não há dúvida de que houve emprego de dinheiro público no mensalão?
A investigação apontou neste sentido e a denúncia descreve que recursos públicos foram utilizados. Se eu tivesse dúvida, não teria apresentado a denúncia. Pelo menos parte relevante dos valores teve origem em recursos públicos.

Que desfecho o sr. espera?
O recebimento da denúncia pelo Supremo mostrou que a peça se apoiava em prova consistente. Agora, o juízo é mais aprofundado do que o anterior, na medida em que também se afere à culpabilidade dos denunciados. Considero que, já no momento do oferecimento, todos os denunciados têm um elevado grau de responsabilidade. Mas esse juízo quem vai fazer é o Supremo.

Qual a lição desse caso?
Independentemente do resultado do julgamento, fica a afirmação de que coisas públicas devem ser usadas apenas com finalidade pública, para atender à sociedade. A Justiça tem importante função educativa.

Queijo suíço

Folha de S.Paulo 18 abril 2011.


Corte de verba prejudica vigilância das fronteiras


Queda do número de agentes da PF ameaça ações de combate ao narcotráfico
Posto policial é fechado na fronteira com o Peru; em Ponta Porã, agentes federais compram combustível fiado
KÁTIA BRASIL
RODRIGO VARGAS

O corte no orçamento da Polícia Federal para este ano afetou a fiscalização em regiões de fronteiras e as ações de combate ao narcotráfico e contrabando de armas.
O dia a dia das operações foi prejudicado devido à suspensão dos gastos com diárias para delegados e agentes, segundo os policiais.
Há relatos de problemas estruturais, como o fechamento de um posto na fronteira com o Peru, e da falta recursos para manutenção de carros, compra de combustíveis e coletes à prova de bala.
A redução vem na esteira do contigenciamento no Orçamento da União, determinado por decreto assinado em fevereiro pela presidente Dilma Rousseff.
No Ministério da Justiça, com orçamento previsto de R$ 4,2 bilhões para 2011, o corte foi de R$ 1,5 bilhão.
Agentes relataram à Folha que os cortes comprometeram a Operação Sentinela, feita com a Força Nacional de Segurança e a Polícia Militar nos Estados.
A ação combate crimes como tráfico internacional de drogas, entrada de armas, contrabando e imigração ilegal. Houve redução do efetivo desde a Amazônia até o Rio Grande do Sul.
No Brasil, a atuação da PF nas fronteiras abrange uma linha de 16.399 km.
Projetos como o Vant, de fiscalização com um avião não tripulado, devem atrasar. No Pará, uma patrulha que monitorava o rio Amazonas em Óbidos foi retirada.
No Amazonas, o posto de Eirunepé, próximo ao Peru, não está funcionando desde o mês passado.
O superintendente da PF no Estado, Sérgio Fontes, disse que na fronteira com a Colômbia e o Peru a Operação Sentinela será levada apenas "até onde der". "O corte foi muito severo."
FIADO
Em Mato Grosso do Sul, a redução no efetivo chegou a 60% nas delegacias da PF de Corumbá e Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai. Segundo agentes federais, foram suspensas blitze preventivas nas rodovias.
Policiais que atuam em Ponta Porã descreveram à Folha um cenário crítico.
Carros estão parados por falta de manutenção e equipes estão comprando combustível fiado.
Com o contingenciamento, a maior parte do efetivo vindo de outros Estados teve de deixar a cidade. O sindicato dos policiais diz que a delegacia opera hoje com menos da metade do pessoal em relação a 2010.
Na fronteira do Rio Grande do Sul, outro importante ponto de combate à entrada de armas, também houve redução no número de policiais, segundo os agentes.
"Onde trabalhavam dois agentes, agora tem um", disse Paulo Paes, que preside o sindicato local dos policiais.
Em Porto Mauá e Porto Xavier, há quatro agentes para cobrir 150 km do rio que separa o Estado da Argentina.
Centenas de caminhões atravessam diariamente a fronteira, mas na prática o trabalho dos agentes se resume ao controle de migração.
 

Constituição violada pelo Tribunal do Júri

www.conju.com.br


Mudanças necessárias

"Tribunal do Júri no Brasil não faz Justiça"

Paulo Sergio Rangel - Spacca - Spacca
Da forma como o Tribunal do Júri funciona no Brasil, não se faz Justiça nem quando o réu é condenado nem quando ele é absolvido pelos jurados. A opinião é do desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Paulo Sérgio Rangel do Nascimento, ex-promotor de Justiça que passou 18 anos de sua carreira atuando em casos apreciados e julgados por pessoas que não se dedicaram ao estudo do Direito.
Rangel é defensor das mudanças propostas no novo Código de Processo Penal, em trâmite no Congresso, sobretudo no que se refere ao Júri. Uma delas é a fundamentação pelos jurados da decisão que condena ou absolve. “Se a Constituição diz que toda e qualquer decisão judicial deve ser fundamentada, é obvio que inclui a dos jurados”, disse em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico, ressaltando que, absolvido ou condenado, o réu nunca sabe das razões daquele desfecho.
Pela experiência que adquiriu durante o tempo que trabalhou no Júri, Rangel observa que as decisões dos jurados são motivadas pelas mais variadas — e despropositadas — razões. “Já ouvi a justificativa de que o réu foi absolvido porque ‘coitado; ele é tão bonitinho.’ Ele é bonitinho, mas ele matou. O perigo dessa decisão é que se trabalhou com direito penal do autor. Um autor feio como eu, se sentar no banco dos réus, será condenado. O que se está levando em consideração é a aparência física do réu”, afirma. Se a justificativa para a absolvição fosse conhecida, conclui, esse resultado seria anulado. “Como não é dito, a defesa ou acusação não sabe e, portanto, não pode impugnar. Em plena democracia, há uma decisão às escuras, oculta.”
Ao se posicionar a favor de mudanças no CPP, Rangel diz que é preciso adequar o Código à Constituição. Ele critica o fato de, no Brasil, não se fazer uma reforma cuja pergunta seja: ela é boa para a sociedade? Cada corporação perde um pouco, mas quem ganha é a coletividade. “Todos vão precisar de um código garantista e adequado à Constituição, basta se sentar no banco dos réus para perceber isso. E, no Brasil, para sentar no banco dos réus basta estar vivo e ter mais de 18 anos.”
Paulo Rangel nasceu no Rio de Janeiro e se formou pela Universidade Cândido Mendes, em 1990. Pela mesma universidade se tornou mestre, em 2003. Dois anos depois, terminou o doutorado na Universidade Federal do Paraná. Ao rever sua trajetória, Rangel contou que seu primeiro emprego foi de porteiro nas Casas Pernambucanas e na IBM. “Nas Casas Pernambucanas, conheci uma pessoa que me ofereceu um emprego de vendedor da Mesbla. Fui para a empresa, que depois faliu, mas não foi por minha culpa. Nessa época, fiz concurso para a Polícia Civil.”
Ele ficou sete anos na Polícia antes de ingressar no MP, experiência que considera fundamental. “Quando cheguei ao Ministério Público, já tinha experiência para poder lidar com as questões de lá”, disse. No final de março deste ano, completou um ano que Paulo Rangel foi nomeado desembargador, tendo ingressado no TJ do Rio através do quinto constitucional do MP.
Leia a entrevista:
ConJur — No Brasil, há uma resistência em incluir na reforma do Código de Processo Penal a motivação das decisões do Tribunal do Júri. Quais são os argumentos contrários?
Paulo Rangel —
O que há, no Brasil, é uma resistência muito grande de se trabalhar com a Constituição da República. Ela diz, claramente, no artigo 93, inciso IX, que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e todas as decisões fundamentadas, sob pena de nulidade. Talvez o argumento — que não se sustenta — é de que, no Júri, não há como ter fundamentação, porque o voto é secreto. A fundamentação não passa por saber em quem o jurado votou, e sim o motivo que o levou a condenar ou absolver. O voto continua sendo secreto.
ConJur — Mas como fazer isso?
Paulo Rangel —
Da mesma maneira que é feita hoje: “Eu condeno porque a testemunha foi firme; porque o laudo de confronto balístico foi indiscutível; porque a arma que matou é a que estava na mão do réu”. Sempre há uma razão, ainda que seja a de que está condenando porque o acusado tem uma folha penal extensa. Antes da reforma da lei, em 2008, quando o juiz retirava todos os votos, era possível saber quem decidiu condenando ou absolvendo, quando havia unanimidade. O argumento de preservar o voto secreto já não se sustentava.
ConJur — E por que não se adota a obrigatoriedade de fundamentação?
Paulo Rangel —
Porque nós temos dificuldade no Brasil de cumprir a Constituição. Há muita resistência de adequar o Código de Processo Penal ao modelo constitucional de processo. É esse o motivo pelo qual a brilhante comissão presidida pelo ministro Hamilton Carvalhido [do Superior Tribunal de Justiça], que fez o anteprojeto de reforma do Código, está sofrendo ataque por parte de alguns segmentos do meio jurídico. O Código, embora não seja perfeito, é bem avançado e moderno para o processo penal brasileiro.
ConJur — O réu é condenado pelo Júri e fica sem saber o porquê.
Paulo Rangel —
Não sabe, porque os jurados não dizem. E a sociedade também fica sem saber por que o réu foi absolvido. O que resta são suposições. Já ouvi jurados dizerem que é claro que o réu, com uma folha penal como aquela do caso que julgaram, era o autor do crime. Perceba o perigo dessa decisão. Ele não levou em consideração as provas do processo, mas sim a vida passada do réu.
ConJur — Sim. Mas, no processo penal, os antecedentes não podem ser considerados para condenação do acusado naquele processo específico.
Paulo Rangel —
Não é permitido perante o juiz singular. Mas no Júri, se os jurados assim decidirem, sequer é possível saber. Também já ouvi a justificativa de que o réu foi absolvido porque “coitado; ele é tão bonitinho”. Ele é bonitinho, mas ele matou. O perigo dessa decisão é que se trabalhou com direito penal do autor. Um autor feio como eu, se sentar no banco dos réus, será condenado. O que se está levando em consideração é a aparência física do réu. Se o jurado justificasse a decisão e apresentasse esse motivo, o Júri seria anulado. Como não é dito, a defesa ou acusação não sabe e, portanto, não pode impugnar. Em plena democracia, há uma decisão às escuras, oculta.
ConJur — Há necessidade de que determinados crimes sejam julgados por leigos, que não têm o conhecimento do que é ou não válido no processo penal?
Paulo Rangel —
Essa é outra grande discussão. Os jurados estão aptos, prontos, sabem julgar? São sorteados para integrar o Júri uma professora primária, um porteiro, um médico, um matemático, um advogado, enfim, pessoas dos mais diversos matizes da sociedade. Dizem os defensores do Júri que este decide com base no sentimento popular. Os contrários observam que esse sentimento pode ser negativo, de raiva e de ódio, ou de amor, de benevolência e de tolerância, o que nada tem a ver, nem um e nem outro, com o sentimento de Justiça. É claro que como ser humano nós sempre vamos ou deveríamos dizer que perdoamos. Mas para a lei dos homens, se o réu cometeu um crime, deve pagar na medida de sua culpa.
ConJur — Colocar pessoas que não estudaram Direito é um risco?
Paulo Rangel —
Sempre é. Eu dediquei e ainda dedico a minha vida para estudar, preparando-me para julgar. Às vezes, me deparo com situações que tenho que refletir muito para chegar a uma conclusão. Imagina ser sorteado para integrar um Júri: “Hoje é dia de julgar. Vá lá e julgue”. A pessoa não sabe bem o que está acontecendo, não sabe bem como funciona, não entende porque foi chamada, simplesmente, o juiz diz que ela é obrigada a participar e que não pode se recusar, do contrário, vai pagar multa ou ser presa. Isso é arriscado. Ao se deparar com o caso, surgirão lembranças de quando a pessoa foi assaltada no ônibus; do irmão, que já foi acusado injustamente; de já ter levado um tapa de um guarda; do pai que foi assassinado; do bairro violento onde mora. Há sentimentos que afloram no Júri e que servem para duas coisas: para condenar e absolver. São sentimentos que influenciam na hora de decidir, ainda mais em um Júri que não justifica a sua decisão. Isso é perigoso.
ConJur — E por que os casos julgados pelo Júri são os chamados crimes dolosos contra a vida?
Paulo Rangel —
Porque são crimes que, em tese, qualquer um de nós pode cometer. Qualquer um de nós tem capacidade de compreender porque foi cometido. Qualquer um de nós pode matar. A pessoa pode dizer: “Não, eu não. Deus me livre tirar a vida de alguém”. Se ao chegar em casa e se deparar com o filho sendo agredido por um facínora, a pessoa vai matar o agressor se ela estiver com uma arma. Certamente, alegará que foi em legítima defesa. Mas quem vai dizer se, de fato, foi é o Júri. Ela vai ser acusada e sentará no banco dos réus. Ninguém vai convencer o outro a roubar um banco, a estuprar, a falsificar moeda. Isso são crimes em que a pessoa já está com a personalidade formada. Também não vai convencer a matar. Mas um dia ela pode ter de matar para se defender. A grande discussão sobre a manutenção do Júri passa por essas análises acerca da necessidade ou não de deixarmos o colegiado, que não é preparado para isso, decidir a vida do outro.
ConJur — Houve um caso em uma cidadezinha do interior de Minas Gerais em que um homem, que estava em um bar, foi para casa, pegou o revólver, voltou e matou outro. Ele foi absolvido por unanimidade. A justificativa de um dos jurados era de que o assassino tinha sido humilhado durante toda a vida pelo homem que foi morto. O Júri pode funcionar adequadamente mesmo com essas distorções?
Paulo Rangel —
Depois de passar 18 anos fazendo Júri, eu diria que depende do que se quer para a sociedade. Se quiser impunidade, ele funciona adequadamente. Se quiser Justiça, não. Um exemplo é o das milícias. Como moradores de Campo Grande [bairro da cidade do Rio de Janeiro], em um Júri local, vão julgar um homicídio praticado por milicianos que atuam na região? Ele não vão conseguir, porque os jurados serão ameaçados e mortos. A solução que o Tribunal do Rio encontrou foi acabar com o Júri de Campo Grande e transferi-lo para a capital [pela divisão do TJ-RJ, as chamadas varas da capital são as que ficam no fórum central do Rio]. Essa medida foi adotada, exatamente, para que os jurados que vão julgar o homicídio praticado pela milícia de Campo Grande seja morador de outra região e evite essa influência negativa dos milicianos sobre as pessoas que integram o Júri.
ConJur — Muita gente também é condenada pelo Júri.
Paulo Rangel —
Sim. Há o caso recente do casal Nardoni, de São Paulo, em que eles foram condenados. Mas se eles não fossem condenados, seria melhor fechar as portas. Aquele é um Júri em que o promotor [Francisco Cembranelli] — brilhante por sinal — já vai com um placar de 6 a 0, em uma partida que vai até 10. No meio do Júri, ele faz outros 4 gols. Há pressão popular e prova técnica feita com muita acuidade. Mas, se retirarmos a repercussão e analisarmos outros casos que são julgados diariamente, vamos perceber que nem sempre o resultado é a condenação.
ConJur — Por quê?
Paulo Rangel —
Por vários motivos. Primeiro, o despreparo das pessoas que vão para julgar. Segundo, o descompromisso social dessas pessoas. Elas foram obrigadas a se apresentar no Fórum. Eu não posso confundir a paixão que o promotor ou o advogado possa ter pelo Júri com a realidade do Júri. Uma coisa é gostar de colocar a roupa específica, de encenar, de fazer os discursos empolados. A outra é questionar se isso funciona como instrumento de Justiça. Se analisarmos os resultados que são obtidos, sejam eles condenatórios ou absolutórios, vamos observar que o Júri não funciona para um país como o nosso, de modernidade tardia, que ainda tem que avançar muito em determinadas políticas públicas. É por isso que fico muito feliz com a reforma que está sendo proposta. O Júri vai ter que discutir, na sala secreta, o porquê de estar condenando ou absolvendo.
ConJur — Hoje, cada um decide separado, não podem sequer se comunicar.
Paulo Rangel —
A incomunicabilidade é a regra no Júri. Com a reforma do processo penal, uma vez aprovada, haverá comunicabilidade. O projeto já sofreu bastante alteração, mas me parece que, se for mantida a comunicabilidade, já será um avanço. Eu também acredito que o número de sete jurados é insuficiente. De 1822 até 1938 eram 12 jurados. Durante o governo ditatorial de Vargas, em 1938, foi baixado decreto diminuindo de 12 para sete. Isso tem uma razão de ser: política. Doze é um número par, é mais difícil de obter a condenação porque é preciso uma diferença de dois votos, 7 a 5 no caso. Em um número ímpar, é preciso apenas a diferença de um voto, 4 a 3. É mais fácil obter a condenação. No Júri ,de 1822 até 1938, os jurados se comunicavam entre si. Esse mesmo governo ditatorial acaba com a comunicabilidade e torna o Júri incomunicável com a justificava jurídica falaciosa de que é preciso manter a imparcialidade do Júri. O que tem de manter é a independência dos jurados, eles não podem ser coagidos. O Júri é o instrumento de democracia. Já vivemos duas ditaduras, e hoje estamos em uma democracia plena. Está na hora do Júri voltar a ser o que era. Não adianta viver em uma democracia se ainda há pessoas que têm um espírito ditatorial, punitivo.
ConJur — Mas a sociedade ainda tem esse espírito.
Paulo Rangel —
A sociedade é punitiva. Se for feita uma enquete nacional sobre pena de morte, ela será aprovada. E quem vai para a cadeira elétrica são os pobres, os negros, as prostitutas. Não os do crime de colarinho branco. Por isso que, quando se fala de pena de morte, é preciso pensar na maioria da população que vai sentar naquela cadeira. Essa medida está fora de cogitação. E digo mais: a pena de morte está fora de cogitação também para os crimes de colarinho branco. Não interessa se o acusado roubou não sei quantos bilhões de reais dos cofres públicos. Pena de morte não, seja para o rico ou para o pobre. Isso é respeitar as diferenças em um país como o nosso.
ConJur — O senhor comentou o caso Nardoni. Quando há comoção da sociedade e, principalmente, muita repercussão na imprensa, o MP sempre entra com vantagem no Júri?
Paulo Rangel —
Não há dúvida. Quando a imprensa está em cima, o promotor já tem a vantagem que é a comoção social. O que ele vai precisar fazer é levar as provas para o processo para justificar a decisão que já foi dada, socialmente, pela imprensa: a condenação. Eu mesmo já fiz júris em que fui com 6 a 0. Eu só precisava mostrar as provas levadas ao processo que justificavam a decisão que já havia sido dada. As pessoas estavam aguardando aquele dia. E há um problema nisso. Para a imprensa, não interessa o fato velho. Mas para o processo essa pressão é ruim, porque, de certa forma, coage o juiz e o promotor e limita o trabalho do defensor. Sem tolher a liberdade da imprensa, é preciso encontrar um meio termo para que haja a divulgação — e não há democracia sem a imprensa livre— sem gerar prejuízos ao réu. É difícil achar esse meio termo.
ConJur — O senhor comentou sobre a resistência dos operadores de Direito para adequar o processo penal à Constituição. Isso me fez lembrar o vídeo que circulou no YouTube, da escrivã da Polícia Civil de São Paulo que, investigada pela Corregedoria por corrupção, foi despida à força na frente de delegados. O Ministério Público opinou pelo arquivamento do inquérito que apurava abuso de autoridade e o juiz arquivou. Há, no MP, uma visão geral de que o fim justifica os meios?
Paulo Rangel —
Não. É claro que muitos promotores querem os fins, mas sabem que se os meios utilizados não forem adequados, pertinentes e proporcionais, a consequência será a declaração de nulidade do ato. O que aconteceu com a escrivã da própria Polícia me deixa horrorizado. Mais horrorizado ainda quando imagino o que pode ser feito com um cidadão abordado na rua. E isso ocorreu em São Paulo, e não em um estado do interior, em um município distante. Foi em São Paulo, que deveria ter a melhor Polícia, porque tem a melhor renda per capita. Nesses casos, o Ministério Público tem que mostrar a que veio.
ConJur — Outra questão em relação ao MP diz respeito a acusações que chamam muito a atenção da opinião pública, e anos depois os acusados são absolvidos pelo Judiciário. O senhor acha que o promotor deve responder quando a ação proposta por ele é totalmente descabida?
Paulo Rangel —
Acho que não. Se há dolo, maldade, má-fé, o promotor responde administrativamente. Quando dois ou três promotores forem condenados pelo insucesso da sua ação, os outros não vão mais querer trabalhar. Às vezes, o resultado independe da vontade do promotor. Pode haver dificuldades em levar provas ao processo, em ouvir testemunhas, porque elas não vão depor, ou da perícia técnica que não está dotada de instrumentos necessários e adequados para elaboração do ato pericial. Uma das coisas que ainda mantém o Ministério Público de pé — e deve continuar assim — é a independência funcional e a inamovibilidade. É a certeza de que, custe o que custar, inclusive a própria vida, enquanto o promotor estiver agindo dentro da lei, ele não será removido nem coagido por ninguém a fazer algo que não seja o correto.
ConJur — O senhor já se deparou com alguma situação de tentativa de coação?
Paulo Rangel —
Certa feita, como promotor de Justiça em uma comarca, descobri que o prefeito atrelou o salário dele à arrecadação municipal. Ele ganhava 1% da arrecadação e mais dois terços de representação; o salário dele era de R$ 50 mil. Entrei com Ação Civil Pública e consegui a diminuição do salário dele. Arrumei um grande inimigo, houve uma pressão política tremenda. Ele dizia que ia me tirar de lá. Mas eu tinha inamovibilidade. Se eu pudesse ser removido, a sociedade ia perder. Mas, é claro que os membros do Ministério Público têm e devem ter responsabilidade para saber que não devem agir por impulso, por injunções políticas, nem imbuídos de qualquer outro espírito que não seja o de fazer justiça. Exatamente para impedir que haja uma ação ministerial em desacordo com aquilo que a sociedade busca na figura do Ministério Público.
ConJur — O senhor disse em uma palestra que, em matéria penal, os promotores ainda têm uma visão xiita do processo. Existe alguma orientação de promover ações penais para buscar punições?
Paulo Rangel —
Não. Isso vem da própria história da instituição e da origem de seus membros. Teríamos que fazer um estudo sociológico de quais classes sociais vêm os membros do Ministério Público, que tipo de ensino e de preparo técnico possuem e, por fim, entender que a visão não é do MP, é da sociedade a qual o Ministério Público faz parte e representa. As pessoas têm prazer com o mórbido, com o sofrimento alheio. A sociedade é punitiva, é xiita, desde que não seja com ela. Se fizermos uma pesquisa e perguntar para as pessoas: “Vocês querem uma Polícia honesta, limpa e correta, um Ministério Público forte e independente, e um Judiciário implacável?”. As pessoas vão responder: “Sim. Desde que não seja para me processar”.
ConJur — A tendência é querer todo rigor para punir os outros?
Paulo Rangel —
Sim. Um exemplo claro, conhecido de todos nós, é o caso lamentável do filho da atriz Cissa Guimarães. O rapaz atropelou, matou o filho dela e fugiu. O pai dele, homem de classe média, foi corromper o policial. Se tivermos Polícia, Ministério Público e Judiciário implacáveis será o caos na sociedade, que não quer e nem está preparada para isso. A sociedade quer aquele guarda que aceita o dinheiro. A sociedade é hipócrita, porque quer um Ministério Público forte e implacável contra os outros, não contra ela. Tanto que quando o Ministério Público sobe o escalão, no sentido de perseguir e de punir crimes de colarinho branco, há um massacre para cima do órgão. Eu divido o MP antes e pós-Constituição. Este último ainda é muito novo e não aprendeu a trabalhar com todas as prerrogativas que tem. Com o tempo, seus membros vão estudando, refletindo, em busca de informações de outras disciplinas que nos ajudam a enxergar o Direito em uma dimensão maior. Mas isso exige a disposição de olhar além daquilo que até então se está olhando. Esse é um desafio não só do Ministério Público, mas de todas as classes jurídicas.
ConJur — O senhor pode contar um pouco da sua experiência no Júri? Histórias que tenham marcado esses 18 anos de atuação no Tribunal do Júri.
Paulo Rangel —
Tenho muitas. Certa feita, fiz um Júri em uma cidade do interior. Eu pensei que fosse entrar em uma partida que, de 10, já estava com o placar de 8 a 0. No caso, o marido deu três tiros pelas costas da esposa e a deixou paraplégica. Ele fugiu e, depois, foi preso. No dia do julgamento, resolvi ouvir a mãe da vítima, sogra do acusado. Pela sua própria natureza jurídica de sogra, já era o terror. Como a filha ficou paraplégica, a mãe que passou a fazer todos afazeres dela. Seria importante esse depoimento. Levei a vítima, que estava na cadeira de rodas, ao plenário. Só isso já causou impacto. Quando a sogra, uma senhora muito rude, de poucas luzes, sentou na cadeira para prestar depoimento, ela perguntou ao juiz se podia falar a verdade. Sim, ela não tinha o compromisso de dizer a verdade, mas era a verdade que todos queríamos para colaborar com a Justiça. Na hora, pensei que já estava com 9 x 0; com aquele depoimento, fecharia com todos os gols. Foi aí que ela surpreendeu: “Esse homem é um santo doutor. Vive do trabalho para casa e de casa para o trabalho. Minha filha que é uma vagabunda, não presta, não vale nada. É uma prostituta”. A mulher contou que a filha estava na cama com outro homem quando o genro a flagrou e, descontrolado, atirou contra a mulher. “Se a minha filha não fosse uma vagabunda, isso não tinha acontecido”, disse a mãe da vítima. Eu comecei a escorregar da cadeira onde estava sentado para debaixo da mesa.
ConJur — O senhor ainda tentou argumentar?
Paulo Rangel —
Tentei. Falei que era um absurdo atirar pelas costas. Enfim, eram quatro mulheres e três homens no Júri. Já via os homens olhando torto. No final, o defensor disse que me admirava, que eu era um homem que falava seis idiomas, com mestrado, doutorado, um monte de livro publicado, começou até a inventar. E arrematou: “Se fosse com o doutor Paulo Rangel seria diferente. Ele chegaria em casa e, ao flagrar a esposa nessa situação que a mãe descreveu aos senhores jurados, diria ‘Cavaleiro, por gentileza, o senhor queira colocar essa roupa e se retirar da minha casa. Minha esposa, vá se vestir, pois precisamos discutir a nossa relação’”. Os jurados riram muito. Conclusão: perdi de 7 a 0. Em outro Júri, um homem conseguiu ser absolvido depois de matar o irmão de sua amante, que tinha relação sexual com a própria irmã e ficou com ciúmes do homem com quem a irmã passou a ser relacionar. O homem que matou o rapaz foi absolvido, porque era espécie de coronel da cidade e influenciou os jurados ao ameaçar todo mundo. No final, esse continuou vivendo com a amante e com a esposa. São dois Júris que eu guardo na lembrança como duas situações esdrúxulas.